Não se importa de repetir?
O tema blasfémia tem estado na ordem do dia um pouco por todo o mundo, facto que não me tenho esquivado de notar. Agora é a Irlanda, cuja Constituição no seu artigo 44 reza que o «Estado reconhece que é devida a Deus Todo Poderoso a homenagem de culto público. O Estado deve mostrar reverência ao Seu Nome e deve respeitar e honrar a religião», que se prepara para debitar uma lei anti-blasfémia dracónica, que esperemos seja rejeitada como o monte de lixo anacrónico que é e que muitos irlandeses denunciam.
A blasfémia não era criminalizada na Irlanda, embora seja proibida pela Constituição no artigo 40 (Direitos Fundamentais), em que o Estado garante:
O direito dos cidadãos de se expressarem livremente suas convicções e opiniões.
A Educação da opinião pública é, contudo, uma questão de tão grave importância para o bem comum, que o Estado deve empenhar-se em assegurar que órgãos de opinião pública como o rádio, imprensa, o cinema, enquanto preservando suas liberdades de expressão, incluindo críticas às políticas do Governo, não devem ser usadas para afectar a ordem pública ou a moralidade ou a autoridade do Estado.
A publicação ou emissão de conteúdo blasfemo, sedicioso ou material indecente é um delito que deve ser punido em conformidade com a lei.
Ou seja, a Constituição Irlandesa diz que todos têm liberdade de expressão desde que não afectem coisas tão intangíveis e subjectivas como a moralidade (?) ou a autoridade do Estado e, em particular, não blasfemem. Mas pelo facto de serem subjectivas, estas disposições não têm sido aplicadas. No único caso irlandês ao abrigo deste artigo, Corway x Jornais Independentes, em 1999, o Supremo Tribunal concluiu que era impossível dizer «em que consiste o crime de blasfémia». O Supremo pronunciou-se igualmente sobre a protecção especial para o cristianismo que considerou incompatível com a liberdade religiosa prevista nas disposições do artigo 44.
O devoto ministro da Justiça, Dermot Ahern, resolveu recentemente pôr termo a este inadmíssivel estado das coisas e pretende introduzir na legislação penal irlandesa um novo crime, a blasfémia, como uma alteração à Defamation Bill, ou seja, à lei anti-difamação. Mais concretamente, propõe a introdução de uma nova secção na lei, que reza «Uma pessoa que publica ou pronuncia matérias blasfemas será culpado de um crime e deve ser penalizada se considerada culpada de uma multa não superior a €100.000».
Leram bem, uma multa de 100 000 libras por material «blasfemo», sendo que este é definido como «aquilo que é ofensivo ou insultuoso em relação a assuntos considerados sagrados por um qualquer religião, causando assim indignação entre um número substancial dos aderentes dessa religião».
Como as nossas caixas de comentários espelham, um número substancial de crentes considera-se ofendido nas suas convicções «sagradas» por tudo e mais botas , em particular pela existência de ateus que não finjam serem crentes, pelo que, se a referida talibanização da Irlanda for para a frente, não é preciso grande presciência para prever um futuro inquisitorial na Irlanda.
Aliás, alguns crentes já reagiram à proposta da forma esperada, um deles propondo mesmo a criminalização do ateísmo. Citando um cretino cujo pen name é Vox Day, que se tem distinguido não só no seu blog como no World Nut Daily pelas barbaridades que debita, o devoto senhor propõe que, no interesse da racionalidade (???) e do senso comum (???), a legislação irlandesa deveria emular a Sharia e declarar o ateísmo um crime do pensamento. Não é muito complicado imaginar qual a pena que Eric Conway gostaria ver aplicada aos perigosos [sic] ateus!