O rei vai nu (mas muito bem vestido?)
O João Vasco abordou o célebre conto d´«o rei que vai nu», para concluir que «mesmo que alguns ateus digam “estão a ver coisas que não existem e a enriquecer o clero inutilmente” – muitas pessoas encaram isso apenas como uma limitação dos ateus, que não conseguem ter acesso à “dimensão espiritual”». Justamente. Uma das dificuldades fundamentais do diálogo com os crentes é justamente essa: embora o rei vá nu, eles insistem que vai muito bem vestido.
Geralmente, a situação é a seguinte: nós apresentamos provas de que a «ressurreição» é impossível, que a criação do universo por uma entidade consciente é disparate, e que «vida depois da morte» é um oxímoro. Em suma, explicamos que o rei vai nu. Eles respondem que não estamos abertos «à dimensão espiritual» em que eles vêem as roupas do rei que está nu, que milhões de pessoas ao longo dos séculos disseram que o rei estava vestido embora estivesse nu, que existem escolas (e até universidades) em que se estuda o tecido da roupa que o rei usa quando vai nu, o casaco, as calças e a camisa usadas pelo rei quando vai nu, as cuecas e os peúgos do rei quando vai nu, e até os formatos e as cores dos botões da camisa que o rei leva quando vai nu. Dizem-nos ainda, com deleite, que dezenas de teólogos discutiram apaixonadamente durante séculos se os botões da camisa que o rei usa quando está nu têm dois ou quatro buracos, e que esse debate é a maior prova da beleza e da própria realidade indiscutível das roupas que o rei usa mesmo quando está nu.
A verdade é que as crenças religiosas mais populares não são «sofisticadas», «filosóficas» ou particularmente complexas. São ideias bastante simples, até enternecedoras na sua ingenuidade. Por muito protegidas que as roupas pareçam estar pelas «universidades» de teologia e pelas toneladas de papel não reciclado que se gastaram a discuti-las, a verdade é que o rei vai mesmo nu.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]