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  • 2 de Maio, 2011
  • Por Ricardo Alves
  • Islamismo

Ossama Bin Laden (1957-2011)

No dia da morte de Bin Laden, o seu projecto político-religioso parece irremediavelmente fracassado. Ele foi o rosto da ascensão do terrorismo islamista, entre 2001 e 2006, numa sucessão de atentados espectaculares pela sua crueldade. Foi tal o horror que causou, pelo «atrevimento» de atacar em solo norte-americano e na Europa, por usar bombistas suicidas e pela óbvia intenção de maximizar o número de vítimas inocentes, que se tornou quase um acto de traição tentar compreender o homem e os que o rodeavam. Mas, no momento do seu assassinato, a sua estratégia de polarização estava esgotada: o islamismo só tomou o poder em zonas de guerra endémica como a Palestina ou a Somália, os atentados na Europa terminaram, e os povos árabes parecem mais interessados na democracia e na laicidade do que estavam há dez anos.
Ossama Bin Laden foi, no seu tempo, o mais influente líder religioso do mundo. A sua notoriedade global deveu-se a ter inspirado, financiado e parcialmente planeado uma campanha terrorista, mas o discurso que usou para justificar essa campanha apresentava a especificidade de ser integralmente religioso, e sem esse apelo religioso não teria mobilizado tantos seguidores nem teria podido pretender falar por centenas de milhões de muçulmanos. A percepção do Islão alterou-se radicalmente (não para melhor) desde 2001, e é graças a ele que muitos hoje compreendem que nem tudo o que é inspirado pela religião é necessariamente bom. A fronteira entre a devoção e o fanatismo, na realidade e ao contrário do que pensam os que só vêem qualidades na religião, não é clara. E o rosto de Bin Laden, com aquele sorriso tranquilo, é mais próximo do de um santo da ICAR do que da compleição enfurecida de um Hitler ou do que da frieza gélida de um Estaline. Provavelmente, matava convencido de estar a fazer o bem. O que isso nos diz sobre o ser humano e a religião ainda vai demorar a ser compreendido.
Bin Laden teve as suas vitórias. Pretendia polarizar o mundo entre uma revolta islamista e as democracias europeias, e a sua estratégia passava por arrastar estas para a guerra, os assassinatos arbitrários e a violência sobre civis. Em parte, conseguiu o que queria: as democracias da Europa e dos EUA rebaixaram-se ao voltarem a legitimar a prática da tortura, ao invadir Estados muçulmanos sem mandato legal, e ao vigiarem cidadãos que não cometeram qualquer crime mas são muçulmanos. Que Barack Obama diga que se «fez justiça» (sem julgamento) é um sintoma do recuo civilizacional que Ossama logrou: um verdadeiro sinal de superioridade civilizacional seria tê-lo preso e julgado (o que nem sequer foi tentado). A sua herança, para nós europeus, inclui também o poder imenso que os serviços ditos «de informações» reuniram nesta década: existem mais pessoas e meios envolvidos na vigilância dos cidadãos das democracias do que acontecia durante a «guerra fria». E, igualmente assustador, parece haver hoje menos resistência à intrusão do Estado policial na vida privada do que havia nessa época.
As circunstâncias da sua morte têm zonas cinzentas. Da caverna nas montanhas tribais (onde nos diziam que apodrecia) para a mansão de luxo fortificada próxima da capital, vai uma grande distância. As alegações de que o ISI faz jogo duplo ganharam novo crédito. E há portanto mais um indício de que a raiz do terrorismo islamista é o próprio Paquistão.
Finalmente: supondo que o terrorismo islamista a partir de agora agravará o declínio em que já vem desde 2006, não será a altura de encerrar Guantánamo e a rede de prisões ilegais? Penso que sim: a guerra acabou. Ou não?
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

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