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Laicidade, liberalismo e não só

No Blasfémias, João Miranda interpela o Diário Ateísta sobre várias questões.

  1. Convém esclarecer desde já que respondo a título meramente pessoal. Os redactores do Diário Ateísta não partilham necessariamente todas as posições uns dos outros, nomeadamente (mas não só) quanto à lei francesa que proíbe os símbolos religiosos ostensivos na escola pública.
  2. Parece-me óbvio que a propriedade privada de todos os meios de comunicação social só garantiria a liberdade de expressão dos proprietários respectivos. A Rádio Renascença, por exemplo, jamais dará tempo de antena a uma associação de ateus. Penso portanto que a pluralidade de meios de comunicação social, estatais e não estatais, defende melhor a livre circulação de todas as ideias, embora, evidentemente, reconheça as dificuldades de evitar a instrumentalização da comunicação social estatal pelo poder político do momento (ou pela histeria religiosa do momento, conforme temos visto nos últimos dias). As obrigações estatutárias dos media públicos, apesar de tudo, podem limitar os danos num mundo que nunca será perfeito.
  3. É evidente que «o Estado nada tem com o que cada um pensa acerca da religião» e que «o Estado não pode ofender a liberdade de cada qual, violentando-o a pensar desta ou daquela maneira em matéria religiosa», na frase lapidar de Afonso Costa. Justamente por isso, a escola do Estado não pode impôr a presença de crucifixos aos alunos, ou constrangê-los a participarem em rituais religiosos. Se é evidente que a escolaridade limita algumas liberdades individuais, desde logo ao ser obrigatória, exactamente por o ser deve assumir-se tão neutra quanto possível em tudo o que releva do livre arbítrio individual, como é o caso da crença.
  4. João Miranda engana-se gravemente quando compara as crenças religiosas aos conhecimentos de História ou de Física. A identidade do Presidente da República no dia 24 de Abril de 1974, ou a corroboração da Relatividade Geral pela precessão do periélio de Mercúrio, ou ainda o funcionamento dos órgãos internos de um qualquer mamífero, não são crenças. São factos. A escola pública deve ensinar esses conhecimentos comprováveis e universais, e não propagar crenças religiosas que são, essas sim, arbitrárias e individuais. (E que por isso podem ser erradas para uns e não para outros.)
  5. O liberalismo defendido pelo João Miranda não será inevitavelmente adversário da laicidade. Apenas o será no limite em que defenda o desmantelamento total do Estado e a privatização integral do espaço público. Eu acredito que apenas o Estado pode garantir alguma neutralidade do espaço público. E é evidente que essa neutralidade não deve apenas precaver-se contra a religião, mas também contra as ideologias e os partidos.

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