No rescaldo das eleições brasileiras
O empenhamento do presidente que retirou da miséria extrema mais de vinte milhões de compatriotas e elevou 30 milhões à classe média tinha de dar frutos. Lula foi obreiro da vitória de Dilma Rousseff e, para o bem e para o mal, será sempre a bitola pela qual será julgada a sua sucessora.
A vitória de Dilma foi merecida e, apesar da orfandade que a maioria dos brasileiros vai sentir do seu carismático presidente, estará à altura de continuar o melhor período económico, social e político de sempre. O facto de ser mulher é um factor de esperança num país onde, às enormes desigualdades sociais, se associam as de género.
Dito isto, não devemos olvidar a campanha vergonhosa da segunda volta eleitoral. Não se discutiu política, fizeram-se ataques de carácter, não se falou do futuro, remexeu-se o passado dos candidatos. Até a coragem da velha guerrilheira, que enfrentou os militares que oprimiram o Brasil de 1964 a 1985, foi usada para a denegrir. A derrota de Serra fez lembrar uma peça de Brecht em que um juiz, bêbedo e corrupto, fazia justiça. Foi uma derrota justa.
Quando se esperava que o legado da candidata Marina Silva, cuja votação impressionou os observadores, servisse para discutir os relevantes problemas do ambientalismo viu-se que os seus votos não resultaram de uma consciência ecológica mas do apoio da IURD e dos crentes mais retrógrados, seduzidos pela sua crença evangélica e pelas afirmações declaradamente homofóbicas e contra o aborto.
Assim se compreende que a segunda volta fosse dominada, não pela política mas pelo aborto, com o Papa a mandar os bispos fazer campanha a favor da vida, isto é, a favor de Serra, bem como a Assembleia de Deus, que reúne a maior parte dos evangélicos do Brasil, enquanto a empresa de Edir Macedo, conhecida por IURD, transferia para Dilma o apoio que os católicos mais progressistas já lhe concederam na primeira volta.
Finalmente, Dilma, com escândalo nos meios mais devotos, no discurso de vitória, não agradeceu a Deus o resultado eleitoral, talvez por Deus não estar recenseado ou por ter preferido Serra. Registe-se a posição decente em relação à laicidade do Estado.
A campanha da segunda volta das eleições foi decepcionante. Esperemos que o mandato de Dilma honre a herança que recebe e que o Brasil merece. Esse é o grande desafio da primeira mulher brasileira a ocupar a cadeira presidencial na 8.ª economia mundial.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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