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Etiqueta: Religião

22 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

Sobre a igualdade

O Cristianismo conseguiu impor-se graças a duas grandes ideias que constituem a linha de força que, em linguagem publicitária usada nos tempos em que fui criativo gráfico em agências de publicidade, podem ser referidas como “o eixo” das suas preocupações de marketing.

A primeira ideia tem a força da fé: é o desejo de vitória da vida sobre a morte, que no Cristianismo é simbolizada pela ressurreição. Constitui o motor da expansão do credo ao nível do irracional. A crença na ressurreição do corpo, num hipotético dia do juízo final, acrescentada da, também hipotética, viagem “pós-morten” que a alma empreenderia para junto do deus que enche de ventura aqueles que, em vida, só padeceram tormentos.

Foto de Jacob Amson na Unsplash

Esta suposta vida a usufruir depois da morte é a imagem de marca e a espinha dorsal que sustenta o Cristianismo ao nível do irracional, porque encerra o essencial da vontade de todos nós, que é a fantasia de contrariar a morte, prometendo-nos uma vida eterna no etéreo, sem necessidades materiais, onde o pobre e o rico serão, finalmente, iguais (derradeiro consolo!).

A segunda ideia contém força social e política ao apregoar a “igualdade entre os homens”. Igualdade reconhecida ainda em vida, o que acaba por ser uma ideia positiva… embora não seja biologicamente correcta!…

Na verdade científica os seres humanos “são semelhantes”, mas “não são iguais”. Os códigos genéticos são idênticos na forma, mas não são iguais no conteúdo. Cada um de nós é detentor de um código genético único, o que faz com que cada um seja, realmente, diferente do outro. Biologicamente, cada um de nós é único.

A igualdade apregoada deve ser entendida como conceito social: igualdade no tratamento e nas oportunidades, tal como a nossa Constituição regista.

O conceito religioso da igualdade (amarás o teu próximo como a ti mesmo) é referido no Velho Testamento (Levítico: 19; 11-18), foi relembrado nos Evangelhos (Mateus: 22;39) e já era sugerido no Código Hamurabi (na sociedade babilónica há cerca de 3.800 anos) onde os redactores da Bíblia foram beber a ideologia que transcreviam em nome de um deus hipotético…

É um conceito que se compreende e deseja sob o ponto de vista humanista na tentativa de se eliminar diferenças sociais. A originalidade ideológica do Cristianismo reside precisamente no lembrar desta ideia da universalidade do Ser Humano, negando discriminações na afirmação de que todos somos iguais, contrariando os sentimentos de classe, rácicos e nacionalistas que estão tão “na moda” hoje, usados pelos anti-humanistas radicais de Direita… que querem ser governo!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

15 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

O Natal de um ateu

Já me têm perguntado: “como é o Natal de um ateu?”. É uma curiosidade motivada pela ideia generalizada de que a sociedade está dividida em segmentos. Há o segmento religioso, o segmento político e o segmento futebolístico (no mínimo…). E também há quem pense que em cada segmento as pessoas funcionam de modo diverso das outras.

Para satisfazer os curiosos… cá vai:

Não posso falar pelos ateus em geral, porque cada pessoa é ela própria e não o decalque de quaisquer outras (consideração válida para ateus e religiosos); como os meus amigos sabem, religiosamente sou ateu, politicamente sou de Esquerda, e em futebol… sou contra! Não gosto de futebol, nunca joguei a bola nem entrei num estádio e não vejo campeonatos, nem pela televisão. Costumo dizer aos meus amigos que, para mim, o futebol está ao nível de Deus… não existe!

Quanto ao Natal… é uma festa religiosa das sociedades cristãs. Cada um de nós, embora seja dotado de raciocínio próprio, é sempre o resultado do meio em que nasceu – cresceu e foi educado – não lhe podendo fugir. O Natal e a Páscoa são festas religiosas do meio que me fez, mas também são profanas. A Páscoa nunca teve significado no meu meio familiar; é um Domingo como qualquer outro… sempre assim se procedeu em minha casa porque “a ressurreição” (no figurino em que os religiosos cristãos a apresentam) não tem sentido.

Já o Natal é a “Festa da Família”. É um dia em que se reúnem familiares mais chegados, habitualmente separados por factores profissionais ou de residência distante, num jantar comunitário (designado por Consoada, palavra derivada do latim Consolata que quer dizer “refeição partilhada”) onde se sacrifica um bacalhau salgado, já sacrificado no Mar do Norte, regado com azeite de Trás-os-Montes e acompanhado de um bom vinho. Há sobremesas doces e distribuição de prendas, e findo o serão vou dormir sem assistir “à missa do galo”.

Imagem da Unsplash

Portanto, retirando a missa e as orações dos Católicos (que nem todos cumprem), o meu Natal de ateu é igual ao Natal de um religioso!

As datas religiosas da Igreja Católica, como Páscoa e Natal, têm a ver com a vida de Jesus Cristo, enquanto ícone deífico dos cristãos… mas também estão ligadas à Natureza, aos equinócios do Inverno e da Primavera. Toda a vida dos Seres Humanos é baseada, em primeiro lugar, na Natureza, e depois na sociedade e no seu folclore próprio e sazonal, que pode ser laico ou religioso, mas que é, sempre, folclore inerente a cada grupo social, que a Antropologia, a Etnologia e a Sociologia, estudam e explicam.

O Pinheiro e o Presépio

Nos meus tempos de miúdo ia cortar, numa bouça próxima de casa, um pequeno pinheiro recém-nascido, que enfeitava com bugalhos forrados com prata retirada dos maços de cigarros (encontrados no lixo e no chão da rua) rematando a obra com bocadinhos de algodão a fingir de neve (se tivesse vinte e cinco tostões para comprar pequenas bolas de vidro, coloridas e muito frágeis, e dois pacotinhos de minúsculos chocolates amarrados com uma fita de seda, para pendurar na árvore… era uma festa e a obra ficava espectacular!) sem ter consciência de que a tradição da árvore de Natal estaria ligada às crenças dos povos pagãos do norte da Europa, principalmente à celebração do Solstício de Inverno – a noite mais longa do ano – como homenagem à Natureza adormecida.

Já o Presépio encerra uma outra história para além da relação com o Solstício de Inverno. Uma breve consulta ao Novo Testamento mostra-nos que de entre os evangelistas que nos falam da história de Jesus nenhum deles narra a cena que estamos habituados a ver designada por Presépio. Mateus (2:11) diz-nos que os reis magos “entrando na casa acharam o menino com Maria”. Logo, o estábulo da tradição não existe nesta referência, já que o local do nascimento seria “uma casa”.

Marcos e João omitem o nascimento de Jesus, referindo-o já como adulto, quando é baptizado nas águas do rio Jordão por João Baptista.

Lucas (2:7) já nos diz que Maria “deu à luz o seu filho primogénito e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”.

A necessidade de José e Maria terem um lugar para pernoitar, devia-se ao facto de se terem deslocado de Nazaré, onde viviam, para Belém, na obrigação de se recensearem, no cumprimento de um decreto do imperador César Augusto que obrigava ao recenseamento de todos os cidadãos; e o casal partira para o local quando Maria já estaria num estado avançado de gravidez.

A imagem do Presépio que hoje figura na maioria das casas e nas montras das lojas na época natalícia, teve origem numa ideia de Francisco de Assis que, em 1223, festejou o Natal fora da igreja, montando uma manjedoura na floresta de Greccio, Itália, colocando junto dela um boi e um burro como elementos tradicionais de um estábulo.

O povo não entendeu de imediato o significado daquela encenação, mas durante a Idade Média o costume espalhou-se e, em 1567, a Duquesa de Amalfi mandou montar um grandioso Presépio com 116 figuras representando o nascimento de Jesus Cristo com a adoração dos reis magos, dos pastores e com anjos a cantar.

A partir do século XVIII o costume espalhou-se pelas casas dos crentes, mantendo-se até hoje… e convenhamos que o Presépio, enquanto decoração natalícia, fica muito bem nas montras das lojas e nos centros comerciais, nesta época de chamamento ao consumo desenfreado… conotando uma festa de cariz religioso, com o consumismo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

8 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

Crer é um acto intelectual

Muito provavelmente a ideia de Deus (dos deuses) entrou em processo de depuração logo após a termos criado, por sentirmos que o caminho dos deuses, afinal, era uma vereda muito mais estreita do que a estrada que ambicionávamos pisar. Razões diversas estarão na base da motivação que nos levou à criação das divindades – que imaginávamos ter-nos oferecido o mundo, a vida e a felicidade eterna – e à eleição de um deus particular para cada momento dos dias que os deuses nos ofereceram para os cultuarmos. Começamos por criar um panteão onde colocamos os deuses da nossa invenção e, com o evoluir do pensamento,

destruímos o panteão e elegemos um único deus (um deus-single) para nos servir a todo o tempo e em cada situação de vida.

A ideia do divino é comum a todas as sociedades porque o Ser Humano é único e universal. Somos o mesmo ser em todas as latitudes e em todos os tempos, e as motivações que nos levam à adoração do que quer que seja, são universais; apenas modificadas por questões culturais de cada povo e em cada época.

Em todas as sociedades há um fundo comum embelezado com as crenças, às quais não é estranha a humana necessidade da introspecção, a inquietude do acaso, a fuga à solidão e às agruras da Natureza, e o sentimento da insegurança, acrescentando o medo da morte como “medo máximo” que eternamente nos consome.

O vencer do caminho que nos conduziu ao abandono de um panteão, pretensamente (mas também enganadoramente) protector de todos os males, e ao apuro de um único deus, acabará por dispensar, também, o deusJeová (Alá) – criado pelos Hebreus, reciclado por Jesus Cristo e adoptado (e adaptado) por Maomé – que sobrou da purga que o passar do tempo e o evoluir do pensamento promoveu no panteão que gregos e romanos herdaram da civilização mesopotâmica.

Na verdade antropológica, “deus habita em nós”. Isto é: existe no nosso pensamento… mas não passa de uma ideia, não se encontrando em mais lado algum fora da cabeça de quem crê. A crença num deus (ou em deuses e santos) é uma característica da nossa espécie de “Sapiens”, a qual nos diferencia de todos os outros animais nossos companheiros da vida na Terra.

Imagem gerada por IA

Porém devemos ter a consciência de que a crença é um acto intelectual. Aqueles ateus “em princípio de carreira” que vociferam contra tudo quanto “cheira a incenso”, se não tiverem essa consciência também não têm discurso que mereça ser ouvido. Se cremos, é porque sentimos que precisamos de crer; se criamos deus à nossa imagem e semelhança, foi porque sentimos necessidade de o fazer, já que o Homem só cria aquilo de que necessita. (A exploração social e económica que dessa ideia se faz, por uma elite exploradora de tal sentimento… é que já é outra conversa!…)

O sentimento da religiosidade é comum a todos os humanos independentemente das geografias em que se encontrem, e só está vedado aos restantes animais por não terem intelecto. Foi a nossa capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade e o sentido estético, que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo e à criação de deuses (que depois transformamos no Deus único).

Esta faceta criativa que nos caracteriza, faz de nós uns seres especiais. No entanto, quando em discordância com os nossos semelhantes, somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma!… 

Embora raciocinemos, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos tomando conta da razão… e, por esse caminho, se bem virmos, até ficamos em patamares inferiores relativamente aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que eles só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões dos irracionais que consideramos inferiores… e ainda acrescentamos a lista, deixando-nos tomar por uma irracionalidade e uma cupidez que demonstram o pior da nossa condição animal, incluindo na lista das malfeitorias a crença em Deus quando a usamos como arma discriminatória e até mortífera (embora, ao mesmo tempo, o louvemos e lhe cantemos loas… o que sublinha a nossa imponente estupidez).

Isto parece-me incongruente com a capacidade que temos de raciocinar… mas a verdade é que nós somos assim… somos um produto natural ainda muito mal acabado!… (Espero que a evolução natural “lime as arestas” e nos melhore… mas isto, se calhar, também já é crença!).

Nós só erramos porque somos imensamente ignorantes… alguém disse que  “o erro é uma ignorância que se ignora”. A ignorância também é uma das nossas características. Todos nós somos ignorantes, até mesmo os sábios… que só o são no seu tempo e no seu ramo… e, mesmo assim, com limites.

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

1 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

O mistério da água na Criação

Neste momento tenho em mãos a finalização de um projecto de livro onde abordo o Génesis bíblico sob o ponto de vista de um leitor laico da Bíblia.

Interpreto os textos bíblicos com o conhecimento do meu tempo (e apenas daquele conhecimento que detenho, ou imagino deter, porque sei que não sei tudo) sem esquecer que os autores das narrativas bíblicas não o possuíam, e só puderam registar o conhecimento que tinham no tempo e no lugar em que as escreveram há cerca de 3000 anos. Obviamente, os seus saberes (no âmbito das minhas premissas) seriam muitíssimo mais limitados do que são os de qualquer um de nós (dos interessados pelo mesmo tema), três milénios depois.

De acordo com isto, o que se narra no Génesis mereceu-me a apreciação que faço no referido projecto de livro, dando conta de que a simplicidade com que a “Criação divina” é descrita na Bíblia se assemelha a um conto infantil dos mais puros, cujas acções narradas não precisam de coerência, aparecendo do nada sem qualquer ligação com a realidade das coisas.

O infantil leitor não tem qualquer dúvida sobre a verdade do conto entendendo-o como verdade sem necessitar de o ver explicado.

Uma narrativa deste tipo não pode ser negada, porque é ficção poética… e é bonita!…

Como tal, não pede explicação nem merece contestação. Seria uma estupidez contestar um poema!

A liberdade criativa dos poetas, dos escritores e dos artistas em geral, não tem limites. A dos autores dos textos bíblicos também não… e devemos entendê-los num enquadramento temporal, geográfico, social e político, que hoje temos muita dificuldade em imaginar.

Porém, para os intrinsecamente crentes, isto não é poesia… é da melhor realidade histórica a merecer crédito imediato!

E é aí que começa a crítica que tais crentes merecem (não a poesia da Criação), por parte de quem ultrapassa as interpretações de fé, aceita a poesia, mas não permite que lha dêem como sendo notícia de um acontecimento real.

Uma narrativa deste tipo não pode ser contestada enquanto texto poético. Contestá-la seria uma atitude tão sem nexo como é afirmá-la… não se contestam brincadeiras de criança, nem lendas, nem poemas.

As lendas são para serem lidas e apreciadas nas suas poéticas, e apreendidas as lições subliminares que, eventualmente, possam conter, não sendo líquido que todas as contenham.

O Génesis nada mais é do que isso, e na sua apreciação devemos considerar as circunstâncias em que foram registadas estas ideias com a presunção de serem reais, não esquecendo que os autores do Velho Testamento as copiaram de narrativas da civilização Suméria, na pretensão (e presunção) de escreverem a história do povo judeu como sendo o “povo eleito de Deus”.

Porém, como as religiões gostam de afirmar a “realidade contida na palavra de Deus”, neste meu exercício lúdico de imaginação pura que transcrevo na hipótese de livro e que aqui comento, encaro a “veracidade da narrativa” conforme a vontade daqueles que a afirmam. Consequentemente, coloco no referido projecto de livro o rosário de dúvidas que tal “realidade” me suscita, sem pretender nada mais que não seja, simplesmente, fazer um exercício lúdico.

Vejamos: o Génesis diz-nos que Deus criou o mundo em nove etapas, ou tarefas. Quase dia sim, dia não, obrava duas delas, num total de seis criações, e as restantes três contaram com um dia para cada uma.

As tarefas do primeiro dia incluíam a criação “dos céus e da terra, da luz e da separação do dia e da noite”. No segundo dia foi criado “o firmamento”, e só no terceiro dia se procedeu “à separação da terra e do mar” (sendo o mar composto por água… é aqui que está o berbicacho!… Já volto ao assunto).

A grande obra de Deus iniciou-se com a tarefa de criar estes dois primeiros elementos: os céus e a terra. No contexto da criação do mundo entendo o termo Terra como substância constituinte do solo do planeta (Land, em inglês), e não no seu todo enquanto planeta (Earth, em inglês), porque Deus terá criado o mundo por etapas, e a terra (Land) foi uma delas. Se o termo Terra referisse o planeta (Earth) não haveria nada mais para criar depois dele, porque o planeta compreende um todo, incluindo o solo, a água, a atmosfera e todas as formas viventes, vegetais e animais que lhe são próprias, pelo que a obra ficaria completa na primeira tarefa.

É de notar que esta primeira criação foi obrada às escuras, pois a luz ainda não havia sido criada (e o termo céus, no plural, é enigmático). Portanto, após a primeira criação, não havia nada mais do que céu (não se sabendo bem o que isso seja) nas alturas, e rocha, terra e pó, no abismo.

Porém, prevalece este mistério: O início do Génesis começa por afirmar que “o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Génesis: 1;2)… que águas?!… De onde brotaram elas?!… Se foi o mesmo Deus quem as criou, os escribas esqueceram-se de registar tão importante e vital criação!

Imagem gerada por IA.

Se o Génesis não refere a criação da água, mas afirma a sua existência após a primeira criação (os céus e a terra), devemos aceitá-la como existindo prévia e independentemente da obra e da vontade de Deus?!… E em que recipiente se encontrava ela?!…

Coisa estranha… mesmo para um poema!…

21 de Novembro, 2024 Carlos Silva

Mensagem de Natal da IC na RTP

Imagem: RTP

Atribuir à Igreja Católica ou a qualquer outra confissão religiosa tempo de antena em canais de televisão públicos, pagos pelo contribuinte, viola o princípio constitucionalmente definido da Laicidade da República Portuguesa.

Havendo um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, segundo o qual “toda a publicidade destinada a promover uma confissão religiosa, ou que tenha por objeto ideias religiosas, deverá ser considerada ilícita, incorrendo o infrator em responsabilidade contraordenacional”, não se compreende, porque não foi tomada qualquer ação por quem de direito.

Se ao Provedor (a) do Ouvinte e do Telespectador compete “representar e defender, no contacto com as Empresas de Serviço Público de Rádio e de Televisão, as perspetivas dos Ouvintes e dos Telespectadores diante da oferta radiofónica e televisiva”, o que é que o mesmo fez para evitar tal ilicitude?

Católicos, evangélicos, muçulmanos, hindus, judeus, budistas… qualquer crença têm o direito de transmitir a suas “mensagens”, mas, obviamente, nos locais e canais próprios, para os seus fiéis seguidores, ou para aqueles que veneram amigos imaginários e paguem o dízimo ou esmola… não para a população em geral e muito menos para pessoas minimamente lucidas e racionais, que normalmente estão vacinadas contra os seus dogmas.

Não o podem fazer numa televisão pública paga por todos os contribuintes, sobretudo aqueles que respeitam a separação e laicidade do Estado.

Não é lícito!… muito menos moral, o Estado favorecer, publicitar e patrocinar uma religião específica (IC) a quem atribui inúmeras regalias e sobretudo isenções de impostos.

Já chega de discursos “politiqueiros” … “jornadas religiosas” … “lutas contra o aborto” … “lutas contra a eutanásia” … “lutas contra a homossexualidade” …

(…)

A RTP, enquanto órgão de informação, tem obrigação de oferecer aos seus telespectadores e contribuintes um serviço público livre e independente do poder político, económico e religioso.

AGORA ATEU (II), 2023-12-24

13 de Novembro, 2024 Carlos Silva

Despertar

Imagem gerada por IA de Artguru

A determinada altura da vida atingimos um determinado patamar de consciência que nos confere um nível de perceção exclusivamente racionalista.[1]

A determinada altura da vida deixamos de temer criaturas “infernais” e aspirar a “paraísos” supranaturais.

A determinada altura da vida, somos inevitavelmente arrastados pela corrente de observação objetiva da realidade.

A determinada altura da vida a consciência atinge praticamente o seu auge e assimilamos que só AGORA podemos ser realmente felizes.

A determinada altura da vida deixamos de ter pressa de viver e queremos apenas desfrutar.

A determinada altura da vida queremos simplesmente conhecer e esquecer tudo o que inutilmente nos impuseram.

A determinada altura da vida queremos simplesmente deliciar com esta maravilhosa paisagem com que diariamente nos deslumbramos.

A determinada altura da vida queremos simplesmente estar em paz, connosco e com todos os que nos rodeiam.

A determinada altura da vida queremos simplesmente saborear o mais simples dos milagres…

A VIDA!

Aspiramos então a ser apenas nós…

Livres e satisfeitos!

Aspiramos então a sentir e que nos deixem sentir completamente.

Aspiramos então a pensar e que nos deixem pensar da forma mais racional possível.

Aspiramos então a amar e sobretudo que nos deixem amar quem e o que realmente amamos.

É então que assimilamos que nunca é tarde para Sonhar…

É então que assimilamos que nunca é tarde para Amar…

É então que culminamos que nunca é tarde para Viver…

E nunca é tarde para DESPERTAR!


[1] Numa fase mais precoce, traduzida pela descoberta e deceção que conduz ao desacreditar do “pai natal” e de todas as figuras do universo imaginário.

Numa fase mais matura, alicerçada no crivo do contraditório e na consciência da realidade, traduzida na contínua desconstrução e desmistificação de todos os dogmas previamente incutidos.

É, pois, normalmente neste apogeu de plena capacidade física e intelectual, que é atingido o desacreditar lógico e racional em todas as entidades ditas “divinas; o ponto de perceção do ideal divino como mero conceito individual e abstrato, factualmente inexistente fora do contexto mental humano”.

A óbvia assimilação e conclusão do ato mental, característico da espécie humana, que varia de acordo com contexto sociocultural onde se produz.

AGORA ATEU (I), 2017-03-06

3 de Novembro, 2024 Onofre Varela

Halloween, o dia das Bruxas

As pessoas da minha idade que celebram o dia 1 de Novembro, atribuem à data duas recordações, sendo uma histórica e outra religiosa: a primeira, é o dia do terramoto que destruiu Lisboa no ano de 1755, e a outra é o “dia de todos os santos”, no qual a tradição manda lembrar os mortos da família numa romagem de saudade ao cemitério onde estão sepultados, dando uma ajuda ao negócio das flores que nesse dia triplicam ou quadruplicam o preço, de acordo com a regra económico-capitalista “da oferta e da procura”.

A estes dois eventos soma-se mais um que não era atendido na cultura portuguesa do meu meio social no tempo da minha meninice e primeira juventude, tendo sido importado de países ocidentais anglófonos. Refiro-me ao “Halloween”.

Celebrado na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, o Halloween é uma festa americana das crianças que escolhem guarda-roupa de fantasia fantasmagórica para, assim trajadas, baterem à porta de vizinhos, amigos e familiares, pedindo guloseimas (gostosuras) e fazendo travessuras se não forem atendidas.

A origem desta tradição, que pede uma decoração das casas usando abóboras-lanterna, o acender de fogueiras e o contar histórias de assombração, pode ser encontrada em rituais celtas ligados ao fim do Verão e às colheitas agrícolas, e remonta ao século XVIII nos territórios pagãos da Irlanda e da Escócia, cujos rituais foram exportados para o território norte-americano pelos colonos imigrantes que se fixaram na terra dos “peles-vermelhas” (que são os históricos, legítimos e verdadeiros donos daquelas paragens geográficas).

Imagem gerada por IA da Stockcake

Mas a história do Halloween tem uma origem mais alongada no tempo se lhe juntarmos as tradições semelhantes dos povos celtas que habitaram a Gália (França) entre os anos 600 aC e 800 dC. A par do folclore, misto de religioso e pagão, há uma história bem mais dramática ligada à data do “Dia das Bruxas”. Isto dito assim até parece comédia ligeira e faz sorrir… mas vivido no seu tempo constituiu intenso drama sentido pelas mulheres perseguidas por superstição, estupidez e vingança torpe.

Numa sociedade dirigida por homens, tradicionalmente as mulheres nunca foram consideradas na exacta medida da igualdade que naturalmente têm perante os homens. Remetidas para uma escala menor, as mulheres ainda hoje (na nossa sociedade ocidental considerada tão “avançada”), auferem vencimento inferior aos homens que executam a mesma tarefa. (“Desigualdade salarial entre homens e mulheres voltou a aumentar”. Notícia de 9 de Julho de 2024, no jornal Público).

Tempos houve em que qualquer mulher que fugisse do padrão comportamental estabelecido pelos machos da sociedade, passava a ser considerada “bruxa” e, como tal, era perseguida, insultada, presa, torturada e morta violentamente, incluindo ser queimada viva.

Para que uma mulher fosse considerada bruxa bastava que ela mostrasse ser mais inteligente do que os homens que lhe eram próximos. Mulheres que exerciam actividades sociais de relevo, como prestar ajuda a parturientes e preparar medicamentos tradicionais, como hoje se encontram nas ervanárias, podiam ser designadas como bruxas por terem conhecimentos importantes para a época… e no extremo seriam perseguidas pelo complexo de inferioridade dos homens que, na convicção de mostrarem a sua “grandeza enquanto machos”, só sublinhavam a sua extrema pequenez perante as mulheres.

A sociedade machista não tinha estereotipado tais características para as mulheres… por isso, qualquer uma que saísse do padrão subserviente e temente ao homem, estava sujeita à perseguição porque, acreditavam eles, ela “teria feito um pacto com o diabo”. A partir daí podia ser humilhada, torturada e morta.

Na verdade o que acontecia tinha uma razão mais evidente e igualmente triste: a sociedade machista via nessas mulheres uma “ameaça à dominação masculina”, cujo sentimento de prepotência remonta à tradição judaico-cristã de o homem dominar a mulher, não permitindo que ela tenha vida própria para além daquilo que ele estipula “ser legal” para ela, tal como ainda hoje se observa na tradição religiosa de países islâmicos extremistas… e também em algumas famílias portuguesas… já agora!

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

31 de Outubro, 2024 Carlos Silva

“Manual de maus costumes”

Imagem: internet


Saramago apelidou hoje a Bíblia… “Manual de maus costumes”, o que provocaria grande indignação a algumas figuras religiosas… recordo apenas alguns adjetivos…

“vergonhoso”, “ofensivo”, “ignorante” …


Ao assistir aos noticiários, pude efetivamente constatar que as suas palavras tiveram grande impacto social e sobretudo um enorme desconforto na cúpula da Igreja Católica.

Curiosamente os adjetivos que me vieram à mente seriam…

lucidez, racionalidade, inteligência…

Replicou… (J.S.)

Vergonhosos” e “ignorantes” são os ditos “representantes de um dito Deus na Terra” não terem consciência de que “Nada disto existiu, está claro; são mitos inventados pelos homens, tal como Deus é uma criação dos homens”, mesmo até que o homem em si tenha realmente vivido!

Sobre o dito livro, que também já tinha tentado ler, mais do que desilusão mental apenas conseguiria confirmar ainda mais a minha delusão pessoal e um tremendo esforço para não adormecer…

É realmente uma enorme demência nascer e crescer com a Bíblia ao lado e não despertar… ou despertar tão tarde para a liberdade e lucidez da restante literatura.

É realmente uma enorme demência ver como sob a sua prolongada escrita “passaram mais de dois mil anos e dezenas de gerações, sempre sob a “dominante de um Deus cruel, invejoso e insuportável”.

Mais abomináveis ainda, são as inúmeras e trágicas guerras que ao longo da história se travaram em nome da dita religião e realmente, “as religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros”. Mesmo sem guerra, o que hoje constatamos, é precisamente o contrário!

Mais irracionais ainda, são as inúmeras formas assumidas pelo dito Ser cuja única aparência realmente só mesmo no domínio das ideias e quase sempre assimilando formas humanas… um ser “do outro mundo”, capaz de “não fazer absolutamente nada, de criar todo um Universo, não se sabe bem porquê, nem para quê, em apenas seis dias, descansando depois ao sétimo… e depois, até hoje, decidiu nada mais fazer!…”

Mais impressionante ainda, é ainda hoje ser “a grande resposta para a salvação de toda a Humanidade”.


AGORA ATEU (I), 2009-10-19

28 de Outubro, 2024 João Nascimento

Apenas Humano

Imagem criada com o DALLE-4

Escrevi este poema há décadas, quando finalmente percebi, com genuína satisfação, que eu era mais um dos que simplesmente não conseguem acreditar. Não só ansiava por viver sem ilusões, como sabia que devia fazê-lo – não podia ser de outra maneira. Nunca olhei para trás.


Sou humano, susceptível a doenças,

a enfermidades,

e ao inevitável fim.

Estou à mercê,

e à clemência,

do que quer que me infeste.

Estou cheio de falhas,

mentiras, e enganos.

Estou preso,

numa luta incessante,

comigo mesmo,

contigo,

e com o mundo à minha volta.

Os meus defeitos e imperfeições

perseguem-me,

e sempre o farão.

Sou a causa,

a raíz de toda a minha miséria.

Sou a razão pela qual podes magoar-me.

Sou o defeito,

o erro,

que vivo dia após dia.

Sou humano,

não devias confiar em mim.

Sou mortal,

não tenhas fé em mim.

Mas, tu também és humano,

com os teus defeitos,

com as tuas imperfeições,

que eventualmente me aceitarão.

Sou humano,

não há nada de extraordinário em mim.

Há 8 mil milhões de outros,

exactamente como eu.

Sou humano,

é o pior,

e o melhor em mim.

Sou culpado,

serei sempre.

Inventei,

desenhei,

e imaginei,

o Deus que me criou.

Sou apenas humano,

mas espero sempre mais de mim.

Tão frágil,

tão delicado,

e vulnerável,

magoado pelo simples existir.

Sou apenas humano,

não é fácil.

Sou humano, 

perdoa-me.

27 de Outubro, 2024 Carlos Silva

Diz-me mulher

Imagem: Internet


Diz-me mulher

Filha
Mãe
Avó
Esposa
Amiga
Companheira

Diz-me mulher

Como podes permitir que
Um homem
Te roube o direito à vida
Te roube o direito à liberdade
Te roube a autonomia de pensar
Te torture e imponha maus tratos
Te viole física e moralmente até ao íntimo do ser
Te imponha o direito de escolher
Te negue o direito à informação e educação
Te impeça de votar e participar neste progresso
Te humilhe simplesmente por seres mulher

Diz-me mulher

Como podes permitir que
Um livro
Exclusivamente escrito por homens e para homens
Exclusivamente baseado no domínio dos homens sobre as mulheres
Absolutamente machista absurdo e obsoleto
Te peça que sejas submissa
Te faça objeto propriedade e mercadoria
Te cubra o corpo e a mente
Te estupre e atire pedras até à morte
Te cegue e crucifique por perderes a virgindade
Te queime pelo adúltero delito de amares alguém
Um livro escrito com sangue suor e lágrimas
Que de ti faz demónio do bem e anjo do mal
Que te rouba a vida e tudo o que é natural

Diz-me mulher

Como te pudeste deixar seduzir
Por tão encantadora serpente
Como pudeste ter ingerido tão pecaminoso fruto
De tal proibida árvore
Como pudeste ter nascido
De tal dita virgem maria
Sem amar verdadeiramente

Diz-me mulher

Tu que dás e concedes esta vida
Tu que dás alento e alimento
Tu que dás este canto e encanto
Tu que dás esta inspiração e admiração
Tu que dás este sentimento e sensualidade
Tu que tudo dás na realidade
Peço que neste preciso momento
Soltes o cabelo ao vento
Soltes a voz com todo o alento
Quero ouvir o teu grito até ao mundo dar volta
Quero ouvir o teu grito de volta e de revolta

BASTA

Não
Não fiques aí parada
Solta e desvenda a verdadeira beleza do teu rosto
Solta e descobre o verdadeiro encanto do teu sorriso
Solta e manifesta todas as razões do teu coração
Tu és legitimamente a única dona do teu corpo
Tu és autenticamente a única dona do teu ser

Desperta mulher

Desperta o corpo da tua admirável mente
E ama verdadeiramente
Ama plenamente a liberdade
Ama perdidamente aquele homem
Que simplesmente te quer

MULHER


AGORA ATEU (I), 2019-05-26