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Etiqueta: Opinião

31 de Agosto, 2023 Onofre Varela

Todas as religiões são uma só

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Enquanto filosofia, a Religião é um espaço aberto a toda a gente onde se deve entrar sem ser convidado, tal como se nasce sem, para isso, termos dado permissão. Daí me sentir à vontade discorrendo sobre Religião sem necessidade de frequentar o seminário nem igrejas, onde o pensamento é unilateral. Basta-me viver com olhos e ouvidos abertos, pronto a receber a abundante informação que o meu raciocínio processa de acordo com o indivíduo que sou, o que me permitiu experimentar rebeliões e emancipações no decorrer das etapas que fizeram a minha vida, em obediência a uma ética comportamental laica. 

A ética religiosa apregoada em todos os púlpitos, tem duas vertentes: a ética universalista, puramente laica (e ateia), que induz uma boa conduta nas relações humanas; e a ética (que em alguns casos é a falta dela enquanto universalista) de conduta interna do credo que manda cumprir conforme o que está registado no livro sagrado pelo qual se rege… e que no Alcorão (III, 157) manda tirar a vida aos descrentes (segundo alguma interpretação da Jihad). 

Sendo a fé religiosa fruto de um pensamento colectivo, ela é, também, uma opção pessoal, pois cada qual terá a sua, escolhida em consciência esclarecida, ou induzida; e a fé de um, que considera ter muitíssima importância, na verdade é tão estapafúrdia como a de outro, que para um não tem valor, mas que para outro é a razão do seu viver. 

No fundo, as religiões regem-se por uma única matriz: todas elas são uma só (no sentido do sentimento da sua necessidade, que não nas práticas rituais que as diferenciam. O núcleo da fé no conceito deífico é o mesmo na construção de todas elas), como muito bem afirmou o tipógrafo, poeta, gravador e artista plástico inglês, William Blake (1757-1827). 

Um dos males que me parece consumir a Humanidade, poderá ser este de – ainda hoje, neste século XXI que sempre sonhamos ser um tempo de perfeição – se dar demasiada importância à crença num deus por nós criado, permitindo a exploração de mentes através dele, e se desrespeitar tanto o semelhante. 

Desrespeito, vaidade e interesses pessoais, que nos levam a guerras destruidoras de tanta gente e de tanto património, só porque um líder vaidoso e malvado o quer, e tem armamento que o leva a sentir-se seguro da “vitória”, por muito injusta que ela venha a ser reconhecida pela História. 

Um filósofo contemporâneo cujo pensamento admiro, é o espanhol Fernando Savater. Num dos seus textos publicados no jornal El País, lembra Immanuel Kant para dizer que o mestre “nunca explicou, nas suas aulas, nada que pudesse alterar a ordem, ainda que sempre defendesse a liberdade de expressão […] o lema da Ilustração é “sapere audi”. Atreve-te a pensar por ti mesmo. Acreditava ser já chegada a hora de a Humanidade abandonar a sua menoridade intelectual”. 

É esta menoridade intelectual que ainda hoje vejo existir na sociedade em que me insiro (e que me escandaliza), mais de 200 anos depois de Kant!… 

Somos mesmo muito lentos, porra… não aprendemos nada?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Наталия por Pixabay
25 de Agosto, 2023 João Monteiro

Descrente

NOTA: Este texto é da autoria de João Nascimento.

Seria talvez, à primeira vista, desnecessário começar este artigo a afirmar que sou ateu.

Na verdade, receio estar a ser extremamente redundante, pois já declarei e afirmei a minha postura individual na vida, quando se trata da falta de crença numa divindade, em contos de fadas ou no sobrenatural, muitas e muitas vezes anteriormente. Além disso, embora Spinoza tenha de certa forma dado início à ideia de que Deus é tudo, mas não é nada ou ninguém em particular – alguns poderão contestar isto -, não sou alguém que goste de rótulos, e por essa razão, não concordo muito com a existência da palavra Ateu; não existe uma palavra especial para representar alguém que não acredite no Pai Natal, ou no Coelho da Páscoa, ou na Fada dos Dentes, por exemplo.

A palavra existe, contudo, e usá-la-ei também, mas não poderão dizer nada mais sobre a minha pessoa para além da óbvia descrença na dimensão do sobrenatural. Estou cansado de tudo o que se diz sobre o ateísmo por este mundo fora. A palavra é automaticamente correlacionada com o mal, cujo significado poderia ser debatido por séculos, filosoficamente falando. Assim como os crentes, os descrentes não podem ser generalizados. As pessoas são diferentes, evoluímos assim.

Nesta história, em vez de um ateu, vou referir-me a mim e a outros da mesma índole como Descrente(s). Esta é a minha definição de ateísmo – não acreditar -, então suponho que não seja um mau rótulo para mim, de todo.

Quando digo que sou um descrente, não quero dizer apenas que não sou Mórmon ou Metodista, ou mesmo que não sou Cristão ou Budista. Estas parecem-me ser divisões e subdivisões relativamente insignificantes da crença. Quero dizer, efectivamente, que não acredito em nenhum Deus que já tenha sido fabricado ou inventado, em qualquer doutrina que já tenha sido reivindicada como revelada, em qualquer esquema de imortalidade que já tenha sido postulado, em qualquer credo que já tenha sido inventado por uma mente humana.

Sejamos estupidamente honestos aqui. Sempre houve homens e mulheres sem o dom da fé. Eles não precisam dela, não a desejam, e provavelmente nem sequer saberiam o que fazer com ela se a possuíssem. Eles, os descrentes, aparentemente não são menos inteligentes do que os fiéis, e não são menos justos. Determinar o número exacto de tais indivíduos no mundo, apresenta-se como uma tarefa dolorosamente complexa. No entanto, é inegável que a sua presença se faz notar de forma mais acentuada em contextos sociais onde o esclarecimento intelectual parece ser mais proeminente. Como eles não têm organização nem credos, obviamente não podem ter um porta-voz oficial. No entanto, pode-se confiar em qualquer um deles para falar, de certa forma, por todos eles, por todos os descrentes. Como os espiritualistas, ou religiosos, os descrentes, onde quer que se encontrem, são de uma natureza e de uma linguagem. No entanto, não posso pretender representar mais do que uma única perspectiva de descrença. Não esquecer do principal princípio de um Descrente, contudo; não acreditar.

Não considero alguém que tenha fé que possua algum dom, ou que possua algo biologicamente especial. Considero a fé, antes, como um mecanismo de sobrevivência de uma fase anterior do pensamento; em resumo, como uma forma de superstição. Ela, e não aquilo que sou forçado a nomear como descrença, parece-me ser altamente negativa. Ela refuta a razão, e nega evidências, no sentido de insistir em introduzir elementos que não provêm de factos comprovados, mas da imaginação e desejos de homens e mulheres mortais.

A descrença não nega a razão, e obedece o mais fielmente possível às evidências baseadas em factos.

Em relação aos deuses, constatei que existiram inúmeros; contudo, os nomes da maioria encontram-se enterrados no vasto mosaico a que chamamos civilização. Não me parece haver uma boa razão para acreditar que alguns deles são falsos, e alguns deles, ou apenas um deles, são verdadeiros, ou é verdadeiro. Mais uma vez, cada um foi criado por imaginações e desejos de homens que não podiam explicar o comportamento do universo de qualquer outra maneira satisfatória. Todavia, nenhum deus satisfez os seus adoradores para sempre. Oh, não! Mais cedo ou mais tarde, eles perceberam que os atributos outrora atribuídos a ele, ou a eles, como egoísmo, luxúria ou vingança, são indignos das estruturas morais que os homens evoluíram entre si.

Considerando esta reflexão, sem a rotular como uma verdade absoluta, testemunhamos o lento declínio da divindade, independentemente da duração da fidelidade dos seus seguidores à sua veneração. Quando se trata do deus que ainda encontra lealdade entre os homens, mesmo após eras de escrutínio e análise, é notável que quase nada, exceto o seu nome, perdurou sem alterações. Os seus atributos foram modificados repetidamente, transformando-o numa entidade divina quase irreconhecível. O argumento de que apenas a concepção do deus foi alterada, mantendo intacta a sua essência, não invalida esta constatação. É pela sua concepção que ele é compreendido, enquanto a sua verdadeira essência permanece inalcançável para o discernimento humano. Poderia favorecer, de entre as diversas divindades, aquele Deus que me transparece ter sido mais rigorosamente depurado de traços que vejo como impuros.

Contudo, baseio essa preferência, evidentemente, em critérios moldados pela observação das atitudes humanas.

Se um deus foi criado à imagem de desejos sujos ou puros não importa muito. A diferença apenas prova que diferentes homens desejaram deuses, e forneceram-se os deuses que conseguiram conceber. Por trás de todas as suas invenções, ainda jaz o grande abismo da ignorância. Não há evidência confiável quanto à existência absoluta de um deus.

Ao considerar a natureza da revelação, fica claro que ela leva a evidência além dos limites do tangível. Todos os profetas juram que um deus fala através deles, e ainda assim preveem apenas contradições. Mais uma vez, os homens devem escolher de acordo com os seus próprios princípios, ou valores morais. Que uma revelação foi anunciada há muito tempo torna difícil examiná-la, claro, mas não atesta de outra forma a sua solidez moral de maneira nenhuma. Que alguma doutrina revelada tenha durado séculos, e respondido às necessidades de muitas gerações, prova que é o tipo de doutrina que sobrevive e satisfaz, mas, mais uma vez, não que seja divina de forma alguma.

Doutrinas seculares que se mostraram perfeitamente falsas também perduraram e satisfizeram alguém, em algum lugar. Se a crença num deus tem que partir da premissa de que ele existe, a crença em revelação primeiro tem que partir da presunção de que um deus existe, e depois ir mais longe na suposição de que ele comunica a sua vontade a certos e determinados homens apenas, especiais e únicos. Mas ambas são meras conjecturas. Nenhuma delas, no actual estado do conhecimento, é capaz de fornecer alguma evidência.

Ponderemos por um instante a hipótese de um deus efectivamente existir, de natureza masculina, e consideremos que ele de facto comunica o seu intento a algum dos seres por ele criados e moldados. Quem, dentre de essas criaturas, teria a capacidade de interpretar tal dialecto divino? Quem teria a habilidade de registar tal mensagem num bocado de papiro? E quem ostentaria a coragem de persuadir os seus pares de que fora o eleito, e que eles deveriam reconhecê-lo como legítimo? O máximo a que se poderiam comprometer seria confiar em duas suposições, e pôr à prova a mensagem revelada através da sua sintonia com os seus devaneios e expectativas. Tal conclusão não é atingida sem um mergulho da lógica no domínio da conjectura, novamente. O que se evidencia é a profunda semelhança dos seres humanos em todos os cantos do mundo. Todos partilham das mesmas estruturas, dos mesmos órgãos, das mesmas glândulas, mas em distintas escalas e formas. Com tantas semelhanças, tendem naturalmente a convergir em determinadas aspirações fundamentais.

Um desejo que constantemente inquieta a consciência humana é a aspiração por uma existência após a morte. A explicação não é intrincadamente complexa. Os homens vivem de forma tão efémera que os seus diminutos planos transcendem amplamente a sua capacidade de os concretizar, e estão cientes disso — eu estou consciente. Eles veem-se abruptamente interrompidos antes que a sua intrínseca vontade de viver se extinga. De forma bastante natural, almejam perdurar, e, na sua condição humana, creem nas probabilidades de sobrevivência. Todavia, as suas aspirações não oferecem qualquer evidência concreta. Um desejo não constitui prova de nada além do próprio desejo. Ainda que adoptado por milhões, continua a ser apenas uma aspiração. Mesmo se diversas culturas o expressarem, ele persiste como um simples anelo. Que seja defendido pelo mais sábio com tanta intensidade quanto pelo mais ingénuo, ele ainda se mantém como mero desejo.

Aquele que proclama deter o conhecimento de que a imortalidade é um facto concreto, na realidade, está simplesmente a alimentar a esperança de que tal o seja. E aquele que postula, como frequentemente os homens o fazem, que a vida seria desprovida de sentido sem a imortalidade, pois esta confere, de forma singular, significado ao destino humano, deve primeiramente argumentar — algo que homem algum fez de forma deveras convincente até então — que a vida possui um propósito inequívoco, e que é equitativa. Não estou persuadido por nenhum destes dois pontos. Embora esteja, creio eu, versado em todos os argumentos, não encontro nenhum que se destaque particularmente em relação aos demais. Tudo o que percepciono é que o anseio pela imortalidade é ubíquo, e que certas concepções de imortalidade geradas por este desejo têm sido mais amplamente aceites do que outras. Nas religiões que apresentam tais perspectivas, percebe-se uma compreensão mais profunda dos anseios humanos do que em outras. Entretanto, não lhes posso conceder um estatuto superior no que toca à veracidade das doutrinas. A verdade, em minha opinião, representa o alvo intelectual máximo ao qual todos deveriam visar.

Muitos crentes, segundo me contam, têm as mesmas dúvidas e, ainda assim, possuem a peculiar aptidão de relegar as suas incertezas para segundo plano, imergindo fervorosamente na comunhão dos fiéis. Não consigo verdadeiramente compreender este conceito. Tanto quanto percebo, tais crentes são movidos pelos seus desejos ao ponto de permitirem que estes governem, não apenas o seu comportamento, mas também os seus pensamentos, o que acaba por deturpar, ou envenenar, as relações humanas. Os desejos de um descrente têm, aparentemente, menos influência sobre a sua razão.

Talvez isto seja apenas outra forma de dizer que o seu desejo é ser o mais razoável possível.

Um descrente honesto não consegue forçar-se a crer contra o seu discernimento, tal como não pode escapar da força gravitacional que lhe permite andar na superfície do planeta terra. Não me sinto compelido a ter fé. Talvez, em determinado momento, tenha achado sensato calar-me, reconhecendo que os seres humanos, por mais ingénuos que possam ser, mostram-se inflexíveis nas suas convicções; contudo, actualmente, com a multiplicidade de crenças existentes, até um céptico se pode expressar com confiança sem temer julgamentos ou represálias mortais.

Assim, devo responder a algumas questões frequentemente colocadas aos descrentes. Por exemplo, não me persuade o facto de que muitos homens sábios reflectiram sobre questões sobrenaturais, e se converteram à crença? De todo, não. Com todo o respeito devido aos deuses, revelações e imortalidade, nenhum homem é significativamente mais sábio do que os seus semelhantes, ao ponto de ter o direito de insistir que eles o sigam para regiões sobre as quais todos os homens parecem igualmente ignorantes. A descrença, na minha perspectiva, não é ignorante nem desprovida de humanidade. Está simplesmente enraizada na coragem, e não no medo. A crença ainda é um predicado daquelas antigas sociedades que, na ausência de conhecimento, povoaram as florestas com sátiros e fadas, os mares com monstros fantásticos, e as extremidades da terra com canibais deformados. Assim, os mais derrotistas entre os crentes povoaram o vazio com bruxas e demónios, e os mais esperançosos entre eles preencheram-no com anjos e deuses. Existem mitos vivos, lendas reconfortantes, esperanças consoladoras. Mas elas têm, como o descrente as vê, autoridade que não ultrapassa a da poesia, mesmo a um nível literário épico. As crenças, tal como os gostos nesse sentido, podem e de facto diferem.

De entre os perigos da tendência aleatória da natureza, o descrente não procura segurança em qualquer providência vigilante. Embora saiba que o conhecimento, a ciência, é imperfeito, ele deposita a sua confiança nestes conceitos. Cada descoberta de uma nova verdade traz-lhe genuína alegria. Ele constrói-se, tanto quanto pode, com base na verdade, e fortalece-se com ela. Ao fazê-lo, nunca cai no domínio ignorante da superstição, mas, em vez disso, torna-se mais robusto e extasiado na sua coragem. Ele pode ainda ter muitos medos, mas não os multiplica na sua imaginação e, em seguida, combate-os com os seus desejos e orações, sendo este um atributo quase único dos crentes.

Entendo que muitos, tal como eu, que optam pelo cepticismo, se sintam algo perdidos na procura por um sentimento de pertença. No entanto, ser Ateu não é simplesmente seguir uma moda, ou aderir a uma tendência popular. O Ateísmo é uma postura intelectualmente robusta que foi, e em certos lugares ainda é, amplamente criticada e condenada. Valorize a capacidade de duvidar e, se como eu e tantos outros, tem um espírito naturalmente inquisitivo, continue a evoluir na sua compreensão. Não acredito, sou Ateu.

João Nascimento

24 de Agosto, 2023 Onofre Varela

FÁTIMA (4) 

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

A ideia de, em 1917, ter ocorrido em Fátima um fenómeno OVNI, alimento-a há imenso tempo, e está escrita num projecto de livro (que o será logo que encontre editor interessado). É uma ideia que pode provocar riso. Riam à vontade. Rir é sinónimo de saúde quando a sua motivação não é o escárnio nem a ignorância. Eu não rio da crença. Respeito-a pela consideração que me merece a religiosidade dos meus semelhantes, mas procuro saber sobre ela lendo textos de Religião, Psicologia e Filosofia. E interrogo-me. Tenho opinião própria e procuro saber mais do que aquilo que é aparente e que a Religião apregoa como verdade. As pretensas “explicações” quando têm o duvidoso rótulo de “oficiais”, não me servem. 

A possível “explicação” do OVNI para os efeitos feéricos que deslumbraram todos quantos a ele assistiram na Cova de Iria em 1917, não só não explica tudo… como, na verdade, não explica nada!… O fenómeno de Fátima teve mais do que a observação do OVNI e da imagem luminosa de uma senhora ou menina. Também teve anúncio de jornal, no “Diário de Notícias” a 10 de Março de 1917, com o enigmático título “135917” (onde é possível ler-se a data 13 de Maio de 1917) com um pequeno texto que anunciava “o fim do nosso martírio”. Ao mesmo tempo, no Porto, grupos espíritas anunciavam, com publicação nos jornais “O Primeiro de Janeiro” e “Jornal de Notícias”, no dia 11 de Maio de 1917, que algo iria ocorrer a 13 de Maio!… Para estes anúncios eu não tenho explicação… e estragam a minha hipótese extraterrestre… pois não estou a ver os visitantes galácticos a passarem pelas redacções dos jornais nas vésperas do evento, encomendando anúncios!… Mas também não entendo o porquê de os “inventores da aparição” anunciarem que tal iria ocorrer!… É um enigma que não decifro. (Há por aí alguém que o saiba explicar?).

O que se sabe é que Fátima seguiu o modelo de Lourdes, com várias “aparições” periódicas, desde 11 de Fevereiro de 1858, à pequena pastora Bernadette, de 14 anos. Anteriormente, em 1846, duas crianças, também pastoras (Mélanie e Maximin), contactaram com uma bela senhora no cume do monte de La Salette, também em França. Em 1876 e 1877, três jovens alemães viram “a Virgem” em Marpingen, no Sarre, levando o Catolicismo a uma vitória sobre o Protestantismo maioritário na região. 

Os acontecimentos de Fátima também foram o lançar da semente que fez nascer a imagem do “Sagrado Coração de Maria”, consolidada com a beata Alexandrina, em Vila do Conde, 40 anos depois (1957). E foi o renascer de uma indústria de santinhas de cartilha, vendidas na Cova da Iria no próprio dia 13 de Outubro de 1917, representando a imagem de Maria, no céu, rodeada por um halo de nuvens. As memórias de Lúcia, escritas entre 1935 e 1941, foram direccionadas pelo culto no asilo de Vilar, no Porto, (mais tarde seminário) orientado pelas irmãs Doroteias, e depois em Pontevedra e Tuy (Galiza), onde Lúcia se tornou freira. 

Contradições e distorções são os principais elementos da história oficial católica das aparições de Fátima, o que é de excelente utilidade para o culto… mas não serve a mais ninguém! Por outro lado, entre os milhares de testemunhos do “bailado do Sol”, há registos contraditórios de quem esteve a olhar para o mesmo “Sol” e não tenha observado nada de estranho ou anormal: nem cores faíscantes, nem movimentos rodopiantes ou zigue-zagueantes!

Resta perguntar: a Igreja Católica apropriou-se de um fenómeno ocorrido em Fátima, ou criou-o?!… 

Entre 1917 e 1919, o vigário de Ourém, Faustino José Jacinto Ferreira, tornou-se conselheiro e confessor das crianças pastoras-videntes, e o bispo de Leiria José Alves Correia da Silva, em 1921, afastou totalmente Lúcia da família e da aldeia, administrou o espaço da Cova da Iria comprado sigilosamente pela Igreja, e lançou o jornal “A Voz da Fátima”, principal órgão difusor dos interesses da Igreja naquele acontecimento. Na verdade, o Sol não se move, a personagem neotestamentária Maria não pode ter aparecido, e a intervenção extra-terrestre é uma hipótese fantástica impossível de ser provada. 

Continuo ignorante como era no início das minhas buscas… mas os crentes são mais ignorantes do que eu, porque não se interrogam nem buscam! 

Tomás da Fonseca, que se formou num seminário e foi ateu (sendo o primeiro ateu português a escrever um livro sobre o assunto) tinha outra visão do caso, a qual comentarei no próximo artigo, para finalizar esta “Novela Fatimida”… mas a questão não fica encerrada.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

22 de Agosto, 2023 Onofre Varela

FÁTIMA (3)

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Tal como disse no último texto, a hipótese de explicação que tenho para as aparições de Fátima é tão fantástica quanto a hipótese religiosa, porém mais credível por haver nela o uso de técnicas que, mercê dos nossos avanços tecnológicos e científicos, hoje podemos imaginá-las (o que não acontecia em 1917), embora não possamos concretizá-las. 

Para a minha proposta temos de encarar a existência de seres extraterrestres. O que não é difícil de imaginar… difícil será afirmar que num universo composto por milhares de galáxias – por sua vez compostas por milhões de planetas – seja o planeta Terra (um minúsculo grão de poeira no Universo) o único ponto do Cosmos a albergar vida inteligente (a possibilidade de vencer tão longas distâncias… já é um outro problema). 

Há uma corrente de pensamento que diz ter sido a Terra visitada por alienígenas em tempos imemoriais, e os OVNI (que através dos séculos já foram observados em todas as partes do mundo, desde a Suméria de há 5000 anos, passando pelo Médio Oriente no tempo de Moisés [designadas por “sarças ardentes”], e depois com Paulo de Tarso, até aos nossos dias) seriam prova disso. 

O leitor pode considerar ser uma hipótese demasiado fantástica e hilariante… mas a aparição de Maria sobre o cocuruto de uma azinheira, 1900 anos depois de ter morrido, debitando discurso em português para três crianças analfabetas que não souberam dizer o que viram, resulta igualmente fantástica (se não hilariante) por não ter um suporte técnico que a sustente, para além da crença que nada explica. 

Para a minha hipótese é de primordial importância a hora das aparições: o meio-dia. 

Ao meio-dia o Sol está no zénite. Isto é: está no topo de uma linha vertical traçada a partir da cabeça do observador. Só nesta hora solar poderia ocorrer o chamado “fenómeno do Sol”. 

Imagine o leitor (imaginação com suporte na ficção científica) que por sobre a Cova da Iria e das nuvens espessas que cobriam o céu naquele dia chuvoso, se posiciona uma nave tripulada por quem domina uma técnica que desconhecemos. Com recurso a essa prodigiosa técnica, é lançado algo a que chamarei “tela”, de cor azul-céu, entre a posição do Sol do meio-dia e a gente aglomerada na Cova da Iria. Depois, esse “alguém” dissipou as nuvens, criando uma espécie de túnel, deixando-nos ver a tela azul que foi tomada pelo céu. Sob ela colocaram um globo luminoso que foi identificado como sendo o Sol. Lúcia afirmou que o Sol do milagre era mais fosco do que o Sol de todos os dias, porque podia ser olhado sem protecção ocular. Logo, não era o Sol! 

A seguir, esse globo movimentou-se no espaço, rodopiando, zigue-zagueando e chispando cores verde, amarelo e vermelho (coisas que o Sol não faz). Desse globo é projectada uma imagem holográfica sobre uma azinheira, representando uma forma humana muito luminosa. Nas primeiras interrogações do cónego Ferrão às três crianças pastoras, nunca elas disseram ter visto Maria, mãe de Jesus. Esse reconhecimento foi construído pouco a pouco pelo interrogador que incutiu tal ideia nas crianças. 

A imagem que agora é passeada em andor no recinto de Fátima, é uma construção de acordo com o culto, mas não com a realidade das aparições. As roupas daquela figura seriam justas ao corpo e com aspecto de serem acolchoadas. Não tapavam os pés, ficando pelo meio da perna, e a capa, que não cobria a cabeça, não ultrapassava os joelhos. A figura era estática, com um rosto de beleza ímpar, mas sem expressão. Não movimentava os olhos nem os lábios, e aquilo que poderia ser a sua voz aparentava-se a um “zumbido de abelha” (palavras de Lúcia, nos primeiros interrogatórios). 

Esta figura feminina não foi vista por mais ninguém, mas o OVNI de luz faiscante, movimentando-se em zigue-zague, foi visto por cerca de 50 mil pessoas, não só na Cova da Iria, mas por quem estava a 40 quilómetros de distância. Aquela encenação durou dez minutos. Depois a figura da senhora subiu e desapareceu no espaço, o Sol tomou o seu lugar e as nuvens tornaram a cobrir o céu. 

As pessoas ali reunidas disseram sentir um calor intenso durante aqueles 10 minutos, de tal modo que as roupas encharcadas pela chuva, secaram. Do céu caiu algo que foi tomado por pétalas de rosa, mas que se desfaziam ao tocar no solo, e a atmosfera tinha um odor estranho mas agradável (resíduos do “combustível/energia” usado pelo OVNI?). 

É claro que esta hipótese não explica nada! Se podemos aceitar a possibilidade técnica da concretização do fenómeno, fica uma série de perguntas à espera de respostas: Quem o produziu? Com que intenção? Alienígenas que estudavam (estudam) a nossa reacção, para aquilatar o nosso desenvolvimento racional?!… Não sei. 

Mas sei que a explicação religiosa foi construída, e sei que os religiosos que defendem a aparição de Maria, também não sabem. Só crêem!… E crer não é saber. 

Porém, há algo que destrói esta minha hipótese extraterrestre… como veremos na próxima semana.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Bernardo Ferreria por Pixabay
17 de Agosto, 2023 Onofre Varela

FÁTIMA (2)

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

As tentativas de explicação para a “visão” dos pastorinhos em Fátima no ano de 1917, são várias. Desde as puramente religiosas, alicerçadas na fé pura, sem qualquer tentativa de explicação que ultrapasse a fé, até às mais rebuscadas e espantosas, passando pela realidade do momento histórico que então se vivia em Portugal. 

A República recém instalada (1910) destronou uma monarquia decrépita, e o poder que a Igreja mantinha até aí, ruiu por força das leis republicanas que separaram a Igreja do Estado. O sentimento anti-clerical da época compreende-se pelo facto de haver um clericalismo feroz a pedir o seu contrário. 

O povo, extremamente religioso, provavelmente sentia-se perdido entre a sua fé enraizada no mais profundo dos seus pensamentos, e a lei da República que lhe dizia, ao estilo de Camões, “Cesse tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta”!… 

A par disso havia o espectro da guerra. A Primeira Guerra Mundial iniciou-se em 1914 e o Exército Português participava nela. As famílias portuguesas perdiam os seus jovens nas trincheiras da Flandres, onde os soldados alemães causaram (um ano depois, a 9 de Abril de 1918) a maior derrota que os portugueses tiveram em confrontos bélicos, desde Alcácer-Quibir em 1578 (onde perdemos o rei D. Sebastião e, por arrasto, também perdemos a independência, passando Portugal a ser governado pela coroa espanhola durante 60 anos). 

Era provável que, em 1917, os portugueses se sentissem mal. E a Igreja, em particular, que era perseguida pela nova política, precisava de “um milagre” que recuperasse o seu crédito… e inventou-o, criando as “aparições marianas” já experimentadas em Lourdes (França) com êxito! 

Estas considerações históricas poderão conter alguma explicação para a origem do que aconteceu em Fátima em 1917… mas não explicam tudo. Para mim há algo que não pode ter ocorrido: a aparição da mãe de Jesus. Por várias razões. A primeira razão pertence à História Natural. Quem morre não “aparece” vivo. O meu gato jamais experimentará a “visão” do seu avô persa falecido, porque não tem imaginação para isso. A inteligência do Ser Humano dá-lhe essa imaginação, e a partir daí tudo é possível ao nosso poder criativo. 

Poderá haver alguém que diga ter visto um ente querido depois de este ter morrido, mas na realidade não viu! Foi o seu cérebro que construiu essa visão. Porém, no caso de Fátima há uma particularidade intrigante: aquilo que foi tomado pelo Sol a mover-se, crendo no que foi escrito na época, foi testemunhado não só pelo povo crente aglomerado no local da “aparição”, que poderia constituir um fenómeno de alucinação colectiva, mas também por quem se encontrava a 40 quilómetros de distância, sem o ambiente propício a tal alucinação! 

O que foi que aconteceu, então?!… 

Na verdade, não sei… e este meu desconhecimento não me permite aceitar “as aparições de fé” do modo como a Igreja as quer fazer passar. 

Mas sei que há uma tentativa de explicação que, sendo tão fantástica quanto a aparição de Maria… me parece muito mais coerente.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

Imagem de CrisG por Pixabay
15 de Agosto, 2023 Onofre Varela

FÁTIMA (1)

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Em Maio de 1917, no lugar da Cova de Iria (Ourém), três crianças que apascentavam gado teriam observado algo que identificaram com a imagem de uma mulher luminosa sobre uma azinheira. 

Até Outubro (no espaço de seis meses), a observação repetiu-se mensalmente nos dias 13, fazendo crescer o interesse pelo fenómeno, mês após mês, levando ao lugar centenas de pessoas animadas pelo fervor religioso daquelas “aparições” testemunhadas pelos três pequenos pastores. 

Inicialmente a Igreja manteve-se afastada da crendice popular, negando as crianças. Mas os acontecimentos operados no lugar da azinheira, palco das aparições, foram de tal monta, que levaram os crentes a construírem toscos altares em forma de monumento. A deslocação de milhares de crentes e de curiosos, àquele lugar todos os dias 13, tomou conta da opinião pública e a Igreja não teve outro remédio se não aceitar as versões dos pequenos pastores (explicação na sua “versão oficial”)… porém… com retoques. 

As três crianças garantiam que aquela senhora falante do cimo da azinheira, estava envolvida em luz, tinha cabelo curto e saia por baixo do joelho. A Igreja construiu outra imagem mais coerente com a tradicional ocultação de simbologia sexual. Os cabelos e as pernas, por serem “elementos de pecado”, foram tapados com um manto ao estilo das burcas islâmicas, e a imagem passou a ser adorada como sendo Maria, a mãe de Jesus Cristo. 

Na última aparição, a 13 de Outubro, o lugar da Cova de Iria estava apinhado de gente vinda de todo o país. Foram ali com o propósito de assistirem ao fenómeno que os pequenos pastores garantiam acontecer mensalmente. Se, até aí, as visões eram testemunhadas, apenas, pelas crianças, não tendo ninguém mais visto a tal senhora sobre a árvore, nem ouvido coisa alguma, naquele derradeiro dia aconteceu aquilo que, religiosamente, se acredita ter sido “o bailado do Sol”. O astro-rei moveu-se, zigue-zagueante!… Desceu, subiu e chispou luzes feéricas em todas as direcções. 

Os jornais dos dias seguintes noticiaram que aquele bailado solar também foi testemunhado por quem se encontrava a cerca de 40 quilómetros do lugar onde a gente se apinhava para assistir à aparição da senhora. Naquele dia, chovia. Ao meio-dia, a chuva parou. As nuvens dissiparam-se mostrando o Sol a mover-se. O calor era tanto que as roupas dos assistentes, ensopadas pela chuva ininterrupta, secaram. 

Este fenómeno movente do Sol causa sérias interrogações. Como se sabe, o Sol é o astro central do sistema planetário a que pertencemos, e não se move do seu lugar. As distâncias dos planetas ao astro que nos dá luz, calor e vida, são sempre as mesmas, ditadas pela movimentação elíptica de cada um deles nas suas órbitas, o que, no caso da Terra, nos permite termos Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Vida! 

Se aquele globo faiscante não era o Sol (era impossível sê-lo)… então o que seria?… o que foi que viram as testemunhas do fenómeno? 

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de CrisG por Pixabay
4 de Agosto, 2023 Onofre Varela

Crer e Saber

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

O Homem é um animal dotado de inteligência, o que o torna superior aos restantes animais seus companheiros da vida na Terra. Por isso mesmo é, também, um ser religioso por natureza e excelência, cuja característica de animal inteligente o levou à criação dos conceitos do belo, da Arte, do sagrado e dos deuses, e à consequente prática de cultos religiosos. 

As instituições dedicadas à exploração da fé religiosa (vulgo, Igrejas [*]) pretendem ser proprietárias do conceito de Deus – sobre o qual se erigiram civilizações – mas, na verdade, do mesmo modo como a Língua que falamos é propriedade nossa, também o conceito de Deus a todos pertence, independentemente de seguirmos, ou não, uma fé religiosa, porque o conceito dos deuses é uma invenção da espécie Homo sapiens sapiens

Nessa pretensão de posse, a Igreja Católica já perseguiu e puniu com tortura e morte quem se atreveu a abordar a divindade fora do âmbito da sua fé. E o Islamismo extremista ainda hoje mata em atentados terroristas praticados em nome de Deus, com os assassinos a gritarem “Allahu akbar” (Alá é grande). No século XXI voltamos à barbárie, desta vez refinada, que os mais bem intencionados de nós já tinham arrumado nas prateleiras da História mais macabra e longínqua, e que tanto desilustra a Humanidade. 

Por isso devemos considerar, e sublinhar, que crer em Deus não é o mesmo que saber sobre Deus. O saber precisa de conhecimento, obrigando à constante renovação das ideias, sem o que, o verdadeiro saber não existe. 

A par disto há a considerar que o saber é lento, frio e racional. A crença, não! A crença é emotiva, ferve em pouca água e, por vezes, provoca danos irreversíveis. Na crença afirma-se sem se saber, com a mente aquecida pela emoção cega. O crente não sabe, de saber certo, aquilo que afirma saber, porque crer não é saber. Por muito que eu creia que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não souber que ele parte às dez horas da manhã (se não houver greve!…).

A crença rejeita a dúvida e afirma a certeza na fé. O saber obriga à constante investigação e abertura ao que é duvidoso, novo e contraditório. Sem esta atitude de curiosidade e humildade, podemos ser crentes… mas nunca seremos sabedores. 

Em tudo, na vida, por uma questão de honestidade para connosco e com os outros, e até para que cada um sinta segurança no seu próprio raciocínio, é indubitavelmente preferível que se saiba, do que se creia. 

Há que dizer que as religiões também são “modos de saber”, no sentido emocional da crença. Isto é: quando eu “sei” que Deus existe “porque o sinto”, adquiro um “saber” que ninguém destruirá, pois o meu sentimento mais profundo me diz estar a verdade do meu lado. É este “saber” que faz a “razão” dos crentes… embora não seja saber, nem razão, na verdadeira acepção dos termos, porque não pode ser aferido pelo saber das ciências, nem pela razão filosófica enquanto forma de chegar a conclusões reais, porque estas são contrárias àqueles “saberes” que não passam da imaginação que a fé alimenta. 

É este “saber religioso” que constrói os fundamentalistas… e alguns até são criminosos.

[*] – Igreja: do grego “Ekklésia”, significa “assembleia”, no sentido de reunião de crentes numa fé religiosa.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Yanis Ladjouzi por Pixabay
3 de Agosto, 2023 Onofre Varela

«El Derecho a Cagar-se em Dios»

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Escolhi para encabeçar esta crónica o título de um livro de Richard Malka, na sua versão espanhola (libros del Zorzal, 2022), com o título original em francês: «Le droit d’emmerder Dieu», publicado em 2021.

O seu autor é o advogado que defendeu o jornal satírico francês Charlie Hebdo no julgamento dos terroristas que invadiram a redacção do jornal no dia 7 de Janeiro de 2015 e mataram 12 jornalistas-cartunistas. Richard Malka lembra que o julgamento dos terroristas islâmicos também serviu para demonstrar que o Direito se sobrepõe à força, e recordar o “alcance político, filosófico e metafísico” dos atentados cometidos pelos fanáticos do Islão que matam e destroem tomados pela convicção de que “Deus assim quer”.

As vítimas do Charlie eram pessoas que riam e desenhavam, no desfrute das mais básicas liberdades, as quais os fanáticos assassinos não têm. Nas suas mentes só podem ser encontradas neuroses e frustrações alimentadas por uma crença primitiva destruidora da razão, da inteligência e do bom senso. Para estes agentes religiosos extremistas, apenas contam as inexistentes “leis do céu” e não têm medo de morrer. Preferem a morte à vida.

A seguir aos atentados houve gente socialmente bem colocada, como filósofos, sociólogos e até “uma antiga candidata às eleições presidenciais”, que defenderam o abandono do “direito a caricaturar e a criticar livremente as religiões”!… Richard Malka pergunta: “Como pretender tal coisa com um mínimo de honestidade intelectual?”.

Os terroristas detestam as nossas liberdades e não se detêm no ataque ao modelo de sociedade democrática ocidental, que escolhemos na defesa da liberdade no sentido universalista, baseado na Razão e na liberdade de expressão, contrariando a sociedade dos fanáticos que é constituída pelo dogma e pela submissão. Os terroristas ameaçam as suas vítimas com a promessa de “estripá-las, queimá-las vivas, violá-las, degolá-las, e enviam-lhes fotos de cabeças decapitadas. Vocês não podem imaginar a violência das mensagens” que estes destinatários, escolhidos pelos fundamentalistas, recebem.

Perguntando “Como chegamos a esta situação?” o autor responde: Uma organização chamada Sociedade Islâmica da Dinamarca, instruiu o Iman Ahmad Abu Laban para construir um dossiê com as doze caricaturas de Maomé publicadas no jornal Jyllands-Posten em Setembro de 2005, juntando-lhes outras três, de desenho primitivo e sem nome do autor (essas, sim, bastante ofensivas do profeta Maomé!…). Era uma estratégia para inflamar o sentimento religioso muçulmano… o que foi conseguido.

Ahmad Abu viajou pelo mundo árabe publicitando aquele dossiê como isco a ser mordido pelos religiosos mais fundamentalistas… e assim se deu início ao incendiar de paixões religiosas extremistas, organizaram-se acções de rua com queima de bandeiras, embaixadas atacadas, atentados e assassinatos, tudo à conta de um embuste criado pelos ímanes da Dinamarca. 

Richard Malka interroga: “quem deita gasolina no fogo? Quem caricatura o Irão? Nós, ou os ímanes dinamarqueses? Acaso os blasfemadores não foram os ímanes que inventaram as caricaturas ofensivas? Quem conhece esta história? Conhece-a o príncipe Al Thani do Qatar, que nos quer dar lições de anti-racismo e mantém trabalhadores estrangeiros sem passaporte e os trata como escravos? Conhece-a o presidente Erdogan que nos quer dar lições de tolerância e massacra muçulmanos kurdos numa autêntica limpeza étnica?

Massacrar milhares de muçulmanos não é islamofobia… mas publicar desenhos, sim?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

1 de Agosto, 2023 Onofre Varela

O mau e o bom, nos discursos da mesma Igreja

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Continua na ordem do dia o caso dos crimes sexuais praticados por sacerdotes católicos no seio da Igreja que se proclama distribuidora de amor e tem a sua história manchada por crimes de ódio perpetrados pela Inquisição rotulada de “santa”, e crimes de índole sexual cometidos ao longo da sua história milenar até aos nossos dias e à nossa porta. 

O bispo José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), não foi feliz na negação de apoio às vítimas, o qual devia ser assumido pela Igreja enquanto entidade que alberga os sacerdotes acusados por violação sexual. Disse que a questão desse apoio, referente às indemnizações “é clara, tanto no Direito Canónico como no Direito Civil. Se há um mal feito por alguém, esse alguém é que é o responsável pela indemnização”. 

Em seu entender, a lista que a Igreja recebeu da Comissão de Investigação dos crimes sexuais cometidos pela Igreja, não passa de uma simples lista com nomes, sem possibilidade de se comprovar os actos criminosos alegadamente cometidos por sacerdotes da sua Igreja. As vítimas teriam de fazer prova das suas violações para, só então, os sacerdotes acusados poderem ser alvo de um inquérito no sentido de se averiguar a veracidade da acusação… como se fosse possível comprovar um crime sexual sem testemunhas a assistir!… Como é que um abusado, em criança, prova, em adulto, a sua violação?!… Ele tem, como prova, a sua recordação, o seu trauma e a sua vergonha!… 

Depois, o bispo Ornelas deu a mão à palmatória dizendo que não foi feliz, que a sua comunicação não foi adequada e não conseguiu passar aquilo que tinha para dizer… mas que não soube dizê-lo. 

Um mês antes deste deslize, o mesmo bispo teve um discurso positivo que eu aplaudi. 

No dia 8 de Fevereiro a imprensa noticiou que a CEP levou à assembleia continental europeia do sínodo dos bispos que decorria em Praga, na República Checa, uma lista de reivindicações no sentido de a Igreja ser mais aberta à mudança e promover a participação da mulher em igualdade de oportunidades. 

Da mesma lista consta o acolhimento dos novos modelos familiares, das famílias mono-parentais e dos divorciados novamente casados, incluindo os “casais” do mesmo sexo. 

E mais disse: “é preciso acabar com o hermetismo que rodeia o tema dos abusos sexuais perpetrados no seio da Igreja”. 

Relativamente ao acesso das mulheres ao sacerdócio, à ordenação de homens casados, à identidade sexual e de género, mais o celibato dos padres, José Ornelas defendeu que é preciso “adaptar a linguagem litúrgica aos tempos actuais”. 

Disse ainda que “o clericalismo obstaculiza a mudança, o legalismo arbitrário afasta os fiéis e o rosto burocrático de muitas comunidades são geradoras de tensão e, muitas vezes, de abandono”.

Defendeu a necessidade de se rever a formação dos seminaristas, bem como a de a Igreja readquirir a relevância social numa Europa cada vez mais descristianizada, onde a dimensão institucional da Igreja tem uma relevância cada vez menor. 

Estes discursos fazem o retrato do catolicismo que continua a ser isto: uma martelada no prego… e outra na ferradura. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

30 de Julho, 2023 João Monteiro

Vamos entreter deus?

Texto de Arnaldo Martins:

Não se deixe o leitor enganar pelo titulo deste artigo uma vez que um ser tão poderoso certamente conseguirá entreter-se a sí mesmo.

Vou pedir emprestado ao Vasco Santana a sua famosa frase cinéfila e clamarei que: “Deus, há muitos! Seu p….”

Isto a propósito da crença de um sem número de pessoas que há um ser com características igualzinhas às dos humanos – ciumento, invejoso, vingativo, bélico, irado, etc – que acresce as próprias de um ser desta natureza – omnipotente, omnipresente, omniconsciente, pináculo da moralidade e por aí adiante.

Entreter a ideia que um ser desta índole exista é abrir o caminho para que mais seres possam ser caracterizados, proclamada a sua existência, introduzidos no quotidiano, atribuídas funções miraculosas e semeada na cabeça das pessoas que é impossível que eles não existam porque o ser humano não possui as capacidades cognitivas para provar ou negar a sua existência.

Por outras palavras, quem alega passa para o não crente o ónus da prova ou, só para parecer imparcial, afirma que não se consegue há data dizer que existe ou não existe, ou ainda por cima afirma que nem se sabe se algum dia poderemos comprovar ou não a sua existência.

Pois bem, questões filosóficas há muitas e de resposta difícil de encontrar. Se salvamos a vida a uma criança ou salvamos a vida a um médico, por exemplo. Só há uma dose de vacina para um vírus mortífero, neste caso tomo eu ou toma a minha mulher? Isto são tudo questões com uma carga moral forte cuja opção por uma ou por outra são válidas tendo em conta os argumentos apresentados e aceitação dos mesmos pelos próprios envolvidos ou pela comunidade em geral. Será função do filósofo alertar e identificar alternativas ou razões para tomada da decisão, mas a decisão final será sempre da responsabilidade dos interlocutores e o filósofo não tem de escolher nenhuma das opções a não ser o de esclarecer as hipóteses possíveis.

No caso de Deus, a questão é simples. Basta saber aquilo que tem acontecido ao longo da história para perceber que este é mais um igual aos milhares que já foram descartados pela humanidade.

Ninguém acredita em Zeus, Odin, Thor, Osiris, Horus, Shiva, etc. Quem acredita nestes deuses fá-lo com a mesma ignorância e falta de prova de quem acredita no Deus Jeová.

Entreter a ideia de que não se pode provar ou negar a existência de Deus é dar carta branca àqueles que fazem livros religiosos cheios de histórias alucinadas, de feitos mirabolantes, de práticas horrendas, de acontecimentos historicamente inexistentes, de explicação de fenómenos naturais com base em intervenções divinas, no fundo, criar um mundo ilusório desprovido de senso comum e desconforme com a realidade.

A negação da existência de Deus não é feita por nenhum ser humano (cujas faculdades podem ser mais ou menos afetadas no que toca ao raciocínio lógico), mas sim pela crueza e objetividade da realidade em que vivemos.

Colocar a questão da existência de Deus no patamar filosófico é atribuir valor às ideias patéticas e das quais nos devemos afastar em nome da racionalidade e da valorização da natureza e condições humanas.

Esperar que os problemas de vivência em comum seja dirigidos por um ser celestial é ignorar o valor intrínseco da nossa capacidade inata de empatia e de preocupação pelos que são nossos e pelos outros.

Albergar a ideia de Deus na nossa cabeça, apenas faz com que ele morra connosco quando chegar a nossa hora.

Imagem de Tumisu por Pixabay