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Etiqueta: Opinião

23 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Não há religião que mande matar”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

A RTP é a única entidade difusora de notícias que, a nível nacional, através da rádio e da televisão, dá voz a outras crenças religiosas para além da Igreja Católica, e fá-lo no cumprimento do serviço público que presta. “E Deus criou o mundo” é o título de uma rubrica semanal que vai para o ar na Antena 1 da rádio, às Quintas-feiras, entre as 23 e as 24 horas, com repetição ao fim-de-semana (presumo que ao domingo, cerca da hora do almoço). Nele intervêm militantes de três religiões: um Católico, um Muçulmano e um Judeu.

Num dos programas ouvi da boca de um dos intervenientes (presumo que do judeu), a frase que dá título a esta crónica: “Não há religião que mande matar”. Aprecio a sua atitude pacífica pretendendo branquear todos os actos religiosos, mas… esta afirmação é falsa!… Não só porque a História está cheia de “guerras religiosas” onde se matava (e mata) por obediência a uma certa interpretação de escritos com teor religioso, mas também porque o próprio Corão (livro sagrado do Islão), é explicito na ordem de matar os infiéis: “Combatei no caminho de Deus aqueles que vos combatem […]. Expulsai-os de onde vos expulsaram […] se vos combatem, matai-os: essa é a recompensa dos incrédulos […]. Matai-os até que a perseguição não exista e esteja no seu lugar a religião de Deus” (II – 190, 191, 193). É a Jihad: a “guerra santa” que todo o muçulmano se obriga a levar a cabo para defender e alargar o domínio do Islão na sua versão mais fundamentalista.

Na leitura que fiz do Corão listei 72 ameaças nas primeiras 112 páginas (embora nem todas de morte), apenas até ao fim do quinto capítulo… e a obra tem 114 capítulos! Era fastidioso anotar tantas ameaças e deixei de as registar. Para além desta ameaça de morte concreta registada no livro sagrado do Islão, todos nós sabemos das práticas criminosas de extremistas islâmicos que os noticiários das televisões nos mostram, desde a decapitação de pacíficos cidadãos, cuja degola já foi filmada para ser mostrada como intimidação ao ocidente, até à deflagração de potentes bombas entre cidadãos anónimos, em mercados, escolas ou igrejas, passando pelas mortes por atropelamento em zonas pedonais, e a tiro, com disparos indiscriminados em salas de espectáculos ou noutros locais com aglomerados de gente pacífica e ordeira.

A História lembra-nos as práticas nada dignas que a Igreja Católica também cometeu no tempo da Inquisição de má memória, que manchou de sangue as mãos de fiéis muito piedosos e tementes a Deus, mas que, enquanto “juízes da Inquisição”, matavam (ou mandavam matar) aqueles que eram alvo de denúncia por não praticarem a Religião Católica “conforme os Mandamentos de Deus”! 

Torturas sádicas e assassínios monstruosos enchem muitas páginas da História da Igreja… tudo praticado pelo “Santo Nome de Deus”!… Isto mostra que o conceito de Deus… afinal, é perigoso!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de ahmadreza heidaripoor por Pixabay
21 de Novembro, 2022 João Monteiro

Sobre a eutanásia

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

D. Manuel Clemente, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, afirmou, em Fátima, que a eutanásia é uma questão humanitária que não pode ficar reduzida ao campo estritamente religioso (Jornal de Notícias, 8/11/2016). Dito assim, até ficamos com a ideia de que a Igreja aceita, pacificamente, a prática da eutanásia em casos extremos de doença incurável com a morte próxima anunciada e provocando grande sofrimento ao paciente. Em tal caso a eutanásia seria um modo de libertar o doente, e a sua família, da dor inglória provocada pela irreversibilidade do mal.

Porém, logo a seguir, o clérigo disse que a eutanásia representa “uma grave ameaça para as famílias e uma violação grave e inaceitável da ética médica”… o que acaba por virar ao contrário a interpretação possível da primeira frase do seu discurso!… E continua dizendo que “em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, é legítimo a sociedade procurar induzir os médicos a violar o seu código deontológico e o seu compromisso com a vida e com os que sofrem”.

Este tipo de entendimento está sempre acoplado à crença… logo, também está sempre divorciado da realidade natural das coisas naturais. É neste mundo que vivemos, e não no fantasioso reino das religiões! Para os religiosos condenadores da eutanásia, ela é uma prática “criminosa” que não contempla a vida como “dádiva divina”. Não entendem que nem a eutanásia configura um crime (porque há sociedades que a legalizaram; logo, a ideia de homicídio para a prática da eutanásia, é errada), nem a vida é dádiva de um deus inexistente.

O raciocínio mais humano e fraterno, perante um caso de extremo sofrimento de alguém que vive dolorosamente os seus dias finais, aponta para que o doente usufrua de tratamento paliativo, sendo injectado com drogas suavizadoras para que a morte se cumpra sem dor. Porém, este pensamento parte, essencialmente, dos familiares e amigos que assistem à agonia do doente, e querem vê-lo ali, a respirar, para poderem demonstrar-lhe “amor e carinho”… mas quase sempre esquecem a vontade do próprio doente. Quem visita um doente terminal, manifesta a sua solidariedade nos poucos minutos que passa junto dele, e depois ausenta-se durante dias até à próxima visita caridosa. Mas o doente sente o seu sofrimento hora a hora, minuto a minuto, segundo a segundo… durante 24 horas por dia… e pensa, e sente, e sofre em cada momento que para ele é gigante!

Quando o doente tem a consciência do seu fim próximo; quando os médicos afirmam não haver marcha atrás no estado da doença que, inevitavelmente, o conduzirá à morte próxima e sofrida; e quando o paciente recusa drogas paliativas que lhe permitam respirar sem dor até ao momento final, e pede a prática da eutanásia… quem é que tem a última palavra sobre a sua própria vida?

A família?… A medicina?… O Estado?… A Igreja?… Ou ele próprio?

Ninguém é proprietário da minha vida. Sou eu o único proprietário de mim, e respondo pelas minhas acções, atitudes e vontades. Se, em consciência (repito: em consciência. Quando detentor de todas as minhas faculdades mentais), decido sair da vida por não me interessar vivê-la nas circunstâncias em que ela se me apresenta, ninguém tem o direito de contrariar a minha vontade, e todos têm a obrigação cívica de me respeitarem, incluindo nesse respeito aquele que é devido às minhas ideias e vontades. A vida de cada um não é passível de “privatização”, nem pela família, nem pela ciência médica, nem pelo Estado… e muito menos pela Igreja cuja ética religiosa choca com a minha ética cívica.

A crença religiosa é arrogante ao querer impor a sua vontade, esquecendo que as liberdades de pensamento, expressão e acção de cada um, são legisladas pelo Estado que é laico… e nunca pela Igreja!

Limitem-se as religiões a aconselhar os seus acólitos, e não interfiram na vida de quem dispensa as suas moralidades. A moral religiosa, se tem alguns lados positivos (assunto pouco pacífico a merecer muita discussão), acaba por se transformar em imoralidade quando defende a obrigação da entrega ao sofrimento para agradar a um deus fictício… provavelmente criado para apaziguar sentimentos… e mantido para exploração das almas. Devemos concluir que o sofrimento acaba por dar lucro à Igreja?…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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18 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Homens de pouca fé”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

O título desta crónica refere uma frase muito usada nas religiões cristãs, é atribuída a Jesus Cristo e repetida várias vezes no Novo Testamento (Mateus 6:30, 8;26, 14;31, 16;8 e Lucas 12;28). Também é referida nas conversas de religiosos em várias circunstâncias; e o fundamentalista, fascista e católico espanhol Escrivá de Balaguer, inventor da Opus Dei, usou-a para intimidar os crentes e criar uma elite social, económica e política. 

Os ateus, enquanto gente sem fé na divindade, não pretendem promover, já, agora e aqui, o enterramento da crença em Deus. Ninguém tem essa intenção, até porque nem tal coisa é possível porque são bem profundas as raízes do divino na estrutura da nossa mente. A religiosidade é intrínseca ao ser humano, e foi essa a razão que conduziu o nosso raciocínio à criação de deuses. 

O Homem só criou deuses porque sentiu necessidade deles… nós só criamos aquilo de que necessitamos. Se criamos divindades foi porque precisamos delas… e contra isto, batatas!… Depois criamos o “Deus único” à “nossa imagem e semelhança”… porque somos importantes!… 

É curioso constatar que o Deus único foi criado pelos Hebreus, povo do deserto, porque nas suas sacolas de nómadas não cabiam tantos deuses, nem tinham terra onde pudessem erigir tantos templos, como tinham os seus vizinhos egípcios sedentários. Os nómadas são gente prática pela constante movimentação a que se obrigam, e um único Deus resolvia os seus problemas de religiosidade e fé! 

Esta certeza fatal (a de o Homem só criar aquilo de que precisa) arruma qualquer discussão que pretenda destruir o sentimento da crença em Deus, porque a religiosidade é um atributo do nosso cérebro que tem características únicas entre todas as formas de vida que animam o planeta. 

A figura abstracta de Deus é produto de uma inteligência superior, e contra isto não se deve lutar irracionalmente… mas é sempre possível alertar os espíritos religiosos para a verdade da invenção de Deus, cujo conceito criamos. Não há qualquer realidade divina fora da nossa mente. 

O conceito de Deus sempre foi aproveitado pelos vários poderes na exploração do sentimento da religiosidade que, naturalmente, existe no cérebro de todos nós. Quanto mais frágil for o raciocínio de cada um, tanto mais fácil será a exploração da nossa crença e da nossa fé por quem faz da Religião modo de vida e dela tira muito mais do que o seu sustento diário: também retira as mordomias sociais em várias escalas, até à exploração abusiva! 

Basta olharmos a nossa História Medieval e vermos o poder da Igreja no controle que fazia da mente dos povos crentes e tementes à ira divina… a nossa submissão aos crimes da Igreja Católica no tempo da Inquisição, quando o Povo definhava e o Clero e a Nobreza viviam na opulência. 

Se olharmos para a América Latina com olhos críticos, podemos confirmar, ainda hoje, que quanto mais religiosos forem os povos, mais explorados são pelos diversos poderes que vivem à custa das várias pobrezas: a intelectual, a social e todas as outras. 

Se lançarmos o nosso olhar para os países do norte da Europa, com elevada percentagem de agnósticos e ateus, concluímos que o estatuto social de cada um é mais elevado, porque se alicerçam num nível superior de raciocínio, não se submetendo à divindade do modo como se submetem os latinos. 

A “sopa dos pobres”, infelizmente tão usada entre nós (digo “infelizmente”… por, socialmente, ainda ser necessária), e a pedincha pública por organizações que vivem da caridade, são factos sociais que só se radicam entre os povos explorados pelos donos do dinheiro, e têm o apoio de governos miseráveis que permitem a manutenção deste estado das coisas, submetendo-se (e submetendo-nos) a interesses económicos de uma minoria que nos explora.

Só se pode almejar um nível social de superior qualidade se se promover a excelência do raciocínio e da formação dos cidadãos, processo que começa nos bancos da escola. E isso obriga a uma prática educativa e social de gerações, promovida por políticos honestos e verdadeiramente interessados no futuro de toda a gente (e não no deles próprios)… o que, entre nós… ainda é mito… tal como a ideia de Deus… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de talpeanu por Pixabay
16 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Servir a deus e ao dinheiro”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.
Nota: Este texto foi inspirado no discurso de José Antonio Pagola, já aqui mencionado há umas semanas.

De vez em quando os bispos portugueses juntam-se ao coro de protestos do povo sofredor tentando alertar a classe política e o governo para os malefícios que produzem na sociedade. Mas muitos desses discursos soam a falso, não só porque são beatos e inoperantes, mas também porque são proferidos em tempo de governo constituído por partidos de Esquerda. 

Alguns desses discursos direccionam-se para interesses particulares do culto condenando a lei do aborto voluntário, do casamento homossexual e da prática da eutanásia por quem a deseja. Não o fazem com a mesma veemência em tempo de governos da Direita, quando estes destroem a classe média, estrangulam os trabalhadores com elevadas taxas de desemprego e vendem património público a interesses privados. 

Com tais atitudes os bispos portugueses demonstram o que sempre demonstraram: que estão com o poder da Direita como sempre estiveram na ditadura de Salazar (as excepções contam-se pelos dedos de uma mão e sobram dedos. Eu conheço duas: Manuel Martins, que foi bispo de Setúbal; e Januário Torgal, que foi bispo das Forças Armadas). 

A Igreja Espanhola assume a mesma tendência, o que motivou uma tomada de posição da “Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII” que, reunida em congresso em Madrid (há 10 anos), se insurgiu contra o silêncio da hierarquia da ICAR perante a crise, dizendo: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 

Na altura a imprensa espanhola destacou o discurso de José Antonio Pagola (jornal El País, 10-9-2012), que foi vigário geral da diocese de San Sebastian durante mais de duas décadas e que viu o seu último livro “Jesus, uma aproximação histórica”, a ser investigado pela Inquisição Vaticana a pedido da Conferência Episcopal Espanhola. O livro rapidamente se transformou em clandestino, pois foi retirado do mercado por ordem da Igreja antes de ser esgotada a nona edição e já com 140.000 cópias vendidas, não só em Espanha, mas também no Brasil, Itália, EUA, Inglaterra e em toda a América Hispânica. 

“A hierarquia da Igreja não lidera os movimentos de conversão ao Evangelho” disse Pagola no seu discurso de encerramento do congresso. E continuou: “O governo está a mudar o país com medidas que atiram centenas de milhar de pessoas para a exclusão, e a Igreja não vê nenhuma revolução. Desde Jesus, não podemos ficar nem mudos nem conformados. A partir da Igreja temos que denunciar essa falta de compaixão. Os que sofrem não esperam doutrinas sociais nem justificações económicas tão mentirosas e imorais. Pedem que os defendamos. A hierarquia fala em nome dos que sofrem, mas não os leva no coração. […] O governo é despótico, anti-social e anti-cristão, e a hierarquia da Igreja está calada ou fala sem audácia evangélica. A voz dos sem voz não se ouve. Adoramos o crucificado, mas esquecemos os crucificados de hoje. Jesus atreveu-se a insultar os ricos do seu tempo”.

Este discurso aconteceu em Espanha há uma década. E por cá?… A coisa é diferente?!… A pregação da Fraternidade só faz sentido se for expurgada dos interesses de movimentos expressamente criados por organizações religiosas ou laicas que se governam com ela, transformando-a em indústria e alavanca social para os seus promotores. A fraternidade verdadeira (embora seja de prática obrigatória por cada um de nós) enquanto organização eficaz e sem duplo interesse, pertence ao Estado concretizá-la com medidas sociais e económicas eficazes, não permitindo que haja um cidadão sem rendimento que lhe permita comer e ter habitação. O Homem é um ser fraterno, mas a “caridade religiosa” é do mais falso que a sociedade promove em épocas sazonais como o Natal… e, quantas vezes, não respeita a dignidade daquele que é ajudado…  (claro que, também aqui, há sempre as excepções que afirmam a regra!…)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Harry Strauss por Pixabay
14 de Novembro, 2022 João Monteiro

Honestidade religiosa

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Enquanto ateu obrigo-me a conhecer o fenómeno religioso para me permitir criticar, concordar ou discordar, com aquilo, e daquilo, que à Religião pertence. Por isso sou leitor habitual de livros, notícias e artigos religiosos, científicos ou filosóficos que tratam do tema Religião (e também ouço missas… embora cada vez menos, porque me aborrecem cada vez mais). Nas edições de Domingo do jornal Público, leio, atentamente, os textos que Frei Bento Domingues escreve em favor da Religião, da fé e da crença, os quais considero muito interessantes, notando neles muito mais o estudioso honesto e o Homem Ético que Bento Domingues é, do que, somente, o religioso. E nunca neles detectei qualquer traço daquele fundamentalismo que, muitas vezes, contamina o discurso de outros religiosos.

No seu artigo intitulado “Não invocar o nome de Deus em vão” (publicado há meia dúzia de anos: 20/11/2016), Bento Domingues diz que, apesar das intenções carregadas de humanidade do papa Francisco, o fundamentalismo religioso, mesmo no seio da Igreja Católica, não desarma. E aponta vários exemplos negativos: os panfletos de uma folha dominical de uma paróquia da Califórnia que sentenciava, “votar no Partido Democrata é um pecado mortal”, numa clara declaração de apoio ao candidato Trump; um padre italiano que, aos microfones da emissora católica Rádio Maria, afirmou serem “os sismos, em Itália, um castigo divino pelas uniões civis de homossexuais”; e acaba com o infeliz comentário da psicóloga portuguesa Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, à revista Família Cristã, que declarou esta enormidade: “ter um filho homossexual, é como ter um filho toxicodependente”.

Afirmações deste género mostram que quem as profere não conta com um nível de inteligência razoável por ter o cérebro tomado pela crença em dose excessiva. E essa é a pior forma de se ser religioso, pois impede que o crente tenha um raciocínio verdadeiramente inteligente e, principalmente, livre de preconceitos… é que a religiosidade é como o vinho: em dose excessiva embebeda!… 

Na sua habitual eloquência e honestidade intelectual, o articulista Frei Bento Domingues diz que “Deus é inexprimível: nós não sabemos o que é Deus em si mesmo; dele captamos, apenas, um esplendor fraco através do mundo criado e no decurso da nossa história do mundo, história feita de acontecimentos felizes e de tragédias. Não é só o Deus incognoscível, mas também as expressões ou os dogmas sobre Deus que pertencem, à sua maneira, ao objecto da fé […] A auto-revelação de Deus é dada em experiências humanas interpretadas […] A Bíblia não é a palavra de Deus, mas um conjunto de testemunhos de fé de crentes que se situam numa tradição particular da experiência religiosa”. 

Esta honestidade de um religioso interessado pela História Antropológica que estuda as motivações religiosas a partir do conhecimento das atitudes humanas perante o conceito da divindade, deveria ser exemplo a levar em linha de conta por aqueles que, possuindo estudos académicos de nível superior (padres, médicos, economistas…) se permitem afirmar falsidades (ou idiotices), tentando passá-las à comunidade religiosa como coisas sérias e verdadeiras.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

11 de Novembro, 2022 João Monteiro

Ler e interpretar

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho

Para que a leitura de um texto seja compreendida, precisa de ser interpretada. Entre a leitura e a interpretação, existe a mesma diferença que há entre os actos de olhar e de ver. Quem olha, pode não ver o que está no objecto olhado se não tiver a consciência de ter visto. A leitura de um texto não pede mais do que juntar sílabas e formar palavras que passam pela nossa mente em imagens transmitidas pelos olhos e descodificadas pelo cérebro. A seguir a este simples e automático acto, há a tarefa de interpretar o texto lido, a qual não pertence aos olhos.

A interpretação de um texto, ou de uma imagem, precisa de ferramentas fundamentais que o leitor, ou observador, terá de possuir previamente à leitura do texto ou da observação da imagem. O agente principal da leitura ou da observação (que é o leitor e o observador), só consegue interpretar o que acabou de ler ou de observar, se tiver a chave que lhe permita descodificar as palavras lidas ou as imagens observadas. 

Como exemplo direi que, em Arte, o valor artístico só existe se o observador da peça estiver preparado para identificar aquilo que vê, como Arte. Se ele não for capaz de fazer essa leitura, para ele a Arte não existe, embora exista o objecto cujo valor artístico ele desconhece… por isso não reconhece nem valoriza aquele objecto que, olhado pelos seus olhos, o cérebro não identifica, tornando o resultado do seu olhar idêntico ao de um palácio olhado por um boi! 

O leitor, por vezes, até precisa de ter a percepção de entender o que não está explicitamente escrito, mas que pode ser lido nas “entrelinhas”, como acontecia no tempo em que a censura cortava textos a jornalistas e escritores, obrigando os autores a uma ginástica gráfica que o leitor avisado acabava por compreender. O termo “leitor avisado” continua hoje, neste tempo em que a censura toma outras realidades diversas dos censores do Estado Novo… neste tempo em que proliferam as fake news, a ser tão (ou mais) importante como era nos tempos da censura Salazarenta.

Lembrei-me desta temática para a crónica de hoje por um dia ter recebido, de um amigo de longa data e profundamente católico, uma crítica negativa à leitura que fez do meu livro “O Homem Criou Deus” (Edium Editores, 2011). Referia-se ele a um dado parágrafo que, garantia, o ofendeu na sua religiosidade. Porque a minha intenção ao escrever o livro não era ofender, tendo tomado todos os cuidados na tentativa de evitar interpretações contrárias à minha intenção (embora não sabendo se o consegui. Aliás… parece que ninguém o consegue!…), usando palavras escolhidas para evitar correr esse risco. 

Combinei um encontro com o meu amigo para melhor nos entendermos numa conversa olhos-nos-olhos, bem mais interessante do que uma troca de palavras por telefone. Em frente de dois cafés, li-lhe o parágrafo da sua indignação. Tanto bastou para que o meu amigo não lhe encontrasse qualquer insulto à sua religiosidade, acabando por dizer: “Ah!… lido assim!…”. 

O problema está no facto de um religioso (ou um ateu), perante uma obra declaradamente ateia (ou religiosa), encarar a leitura predisposto a sentir-se contrariado, em vez de o fazer com espírito aberto para entender o que lá está realmente escrito, e não o que, no seu preconceito ou má fé (de religioso ou de ateu), imagina lá estar ou queria que lá estivesse!

É mais positivo encarar a leitura de um ensaio com a mente livre, do que armá-la de couraça impeditiva de ver o que lá está escrito, mas julgar perceber, exactamente, o seu contrário, por estar mais de acordo com o seu interesse. 

Conclusão: depois de termos tomado o café… mandamos vir duas cervejas. E brindamos!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

4 de Novembro, 2022 João Monteiro

Pedidos de perdão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

Neste tempo de guerra na Europa, em que um candidato a imperador fora do tempo dos impérios, invade e destrói um país vizinho, matando cidadãos inocentes na ânsia de tomar territórios para ampliar o seu “império”, dei comigo a pensar que se a Humanidade não estiver totalmente louca, o agressor terá de se sentar no banco dos réus de um tribunal competente para julgamento dos seus actos, tal como aconteceu em Nuremberga, em Novembro de 1945, a 24 proeminentes membros da liderança política da Alemanha Nazi. 

Por analogia lembrei-me da viagem que Barak Obama, enquanto presidente dos Estados Unidos da América (EUA) fez a Hiroshima em Maio de 2016. Foi a primeira visita de um presidente norte-americano ao Japão desde o fim da Segunda Grande Guerra. 

Em 6 de Agosto de 1945, já com a Guerra terminada pela capitulação dos Nazis, os japoneses continuavam o conflito, o que levou os EUA a lançarem uma bomba atómica sobre Hiroshima, provocando a destruição da cidade e a morte instantânea de mais de 70.000 pessoas, repetindo a destruição dias depois em Nagasaki, causando mais de 60.000 mortos. 

Foi notícia por demais divulgada, o facto de Obama não ter pedido desculpas por esse facto que enlutou o Japão há mais de sete décadas e que pôs fim àquela guerra. O seu objectivo foi “honrar todos os que morreram na Segunda Grande Guerra Mundial”, insistiu Barak Obama perante a pergunta se pedia perdão ao Japão pelo deflagrar das bombas atómicas. 

E era aqui que eu queria chegar para dizer que o pedido de perdão por actos cometidos no percurso que faz a História do Homem, não tendo sido apresentado pelos próprios intervenientes imediatamente a seguir aos acontecimentos, deixa de ter cabimento fazê-lo sete décadas depois… altura em que já nada significam para além da hipocrisia que representam, já que actos bélicos continuam a ser praticados com resultados idênticos, provocando sofrimento. 

Também a Igreja Católica (IC), no seu Jubileu do ano 2000, pela voz do Papa João Paulo II, dirigiu dezenas de pedidos de perdão, dos quais destacarei uns poucos: pelos males provocados pela IC aos Judeus por parte do Papa Pio XII; pelo anti-semitismo no tempo de Mussolini; por todos os crimes cometidos pela Inquisição; por todas as vítimas abandonadas pela Igreja; pelos actos praticados pelo Vaticano contra os cientistas; por queimar vivo Giordano Bruno e João Hus; pelas divisões no seio das várias sensibilidades cristãs; pelas repressões aos Protestantes e Ortodoxos; pelos pecados cometidos contra o amor, a paz e os direitos dos povos, e pelos pecados cometidos com as mulheres, os pobres e os marginalizados; e também pela inoperância da IC perante o Ateísmo (!); a Igreja Espanhola pediu perdão pela atitude nada evangélica demonstrada perante os elementos da ETA, e a Igreja da Argentina pediu perdão pelos pecados por ela cometidos durante a ditadura do general Videla. (Curiosamente a IC Portuguesa não pediu perdão algum, nem, sequer, pelo mal que fez ao poeta Bocage!). 

Até Junho de 2001 contabilizei 94 pedidos de perdão, e numa cerimónia litúrgica celebrada no Vaticano, o Papa pediu perdão pela soma de todos os pecados cometidos no passado remoto e recente. 

Pedidos de perdão patéticos, porque a Igreja que se considera modelo moral, não os deveria ter cometido. Mas cometeu-os!… É facto histórico que o perdão não elimina. 

Importante não é o perdão panfletário, mas sim a consciência que se tem do mal feito e proceder de modo a que jamais haja lugar a pedidos de perdão, não praticando injustiças. 

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
2 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Vaca é a tua mãe!…”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

A reacção violenta do actor Will Smith à piada do comediante Chris Rock, o apresentador do espectáculo da entrega dos Óscares em Hollywood, que a televisão mostrou em directo para todo o mundo interessado nas novidades da Sétima Arte, fez vir à tona da minha memória uma experiência que vivi uma vez, há muito tempo. 

Encontrava-me em casa de um amigo que recebeu a visita de um outro seu amigo, um jovem Franciscano. O seu aspecto agradou-me esteticamente, pelo hábito castanho e a sua barba ruiva longa até ao peito, cuja imagem me pareceu arrancada de um retábulo do pintor gótico Fra Angélico. Igualmente como os retábulos, o semblante daquele frade era inexpressivo. Nada de sorriso nem olhar brilhante. Embora de olhos intensamente azuis acinzentados, o seu olhar era baço e a boca não passava de um corte horizontal fazendo fronteira entre o bigode e a barba. 

Quando tenho a oportunidade de me encontrar com um religioso não perco esse momento mágico que me pode permitir aprender algo sobre religião “partidária”, já que, como ateu, não sinto a fé do mesmo modo como a sente um religioso, nem o meu espírito se deleita durante a celebração de uma missa… e enquanto leitor de religião, o que encontro nos livros que escolho é História… a qual não explica o sentimento religioso que, para mim, resulta enigmático! Na presença de um agente religioso, parto do princípio de que aquela pessoa é versada em religião e em todos os elementos que lhe são pertença e dão forma, tornando-o uma enciclopédia viva. 

Abordei o tema do sagrado, o que é matéria da minha admiração mas também do meu desconhecimento. Para início de conversa (a qual esperava frutífera) comecei por dizer que a “coisa sacra” de um, pode não ser (e habitualmente não é) o sagrado de outro que, embora sendo também religioso, “milite” noutra modalidade de fé. Exemplifiquei com o tótem (um tronco de madeira esculpida e pintada) que tem, para o índio norte-americano, o mesmíssimo valor sagrado que uma imagem de Fátima (um tronco de madeira esculpida e pintada) tem para um católico… e nenhum deles dá qualquer importância ao objecto sagrado do outro!… No entanto, enquanto peças de adoração, uma não é menos sagrada do que a outra, e para um antropólogo têm o mesmíssimo valor. Até as capelas quando deixam de ser locais de culto e são reconvertidas para qualquer outra actividade, são “dessacralizadas”… o que quer dizer que o sagrado pode deixar de o ser… ao contrário da Arte que nunca deixa de ser uma obra artística independentemente do lugar onde se encontre, quer esteja exposta ou arrecadada. 

Também as mulheres religiosas do Sri Lanka (Ceilão) adoram as vacas consideradas sagradas. Vi num documentário televisivo um grupo delas rodeando uma vaca que pastava, e quando a rês levantou a cauda (sinal de que ia urinar), elas apressaram-se a recolher a urina num copo que transportavam para o efeito… e beberam-na!… Tal acto é igualmente sagrado para aquelas mulheres… é como tomar a hóstia!… E concluí (talvez erradamente, mas com a intenção de fazer humor, como foi a anedota do apresentador da entrega dos Óscares) que se a imagem de Fátima urinasse, também haveria quem lhe bebesse a urina.

Resposta imediata do jovem Franciscano: “Vaca é a tua mãe”!

Respondi-lhe com uma sonora gargalhada, porque não há nada melhor do que o riso para responder a uma reacção (e provocação) destas. E naquele caso não aprendi nada!… Mas sublinhei o que já sabia: o fanatismo elimina o raciocínio… o que é lixado!… 

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay
31 de Outubro, 2022 João Monteiro

Pela Paz

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

As convulsões sociais constituem sempre um excelente pretexto para os credos religiosos ditos defensores do bem contra o mal e da harmonia entre os povos (e nem todos eles têm estas características humanitárias), virem a terreiro deixar a sua palavra em defesa da paz e da concórdia. Assim fez o Papa Francisco há poucos dias, com a Europa mergulhada numa guerra desencadeada pelo ditador Putin que invadiu um país vizinho, matando e destruindo. 

Habitualmente as religiosas intenções moralizadoras são inoperantes, porque moral é coisa que o fazedor da guerra não tem, nem quer ter… nestas condições, não é o chefe de uma Igreja (que nem é a do ditador) que lhe vai refrear os instintos de poder e de domínio. 

O Papa Francisco consagrou, na passada Sexta-feira, a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria, numa celebração realizada em simultâneo no Vaticano e em Fátima. Acredito que para as mentes religiosas tenha sido um acto redentor e todos os que nele participaram se sintam de bem consigo na fraternidade que demonstraram sentir pelo Povo Ucraniano… mas acredito ainda muito mais que, em termos práticos, da vida real, da realidade que faz a guerra… tais actos redentores valem… zero! 

Não só neste momento de guerra na Ucrânia, mas também na nossa realidade política e económica de todos os dias, em momentos de convulsões sociais, às vezes os bispos juntam-se ao coro de protestos do povo sofredor, alertando o governo para práticas políticas ou económicas que, na óptica da Igreja, prejudicam o Povo. 

Muitos desses discursos soam a falso, porque são beatos e inoperantes (e também porque são proferidos em tempo de governo constituído por partidos de Esquerda que nem vão à missa!). Alguns dos discursos religiosos defendem interesses particulares do culto, como a condenação do aborto voluntário, do casamento homossexual e da prática da eutanásia por quem a deseja. Discursos que não são feitos com a mesma veemência em tempo de governos da Direita, quando estes destroem a classe média, estrangulam os trabalhadores com elevadas taxas de desemprego e vendem património público a interesses privados. 

Estou a lembrar-me de uma notícia divulgada pela imprensa espanhola há cerca de 20 anos, na qual se dava conta da mesma tendência de defesa dos interesses da Direita Política pela Igreja de Espanha, o que motivou uma tomada de posição da Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII que, reunida em congresso em Madrid, se insurgiu contra o silêncio da hierarquia da Igreja Católica perante a crise, dizendo: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 

O porta-voz deste recado dirigido aos bispos espanhóis foi José Antonio Pagola, que exerceu o cargo de vigário geral da diocese de San Sebastian e viu o seu último livro Jesus, Uma Aproximação Histórica, a ser investigado pela Inquisição Vaticana. O livro rapidamente se transformou em clandestino porque foi retirado do mercado por ordem da Igreja antes de ser esgotada a nona edição e já com 140.000 cópias vendidas em Espanha, no Brasil, em Itália, nos EUA e em toda a América Latina. “A hierarquia da Igreja não lidera os movimentos de conversão ao Evangelho” disse Pagola no seu discurso de encerramento do congresso. 

E continuou: “O governo está a mudar o país com medidas que atiram centenas de milhar de pessoas para a exclusão, e a Igreja não vê nenhuma revolução. Desde Jesus, não podemos ficar nem mudos nem conformados. A partir da Igreja temos que denunciar essa falta de compaixão. Os que sofrem não esperam doutrinas sociais nem justificações económicas tão mentirosas e imorais. Pedem que os defendamos. A hierarquia fala em nome dos que sofrem, mas não os leva no coração. […] O governo é despótico, anti-social e anti-cristão, e a hierarquia da Igreja está calada ou fala sem audácia evangélica. A voz dos sem voz não se ouve. Adoramos o crucificado, mas esquecemos os crucificados de hoje. Jesus atreveu-se a insultar os ricos do seu tempo”. 

A actual pregação da Fraternidade faz sentido nos conceitos religiosos e nas atitudes de alguns seguidores dos cultos, mas não resolve os problemas definitivamente. A verdadeira fraternidade, quando a nível de um país, pertence ao Estado concretizá-la com medidas sociais colectivas, na defesa da Paz e do bem-estar. O Homem é um ser fraterno e dado à fé… mas as atitudes de fé são inoperantes na resolução de problemas gigantes, principalmente quando o problema se chama Guerra! 

Aí… só se ouve a voz das armas. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

 OV

23 de Junho, 2022 João Monteiro

Debate: Religião no Século XXI

João Monteiro, presidente da Associação Ateísta Portuguesa, participou num debate com Luísa Jacinto, que representou o Movimento Católico de Estudantes. A moderação esteve a cargo de João Mendes, da Escola Superior de Comunicação Social, onde teve lugar o debate. A conversa pode ser ouvida aqui.