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Etiqueta: Opinião

10 de Julho, 2023 João Monteiro

Amor, Sexo e Catolicismo

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

«À Igreja falta amor. Enquanto Jesus significava amor, solidariedade e compaixão, a Igreja tornou-se seca, árida, quezilenta, e sempre contra tudo. É um espaço de exclusão e não de abertura».

Estas palavras não são de um ateu, mas sim de uma pessoa crente. Proferiu-as Maria João Sande Lemos, co-fundadora do PPD com Sá Carneiro, e activista de várias causas destacando-se a “Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres”, e do braço português do movimento internacional católico denominado “Nós Somos Igreja”. Divulgou-as a revista Visão na edição de 24 de Agosto de 2012.

A palavra “amor”, tomou-a a Igreja Católica como um patamar superior das relações humanas, elevada a uma condição quase sagrada, com regras que o credo propaga como sendo “a vontade de Deus”, e qualquer fuga à rigidez da regra, representará um “pecado”. Há outras religiões do naipe das cristãs que conseguem ser mais fundamentalistas ainda, impondo regras muito mais apertadas nas relações humanas, quando essas relações são entre um homem e uma mulher.

Entre nós, portugueses (e latinos), essa malha acabou por ser mais alargada, talvez porque uma “religião oficial” (como entre nás foi designada a Igreja Católica no tempo da Ditadura) acaba por ser desrespeitada na “oficialidade” que pretende impor. As pessoas não são máquinas… têm cérebro próprio que dispensa o “cérebro-colectivo” de uma religião… daí haver entre os católicos a modalidade de “católico-não-praticante” (que é uma espécie de mal casado… que não dorme com a mulher!), mas também porque a nossa latinidade é incontornável, e a frase “fazer amor” é sinónimo de “fazer sexo”, com ou sem amor na origem do acto puramente carnal. 

No catolicismo sempre se viu o acto sexual como pecado. Tudo quanto ao sexo diga respeito e que ultrapasse o acto puramente animalesco de procriar, é alvo de condenação. Começando na masturbação e terminando nas relações homossexuais, tudo quanto cheire a sexo para além de “fazer filhos”, é um hediondo pecado mortal. 

Esta atitude de ódio perante o sexo poderá dever-se ao facto de os sacerdotes católicos serem obrigados à castidade. Acredito que um homem (e uma mulher) que renuncie à prática sexual, se sinta feliz e realizado(a), quando essa renúncia parte da sua própria vontade e não seja uma condição imposta. 

Na Igreja a castidade não é uma escolha do candidato ao sacerdócio… é uma imposição do credo… e a diferença entre as duas situações de castidade (voluntária, ou imposta) é abissal. A condição animal do homem traz nos genes todas as características da sexualidade que pede uso a partir da juventude. Homem e mulher têm as mesmas necessidades sexuais, e a prática sexual ultrapassa o acto de procriar; é, também, um modo de descomprimir das aflições diárias pelo prazer que provoca. 

A homossexualidade cumpre as mesmas funções, excepto a de procriar, e quem a pratica está a “fazer amor”. Esse amor que a Igreja apregoa do púlpito, mas que os mais fundamentalistas do mesmo credo condenam na vida prática.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de stokpic por Pixabay
7 de Julho, 2023 João Monteiro

Outra vez a Eutanásia

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

A Assembleia da República tornou a emendar, discutir e aprovar a chamada Lei da Eutanásia que permite a quem pretende sair da vida poder fazê-lo com legitimidade depois de cumpridas as formalidades que descartam o crime, afirmando a vontade do próprio que agoniza em sofrimento sem quaisquer hipóteses de retrocesso do mal que o condena a um fim doloroso que recusa… até mesmo a possibilidade de ser tratado com sedativos e morfina contra a dor… o que também recusa

Como em todas as resoluções políticas, também esta tem os seus defensores e os seus detractores. 

Porém, no caso da Lei da Eutanásia, encontro na vontade dos detractores uma prepotência e arrogância contra a minha legítima vontade de sair da vida quando ela não me interessar, exactamente porque a minha vida é minha, só minha, e esta minha propriedade não é transmissível, nem discutível ou negociável. 

Numa sociedade saudavelmente democrática ninguém é dono de ninguém e cada um tem direito à sua própria vida e à sua legítima vontade. É essa vontade que a maioria do actual Parlamento quer ver respeitada, mas parte dos deputados não respeitam. O discurso de quem não aceita a Eutanásia, não tem Humanidade… só é um discurso religioso! Diz que “a vida humana é sagrada e só Deus a dá e pode tirar”. 

É um discurso ridículo porque atribui a razão da vida a uma entidade de ficção. Deus é uma figura de estilo que não é razoável nem comprovável. O que se sabe da figura de Deus é que é uma invenção humana, à sombra da qual os crentes de um qualquer registo religioso deifico são capazes de praticar o bem, mas também o mal. Persegue-se e mata-se com intenções religiosas e políticas contra a vontade dos perseguidos e dos assassinados… e no caso da Eutanásia recusa-se o direito de sair da vida a quem o deseja e quer fazer com dignidade! 

Deus é uma falácia porque, obviamente, o Homem já existia quando lhe ocorreu a ideia de criar um deus que o criasse… sem Homem não haveria Deus!… E é com base nesta criação abstracta de um conceito configurando uma mentira, que os respeitadores de Deus desrespeitam os homens. Deus não dá, nem tira, nem quer, coisíssima nenhuma… os homens é que dão, tiram e querem, e também o fazem em nome do deus que inventaram para dele se servirem em proveito próprio. 

A minha vontade de sair da vida só a mim diz respeito e não prejudica os interesses de ninguém. Quando muito poderia chocar (e choca) a minha família mais chegada que pretende ter-me junto a si para olhar para mim, conduídamente, vendo-me sofrer e definhar até à morte… o que me parece de um egoísmo atroz esquecendo a minha dignidade e a minha vontade, em favor da sua “caridadezinha”! 

É esse sofrimento e definhamento que quem reivindica a Eutanásia não aceita… e quer sair da vida, com toda a legitimidade de Ser Humano livre e consciente, antes que tal se manifeste. 

Os cidadãos que são contra a Eutanásia, na verdade são contra a vontade alheia e pretendem impor a toda a comunidade a sua própria vontade em desrespeito pela vontade do próximo. 

A Lei da Eutanásia não os obriga a recorrerem a ela… mas querem impedir a sua concretização a quem o deseja! 

Colocar o conceito deifico no meio desta questão, é tentar fazer, hipocritamente, lei da Fé; contrariando a lei da Razão e desrespeitando a vontade e a liberdade de decisão dos outros. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Tesa Robbins por Pixabay
5 de Julho, 2023 João Monteiro

O Presépio

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita, a propósito das celebrações natalícias.

Estamos a viver a quadra natalícia que na cultura católica representa o nascimento de Jesus Cristo e, além da Igreja, é um tempo de comércio que anima as ruas das cidades na onda consumista habitual, salvadora dos lojistas que, fora das datas fomentadoras de vendas, quase agonizam pela falta do poder de compra dos trabalhadores obrigados a sustentarem a família com o ordenado mínimo… e cujo sustento está agora agravado pelos reflexos económicos da guerra que Putin faz à Ucrânia.

Na cultura ocidental a Igreja Católica é a entidade que tem maior riqueza iconográfica, sendo, por excelência, uma religião de imagens que alimentou pintores e escultores através dos séculos, e por isso possui uma pinacoteca das mais importantes. A imagem cristã mais mostrada na quadra natalícia é o presépio que pretende ser uma representação do nascimento de Jesus Cristo.

Uma breve consulta ao Novo Testamento mostra-nos que, de entre os quatro evangelistas sinópticos que nos falam da hipotética história de Jesus Cristo, nenhum deles nos narra a cena que estamos habituados a ver designada por “presépio”. 

Mateus (2:11) diz-nos que os reis magos “entrando na casa acharam o menino com Maria”. Logo, o estábulo da tradição não existe nesta referência, já que o local do nascimento seria “uma casa”. 

Marcos (1:9) omite o nascimento de Jesus, referindo-o já como adulto, quando foi baptizado nas águas do rio Jordão por João Baptista.

Lucas (2:7) já nos diz que Maria “deu à luz o seu filho primogénito e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”. 

Esta necessidade de José e Maria terem uma estalagem para pernoitar, deveu-se ao facto de se deslocarem de Nazaré, onde viviam, para Belém, no cumprimento de um decreto emanado pelo fundador do Império Romano, e seu primeiro imperador, Caio Júlio César Octaviano Augusto (27 aC – 19 dC) que havia anexado o território da Judeia. O representante de Roma naquelas paragens era Copónio que, como primeira função governativa, ordenou um censo na Judeia e Samaria com o fim de obter uma listagem de cidadãos, actualizada, para efeitos de cobrança de impostos. O casal partiu para Belém (o local do recenseamento) quando Maria já estaria num estado avançado de gravidez. 

João (1: 29-34), tal como Marcos, só refere Jesus quando do baptismo no rio Jordão, omitindo o seu nascimento. (Para informação dos distraídos: este João [o Evangelista] era irmão de Tiago e filho de Zebedeu; e não é o mesmo João [o Baptista] filho de Zacarias e Isabel, e primo de Jesus, o qual baptizou, e que, tendo sido preso por Herodes Antipas I acabou decapitado. Segundo a lenda, a sua cabeça foi oferecida numa bandeja a Salomé. O outro apóstolo João, o Evangelista, morreu de morte natural contando 94 anos).

A imagem do presépio que hoje figura na maioria das casas e nas montras das lojas na época natalícia, teve origem numa ideia de Francisco de Assis que, em 1223 festejou o Natal fora da igreja, montando uma manjedoura na floresta de Greccio, Itália, colocando junto dela um boi e um burro como elementos tradicionais de um estábulo. O povo não entendeu de imediato o significado daquela encenação não lhe tendo prestado grande atenção. Mas durante a Idade Média aquele costume espalhou-se e ganhou tal importância que, já no século XVI (em 1567), a Duquesa de Amalfi mandou montar um grandioso presépio com 116 figuras representando o nascimento de Jesus Cristo com a adoração dos reis magos, dos pastores e com anjos a cantar. A partir do século XVIII o costume espalhou-se pelas casas dos crentes, mantendo-se até hoje e promovendo colecções que vão das mais simples representações até às mais complexas e valiosas. 

Convenhamos que o presépio, enquanto decoração natalícia, fica muito bem nas montras de lojas e nos centros comerciais… animando o consumo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Alexa por Pixabay
3 de Julho, 2023 João Monteiro

Deus morreu?

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

O pintor surrealista Salvador Dali, numa das suas desconcertantes afirmações, e em referência à morte de Deus vaticinada por Nietzsche, disse algo parecido com isto (cito de cor): “Sempre ouvi dizer que Deus nunca existiu. E este fulano diz que Deus morreu?!…” 

De facto, falar de Deus para dizer que ele não existe, parece uma atitude surrealista… porque, na negação, se está a afirmar a sua existência! 

Realmente, se Deus não existe, por que falo nele?! Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento… ou então não se entenderia o facto de o ter nomeado!… 

Deus morreu, ou nunca nasceu, para quem passa ao lado do fenómeno deístico sem lhe prestar qualquer importância; para quem o assunto não interessa, nem sequer é assunto. Tenho amigos assim… para eles o conceito de Deus (1) é algo totalmente ausente das suas preocupações e dos seus pensamentos. Não são ateus nem agnósticos. O tema é-lhes totalmente indiferente, mas não por falta de esclarecimento… bem pelo contrário… pensam assim por estarem esclarecidos. Não precisam de adorar, afirmar ou negar aquilo que não passa de uma ideia primitiva perfeitamente dispensável, sem ponta de interesse e sem outra serventia que não seja para ser usada, exclusivamente, na cabeça de quem crê. 

No entanto, a ideia do conceito de Deus, existe… e o Homem criou-o por uma única razão: pela necessidade de ter um deus a quem adorar… já que os homens só criam aquilo de que necessitam. Por isso a ideia de Deus possui uma função psicológica de elevado valor já que, pelo sentimento religioso, pela entrega à ideia do divino, pela fé, se consegue cura ou apaziguamento para alguns “males do espírito”, almejando-se paz interior. O espírito religioso pode funcionar como placebo. 

Porém, também serve para a exploração das mentes crentes para os fins mais diversos, desde os francamente positivos até aos mais negativos e criminosos. E também tem funções sociais estratégicas… desde logo serve para manter em alta o estatuto dos clérigos (e de outros exploradores da fé, divididos por centenas de seitas que por aí abundam, nascendo como fungos em estrumeira) e que ainda usufruem do “respeitinho” instituído pelas ditaduras (eclesiástica e política). 

Mas isto é, apenas, a consequência da necessidade que o Homem sentiu de criar Deus (deuses). 

O que realmente existe de Deus é o seu conceito e aquilo que os homens fazem à sua sombra: Arte, poesia, literatura, meditação, amor, paz, concórdia, solidariedade, ajuda, caridade… Mas também: exercício do poder, exploração, ódio, terrorismo, sofrimento, perseguição, destruição, violação e morte… 

Satiricamente, o escritor Dario Fo (Prémio Nobel da Literatura em 1997) disse a tal propósito: “Deus existe e ama a burla”. 

Quem consegue afastar-se desta burla, dispensando o divino, está a contribuir para a construção de uma sociedade mais humana e perfeita… considerando que o Ser Humano é capaz de atingir a perfeição, ou, pelo menos, de tentar andar por lá perto!…

(1) – O conceito de Deus, sim, existe. A entidade real, não, é pura invenção. As leis da Física e da Química não permitem tal existência.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

29 de Junho, 2023 João Monteiro

O Sudário e o corpo nele embrulhado

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Provavelmente Lisboa irá receber uma exposição itinerante sobre o “Santo Sudário” e o corpo de Jesus Cristo que, hipoteticamente, o lençol mistificado teria embrulhado. 

Presumo que a mostra estará incluída nas atracções que farão parte do “programa de festas” de Lisboa em 2023, quando o papa Francisco I cá estiver fazendo parte do número de peregrinos que darão corpo à Jornada Mundial da Juventude, que será a “Festa do Avante” da Igreja Católica. 

A notícia deste evento, que foi divulgada pelo Jornal de Notícias (JN) na sua edição do dia 23/10/2022, começa muito mal ao usar o título “Ciência ajuda a recriar homem do Santo Sudário morto há dois mil anos”. 

E começa mal porque a jornalista redactora do texto não teve em linha de conta uma outra notícia que o JN publicou em 30/09/1988, segundo a qual o exame pelo método Carbono-14 a que o Sudário foi sujeito em 1986, garante que aquele lençol foi feito entre os séculos XIII e XIV… portanto não poderia ter embrulhado o corpo de Jesus Cristo falecido cerca de 1300 anos antes de o lençol ser tecido! 

O responsável da mostra pretende oferecer uma imagem tridimensional de um corpo que, segundo as suas palavras, “toda a comunidade científica e médica concorda que, neste pano, esteve envolto um homem torturado, com 250 marcas de flagelação em todo o corpo, hematomas e um corte de uma lança que lhe perfurou o pulmão”. 

Este discurso configura uma mentira de todo o tamanho! Nas manchas do sudário não é possível observar-se tanta coisa ao mesmo tempo nem nos é permitido garantir as 250 feridas e hematomas, nem a profundidade do golpe de uma lança no peito, e muito menos afirmar a perfuração de um pulmão… e ainda que aquele homem estava circuncidado, como na notícia se diz!…

Para além do mais a Ciência já provou que nas manchas do Sudário de Turim pode haver tudo… talvez óxido de ferro… mas não há sangue!… É o que afirmam os resultados de uma investigação de hematologia realizada ao sudário em 1978, divulgada pelo mesmo JN no dia 11/04/1978. 

A exposição tem um nome inglês, como é moda: The Mystery Man. O misterioso homem é uma escultura em latex que Álvaro Blanco, o comissário da exposição, é peremptório em afirmar na sua fé: “Eu não tenho dúvida de que estamos perante o corpo de Jesus Cristo”. 

Esta sua certeza contraria todos os estudos sérios já realizados ao Sudário e que eu divulgo no livro “O Homem Criou Deus” (Edium Editores, Dezembro de 2011 [esgotado]). E afirma mais… “que os pés e as mãos possuem vestígios de terra, tal como foi possível perceber pelos exames ao sudário”… o que também é mentira. 

Embora Blanco diga que aquele boneco não pretende ser realista, desde logo porque quem o fez não é artista, o bispo de Salamanca, José Luís Retana, terá dito: “cada detalhe, o tom de pele, os pelos dos braços… é impressionante, e convido todos para que possam vir contemplar”. 

Obviamente que a entrada para a exposição será paga… e os promotores esperam arrecadar boa receita. 

Milagres da fé! 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

30 de Abril, 2023 João Monteiro

Afinal para que serve a arte?

Texto em resposta à censura da obra de Onofre Varela.

Onofre Varela é um homem da cultura. Conhecido intelectualmente pelos seus livros, assim como pelos textos publicados sobre ateísmo na imprensa escrita, é também reconhecido profissionalmente pelas suas
ilustrações e pelos seus cartoons que já estiveram em destaque em várias exposições e galerias.

Foi o caso deste mês, abril, em que os seus cartoons estiveram expostos na Bienal Internacional de Arte de Gaia. Porém, o que poderia ser um momento de celebração tornou-se numa situação de polémica diplomático-cultural com projeção mediática a nível nacional. O motivo foi um dos seus cartoons ter
sido retirado após o autor, a organização e os autarcas terem sido alvo de pressão por parte de membros da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) que, alegadamente, se terão sentido incomodados e ofendidos pelo desenho. Segundo o comunicado da própria CIL enviado ao presidente da Câmara Municipal de Gaia, citado pelo jornal Público, “[o cartoon] banaliza o Holocausto cometido pelo regime nazi e
diaboliza os judeus na sua relação com a Palestina”, acrescentando que a “estrela de David sobreposta no coração de uma imagem desenhada de Hitler é uma ofensa grave e indecorosa”.

Embora a decisão de retirada do cartoon tenha partido do autor, a verdade é que essa mesma decisão decorreu das pressões exteriores, conferindo ao caso um carácter de censura.

Para compreendermos o que está em causa, o cartoon visado é o que abaixo se apresenta:

Uma vez que o autor do cartoon, Onofre Varela, é não só associado da AAP como até é o seu vice-presidente, cabe-me, na qualidade de dirigente, emitir umas palavras sobre o tema.

Em primeiro lugar, quero expressar-me contra qualquer forma de negação ou menorização do que foi o Holocausto, um episódio negro e vergonhoso do século XX cujas raízes do preconceito remontam, infelizmente, a épocas anteriores. Em segundo lugar, afirmar-me contra a perseguição do povo hebreu, do mesmo modo que sou contra a perseguição de outros povos minoritários, pois revejo-me nos
valores Humanistas que defendem a segurança e paz para todas as pessoas e populações. Apresentado o meu posicionamento geral, passemos ao caso concreto.

Em causa está um cartoon de tipo caricatural, ou seja, um desenho que pelo exagero pretende passar uma mensagem. A imagem ilustra uma figura masculina representada por uma mescla de uma personagem judia e nazi em simultâneo. Ora, isto é deliberadamente um contrassenso, por representar na mesma figura o opressor e o oprimido, ou o tirano e a vítima. Se isto não fosse suficiente para nos fazer parar e questionar sobre qual o tipo de mensagem, o autor fez acompanhar a figura pela frase “Israel trata os palestinos com o mesmo desrespeito com que Hitler tratava os judeus”. Ou seja, o autor pretendeu lançar um alerta, ou criar uma forma de questionamento, sobre a perseguição política
e social, de quase genocídio, que Israel tem vindo a fazer em território palestiniano (interpretação minha). As obras para serem devidamente entendidas devem ser analisadas no seu contexto histórico, e este cartoon foi desenhado precisamente numa altura em que abundavam notícias nos meios de comunicação social sobre os atentados do governo de Israel contra os palestinianos. Perante as evidências,
o autor enquanto artista limitou-se a representar a realidade na forma a que está habituado: através do desenho. O facto de a forma escolhida ter sido um cartoon caricatural remete para a sátira e a crítica de costumes, portanto para a reflexão crítica de um evento sociopolítico.  

Terá a CIL motivos para se sentir incomodada ou ofendida? Devido à alusão ao nazismo na figura, por motivos históricos, até poderia concordar. Porém, a representação num todo (texto e imagem) vai além disso. Mais do que uma crítica, é uma denúncia, um alerta, uma chamada de atenção para o que acontece lá ao longe (mas não assim tão longe). Não se trata de antissemitismo. Isto são factos: o governo israelita expandiu o seu território unilateralmente, usurpando, ocupando e colonizando território palestiniano; tem atacado, perseguido e assassinado palestinianos que defendem o seu território; entre os membros da
população morta ao longo dos anos, já se perdeu a conta ao número de crianças que viram a sua vida ceifada nesta guerra por terra e fronteiras, que mais não é do que uma guerra por poder. Contra estes factos é que a CIL deveria sentir-se incomodada, e não com um desenho.

Isto leva-nos à questão do título: afinal, para que serve a arte? Esta pergunta tem um conjunto alargado de possíveis respostas. Podemos dizer que a arte serve como forma de comunicação e de expressão; reflexão e crítica; inspiração e estímulo criativo; entretenimento e deleite estético; preservação de património cultural e histórico; transformação e ativismo social, apenas para dar alguns exemplos. A boa arte consegue mexer connosco, suscitar sentimentos e emoções do âmago da nossa pessoa. Olhando para o cartoon de Onofre Varela e para as reações por ele geradas, podemos então dizer que a arte
e o artista cumpriram o seu propósito.

Termino com um abraço de solidariedade ao nosso estimado Onofre Varela.

Este caso nas notícias:

https://www.publico.pt/2023/04/18/culturaipsilon/noticia/cartoon-retirado-bienal-gaia-apos-criticas-comunidade-israelita-2046595

https://www.publico.pt/2023/04/21/culturaipsilon/noticia/presidente-associacao-jornalistas-considera-lamentavel-censura-cartoon-onofre-varela-2046925

https://cnnportugal.iol.pt/videos/uma-ofensa-grave-que-menoriza-o-horror-e-a-tragedia-do-holocausto-cartoonista-onofre-varela-retira-cartoon-apos-polemica-com-comunidade-israelita/643ffb6e0cf2dce741b55724

https://observador.pt/2023/04/20/bienal-de-gaia-cartoonista-onofre-varela-refuta-acusacoes-da-comunidade-israelita-de-lisboa-e-ataca-israel/

https://portocanal.sapo.pt/noticia/325186

https://www.jn.pt/artes/cartunista-explica-que-retirou-obra-de-exposicao-para-nao-provocar-guerras-16205765.html/

26 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Crimes sexuais na Igreja e o celibato

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa.

Leio na imprensa (11 de Outubro de 2022) que a “Comissão Independente para o Estudo dos Abusos a Menores na Igreja” validou 424 testemunhos de abusos sexuais. O pedopsiquiatra Pedro Strecht, coordenador da Comissão, sublinhou que “o número de vítimas será muito maior”. Lembro-me de, há cerca de dois ou três anos, ouvir da boca de um representante da Igreja Católica a “justificação” de que os crimes de abuso sexual perpetrados por sacerdotes são muito inferiores aos mesmos crimes praticados em família (!?)… como que se tal afirmação fosse verdadeira e (mesmo sendo) configurasse uma desculpa para os crimes dos padres!… É uma tentativa desculpabilizadora que não fica nada bem a quem a faz, pois numa Igreja que se afirma representar um deus imensamente bondoso, todo amoroso e respeitador… um só caso de pedofilia seria estrondosamente trágico… quanto mais quatro centenas deles! Também Marcelo Rebelo de Sousa, um empedernido católico que um dia acordou presidente de uma República Laica, tem debitado demasiados discursos em favor da Igreja… o que, no rigor do seu papel (e no meu entender), deveria evitar… não o evitando, obrigou-se a um pedido de desculpas… do que não tinha necessidade.

No meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um Ateu” (Caminho, 2007) abordo a questão dos crimes sexuais na Igreja, considerando que o mal está “na castidade imposta aos sacerdotes”, o que se me afigura contra-natura e motivadora de atitudes sexuais criminosas. Um sacerdote (ou qualquer outra pessoa) pode ser casto e sentir-se bem recusando a prática de sexo, não se tornando num abusador sexual, quando tal recusa parte de si mesmo, da sua consciência e da sua vontade… o que não é o mesmo do que se obrigar à castidade para cumprir regras com origem fora de si, as quais lhe são impostas para poder seguir o sacerdócio, contrariando a sua realização sexual.

O celibato e o sexo eram assuntos a que a Igreja não dava importância até à Alta Idade Média. Era normal padres, bispos e papas terem filhos e várias concubinas, misturando prazer da carne com negócios e fé. Ambrósio, bispo de Milão entre os anos 373 e 397, pegando numa norma que exclui o casamento, saída do Concílio de Elvira do ano 306, lançou a discussão do celibato no seio da Igreja com a sua teoria: “O casamento é honroso, mas o celibato é-o ainda mais. Não é necessário evitar o que é bom, mas deve-se escolher o que é melhor”.

Setecentos anos depois de Ambrósio, o papa Gregório VII publicou a lei do celibato eclesial, causando bastante ira no seio da Igreja. Em consequência, milhares de sacerdotes abandonaram o sacerdócio optando pela vida conjugal que já praticavam. Foi preciso esperar mais 400 anos para que a imposição do celibato fosse aceite sem contestação visível e passasse a ser considerado uma condição normal no seio da instituição religiosa. Tratou-se de um “aceitar convencional”, apenas para contornar dificuldades… já que os sacerdotes praticavam a sua sexualidade de forma clandestina! Quando, no Concílio de Trento (realizado entre os anos 1545 e 1563) se confirmou o celibato sacerdotal, este já era encarado pacificamente… o que não quer dizer que fosse aceite.

Comparo esta atitude da Igreja com a “Lei Seca” dos EUA nas décadas de 1920 e 1930, que proibiu a fabricação e a venda de bebidas alcoólicas, promovendo um negócio clandestino por parte de vários criminosos, de entre os quais se destacou Al Capone. Esta espécie de “lei seca dos testículos sacerdotais” também conduziu ao crime, por contrariar a lei natural do uso do sexo, não só para procriar (o que é função puramente animal) mas também (e principalmente) pelo prazer que dá praticá-lo, pelo equilíbrio emocional e pela saúde mental que proporciona a quem usa o sexo de modo saudável e no respeito pela vontade da sua parceira ou do seu parceiro sexual. Quando a Igreja perceber que com as suas “fantasias fornicais” funciona contra todas as leis da Natureza e cria potenciais criminosos… a partir desse dia, o casamento será prática comum no sacerdócio católico tornando a Igreja numa instituição muito mais coerente, humana e saudável.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

23 de Dezembro, 2022 João Monteiro

A confissão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa dividido em duas partes. Em baixo podem encontrar o texto completo.

Parte I:

Da minha meninice de escola primária, lembro que um dia fui levado em grupo para a igreja. Não sabia ao que ia. Dentro do templo formamos duas filas em frente de duas cadeiras de grande espaldar, onde se sentavam dois padres, um em cada lado da nave. Era a primeira vez que entrava numa igreja. Vi os meus colegas da frente das filas ajoelharem quando chegavam junto do padre. Entre eles havia uma troca de palavras, para mim imperceptíveis, e comecei a sentir-me inquieto. Não fazia ideia do que iria acontecer quando chegasse a minha vez. Sentia uma brasa no peito a queimar-me por dentro. Chegado o momento de ficar em frente do padre, fiz o que vira fazer. Ajoelhei e esperei o que viesse… sem fazer qualquer ideia do que poderia vir!

O padre, de queixo enfiado no peito, disse algo em tom de voz tão baixo, que não percebi. Ele usava barba e bigode que lhe tapava a boca impedindo-me de ler o movimento dos lábios. Mantive-me em silêncio a olhá-lo, siderado, sentindo o cheiro a naftalina que o seu hábito branco exalava.

Ele levantou a cabeça com lentidão e olhou-me. O coitado deve ter visto a expressão mais aparvalhada de toda a sua vida, e imagino que repetiu o que acabara de dizer e que dessa vez percebi:

– Diz a confissão. – Pedido estranho!… Não fazia ideia nenhuma do que ele queria que eu dissesse…

– Não sei. – Respondi, com a boca seca pelo nervosismo já transformado em pânico.

Nunca tinha experimentado aquilo, nem sabia o que haveria eu de confessar! Haveria algum acto praticado, do qual eu deveria desculpar-me àquele padre?!…

Senti que o dia, até aí solarengo, se transformou em tormenta. Invadia-me um negrume; não sabia o que era a confissão… e encontrava-me sozinho no mundo sem ter alguém que me pudesse socorrer na aflição que ali se abatia sobre mim.

Salvou-me o que o sacerdote disse logo a seguir:

– Então vai para casa aprender, e quando souberes volta cá.

Fez-se Sol na minha alma! Levantei-me rapidamente sentindo-me leve… e saí dali.

Nunca quis aprender a confissão, nem tive vontade de voltar a entrar numa igreja!…

Esta experiência de infância obriga-me a acrescentar algo mais ao discurso. Ela levou-me a pensar, já em idade adulta, na estratégia usada pela Igreja para prender a consciência das crianças mais tenrinhas ao credo católico, com a finalidade de acorrentar aquelas almas à fé. No meu caso particular essa estratégia funcionou ao contrário. Repeliu-me… soltou-me, em vez de me prender.

O que a minha consciência me disse desta experiência, relatarei na próxima edição, porque para esta já esgotei o espaço… 

(Continua)

Parte II:

Aquela estranha atitude do professor primário conduzir os alunos para a igreja com o intuito de as crianças se confessarem (“estranha atitude” digo eu, hoje. Na época era uma obrigação decretada pelo Estado Novo de Oliveira Salazar. Lembremos que estávamos em 1952) levou-me, muito mais tarde, já em idade de ter pensamento próprio, a este raciocínio:

Tenho dúvidas de que uma criança de oito anos entenda o que é a “confissão católica”. Provavelmente, nem uma boa parte dos adultos beatos que desferem punhadas no peito a entenderá.

Para existir uma confissão, no sentido de se obter um perdão, tem de, antecipadamente, existir um delito que justifique aquele acto de confidência (e pura fé) a um sacerdote. E depois, esta confissão do delito não o elimina… pois é necessário compensar a vítima que prejudicamos com a nossa acção delituosa. Essa função de julgamento, condenação, absolvição ou perdão, pertence aos tribunais… não à Igreja!

A função da Igreja no acto da confissão está a outro nível. Enquanto que a minha culpa é redimida após uma conversa com quem desrespeitei ou prejudiquei, sanando o conflito (ou é condenada por um tribunal que me leva a expiar com prisão ou multa, a falta que tive) a confissão católica remete o perdão da minha falta com alguém, para a responsabilidade de Deus!… Sinto-me perdoado pela divindade da minha crença… mas aquele a quem prejudiquei continua prejudicado sem ser ressarcido dos danos que lhe causei… porém, eu fico na maior leveza de consciência porque Deus me perdoou!…

Isto é, simplesmente, indecente!… É de um egoísmo extremo, premiando o prevaricador e esquecendo o prevaricado. Há na confissão católica uma atitude psicológica que será positiva para o faltoso, podendo este, eventualmente, emendar o erro e jamais voltar a cometê-lo (do que duvido)… mas o outro, aquele a quem o faltoso prejudicou, continua prejudicado.

Era este tipo de “confissão a Deus” que queriam de mim aos oito anos de idade, envolvendo-me, contra a minha vontade, num acto que eu desconhecia!… Acto puramente religioso, de fé, primitivo e sem nexo para quem tenha dois dedos de testa!… Era assim (e se calhar ainda é) que a Igreja pescava crentes para fornecer a sua lota. No meu caso partiu-se a linha e perdeu-se o anzol com o isco, pois não voltei à igreja!…

O sentimento de culpa que resulta de uma transgressão, só poderá ser anulado mediante uma reconciliação com o outro num processo de pacificação. Esta é a naturalidade da resolução de um conflito. Porém, se o transgressor for um crente na divindade, nessa tentativa de reconciliação entra um outro elemento estranho ao problema, já que a reconciliação envolve a relação com Deus!…

(Se você, leitor, é crente e se sente bem depois de ter confessado os seus maus actos a um sacerdote, pensando estar perdoado pelo deus da sua crença… óptimo. Isso é muito bom para si!… Mas não se esqueça de falar com quem prejudicou, apresentar-lhe as suas desculpas… e indemenizá-lo, se for caso disso. Está combinado?… Tome lá um abraço)

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Hands off my tags! Michael Gaida por Pixabay
21 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Cirilo I e a Guerra de Putin

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa.

No suplemento cultural “La Lectura” do jornal espanhol “El Mundo” (edição do último dia 23 de Setembro), leio uma entrevista que a escritora russa exilada em Berlim, Liudmila Ulítskaya, de 77 anos, deu à jornalista Marta Rebón. Acabada de ser premiada, Liudmila considera que o prémio “foi um raio de luz no estado de depressão que compartilho com muitos compatriotas”. A escritora diz que hoje muitos agentes culturais se perguntam “como pôde acontecer que a Rússia, que no período posterior à Segunda Guerra Mundial foi líder do movimento pela Paz no Mundo, se convertesse de repente no emblema da agressão, declarando guerra a um Estado vizinho sempre considerado como amigo e habitado por um povo irmão?!”. 

Confessa que as relações humanas lhe interessam muito mais do que as relações estatais e que é fiel a  “uma ideia que me acompanha desde os meus estudos de genética: toda a actividade cultural humana, desde os seus inícios, é de carácter global. E sob esse ponto de vista carece de entendimento relevante o modo como se construíram as relações entre a Rússia e a Europa”. Nesse sentido, a escritora considera que a guerra iniciada pelos seus compatriotas é um caso muito sério que “minou a nossa esperança de que a Rússia alcance, algum dia, um lugar digno entre o grupo dos estados respeitáveis”. 

Sobre as relações da Igreja Ortodoxa com o Kremlin, Liudmila considera que na Rússia a Igreja está ligada ao poder político, concluindo que “o Cristianismo oficial depende do Estado para obter dinheiro e todos os privilégios. Entristece-me ver que alguns hierarcas ortodoxos apoiam a guerra… mas é lógico”. 

Esta entrevista remeteu-me a memória para a tentativa de o Papa Francisco I chegar à fala com Putin, cerca de dois meses após a invasão da Ucrânia, mas sem sucesso. Porém, conseguiu falar com o Patriarca do Cristianismo Ortodoxo, Cirilo I, cuja conversa o Papa reportou a um jornalista italiano: “Falei com ele durante 40 minutos por tele-chamada. Nos primeiros 20 minutos, com uma lista na mão, ele leu todas as justificações para a guerra que Putin move contra a Ucrânia. Ouvi tudo e respondi que não entendia nada disso… que não somos clérigos de Estado e não podemos usar o discurso político, mas sim o de Jesus”. 

Cirilo está do lado do invasor e não só culpa o invadido… também afirma que o “Estado Russo é o legítimo líder do Ocidente”. O patriarca do Cristianismo Ortodoxo e chefe da Igreja Russa é amigo íntimo de Putin desde que este era agente da KGB. Tem um estilo de vida extravagante, colecciona relógios suíços de valor elevado (algumas peças atingem os 30.000 euros), possui uma frota de carros alemães topo de gama e mantém um magnífico palácio junto ao Mar Negro. 

Rematando este pequeno esboço da personalidade do dono da Igreja Russa, falta dizer que ele se afirma como “o grande imperador e herdeiro legítimo do Cristianismo do Império Romano e de toda a Cristandade”. Um pensamento caracteristicamente medieval, embora situado no século XXI, aliado a outro candidato a imperador arrancado da mesma medievalidade e sentado no trono do Kremlin!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Joachim Schnürle por Pixabay
19 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Evolutivamente estamos na fase do tosco…

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

A “ideia de Deus” está em processo de depuração desde que foi criada pelo povo Sumério há cerca de 5000 anos, sendo depois exportada para o Egipto faraónico e para terras judaicas de Canaã. O processo desta depuração é longo e está longe de ser concluído… mas já evoluímos… estamos no processo do “deus único”! Um deus “single” inventado pelos homens do deserto (Hebreus) em substituição de uma colecção deles, porque o povo nómada que o criou não tinha sacola para transportar tantos deuses, nem pachorra, nem terreno, para erigir tantos templos, como tinham os seus vizinhos egípcios.

No final deste nosso caminho (que faz a História do Pensamento e nos conduziu ao abandono de um panteão, apurando um único deus) dispensaremos, também, o deus Jeová (Alá) criado pelos Hebreus, reciclado por Jesus Cristo e adoptado por Maomé, que sobrou da purga que o passar do tempo, pelo evoluir do Pensamento, fez ao panteão que gregos, romanos e egípcios herdaram da civilização mesopotâmica.

O sentimento da crença é um acto intelectual que está na linha da criação da Arte e do entendimento do belo. Só um ser inteligente reconhece o belo, produz Arte e cria deuses. Deus é uma criação intelectual… e nós só cremos porque sentimos necessidade de crer!…

Foi a nossa capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade, o intelecto e o sentido estético, que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo e à invenção de deuses.

E se esta faceta criativa que caracteriza o Ser Humano, faz de nós uns seres especiais, a verdade é que, quando em discordância com os nossos semelhantes, também somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador, porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma!… Embora raciocinemos e adoremos o deus que criamos à nossa imagem e semelhança, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos tomando conta da razão.

E por esse caminho, se bem virmos, até ficamos em patamares inferiores relativamente aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que eles só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões dos irracionais que consideramos inferiores, e ainda acrescentamos a lista, deixando-nos tomar por uma irracionalidade e uma cupidez com que cozinhamos más vizinhanças e inimizades… o que demonstra o pior da nossa condição animal. 

Esta nossa faceta que nos leva a fazer guerras, parece incongruente com a capacidade que temos de raciocinar e de sermos inteligentes… mas a verdade é que somos assim… somos muito mal acabados!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV