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Etiqueta: milagres

6 de Fevereiro, 2024 Eva Monteiro

Os milagres Segundo a Ciência

Luigi Garlaschelli (Itália)*

Fenómenos paranormais, mistérios e milagres

Os fenómenos paranormais violam as leis da natureza, mas como cientistas curiosos gostamos de investigar se os factos paranormais realmente existem e se existem provas convincentes dos mesmos. (A resposta, até agora, é “NÃO”).
Um famoso “mágico” e escapista americano, James Randi, ofereceu, durante cerca de 30 anos, um milhão de dólares para quem conseguisse repetir o paranormal sob controlo. Ninguém conseguiu conquistar essa verba.
Os fenómenos paranormais aparecem com menos frequência, quanto mais são  investigados. Eis aqui, como exemplo, alguns mistérios (nem todos paranormais) com os quais me ocupei:
– Aprendi os segredos dos faquires (e eu próprio me tornei faquir): posso deitar-me numa cama com “unhas eriçadas”, expelir fogo, comer vidro, parar os batimentos cardíacos, etc.
– Cacei luzes perdidas num cemitério.
– Tratei da espada cravada na pedra! (E até consegui sacá-la)
– Examinei vedores, pessoas que afirmam poder encontrar uma fonte de água subterrânea com um pau, mas não foram capazes de detetar água a correr num cano.
– Testei, por meio de uma experiência, se a homeopatia seria eficaz em galinhas (e não é).
– Inquiri sobre as estradas mágicas onde os veículos sobem na descida (mas isso é apenas uma ilusão de ótica).

Mas os milagres também são fenómenos paranormais, embora ocorram na esfera religiosa. Esclareço que nós, cientistas, não estamos interessados na vertente da crença, mas no exame dos fenómenos. Em Itália, temos muitos milagres e explorei alguns deles.

Caravaggio «pictor praestantissimus», 2014

Sangue milagroso


O mistério mais famoso que investiguei é o chamado milagre do sangue de São Januário (San Gennaro). Esse “milagre” acontece três vezes por ano, na catedral de Nápoles, quando o sangue numa ampola se liquefaz, misteriosamente. É normal que o sangue coagule, mas não é normal acontecer que ele se liquefaça de novo e depois volte a coagular, novamente e novamente. Reproduzimos (ou imitamos) esse milagre por um método químico. Criámos um gel, ou seja, uma gelatina, feita de cloreto férrico e carbonato de cálcio. Este gel “tixotrópico” pode ser facilmente liquefeito com batidas suaves e depois, em repouso, solidifica novamente. Durante a cerimónia típica de liquefacção do sangue, o acto pelo qual o abade verifica se a liquefacção ocorreu faz com que o relicário portátil seja virado várias vezes, proporcionando assim a agitação necessária.
Outro sangue milagroso é o de São Lourenço (San Lorenzo), na cidade de Amaseno (a sul de Roma), que se liquefaz todos os anos, no dia 10 de agosto. Tive oportunidade de o observar bem: trata-se de uma substância normalmente sólida, mas que derrete quando a temperatura passa dos 30 graus, como acontece no verão. Na minha reprodução usei óleo de coco e corante vermelho.
A composição química da relíquia napolitana só poderá ser identificada pela análise do conteudo da ampola, porém tal análise é proibida pela Igreja. No entanto, bastaria apenas testar se o conteúdo se liquefaz batendo ou aumentando a temperatura.

As curas de Lurdes


Falemos agora das curas milagrosas de Lurdes (Lourdes, em francês), que deveriam ser as mais fiáveis, pois foram examinadas por três comissões, duas médicas e uma eclesiástica. Desde 1848, foram reconhecidos 70 milagres oficiais. Mas devemos ter em conta os seguintes factos: 
– Nos primeiros 50 anos (1848 -1909) ocorreram 38 curas. Entre 1910 e 1959: 25. De 1960 a 2009: 4. Assim, o número de milagres diminuiu constantemente.
– Nos primeiros 50 anos não existiam radiografias nem análises laboratoriais reais, portanto os diagnósticos das doenças eram muito incertos.
– As percentagens de curas “inexplicáveis” em Lurdes são iguais às que ocorrem nos hospitais, mas estas são menos visíveis.
– As curas nunca são – como seria necessário para um milagre – imediatas, perfeitas e completamente sem tratamento.
– Muitas vezes os documentos não são suficientes e os exames médicos ou diagnósticos são questionáveis (mesmo recentemente, como no caso da italiana Delizia Cirolli).
– Na maioria dos casos, tratava-se de doenças funcionais e não orgânicas (auto-sugestão e placebo).
– Muitas vezes, se confia demais nas testemunhas.
– Geralmente leva muito tempo até que o milagre seja reconhecido.
– É muito difícil – ou mesmo impossível – para quem quer fazer investigação obter fichas clínicas completas.
– O ex-diretor da Comissão Médica de Lurdes, Patrick Theillier, afirmou: “Uma pessoa doente só pode recuperar de uma doença que seja suscetível de desaparecer. O milagre não violenta a Natureza. Nunca aconteceu que uma criança com síndrome de Down fosse curada em Lurdes. Concluindo, o que se designa de milagre pode, em termos médicos, ser chamado de desaparecimento espontâneo dos sintomas.”

O Sudário de Turim


O Sudário de Turim é um pano de linho mundialmente famoso, atualmente guardado na catedral de Turim, e que os católicos tradicionalmente consideram o pano no qual o cadáver de Jesus Cristo foi amortalhado. A autenticidade da relíquia é contestada. Segundo alguns, foi realmente a mortalha de Jesus. De acordo com outros, é uma falsificação medieval. A Igreja (teoricamente) mantém uma posição neutra a este respeito e deixa os cientistas livres para decidir.
O Sudário é um lençol de linho com dimensões de 1,41 x 1,13 metros. Traz, nos dois lados, uma imagem escura de um homem torturado. (Vestígios de queimaduras também marcavam a imagem). Há vários indícios de que o sudário não é autêntico:
– As verdadeiras mortalhas palestinianas do século I DC eram totalmente diferentes. Naquela época os cadáveres eram amarrados e usavam-se vários panos. Além disso, os panos eram feitos de materiais diversos e confecionados com uma forma de tecelagem diferente.
– Para fabricar o Sudário de Turim foi utilizado um tipo de tecido que não existia até à Idade Média.
– O Sudário só apareceu no ano de 1355, numa pequena capela em França. Imediatamente após esse aparecimento, foi exibido para atrair os peregrinos e apresentado como verdadeiro. Por causa disso, dois bispos proibiram a sua exposição. (Existem documentos e mesmo bulas do papa da época, relacionados com essa proibição). Assim, mesmo a Igreja durante vários séculos não o considerou autêntico.
– Em 1988, três dos laboratórios mais experientes do mundo dataram-no com carbono-14. Resultado: é do século XIV!
– Um corpo humano real não deixa traços como os do Sudário: o traço é deformado e não matizado, mas é limpo.

O Sudário foi estudado, em 1978, e as características da imagem humana foram especificadas. Assim:
– A imagem é clara, matizada e não distorcida
– A imagem não se deve ao pigmento (ou seja, a grânulos sólidos), mas sim às fibras amareladas devido à decomposição da celulose (térmica ou química). O amarelecimento existe apenas na parte superficial dos fios de linho. No entanto, foram encontrados microvestígios de ocre (= terra argilosa, geralmente pulverulenta, de amarelada a avermelhada, usada como pigmento para tintas)
– A imagem mostra “negatividade”: descoberta graças à primeira fotografia, em 1898, na altura da revelação das placas fotográficas, parecia uma imagem real, porque as partes proeminentes do rosto se tornam brilhantes e as menos proeminentes, escuras.
– A imagem não fluoresce.
– Os vestígios de sangue não são matizados como a imagem corporal, mas são nítidos.

Todas essas características são consideradas inexplicáveis e, como tal, não criáveis por um artista. “O sudário é um objeto “impossível”, portanto um milagre”. Será possível? Eis as minhas hipóteses para o testar:
– A imagem original deveria ser mais visível, no início. Um artista não criaria uma imagem muito fraca.
– O Sudário foi criado esticando um pano sobre um corpo e esfregando-o com ocre seco. – Para a face foi utilizado um baixo-relevo para evitar deformações.
– Marcas de sangue e chicote foram pintadas posteriormente.
– Com o passar dos anos, o pigmento degradou-se.
– As impurezas contidas no pigmento provocaram o amarelecimento superficial das fibras.
– Este processo deve produzir automaticamente um pseudonegativo, uma imagem superficial, rasa e fraca, sem distorção e sem pigmento.
– Explicam-se os microvestígios de ocre remanescente, a falta de deformação e as características das manchas de sangue.

Os meus testes práticos foram, portanto, os seguintes:
– Esfregar, sobre um corpo real, o ocre, contendo vestígios de ácido (para simular impurezas de pigmento).
– Usar um baixo-relevo para o rosto.
– Adicionar marcas de chicote e sangue com um pincel.
– Meter no forno, a 125 graus e durante 2 horas, para simular antiguidade, com a minha “Máquina de fazer Sudários”!
– Lavar o pano para retirar o pigmento.
– Adicionar queimados, vestígios de sangue, etc.

O resultado apresenta uma imagem matizada, vestígios de sangue não matizados, pseudo-negatividade, imagem superficial devido ao amarelecimento das partes superficiais dos fios, etc. Portanto, não é verdade que o Sudário tenha propriedades que não podem ser reproduzidas!

Mais maravilhas


Na religião católica há casos de hóstias que sangram, como o milagre de Bolsena (1263). No entanto, muitos casos semelhantes também ocorreram em pão, bolos, etc. geralmente no verão. Por exemplo:
– Sangramento de hóstias em Paris (verão de 1290); Bruxelas (junho de 1369 e julho de 1379); Wilsnack, Alemanha (agosto de 1383); Sternberg, Alemanha (julho de 1492); Berlim (verão de 1510);
– Sangue num bolo, Stennwitz, Alemanha (julho de 1693);
– Sangue no pão, Chalons, França (setembro de 1792);
– Sangue na polenta (comida de milho), Legnaro, Itália (agosto de 1819).
Somente em 1819 se entendeu que se tratava de um microrganismo (Serratia marcescens) que cresce em alimentos ricos em amido, se o clima for quente e húmido, e que produz um pigmento vermelho. Assim nasceu a microbiologia. O milagre é facilmente reproduzido se se colocar algumas gotas da cultura Serratia numa fatia de pão.

Estátuas a chorar (e a beber)


Como pode uma estátua chorar? Às vezes há explicações naturais: a humidade condensa, a cola para os olhos derrete, etc. Por exemplo, numa estátua do Padre Pio, a água condensou-se por dentro e pingou de uma fenda (do cotovelo!). Por vezes ocorre trapaça. Houve um caso na Sicília de uma estátua a transpirar óleo. A polícia escondeu uma câmara e foi observada uma mulherzinha com uma garrafinha a derramar óleo na testa da estátua. Nestes casos, bastaria fechar a estátua num recipiente hermético, com câmaras e boa iluminação, para ver se ela realmente continuava a chorar.
Um caso famoso foi o de Civitavecchia, perto de Roma (1995): uma estatueta de Nossa Senhora parecia chorar lágrimas de sangue. Testemunhas viram-na chorar novamente. Mas cada testemunha relatou coisas diferentes, e as fotografias mostraram que nenhuma gota de sangue apareceu na face da estátua, exceto as primeiras. Além disso, o sangue era masculino e os donos da estátua sempre se recusaram a analisar seu DNA. Deixo as conclusões consigo.
É possível fazer uma estátua chorar sem tocá-la (este é um truque de laboratório, que reproduzi em entrevistas na TV). Numa estátua de gesso, oca, o líquido é guardado em um pequeno reservatório e escorre dos olhos. Os buracos não podem ser vistos porque estão cobertos por uma pequena quantidade de gesso que, por ser poroso, permite que o líquido escorra lentamente após alguns minutos.
Em 1996, muitas estátuas, em templos hindus, aparentemente bebiam leite de uma colher que lhes era levada à boca. O ‘milagre’ durou alguns dias. Em breve se percebeu que o leite não entrava realmente na boca, mas na verdade escorria pelo corpo da estátua.

Ligações:

www.luigigarlaschelli.itwww.cicap.org

https://sindone.weebly.com

https://skepticalinquirer.org/

Luigi Garlaschelli é um químico (agora reformado) e membro de C.I.C.A.P.  (italiano: Comitato Italiano per il Controllo delle Affermazioni sulle Pseudoscienze – português: Comissão italiana para o Controlo  das Afirmações nas Pseudociência).

Texto da revista Ateismo, nº 37, cedido por Luís Ladeira, tradutor.

13 de Outubro, 2020 João Monteiro

E o sol (não) dançou

As conhecidas aparições de Fátima, segundo os crentes, tiveram lugar nessa cidade no ano de 1917, começando a 13 de Maio e culminando a 13 de Outubro, data que hoje se assinala.

Uma história longa, e que merece ser analisada em momento oportuno, só pode ser compreendida à luz do contexto da época: um período de escassez de recursos, fome, miséria, analfabetismo, guerra e de tumulto político que opunha a Igreja Católica ao Regime Republicano. Este é o cenário em que o suposto milagre alegadamente teve lugar.

Mas não é do passado que hoje quero falar, mas do presente. Num dia em que os peregrinos se encontram em Fátima (este ano de modo mais contido do que em anos anteriores devido à situação pandémica que vivemos), o que os move é o fenómeno que acreditam ter acontecido naquele local, em particular o movimento do sol, que alguns contemporâneos descreveram como uma dança ou um bailado. A crença neste fenómeno é algo que sempre me fez muita confusão. Primeiro, pelo argumento utilizado de que todas as pessoas que estiveram no local presenciaram o fenómeno, algo que é desmentido consultando a imprensa e documentos da época. Em segundo lugar porque revela ou iliteracia científica ou que nunca pensaram a sério no acontecimento. O sol não gira em torno da Terra (é apenas um movimento aparente), mas é o nosso planeta que se movimenta em torno do sol, logo este não se poderia ter movimentado, dançado ou bailado. Se isso fosse verdade, como nos recorda Richard Dawkins no seu livro “A desilusão de Deus”, então o fenómeno seria observado noutros locais do país ou mesmo noutros países. Se tal fenómeno não foi registado em mais nenhum local, o mesmo não terá acontecido, por motivos óbvios.

Normalmente atribui-se como explicação uma alucinação coletiva, eu prefiro sugerir que se trata do fenómeno que sucede quando ficamos ofuscados. Lúcia pedira às pessoas para olharem para o céu após a chuva e enquanto as nuvens se dissipavam e o sol despontava no céu. É crível que após um momento de pouca luz e ao olhar diretamente para o sol se fique encadeado e, quando se muda o olhar noutra direção, o sol parece perseguir o nosso campo de visão e daí o “bailar” do sol.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
4 de Setembro, 2020 João Monteiro

Intercessão de Nossa Senhora do Monte?

No mês passado, a 15 de Agosto, teve lugar a festa de Nossa Senhora do Monte, na Madeira. Durante a celebração, Nuno Brás, bispo do Funchal, atribuiu a ausência de óbitos causados por COVID-19 na Madeira à intercessão de Nossa Senhora do Monte, padroeira da região. O bispo fizera um apelo à referida santa durante uma oração e, “por uma questão de fé”, a santa teria intercedido. [1] Será esta uma prova de intervenção divina? Não, como veremos.

Os crentes acreditam no bispo enquanto autoridade, mas os cépticos e ateus colocam em questão a história e compreendem o que está em causa. A narrativa do bispo assenta na falácia conhecida como “post hoc, ergo propter hoc”, que significa “depois disso, logo por causa disso”. Por outras palavras, depois do bispo ter feito o pedido durante a oração verificou-se a persistência na ausência de óbitos, pelo que concluiu que tal se deveu à reza, atribuindo uma causalidade onde ela não existe. O bispo sabe disso e sabe que a qualquer altura a situação pode mudar, por isso mais à frente afirma: “poderá acontecer que, nos tempos futuros, sucedam mortes ou uma qualquer outra desgraça causada ainda por esta pandemia que teima em não desaparecer”. Então, podemos questionarmos sobre qual o significado da intenção divina caso surjam óbitos na região: quer dizer que a santa deixou de ouvir? Quer dizer que a fé do bispo e da população diminuiu ou se extinguiu? Quer dizer que outras “forças” superiores à da santa terão actuado? Quer dizer que a santa abandonou a sua população? Tantas perguntas.

O bispo também diz que é “importante agradecer as graças recebidas no controlo da pandemia”, como se as forças celestiais tivessem tido qualquer influência. Nós, ateus, afirmamos que se deveria agradecer aos médicos, enfermeiros e restantes profissionais de saúde, assim como aos cientistas pelo empenho no combate à doença, assim como também à própria população por ter seguido responsavelmente os cuidados de saúde.

O bispo recorre ainda a outra falácia, a do Cherry Picking, conhecida como escolha de dados, uma vez que ao mencionar o número nulo de óbitos escondeu os 130 infetados na região (números de Agosto). Se a santa pode evitar mortes, porque não evitou que as pessoas ficassem doentes? A resposta é porque a santa não tem poder de ação, pelo facto de ser uma entidade que não é real.

É que nem as mortes da sua população ela consegue evitar, como nos lembra um evento trágico passado. Na mesma celebração, mas a 15 de Agosto de 2017, um carvalho centenário abateu-se sobre as pessoas que aguardavam a passagem do cortejo religioso, originando 13 mortos e cinco dezenas de feridos.

Outros exemplos poderiam ser dados para demonstrar a ausência de qualquer intervenção espiritual. Fica a pergunta: acreditam mesmo que anjos, santos ou deuses podem intervir? Se sim, porque não fazem “sempre”? Porquê tanto sofrimento humano quando se acredita existir um grande e benévolo poder divino? Os crentes responderão que os mistérios de deus são insondáveis ou porque existe o livre-arbítrio. Para nós, essas respostas demonstram resignação e acomodação. A nossa resposta é porque essas entidades só existem na nossa imaginação, resultado de criação humana.

Imagem de Geraldine Dukes por Pixabay

Fonte da notícia:

[1] – https://observador.pt/2020/08/15/covid-19-bispo-atribui-inexistencia-de-obitos-na-madeira-a-nossa-senhora-do-monte/