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Etiqueta: Guerra

20 de Março, 2024 Onofre Varela

Perdoar a quem nos agride

“A quem te bater na face direita, dá-lhe também a esquerda” (Mateus, 5: 39-42). Esta frase evangélica foi escrita num tempo em que a lei era “Olho por olho e dente por dente”. Convenhamos que a moral contida em Mateus é bastante mais positiva e pacífica do que o conflito que emerge da frase que então fazia lei e mandava tirar os olhos a quem cegasse alguém.

As frases moralistas que podem ser encontradas nos Evangelhos têm de ser entendidas à luz do tempo em que foram registadas e das razões que as motivaram. Dois mil anos depois de Jesus Cristo (JC), as sociedades evoluíram, os Códigos Comportamentais também, e nós… bem… nós continuamos a ser os mesmos animais de sempre!

A nossa mentalidade pouco mudou com o decorrer dos séculos! Em termos de Consciência, somos, hoje, os mesmos homens que escreveram a Bíblia e os Evangelhos. A técnica evoluiu; na escrita passamos das placas de barro para o papiro, do pergaminho para o papel e deste para o computador, mas a nossa mente bélica e de predador continua a mesma de antanho. O Homo sapiens é a última experiência da Natureza na vida do planeta (temos menos de 200.000 anos, em cerca de 4,5 biliões de anos que tem o planeta). Somos, ainda, primitivos, por mais evoluídos que, por vaidade, nos consideremos.

Quando oferecemos “a outra face” a quem nos bate, partimos do princípio que o outro vai entender a nossa posição e sentir-se envergonhado por nos ter agredido. A nossa atitude pacífica contrasta de tal modo com a do agressor que, este, se for inteligente e sensível, vai sentir-se mal e pedir perdão pelo seu acto hostil, abandonando as suas incorretas atitudes. É esta a intenção da frase evangélica atribuída a JC e escrita por Mateus provavelmente no ano 70 (40 anos depois da morte de JC).

E os ditadores? Serão inteligentes?… Provavelmente sim… talvez usem uma “sub-espécie de inteligência”… mas… serão sensíveis?!… Entenderão o discurso de JC e a razão do próximo?

Foto de Polina Petrishyna na Unsplash

É neste quadro que eu entendo a frase do Papa Francisco I (F1) tornada pública no último dia 10 de Março, quando pediu ao governo ucraniano que tenha “a coragem da bandeira branca e de negociar com a Rússia”, acrescentando que “a palavra «negociar» é uma palavra corajosa […] quando percebemos que estamos derrotados e que as coisas não estão a correr bem, é preciso ter a coragem de negociar”.

Obviamente que os responsáveis políticos ucranianos se sentiram indignados ao interpretarem esta atitude de F1 como um apelo à rendição do país perante a invasão russa. Também obviamente, Putin se regozijou com o apelo do Papa por o sentir do seu lado, e fez saber que está disponível para negociações e que a Ucrânia não quer terminar a guerra (?!). Obviamente (também) eu só posso pensar o contrário do ditador e de F1! Quem tem de terminar com a guerra é o país invasor que a começou… e não o país invadido que não faz guerra… apenas se defende!

Sublinhando a sua maldade de invasor, Putin acrescentou ao seu discurso de “paz”, este “pacífico” recado dirigido a todo o mundo: “a Rússia está pronta para uma guerra nuclear”.

F1 – que para mim é o melhor Papa de todos quantos no último século se sentaram na cadeira de S. Pedro – tem de perceber que as frases evangélicas são para consumo caseiro dos fiéis cristãos, mas nunca serão consumidas, nem entendidas, pelo mau vizinho que é a Rússia (sob a ditadura putinista) paredes meias com a Ucrânia.

Em resposta, a Polónia sugere a F1 que “encoraje Putin a retirar o seu exército da Ucrânia”. Por seu lado, Zelensky pediu ao Papa para apoiar o plano de Paz ucraniano onde se reitera a restauração da integridade territorial da Ucrânia, a retirada da tropa russa e a cessação das hostilidades. Este plano não está aberto a negociações… e eu assino por baixo.

Vamos lá a ver, leitor. Raciocine comigo: o seu vizinho invade-lhe o quintal que é seu, destrói-lhe parte da casa que é sua e mata a sua família. Depois quer que você “negoceie” com ele de acordo com a vontade dele, que nunca é a sua; ele propõe que você fique com o anexo do fundo do quintal que tem o telhado destruído pela bomba que matou a sua família, enquanto que ele fica com o quarto e a cozinha, únicas partes que se salvaram da destruição que as bombas dele provocaram na sua casa. Só assim o seu vizinho lhe “garante” a Paz. Você aceita?…

EU NÃO ACEITARIA!

A “Paz” alcançada deste modo não é Paz; é um conflito latente e não é por eu dar a outra face que vou viver bem e que o meu vizinho jamais me incomodará!… Não!… Este meu vizinho nunca deixará de me incomodar nem retirará a sua bota do meu pescoço.

Vamos aceitar “ultimatums” de todos os bandidos que nos invadem a casa e que nos matam a família? O que fazemos com um psicopata assassino? Ajoelhámo-nos perante ele, ou enclausurámo-lo?

Espero que o Mundo nunca deixe de se unir em favor do invadido, e condene o invasor… porque este é quem deve abandonar o país que invadiu, pagar a reconstrução das cidades que destruiu e indemnizar as famílias que enlutou. Se isto não acontecer assim… então vivemos num mundo imensamente pior do que aquilo que eu imaginava!…

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

7 de Novembro, 2022 João Monteiro

A Guerra

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

Na Europa alastra uma guerra que na Ucrânia ensombra a vida de crianças, mulheres e homens, e de muita gente com idade avançada que mal consegue deslocar-se com a intenção de fugir à morte violenta, não sabendo como nem para onde ir, na expectativa de conservar a vida.

Para trás ficam ruínas de cidades com corpos mortos nas ruas como assinatura do Exército Russo apostado em cumprir as ordens do seu chefe supremo Vladimir Putin, na aniquilação de um povo e de um país. Exército que também comporta cerca de 10 mil (número anunciado pela imprensa) assassinos profissionais Chechenos, aos quais estão colados os adjectivos de sanguinários, cruéis e impiedosos.

A Igreja Católica tem como líder um homem com um carácter único, impossível de encontrar, sequer parecido, na colecção de Papas recentes. Francisco I (F1) tem demonstrado ser um homem comum, sem tiques de superioridade nem de figura cimeira, dispensando mordomias habitualmente concedidas a um Papa como se fosse um animal raro com o rótulo de “representante de Deus na Terra”.

F1 tem-se afadigado na tentativa de convencer os responsáveis pelo fazer da guerra a fazerem o contrário: a desfazê-la!…

“A guerra é sempre cruel e desumana” disse F1 em reacção às notícias do massacre de Bucha, e afirmou-se “disposto a fazer tudo o que puder” para que se ponha fim a esta guerra tão estúpida por todas as razões e mais uma: a de russos e ucranianos serem povos irmãos.

Considerou, até, viajar a Kiev ou encontrar-se no Médio Oriente com o líder da Igreja Ortodoxa Russa que tem relações de amizade com o ditador Vladimir Putin, candidato a imperador em tempo de não haver impérios.

No plano diplomático F1 está a tentar contribuir para o fim desta guerra ignóbil como são todas as guerras e cujos resultados são sempre a crueldade da morte impossível de se entender por quem defende a Paz. A realidade deste conflito, por se encontrar em variadas geografias diferentes das nossas, tem alicerces que se aprofundam em situações sociais, históricas e antropológicas muito diversas das que nos são familiares no Ocidente e que ditaram a nossa formação humanística.

Esta realidade faz com que o Papa e outros agentes políticos apostados no fim da guerra, tratem este conflito com pinças, evitando ferir sensibilidades tão irritáveis. Nesse sentido F1 já cancelou o seu esboçado encontro com o patriarca Ortodoxo Cirilo (acusado de ter ligações com a KGB durante boa parte do período soviético), o qual apoia a invasão Russa da Ucrânia!

O diálogo inter-religioso nunca foi fácil. E se pode ser compreensível a dificuldade encontrada no tratamento do tema entre credos com origens e filosofias diversas, como, por exemplo, entre Cristãos e Islâmicos extremistas, já se me afigura de difícil compreensão a discórdia sobre a “legitimação” da guerra entre dois credos Cristãos… pois, sendo Jesus Cristo o mesmo defensor da Paz e o veio-rotor de ambos os credos (Católico e Ortodoxo) na defesa da concórdia, da fraternidade e do amor concedido ao outro do mesmo modo que o desejamos para nós… resulta muito difícil compreender a tomada de posição a favor de Putin – invasor cruel da casa do vizinho – por parte do líder de um ramo do Cristianismo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV