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Etiqueta: Filosofia

22 de Junho, 2011 João Vasco Gama

Razões para não acreditar

Alguns deístas apresentam Deus como uma abstracção infalsificável.
No que diz respeito a tal abstracção, tenho boas razões para nela não acreditar, com esta exposta por Bertrand Russel:

«Da minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá de porcelana girando em torno do Sol numa órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, sendo que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos.
Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com toda a razão pensariam que estou a dizer tolices.
»

Não obstante, no que diz respeito a várias religiões teístas, em particular o cristianismo, tenho razões muito mais fortes não acreditar nas alegações feitas – a sua própria inconsistência interna, a incoerência entre as várias alegações associadas a cada uma destas religiões.

O video que se segue explica de forma muito clara e competente algumas das principais.
Tive muito prazer em vê-lo e quero por isso partilha-lo com todos:

Texto também publicado no Esquerda Republicana.

4 de Janeiro, 2011 João Vasco Gama

Mudar de opinião

Uma pessoa de mente aberta deve condicionar a sua opinião às evidências e aos factos.

Quando acreditamos que um facto é verdadeiro sabemos que essa crença poderia ser alterada perante evidências em contrário.

Este princípio deve aplicar-se a tudo, e eu aplico-o também à minha crença de que Deus não existe. Existem várias coisas que, a acontecerem, fariam mudar a minha opinião a respeito da existência de Deus. Mesmo do Deus cristão.

Jesus podia aparecer, como teria aparecido aos discípulos, mostrar as chagas e tudo o mais. Ou poderia aparecer na ONU e fazer milagres que seriam escrutinados por todo o mundo. A oração poderia ser capaz de fazer crescer braços e pernas naqueles que as perderam, ou pelo menos nos mais devotos entre eles. Ou numa mesma noite toda a gente, em todo o mundo, poderia ser visitada por um anjo que esclarecesse qual a forma mais correcta de interpretar a Bíblia, evitando assim tantos equívocos entre aqueles que querem seguir o caminho de Jesus. Enfim, as possibilidades são imensas.

E um cristão? E outro crente religioso não cristão? Que factos ou acontecimentos o fariam concluir que afinal Deus não existe?
Se não existirem nenhuns, então a pessoa não tem a mente aberta em relação a esta crença.

27 de Agosto, 2010 João Vasco Gama

Deus e as Sereias

Imaginemos o seguinte diálogo:

crente – Uma evidência de que Deus existe são os testemunhos que relatam a ressurreição de Jesus.

ateu – Essa evidência é risível. Também existem vários testemunhos que relatam o avistamento de Sereias, e nem por isso elas existem.

Até aqui nada de mais. Vejemos diferentes possibilidades de respostas típicas que tenho visto muitos crentes darem perante este tipo de argumento:

1- Um argumento por analogia é um argumento fraco e pouco rigoroso.

2- A analogia não se aplica pois Deus é X e as sereias são Y [substituir X e Y por qualquer diferença entre Deus e as sereias que pareça relevante ao crente em questão]

3- Isso é ridículo pois todos sabemos que não existem sereias

4- Comparar Deus com sereias, que absurdo. Esse argumento é pouco sério, nem lhe vou responder.

Estas possibilidades de resposta demonstram que esse crente em particular tem algumas dificuldades em lidar com a abstracção da lógica formal. Vejemos os erros lógicos envolvidos em cada uma das respostas.

No primeiro caso alega-se que a resposta do ateu se trata de um argumento por analogia. Isso é falso.

Na verdade, o ateu percebeu rapidamente o raciocínio implícito presente na proposta inicial do crente:

Premissas:

a) Relatos de testemunhos de algo são uma boa razão para acreditar nesse algo

b) Existem relatos de testemunhos da Ressurreição

Conclusão:

c) Existe uma boa razão para acreditar na ressurreição

d) Existe uma boa razão para acreditar em Deus

Se o ateu discorda da premissa a), que é uma regra universal, ele pode demonstrar formalmente que esta premissa é errada utilizando apenas um contra-exemplo. Este contra-exemplo terá, neste caso, de ter as seguintes características:

i- tem de ser algo em relação ao qual ambas as partes concordem que não existem boas razões para acreditar

ii- tem de ser algo em relação ao qual ambas as partes concordem que existem relatos de testemunhos

Se um exemplo cumpre estes dois requisitos, a falsidade da premissa a) fica formalmente demonstrada, e daí se conclui que a conclusão inicial não se justifica com base no argumento apresentado. Neste caso em particular o ateu tem, formalmente, razão. Não existe qualquer argumento por analogia.

Percebe-se assim também o erro dos crentes que alegam que a analogia não colhe por causa de alguma diferença fundamental entre Deus e as Sereias. Tais diferenças são irrelevantes, pois o conceito de Deus não faz parte da premissa a) que se pretende demonstrar falsa. O que é necessário, no que diz respeito ao contra-exemplo, é que ele cumpra os requisitos expressos, e não a categoria a que pertence.

A resposta 3 é nesse sentido, particularmente irónica. É precisamente o facto de ambos os lados concordarem que não existem sereias que faz deste um contra-exemplo adequado para mostrar formalmente o erro da premissa implícita. Se ambas as partes concordam que não existem boas razões para acreditar em sereias, mas existem relatos do seu avistamento, ambas as partes terão de concordar que relatos do avistamento de algo extraordinário não correspondem a boas razões para acreditar na ocorrência desse algo (ou então haveria boas razões para acreditar em sereias, o que ambas as partes concordam ser falso).

A resposta 4 é uma simples fuga ao debate. Por mera falta de argumentos.

Note-se que quando escrevi este texto  meu interesse não era este argumento em particular, mas sim a falta de domínio da lógica formal com a qual muitos crentes reagem a contra-exemplos adequados.

Existem formas inteligentes de responder a este tipo de contra-argumentos. Por exemplo, se o crente alegar que existem mais testemunhos e mais fiáveis a respeito da ressurreição que a respeito de Sereias – alegação da qual eu discordaria – ele subentende que existe um patamar de indícios testemunhais a partir do qual existem boas razões para acreditar num evento extraordinário, mas que o avistamento de sereias está abaixo desse patamar. Um contra-exemplo adequado seria algo que ambas as partes concordassem estar acima de tal patamar, e que ambas as partes concordassem não existir. Em alternativa o ateu poderia discordar, como eu discordo, de tal alegação, e em conjunto aferir quantos e quais testemunhos existem, para que a discussão progredisse sem que ninguém mostrasse uma notável incompreensão dos processos de lógica formal.