29 de Agosto, 2023 Onofre Varela
FÁTIMA (5 e Fim)
Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.
Cumprindo o prometido guardei para último artigo desta série de textos sobre Fátima a abordagem ao pensamento do Republicano e defensor acérrimo da Lei da Separação do Estado da Igreja, perseguido por dois sistemas governamentais, ex- seminarista, pensador e escritor beirão, Tomás da Fonseca (1877-1968). Escreveu o livro Na Cova dos Leões (editado no Brasil em 1958 e em Lisboa em 2009 pela Antígona. Tomás da Fonseca foi o último autor Português a escrever em defesa do Ateísmo, antes do meu livro “O Peter Pan Não Existe” [Caminho, 2007] 49 anos depois).
Quando li o seu livro fiquei convicto de que o autor é honesto no modo como aborda e narra os acontecimentos de 1917 na Cova da Iria. Teve o cuidado de entrevistar personalidades próximas das pessoas envolvidas neles. Em conversa com o Dr. Luís Cebola, especializado em doenças mentais e director da Casa de Saúde do Telhal, sabendo este que Tomás da Fonseca “andava coligindo elementos para a história do embuste de Fátima” lhe garantiu o seguinte (transcrevo na íntegra as palavras do autor): “O seu amigo, padre Fernando Eduardo da Silva, capelão militar já falecido, procurara-o, um dia, para dizer-lhe que não desejava ir desta vida sem lhe confidenciar um facto que supunha da maior gravidade para a Igreja Católica, de que era ministro. E narrou o diálogo havido em Torres Novas, entre três sacerdotes: o pároco de Fátima [Manuel Marques Ferreira], o fanático Benevenuto de Sousa e outro cujo nome lhe esquecera [mas que o autor identifica em nota de rodapé como tendo sido o padre Abel Ventura do Céu Faria, prior de Seiça]. Perguntado o primeiro sobre como lhe corria a vida na paróquia, respondera: «Aquilo não dá nada. Região pouco produtiva, gente miserável, sem iniciativa…». Então, o que perguntara lembrou-lhe: «Tens uma maneira de enriquecer depressa: provoca uma aparição como a de La Salette ou a de Lourdes e cai-te lá o poder do mundo»! O de Fátima ouviu, pensou um bocado e replicou: «Pensas bem. E o meio presta-se para coisas dessas!». E logo ali combinaram promover, sem perda de tempo, a aparição, entrando os três no negócio. Como, porém, rebentou a Grande Guerra em 1914, os trabalhos da empresa foram suspensos até 1917. Redigida esta nota, mostrei-a ao ilustre psiquiatra que a considerou exacta”. Algumas linhas depois, o autor diz mais isto: “Continuando na pesquisa de elementos, tempo depois encontrei-me com o velho democrata Manuel Duarte, que me informou de outro caso não menos valioso: a conversa que o bispo de Leiria mantivera com o Dr. Egas Moniz, meses após a farsa das aparições de Fátima”. Tomás da Fonseca fora colega do cientista (que, em 1949, recebeu o primeiro prémio Nobel concedido a um Português), e convivera com ele nas Constituintes da República em 1911. Procurou-o no seu escritório, ouviu o seu relato e escreveu-o no livro que cito. O Dr. Egas Moniz, certo dia, encontra casualmente o bispo de Leiria D. José Alves Correia da Silva, numa viagem de comboio. Tinham sido condiscípulos e eram amigos desde há muitos anos. Esta aproximação levou o bispo a confessar ao cientista que “uma coisa o andava confrangendo: era o caso de Fátima, em que estavam envolvidos alguns párocos, um dos quais excessivamente falador.” E continuou o bispo: “compreendes a minha preocupação e receio de que tudo redunde num fracasso, ou, melhor, num desaire para a Igreja de que sou representante […]. O professor procurou sossegar o espírito inquieto do bispo. «Diz-me: isso está limitado à acção do clero local? O povo não colabora?». O bispo esclareceu que a acorrência ao santuário era já muito grande e que aumentava dia a dia. E o cientista, que é também hábil psicólogo: «Uma vez que o povo já tomou conta do caso, sossega, porque só ele poderá desfazer o que está feito. E sabes bem que o não fará na tua diocese, uma das mais devotas da nação. Pelo que me dizes o povo já proclamou a aparição, já lhe ergueu santuário e corre em chusma para ele” […]. A seguir, Egas Moniz sossegou ainda mais o espírito amedrontado do bispo, dizendo quase que uma profecia: “Dentro de pouco tempo terás de sancionar a voz do povo, e tu próprio acabarás por presidir e orientar os negócios de Fátima”.
Estes testemunhos levam-me a aceitar a razão das críticas de Tomás da Fonseca aos acontecimentos de Fátima em 1917 que sublinham a invenção das “aparições”. São depoimentos com valor jornalístico e escrevem História. Por isso terão de, forçosamente, ser considerados num estudo que se pretenda honesto, sobre as “visões dos pastorinhos” ou “embuste de Fátima”.
(Fim)
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV