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Etiqueta: Cristianismo

31 de Outubro, 2024 Carlos Silva

“Manual de maus costumes”

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Saramago apelidou hoje a Bíblia… “Manual de maus costumes”, o que provocaria grande indignação a algumas figuras religiosas… recordo apenas alguns adjetivos…

“vergonhoso”, “ofensivo”, “ignorante” …


Ao assistir aos noticiários, pude efetivamente constatar que as suas palavras tiveram grande impacto social e sobretudo um enorme desconforto na cúpula da Igreja Católica.

Curiosamente os adjetivos que me vieram à mente seriam…

lucidez, racionalidade, inteligência…

Replicou… (J.S.)

Vergonhosos” e “ignorantes” são os ditos “representantes de um dito Deus na Terra” não terem consciência de que “Nada disto existiu, está claro; são mitos inventados pelos homens, tal como Deus é uma criação dos homens”, mesmo até que o homem em si tenha realmente vivido!

Sobre o dito livro, que também já tinha tentado ler, mais do que desilusão mental apenas conseguiria confirmar ainda mais a minha delusão pessoal e um tremendo esforço para não adormecer…

É realmente uma enorme demência nascer e crescer com a Bíblia ao lado e não despertar… ou despertar tão tarde para a liberdade e lucidez da restante literatura.

É realmente uma enorme demência ver como sob a sua prolongada escrita “passaram mais de dois mil anos e dezenas de gerações, sempre sob a “dominante de um Deus cruel, invejoso e insuportável”.

Mais abomináveis ainda, são as inúmeras e trágicas guerras que ao longo da história se travaram em nome da dita religião e realmente, “as religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros”. Mesmo sem guerra, o que hoje constatamos, é precisamente o contrário!

Mais irracionais ainda, são as inúmeras formas assumidas pelo dito Ser cuja única aparência realmente só mesmo no domínio das ideias e quase sempre assimilando formas humanas… um ser “do outro mundo”, capaz de “não fazer absolutamente nada, de criar todo um Universo, não se sabe bem porquê, nem para quê, em apenas seis dias, descansando depois ao sétimo… e depois, até hoje, decidiu nada mais fazer!…”

Mais impressionante ainda, é ainda hoje ser “a grande resposta para a salvação de toda a Humanidade”.


AGORA ATEU, 2009-10-19

27 de Outubro, 2024 Carlos Silva

Diz-me mulher

Imagem: Internet


Diz-me mulher

Filha
Mãe
Avó
Esposa
Amiga
Companheira

Diz-me mulher

Como podes permitir que
Um homem
Te roube o direito à vida
Te roube o direito à liberdade
Te roube a autonomia de pensar
Te torture e imponha maus tratos
Te viole física e moralmente até ao íntimo do ser
Te imponha o direito de escolher
Te negue o direito à informação e educação
Te impeça de votar e participar neste progresso
Te humilhe simplesmente por seres mulher

Diz-me mulher

Como podes permitir que
Um livro
Exclusivamente escrito por homens e para homens
Exclusivamente baseado no domínio dos homens sobre as mulheres
Absolutamente machista absurdo e obsoleto
Te peça que sejas submissa
Te faça objeto propriedade e mercadoria
Te cubra o corpo e a mente
Te estupre e atire pedras até à morte
Te cegue e crucifique por perderes a virgindade
Te queime pelo adúltero delito de amares alguém
Um livro escrito com sangue suor e lágrimas
Que de ti faz demónio do bem e anjo do mal
Que te rouba a vida e tudo o que é natural

Diz-me mulher

Como te pudeste deixar seduzir
Por tão encantadora serpente
Como pudeste ter ingerido tão pecaminoso fruto
De tal proibida árvore
Como pudeste ter nascido
De tal dita virgem maria
Sem amar verdadeiramente

Diz-me mulher

Tu que dás e concedes esta vida
Tu que dás alento e alimento
Tu que dás este canto e encanto
Tu que dás esta inspiração e admiração
Tu que dás este sentimento e sensualidade
Tu que tudo dás na realidade
Peço que neste preciso momento
Soltes o cabelo ao vento
Soltes a voz com todo o alento
Quero ouvir o teu grito até ao mundo dar volta
Quero ouvir o teu grito de volta e de revolta

BASTA

Não
Não fiques aí parada
Solta e desvenda a verdadeira beleza do teu rosto
Solta e descobre o verdadeiro encanto do teu sorriso
Solta e manifesta todas as razões do teu coração
Tu és legitimamente a única dona do teu corpo
Tu és autenticamente a única dona do teu ser

Desperta mulher

Desperta o corpo da tua admirável mente
E ama verdadeiramente
Ama plenamente a liberdade
Ama perdidamente aquele homem
Que simplesmente te quer

MULHER


AGORA ATEU, 2019-05-26

15 de Outubro, 2024 Ernesto Martins

O Cristianismo não é a resposta; o Cristianismo é o problema – Parte 3/3

Nesta terceira e última parte do artigo reforço a tese de que o Cristianismo é mais um problema do que uma solução, usando, desta vez, dados que mostram o poder que esta religião tem de dividir os povos. Um olhar objectivo sobre o mundo actual, no que diz respeito em particular às condições de vida das populações nos países onde o Cristianismo é mais e menos dominante, permite também concluir que a religião não traz qualquer benefício para a humanidade.

Religião divide mais do que une
O poder da religião – especialmente os monoteísmos – de dividir os povos em lugar de os unir, não é uma novidade, estando plasmado em vários episódios da história. O que não deve surpreender, dado que é ao próprio Jesus Cristo que se atribuem as afirmações “Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada” [Mt 10:34] e, mais à frente, “Quem não é comigo, é contra mim…” [Mt 12:30]. O facto de muitos dos conflitos registados na história terem grupos beligerantes definidos em função de filiações religiosas é revelador da capacidade das religiões de dividir. Assim, católicos juntam-se apenas com católicos, protestantes com protestantes, muçulmanos com muçulmanos e hindus com hindus. Os conflitos nem sempre são explicitamente religiosos, mas a intolerância que divide diferentes comunidades religiosas é muitas vezes um produto das respectivas identidades religiosas.
O número astronómico de religiões existentes actualmente (só o Cristianismo conta com milhares de variantes [1]) é a prova evidente da capacidade da religião de dividir. A religião cristã tem um passado de conflitos sangrentos motivados em grande parte por diferenças teológicas que hoje parecem ridículas [2]. Só as doutrinas em torno da Trindade motivaram algumas das mais violentas perseguições a hereges nos primeiros séculos do Cristianismo. Hoje, diferenças doutrinais sobre a interpretação da Bíblia, sobre os sacramentos, sobre o papel dos clérigos e sobre as atitudes perante as mais variadas questões sociais, têm a capacidade de dividir os cristãos. Os católicos consideram que os protestantes terão a sua salvação comprometida por não respeitarem a autoridade do Papa. Os protestantes, por seu turno, acham que os católicos cometem um erro trágico ao adorar imagens e que a ideia da transubstanciação na eucaristia é uma grave blasfémia. Os cristãos ortodoxos consideram que os católicos estão errados, nomeadamente por pensarem que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho e não apenas do Pai e por ingerirem óstias sem fermento quando o correcto era que tivessem sido feitas com fermento. Isto só para nos mantermos dentro do Cristianismo. A religião Mormon (ou a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que não subscreve a doutrina da Trindade e considera três deuses separados), nos menos de 200 anos que conta de vida já se dividiu em diferentes seitas por causa de desentendimentos em torno da poligamia.
Não há dúvida de que as religiões dividem. Mas, vendo bem, estes conflitos e divisões não são de admirar numa actividade em que os credos centrais são extraídos ou inspirados em textos ambíguos, tradições difusas e revelações absurdas. O facto de pouco ser suportado em dados sólidos e argumentos racionais, e muito ser baseado na fé, torna os desentendimentos insanáveis. Sem uma base objectiva de evidências, o resultado é a divisão dos crentes em grupos e congregações separadas.
Hoje parecem haver também evidências do poder divisivo da religião ao nível das mentalidades. Segundo uma sondagem da Pew Research [3], a identidade cristã na Europa Ocidental está associada a níveis mais elevados de sentimento negativo em relação aos imigrantes e às minorias religiosas. Inquiridos que se autodenominam cristãos – quer frequentem ou não a igreja – têm maior probabilidade de expressar opiniões negativas sobre os imigrantes, muçulmanos ou judeus do que as pessoas sem filiação religiosa. Um outro estudo de 2022 [4] confirma que na Europa os cristãos tendem a expressar níveis mais elevados de sentimentos nacionalistas do que os nones. Pessoas sem filiação religiosa têm menor probabilidade de afirmar que a ancestralidade é condição necessária para a identidade nacional do que os que se autodenominam cristãos. A religião divide, de facto.

Religião não tem impacto positivo na sociedade
Que a religião é, na generalidade, benéfica para uma sociedade, é outras das ideias profundamente enraizadas na mente da população crente. As sociedades precisam da religião para prosperar, dizem eles. No entanto esta é uma crença mais baseada em wishful thinking do que num olhar objectivo sobre o mundo real. Se porventura se constatasse que as sociedades onde a vida é melhor são as mais religiosas, então poderíamos postular que a religiosidade é um factor determinante. O mesmo diríamos se as sociedades menos religiosas fossem bastiões de pobreza e crime. Mas o que se observa no mundo é precisamente o contrário.
Os países com a maior proporção de não crentes constituem as sociedades, em média, mais desenvolvidas, mais livres, mais saudáveis e mais pacíficas. Por outro lado as nações mais religiosas, as que mais orações dirigem aos deuses, são as mais violentas e opressivas e onde a qualidade de vida é pior em todos os aspectos. Os Relatórios do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (UNDP) calculam anualmente o chamado Índice de Desenvolvimento Humano (Human Development Index – HDI [5]), que quantifica o desempenho médio de uma sociedade com base em métricas como a esperança média de vida à nascença, a escolaridade, a literacia e o rendimento per-capita. O relatório de 2021 coloca no top 10 do ranking HDI (de um total de 191 nacões) países como a Suiça, Noruega, Islândia, Austrália, Dinamarca e Holanda, todos países onde os números de não crentes são dos maiores do mundo. Os 50 últimos países do ranking não apresentam números estatisticamente significativos de descrentes.
Um relatório da organização Save the Children, o State of the World’s Mothers Reports [6] publica regularmente o “Índice das Mães” (Mothers’ Index), que reúne os dados mais recentes sobre a saúde das mulheres, a saúde das crianças, o nível de escolaridade, o bem-estar económico e a participação política feminina, para classificar 179 países e mostrar onde as mães e as crianças se saem melhor e onde enfrentam as maiores dificuldades. No topo da lista dos melhores países para se ser mãe aparecem a Noruega, Finlândia, Islândia, Dinamarca e Suécia. No fim da lista aparecem Nigéria, Guiné-Bissau, Chad, Congo e Somália.
Segundo outras fontes [7], os países com a maior taxa de homicídios, onde a incidência do HIV é maior e onde as mulheres são mais oprimidas, são todos países muito religiosos. Finalmente também existem métricas para a felicidade e, mais uma vez, verifica-se que, em média, as sociedades mais felizes não são de todo as mais religiosas [8]. Os países do costume aparecem na lista daqueles em que os seus cidadãos são os mais felizes. Se considerarmos apenas os países mais desenvolvidos, os Estados Unidos sobressaem como o mais religioso mas também o país mais disfuncional, exibindo as maiores taxas de criminalidade, de doenças sexualmente transmissíveis, de gravidez e de abortos na adolescência. Foi a esta conclusão que chegou um estudo do investigador Gregory S. Paul [9].
Em conclusão, a correlação negativa existente entre a qualidade global de uma sociedade e a crença religiosa parece negar categoricamente a ideia de que as sociedades precisam de ser religiosas. Segundo a cosmovisão teísta, em que um deus omnisciente, omnipotente e sumamente bom responde às preces dos seus fieis, seria de esperar que a influência desse deus se fizesse sentir para o bem na vida desses fieis, e portanto nos locais onde eles vivem. Mas, objectivamente, não só essa previsão não se verifica como acontece precisamente o contrário.
É evidente que os problemas que afligem os países sub-desenvolvidos estão fortemente relacionados com os respectivos trajectos histórico-sociais, dependem de múltiplos factores e conjunturas complexas, e com certeza não caíram do céu pelo simples facto desses países serem religiosos. É provável que a religião seja endémica nestas sociedades pelo facto das populações pobres encontrarem nas crenças religiosas e nos rituais a consolação, o conforto e a esperança que lhes permite enfrentar estoicamente as dificuldades impostas pela insegurança das guerras, a sub-nutrição e as doenças. Portanto, não se pretende atribuir à religião a culpa de todos os males. No entanto o que estes cenários demonstram de forma conclusiva é que a religiosidade não é um ingrediente necessário na criação de sociedades onde as pessoas possam ser felizes e prosperar.
— EVM

Notas:
——
[1] https://www.gordonconwell.edu/blog/christianity-is-fragmented-why/
[2] Algumas das mais sangrentas acções militares exclusivamente entre cristãos: Cruzada Albigense (1208-49): 1000000 mortes; Guerras francesas entre católicos e protestantes (1562-98): 3000000 mortes; Guerra dos trinta anos entre católicos e protestantes (1618-48): 7500000 mortes. Ver: Matthew White, “The 100 Deadliest Episodes in Human History”, 2013.
[3] Pew Research Center May 29, 2018, https://www.pewresearch.org/religion/2018/05/29/being-christian-in-western-europe/. Segundo esta sondagem os países com o maior número de nones são os Países Baixos (48%), Noruega (43%), Suécia (42%), Bélgica (38%) e Dinamarca (30%).
[4] Key Findings From the Global Religious Futures Project, December 21, 2022, https://www.pewresearch.org/religion/2022/12/21/key-findings-from-the-global-religious-futures-project/
[5] https://hdr.undp.org/data-center/human-development-index#/indicies/HDI
[6] https://fsnnetwork.org/resource/state-worlds-mothers
[7] https://worldpopulationreview.com/
[8] https://www.worldlifeexpectancy.com/world-happiness-map
[9] Gregory Paul, “The Chronic Dependence of Popular Religiosity upon Dysfunctional Psychosociological Conditions”, Evolutionary Psychology, vol.7 nº3, pgs 398-442, 2009.

14 de Outubro, 2024 Carlos Silva

Apostasia

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Batizaram-me quando apenas tinha três meses de vida!

Mergulharam-me em “água benta” com a promessa que tal me purificaria e abriria o caminho para a eternidade.

Mergulharam-me em “água benta” com a convicção que tal me uniria eternamente ao seu deus (“Pai, Filho e Espírito Santo”) que por mim morrera e ressuscitara -tornando-me, assim, para sempre, seu filho e fiel servidor.

Marcaram-me como “cristão” quando ainda nem sequer sabia o que era uma ilusão, como quem marca um cordeiro recém-nascido do seu rebanho.

Marcaram-me num ritual eclesial mascarado de festa de família e amigos onde selaram uma espécie de contrato que, supostamente, manifestaria a vontade dos meus pais em me doutrinar de acordo com os valores e princípios morais da religião católica.

Assinaram uma espécie de contrato que definia o presente e decidia o meu futuro… que me impunha não pensar, não sentir… e sobretudo não questionar ou renegar.

Como é que uma mente minimamente decente pode celebrar ou validar um contrato entre uma suposta divindade e uma inocente criança?

Ninguém pode decidir o futuro de uma inocente criança sem conhecimento de causa… e muito menos com um outorgante fictício!

Diz a Igreja Católica que “Deus dá-nos o Seu Espírito e adota-nos como seus filhos, antes mesmo de O conhecermos” … “Deus ama as crianças ainda antes de estas O conhecerem” … e não é por acaso que o manifesta em Mt19, 14: “deixai vir a Mim as criancinhas e não as impeçam…”

Como é que um ser fictício, fruto da imaginação humana, pode adotar uma criança, ainda antes de esta ter consciência da sua… inexistência?

Mais do que um abuso de confiança, este “contrato divino” a que chamam “Batismo”, é uma ofensa à inteligência de qualquer mente minimamente racional.

Mais um dos muitos dogmas absurdos da Igreja Católica que importa desmistificar… e anular.

Assim, existindo tal contrato que me define como “cristão”, que para efeitos estatísticos do meu país me coloca como membro da Igreja Católica Apostólica Romana…

É de forma consciente e de livre vontade que o venho anular através do ato de Apostasia.


AGORA ATEU, 2024-02-10


10 de Outubro, 2024 Ernesto Martins

O Cristianismo não é a resposta; o Cristianismo é o problema – Parte 2/3

Na primeira parte deste artigo argumentei contra o facto de o Cristianismo poder servir de base para um sistema ético universal. Referi também que, além de não apresentar soluções adequadas, a religião cristã é, muitas vezes, ela própria geradora de problemas graves. Nesta segunda parte examino três desses problemas: a moral sexual repressiva, a doutrinação infantil e a negação da ciência.


Moral sexual repressiva
O sexo foi sempre motivo de obsessão no Cristianismo e os ditames morais que emanam da Igreja Católica sobre esta matéria nunca encontraram eco no melhor conhecimento das ciências humanas sobre o assunto
O Catecismo da Igreja Católica [1], autoridade absoluta em assuntos doutrinais, estabelece no seu artigo 2351 que “o prazer sexual é moralmente desordenado quando procurado por si mesmo, isolado das finalidades da procriação e da união”, algo que deveria ser ponderado seriamente pelas mulheres crentes que decidem não ter filhos. No artigo 2370 lemos que “qualquer acção que (…) se proponha tornar impossível a procriação” é intrinsecamente má. Ou seja, contraceptivos não naturais são inaceitáveis. E enquanto a ciência do sexo informa que a masturbação é uma actividade natural no reino animal, o artigo 2352 do mesmo Catecismo assegura-nos que “a masturbação é um acto intrínseca e gravemente desordenado”. Para que serve afinal a ciência?
Um dos aspectos mais negativos do Cristianismo, profundamente contrário a uma ética humanista de respeito pelas opções pessoais dos seres humanos, é a condenação da homossexualidade. Segundo o artigo 2357, “os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados… e não podem, em caso algum, ser aprovados”. Contrariamente ao que a ciência nos diz sobre esta orientação sexual em particular, para a Igreja os homossexuais são aberrações da natureza. Além de traduzir uma atitude hostil para com um grupo social, inaceitável numa sociedade inclusiva, esta é mais uma instância do lamentável choque frontal entre fé e ciência.
Ironicamente a atitude repressiva da Igreja Católica, no que toca a assuntos como a homossexualidade e os contraceptivos, tem resultado em verdadeiros tiros certeiros nos pés dada a consequente alienação de muitos fiéis. De facto, numa sondagem da Pew Research realizada em vários países da Europa em 2018, 58% das pessoas sem religião (os chamados nones, que aqui se identificam maioritariamente como indivíduos baptizados e criados como cristãos) dizem ter-se afastado da religião por discordar com as posições oficiais da Igreja em questões como a homossexualidade e o aborto [2].
O casamento entre pessoas do mesmo sexo é um facto social cuja aceitação depende muito da religiosidade dos sujeitos. Segundo a mesma sondagem da Pew Research, em todos os países estudados os cristãos que frequentam a igreja são consideravelmente mais conservadores do que os cristãos não praticantes e os nones em questões como o casamento gay e o aborto [3]. Em Portugal 82% dos nones são a favor do casamento gay contra apenas 43% dos cristãos que frequentam a igreja, que também são a favor. Dados como estes parecem tornar incontornável a conclusão de que a religião favorece efectivamente a repressão.

Doutrinação infantil
Um dos principais factores que perpetuam as religiões ao longo dos tempos é a doutrinação das crianças. E o problema é que se transmite a mensagem religiosa como se esta fosse imprescindível para o desenvolvimento moral dos jovens. Ao mesmo tempo, as narrativas são transmitidas como se de verdades factuais se tratassem: as histórias em torno da vida de Jesus, por exemplo, incluindo os episódios sobrenaturais, são apresentadas como se fossem tão bem atestadas historicamente como os factos em torno da Revolução Francesa (pelo menos, nenhuma ressalva em contrário é feita). Também nunca se refere que só algumas pessoas no mundo (os cristãos, em particular) acreditam efectivamente nessas narrativas e que para muitos milhões (e.g. os muçulmanos) alguns desses relatos são apenas fantasiosos. Finalmente não se fala às crianças de outras tradições alternativas, religiosas e não religiosas, tão ou mais relevantes e com histórias igualmente inspiradoras e de conteúdo moral tão significativo como as do Cristianismo. Em resumo, a visão afunilada e redutora que se transmite é evidentemente tendenciosa e formatadora.
O crescimento substancial do número de nones nas últimas décadas tem levado a estudos sobre os efeitos da educação de crianças em lares não religiosos. No melhor dos casos os estudos sugerem que não há diferenças perceptíveis entre crianças criadas em lares religiosos e em lares seculares [4]. Mas também já se detectaram efeitos nocivos nas crianças sujeitas a uma educação religiosa, nomeadamente na dificuldade que estas evidenciam na distinção entre realidade e ficção [5].

Negação da ciência
Muitas doutrinas cristãs, particularmente as evangélicas, são negacionistas da ciência. O Criacionismo nega os factos da Teoria da Evolução por Selecção Natural. Ao afirmarem a verdade literal da Bíblia promovem também a factualidade do dilúvio universal, ideia cuja credibilidade científica há muito caiu em desgraça [6].
A primeira versão do Criacionismo advogava a criação do universo em seis dias, de acordo com a interpretação literal do Génesis. Uma versão mais sofisticada, o Criacionismo Científico, tentou mostrar que o registo fóssil é compatível com um primeiro acto de criação divina seguido de um dilúvio universal. Uma apresentação ainda mais sofisticada surgiu depois na forma do Projecto Inteligente, que tenta argumentar, usando termos putativamente científicos, que existem na natureza instâncias de “complexidade irredutível” que só poderiam ter surgido por via de um acto de criação divina.
Algumas versões do cristianismo são menos radicais do que as variedades evangélicas, colocando a mão de deus por detrás dos processos evolutivos. No entanto nem estas versões fazem sentido se considerarmos o conceito tradicional de deus como entidade omnipotente, omnisciente e sumamente benevolente: se os organismos foram propositadamente criados por condução do processo evolutivo, então deus só pode ser um criador incompetente, esbanjador e cruel se atendermos ao que se observa no reino biológico com os seus múltiplos sinais de imperfeições (e.g. má localização do nervo óptico, que se traduz num ponto cego no campo de visão; complicações causadas na próstata pelo trato urinário), orgãos redundantes e problemas causados por adaptações evolutivas (diafragma entre a cavidade toráxica e o abdómen; canal pélvico apertado nas mulheres, etc.) bem como doenças várias. Enfim, tudo contingências de um processo evolutivo não guiado. Mas mesmo aceitando a evolução Darwiniana do ser humano, o Cristianismo tem ainda o problema de decidir em que momento da evolução é que a linhagem homo passou a ser agraciada com aquilo a que chamam de alma imortal. Não há como conciliar fé e ciência.
— EVM

Notas:
[1] https://www.vatican.va/archive/cathechism_po
[2] Pew Research Center May 29, 2018, https://www.pewresearch.org/religion/2018/05/29/being-christian-in-western-europe/. Segundo esta sondagem os países com o maior número de nones são os Países Baixos (48%), Noruega (43%), Suécia (42%), Bélgica (38%) e Dinamarca (30%).
[3] ibid.
[4] “Does religion make people moral?” Ara Norenzayan, Department of Psychology, University of British Columbia, 5 December 2013, Behaviour, 151 (2014) 365–384.
[5] “Judgments About Fact and Fiction by Children From Religious and Nonreligious Backgrounds”, Kathleen H. Corriveaua, Eva E. Chenb, Paul L. Harris; Cognitive Science Journal, 151 (2014) 365–384.
[6] 65% dos americanos os adultos dizem que “os humanos e outros seres vivos evoluíram ao longo do tempo”, enquanto 31% dizem que os humanos e outros seres vivos “têm o aspecto actual desde o início dos tempos”. Destes, 43% dos protestantes e 27% dos católicos acreditam que os seres humanos têm o aspecto actual desde o início dos tempos (não evoluíram). Dados de 2015.
Ver: https://www.pewresearch.org/science/2015/10/22/strong-role-of-religion-in-views-about-evolution-and-perceptions-of-scientific-consensus/

9 de Outubro, 2024 Ernesto Martins

O Cristianismo não é a resposta; o Cristianismo é o problema – Parte 1/3

Entre as múltiplas razões que levam as pessoas a manterem-se ligadas a uma religião cristã, uma das principais é talvez a convicção de que o caminho da rectidão moral tem de ter o Cristianismo como premissa. Uma base moral tem de ter um enquadramento cristão – é essa a convicção que subsiste de forma mais ou menos inconsciente na mente dos crentes, e que as instituições religiosas se esforçam por manter ao afirmar-se continuamente, muitas vezes de forma velada, como guardiãs da moral e dos bons costumes.
Há sondagens que mostram que os apologistas religiosos consideram, de facto, que a moralidade tem de se basear em valores absolutos, exteriores à humanidade, os quais tem de assentar, obrigatoriamente, em alicerces religiosos [1]. Este pressuposto explica o recurso frequente a académicos religiosos ou membros do clero quando se trata de obter aconselhamento em questões moralmente significativas – como se estas pessoas fossem realmente autoridades nestes domínios. Para crentes que pensam assim, não existem imperativos éticos sem a crença religiosa. Sem a religião estamos condenados ao niilismo. Durante muito tempo, ser ateu era mesmo quase sinónimo de pessoa amoral, sendo talvez por isso que muitos descrentes evitam, ainda hoje, assumir-se abertamente como ateus.
Na verdade, parece que alguns estudos em psicologia apontam para a existência de um alinhamento preconceituoso entre bem moral e espiritualidade – portanto, algo mais lato do que a religião, que compreende até fenómenos paranormais. Da mesma forma que o bem moral se subentende alinhado com a espiritualidade, o mal moral alinha-se com o materialismo. Por outras palavras, os cépticos e os materialistas são os maus da fita, ao passo que os que crêem no sobrenatural, por mais tonta e ingénua que seja a crença em questão, são os que estão do lado do bem [2].
Mas como é óbvio esta perene associação entre espiritualidade e moralidade é um equívoco que está muito longe da verdade [3]. Se correspondesse à realidade as prisões estavam cheias de ateus e países com grandes percentagens de descrentes (Noruega, Suécia, França, etc.) eram antros de criminalidade, o que está longe de ser o caso. O sentido de moralidade não tem de facto nada que ver com crenças religiosas ou sobrenaturais e os factos da biologia [4] e da sociologia mostram isso de forma clara.
Mas mesmo sabendo que a associação entre espiritualidade e moralidade não passa duma ilusão, podemos, ainda assim, questionar se não fará sentido advogar uma moralidade assente numa religião cristã. Esta solução tem, contudo, pelo menos dois grandes problemas:
1) O primeiro é que compromete o exercício da racionalidade e do espírito crítico por envolver a adopção de crenças sobrenaturais injustificadas. A questão que se coloca é: será que precisamos mesmo de acreditar em milagres para adoptar uma conduta moralmente sã?
2) A segunda objecção é que conceitos como mandamentos divinos, pecado e a promessa duma recompensa ou a ameaça de uma punição póstuma, estão longe de constituir uma base sólida para um sistema ético que promova o convívio harmonioso entre todos os seres humanos, independentemente de credos religiosos ou da ausência deles.
A base de um sistema ético universal não pode residir em directivas escritas na pedra. As regras morais consagradas pelo Cristianismo não parecem ter sido desenhadas na sua origem de forma a serem revistas e adaptadas a eventuais novas situações, revelando-se por isso desadequadas para lidar com os problemas reais das sociedades actuais e futuras.
A consideração que temos hoje pelos problemas ambientais e com o sofrimento dos animais, dificilmente poderia surgir espontaneamente duma ética cristã. O mesmo é válido para o respeito que as sociedades mais evoluídas promovem relativamente à liberdade de expressão, à igualdade de direitos para as mulheres, em relação aos direitos dos homossexuais, à aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, e aos direitos ao aborto e ao suicídio assistido.
Em sociedades cada vez mais cosmopolitas e multi-étnicas a base da ética não pode assentar nos pilares imutáveis típicos de qualquer religião. As normas de conduta de um período remoto da história não serão certamente aplicáveis ao espírito do presente. Da mesma forma, ninguém pode garantir que sabe o que é certo e o que é errado para todas as pessoas no futuro em todas as circunstâncias e em todos os lugares. A ética tem de ser continuamente informada pela razão e estar disponível para ser revista com base no melhor conhecimento científico das situações.
Além de não fornecer respostas éticas adequadas para muitas questões actuais, a religião cristã é, por vezes, ela própria, o problema – uma força de retrocesso, fonte de divisões e irracionalidades. Nas próximas duas partes deste ensaio tentarei fundamentar estas afirmações.

Notas:
[1] Isto é mais prevalente em contextos evangélicos (onde mais de 50% dos individuos assumem esta convicção) do que católicos. ver: https://www.pewresearch.org/short-reads/2023/04/20/many-people-in-u-s-other-advanced-economies-say-its-not-necessary-to-believe-in-god-to-be-moral/
[2] Daniel Dennett, 2006, “Quebrar o Feitiço – A Religião como Fenómeno Natural”, pg. 244.
[3] Na realidade é o oposto que parece muitas vezes corresponder à verdade. Ou seja, é à custa do fervor e da inspiração religiosas que, muitas vezes, pessoas boas são levadas a cometer crimes hediondos. Parafraseando Steven Weinberg (prémio Nobel da Física em 1979): “As pessoas boas fazem coisas boas e as pessoas más fazem coisas más; mas para que pessoas boas façam coisas más, é necessária a religião”.
[4] Muito do que é ser moral já parece ser instintivo, tanto em nós como em parentes evolutivos mais próximos. Frans de Waal e outros primatólogos reportaram comportamentos altruístas entre chimpanzés e macacos rhesus; ver Frans de Waal, 2006, “Primates and Philosophers: How Morality Evolved”, pg. 187.

23 de Setembro, 2024 Onofre Varela

“A verdade liberta. A mentira prende”

Em 2007 a Editorial Caminho editou o meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um ateu”, obra que me ocupou cinco anos de escrita e, ao que julgava saber, a edição estaria esgotada… porém, dois amigos, num espaço de tempo curto e em livrarias diferentes, conseguiram o livro! Combinamos um jantar para dar à língua, recordar tempos passados e poder dedicar-lhes os dois exemplares do Peter Pan. Por essa razão peguei no exemplar que me resta em arquivo, abri-o ao calhas e, do que li, decidi fazer esta crónica.

Ao primeiro capítulo dei o título “A verdade tornar-vos-á livres. A mentira tornar-vos-á crentes”, frase que fui buscar ao Evangelho de S. João (8:32), para referir “crença e conhecimento”. A certo passo, digo assim: “Quem pensa que existe um ser supremo criador e dominador das vontades, não pode ser considerado menos, nem mais, inteligente do que aquele que não acredita em tal existência. Crença e conhecimento são matérias diferentes, antagónicas, mas que podem coabitar pacificamente no mesmo cérebro. O pensamento e a sabedoria são duas matérias primas da Filosofia e podem funcionar como terapia do espírito. Ambos «curam» ou aliviam algumas das nossas maleitas. Os nossos maiores males, quando não são de ordem natural, provêm de imposições alheias que resultam em aflições sociais e económicas, ditadas pelo meio onde nos inserimos e que nos faz sofrer. Deste sofrimento não podemos sair unicamente por nossa livre vontade (não é o mesmo que sair do autocarro). Somos vulneráveis e, por isso, também buscadores constantes da satisfação e do consolo que cada um pode encontrar em lugares distintos. O apuro dessa satisfação e desse consolo passa, inevitavelmente, pela qualidade do nosso pensamento e da nossa sabedoria. O apuro dessa qualidade, não se conseguindo no ensino oficial, terá de ser procurado por cada um, vendo, ouvindo, lendo e pensando. Quem assim não procede sujeita-se à educação padronizada que modela a sociedade em que o indivíduo se insere e que é, por mor de outros interesses que não os seus, nivelada pela matriz dos valores sociais estabelecidos – isto é: invariavelmente, por baixo – tornando-nos massificados, transformando cada um de nós num modelo estereotipado como alvo à mercê de quem vive da exploração dos nossos sentimentos programados”.

A melhor escolha na vida é cada um informar-se e ilustrar-se para poder pensar pela sua própria cabeça, não se deixando anestesiar por discursos de quem nos quer convencer, sejam agentes religiosos ou políticos. Tais agentes estão, continuamente, em “modo pré-eleitoral” tentando pescar adeptos para os seus grupos. Ao ouvirmos o palavreado que debitam nos vários púlpitos… temos de os peneirar criteriosamente… para (como se diz no meu meio) não sermos “comidos por lorpas”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

8 de Setembro, 2024 Onofre Varela

Somos evoluídos em relação a quê?!…

No início da escrita deste texto comecei por escolher para título a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Mudei-o depois… mas na verdade, entendido como poder, o conceito de Deus é tão perigoso quanto qualquer outro poder quando ele é imposto como paradigma da “Verdade Absoluta”, obrigando à sua submissão sem limites nem interrogações, como são exemplo não só os credos religiosos, mas também o Fascismo, o Nazismo e o Comunismo, ou qualquer ideologia de Direita-extremista ou Teocrática.

A confirmar a perigosidade do conceito de Deus, estão os extremistas islâmicos que, em nome de Deus, cometem os mais hediondos crimes, desrespeitam as mulheres e escravizam as crianças. No capítulo das crianças, e na Política, Putin faz o mesmo, escravizando a mente dos menores roubados às famílias ucranianas após a invasão da Ucrânia, submetendo as crianças raptadas a “lavagens cerebrais”; na China de Xi Jinping faz-se igual ao Povo Uigur – nas apelidadas «escolas de reeducação» – para que os “reeducados” pensem conforme o que o ditador quer que se pense, destruindo a identidade cultural do povo Uigur.

Por seu lado, o “poder dos deuses” sempre foi ditadura persecutória, explorado pelos líderes das comunidades que o usavam (e usam) para oprimir o Povo, conseguindo a sua subserviência ao poder temporal, amedrontado com o castigo divino. Os credos religiosos subjugam-nos desde a Antiguidade mais remota, passando pela Idade Média (quando a Igreja era a “dona” das governações e coroava reis a seu contento) até aos nossos dias e à nossa porta.

É neste sentido que deve ser entendida a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Fora deste contexto de subjugação a um deus (ou a qualquer outro poder ditatorial), numa sociedade sadia dispensadora da droga do divino e liberta de ditaduras políticas opressoras que impõem o pensamento único, uma corrente de ar é bastante mais perigosa para um corpo desprotegido… e Deus vale zero (os ditadores valem menos que zero).

Embora hoje o poder da religião continue a ser praticado ao serviço dos vários interesses que comandam a sociedade em que nos inserimos, estamos numa posição diferente daquela em que viveram os povos de outros tempos sob a ditadura dos sacerdotes… mas não estamos melhores!… Hoje não são apenas as religiões que dirigem a vontade dos povos; os partidos políticos e os grupos económico-financeiros também fazem parte da lista dos exploradores da boa-fé das populações.

Somos comandados pelos poderes (a maioria das vezes constituídos pelas piores pessoas) que dominam a sociedade e nem nos damos conta de que são muitos. Na verdade, quando um anónimo cidadão temente a Deus ajoelha no templo em frente ao altar do santinho da sua devoção, ou ouve o guru da seita que lhe promete felicidade eterna, julga fazê-lo perante a divindade. Foi isso que lhe disseram em menino e é nisso que ele acredita. Mas na verdade ajoelha-se perante um Poder: o poder da Igreja e das modernas seitas que amarram as mentes crentes à ideia opressora de Deus usada pelos exploradores da fé.

A seguir vêm todos os outros poderes, e não é raro a própria entidade patronal (a quem o temente a Deus vende a força do seu trabalho) pertencer à casta dos que colhem da seara divina (é, até, muito frequente) porque a ideia de Deus traz acoplada a submissão à autoridade, seja ela divina ou humana. O patrão tem poder sobre os seus assalariados podendo negar-lhes o pão quando muito bem entender… e na verdade já o nega quando paga salários miseráveis aos seus assalariados e compra habitações de luxo, iates e automóveis topo de gama para si próprio, com o lucro que arrecada do trabalho miseravelmente pago.

As leis, nesta era da globalização, estão feitas à medida dos poderes da Banca e da Economia, numa Europa desenhada para a submissão do Trabalho ao Capital, e da Política à Economia e à Alta Finança, protegendo a exploração do trabalho com direitos reduzidos para alimento de um sistema económico-neocapitalista asselvajado tendo a extrema-direita à espreita para promover o retrocesso da nossa caminhada pelo respeito ao próximo e pela concórdia social (se o Comunismo era o sonho da “parte sadia” da sociedade nas décadas de 1950, 60 e 70, em contra-ponto ao Capitalismo… deixou de o ser desde que partidos comunistas apoiam ditadores como Putin, Maduro e Kim Jong-un).

Neste sistema social em que vivemos e que sempre nos oprime (embora se diga democrático), há uma verdade histórica a considerar: “o Povo é tanto mais explorado quanto mais religioso for”. E há mais esta: “a sociedade tem tanto mais ricos, quanto mais pobres e incultas forem as pessoas que a constituem”. E isto não é mais do que um gritante sinal de primitivismo!

Quando nos imaginamos uns seres inteligentes e evoluídos, devemos interrogar-nos: somos evoluídos, em relação a quê?…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

30 de Agosto, 2024 João Nascimento

Da Humilde Hipocrisia das Ovelhas de Deus

Criado com o DALL-E

Religião e humildade são duas palavras que só coexistem em relativa harmonia na mente dos mais ingénuos, dito da forma mais suave possível. Na realidade, tratam-se de forças antagónicas, conceitos incompatíveis e irreconciliáveis, ideias opostas numa batalha fútil e violenta por um meio-termo metafísico que nunca poderá realmente existir.

E isso não pode, nem vai acontecer, porque, quando confrontados com a espantosa imensidão do universo — com cerca de 14 mil milhões de anos, repleto de biliões de galáxias que reduzem a humanidade e o nosso solitário planeta a meros grãos de poeira insignificantes — os crentes insistem que tudo isto foi concebido com eles, e apenas eles, em mente. Uma proposição bastante peculiar, atrevo-me a acrescentar.

Para aqueles que não ousam questionar, que não conseguem perceber a ácida ironia desta embaraçosa contradição, ouvir uma pessoa religiosa afirmar-se como o ser mais humilde do universo pode parecer razoável, até lógico. Afinal, não é isso que sempre lhes foi dito e levado a acreditar?

As pessoas religiosas são vistas como devotas e puras, austeras tanto por fora como por dentro e, claro, intrinsecamente boas. Sim, boas por defeito, o que é um conceito bastante curioso, perpetuado ao longo de milénios por velhos castos e cínicos. No entanto, basta um pouco de reflexão para perceber que os crentes, muitas vezes, consideram-se tão humildes que acabam por não ser humildes de todo.

Pergunto-te agora, a ti, ao leitor — crente ou não —, se alguma vez alguém te disse sentir repulsa pela religião organizada precisamente por esta razão: pela evidente falta de humildade nos textos fundadores de todas as grandes religiões da actualidade e pela arrogância descarada de tantos dos seus seguidores — sejam eles famosos ou não — que não fazem qualquer esforço para parecer minimamente humildes. Certamente consegues lembrar-te de uma situação assim, em algum momento da tua vida.

Talvez tu sejas um deles, um daqueles religiosos que abomina a religião organizada, mas sente-se preso, ancorado à pegajosa ideia de que é necessário algo sobrenaturalmente maior do que nós para se ter sequer uma razão para querer existir, quanto mais gostar de viver. A vida humana é demasiado frágil, e não é fácil, eu sei — todos sabemos, de uma maneira ou de outra. Posso garantir, ainda assim, com alguma certeza estatística, que não estás sozinho neste dilema cósmico.

Considera agora, a título de grandes exemplos de auto-abnegação em nome do divino, os nacionalistas cristãos americanos: a sua humildade, como seria de esperar, não existe, é nula, e mesmo assim afirmam, em voz alta e ameaçadora, ser o epítome dela. Quantos milhões de americanos partilham desta ideologia? E quantos outros cristãos, espalhados pelo mundo, partilham desta magnífica concepção de humildade?

Acredito que a minha alma encontra prazer na ideia de uma ironia cósmica. Deleita-se especialmente com as manobras metafóricas circenses executadas pelas milhares, senão milhões, de religiões inventadas pela humanidade ao longo dos séculos — e que continuam a surgir diariamente — para justificar a sua ligeira insanidade.

Quando eu era criança, rodeado por tantas ideias aterradoras e absurdas, vendidas como verdades absolutas, a hipocrisia evidente de todos aqueles adultos incomodava-me profundamente. Desde o padre, de aspecto cadavérico, que afirmava ter uma linha directa com Deus e que, supostamente, falava com Ele em público em nosso nome, até às pessoas que se reuniam para o ouvir, sem achar nada de estranho na audácia de tal afirmação.

E depois havia os acólitos, os oradores e os leitores, cuidadosamente escolhidos ou que se ofereciam para ler nas missas, quase sempre os mesmos, que repetiam as escrituras diretamente do púlpito e, como os outros, transpiravam humildade em abundância.

É importante salientar também o papel que o cinema — e outras formas de arte e entretenimento, incluindo a literatura — têm desempenhado na promoção da ideia aparentemente atraente de que temer a Deus torna alguém automaticamente humilde. Nos filmes, por exemplo, a personagem religiosa é sempre o herói, o perseguido, o verdadeiro crente, o mártir. E, claro, todos parecem saber que submeter-se intelectual, mental e, atrevo-me a dizer, espiritualmente a um ditador celestial resulta, naturalmente, em pessoas genuinamente boas.

Pessoas dignas, virtuosas e, claro, supremamente e quase inevitavelmente humildes.

Contempla agora o cristão, que se vê, de maneira relativamente suspeita, como uma ovelha ansiosa por ser guiada por um pastor. Com uma mão, ergue orgulhosamente a bandeira branca da modéstia e declara a sua profunda insignificância perante os ilimitados e mágicos poderes do seu criador. No entanto, com a outra mão, a transpirar de antecipação, gesticula vigorosamente e afirma, com inabalável convicção e em tons ameaçadores, que faz parte do seleto grupo capaz de interpretar os planos de um ser que, por definição, deveria estar além de qualquer entendimento humano.

Não será a humildade religiosa o exemplo perfeito de como palavras e ideias erradas podem distorcer completamente o verdadeiro significado de um termo? Quanta vaidade deve ser disfarçada — muitas vezes de forma pouco convincente, como qualquer observador atento notaria — para alguém afirmar ser o escolhido de um plano divino? E quanta dignidade pessoal precisa de ser sacrificada para se viver num estado perpétuo de auto-recriminação, constantemente obcecado pelos próprios pecados?

A contradição torna-se ainda mais flagrante e amarga quando consideramos a encantadora doutrina do Inferno — introduzida pelo manso e incrivelmente humilde Jesus do Novo Testamento.

Como pode alguém reconciliar a ideia de um deus de amor infinito que, subtilmente, também cria um lugar de tormento eterno e concede apenas a uns poucos eleitos o poder de decidir quem merece ir lá passar o resto da eternidade? É difícil imaginar a arrogância necessária para acreditar num conceito tão nefasto como este. Espero, com algum otimismo, não ser o único a pensar que dizer a uma criança — ou a qualquer outra pessoa, na verdade — que está destinada ao Inferno não é apenas uma violenta afronta à ética mais elementar, mas também uma contradição flagrante da humildade que tanto afirmam possuir.

Satisfeitos com a fragilidade da sua quebradiça virtude, os fiéis insistem em aborrecer-nos a todos e dispensam salvação com entusiasmo. Contudo, e sem surpresas, escorregam na imunda poça de narcisismo que deixam pelo caminho, completamente alheios às evidentes contradições naquilo que pregam. Esta mentalidade está tão impregnada de auto-importância que faz o antropocentrismo tradicional parecer humilde, em comparação.

Insisto que a modéstia religiosa não passa de uma pantomima de integridade, uma expressão de superioridade disfarçada, incapaz de olhar para o seu reflexo sem se deslumbrar com a sua própria imagem moral distorcida.

A mentalidade religiosa regozija-se no brilho vacilante da sua própria virtude em decadência, e a luta constante no interior do crente, entre a auto-glorificação e a auto-negação, revela uma das mais perturbadoras contradições da condição humana. Não se deixem enganar, nem os deixem escapar impunes.

14 de Agosto, 2024 Onofre Varela

Fé e Extrema-Direita

Terminada a série de textos que dediquei à Liberdade de Expressão conquistada com a Revolução dos Cravos em 25 de Abril de 1974, volto aos textos habituais onde faço a defesa do livre-pensamento, contrariando o pensamento religioso que enforma a crença de que todos os fenómenos acontecem pela vontade de entidades ou energias sobrenaturais, e sob a qual a Igreja (todas as igrejas e seitas aparentadas) tem submetido o nosso Bom Povo à medievalidade do pensamento.

Na manchete do jornal Diário de Notícias (DN) da edição de 26 de Março de 2024, lê-se na largura total das suas cinco colunas: “Não vamos parar até que a Bíblia entre no Parlamento”.

Foto de Edwin Andrade na Unsplash

Esta frase, produzida por membros de seitas evangélicas eleitos como deputados da Direita Radical, tem de ser entendida como uma ameaça à Democracia, e deve fazer soar as campainhas de alerta para a atenção de todos nós, como sirene de bombeiros convocando os soldados da paz para apagar um tenebroso incêndio.

O DN preenche três páginas da edição com uma investigação da jornalista Amanda Lima, na qual se chama a atenção dos leitores para “o uso de desinformação, provocando medo nos fiéis – naquilo que um investigador designa de «conspiritualidade», a associação de teorias de conspiração e espiritualidade – e a aliança com políticos bolsonaristas, que marcou a campanha política do Chega e do ADN e pode ter conseguido angariar votos para estes dois partidos”.

A mistura da política com o culto pretensamente evangélico (se Jesus Cristo por cá estivesse, corria estes mafarricos ao tabefe como fez na expulsão dos vendilhões no templo) fabrica um “cocktail” explosivo na mente dos mal informados que encontram na fé de um credo religioso, ou seita correlativa, a “Verdade Universal” como “razão” para as suas existências e malfeitorias.

São “mentes raquíticas” que alimentam extremismos!… E se os governos não conseguem, pela educação, abrir horizontes de pensamento na mente dos Portugueses frequentadores de tais antros (alegadamente evangélicos), o futuro que se desenha e adivinha, é dramático pela destruição que faz da inteligência e da capacidade de raciocínio autónomo, criando clones dos “bispos de aviário” que do Brasil são exportados através de várias seitas maléficas para todo o mundo, tendo Portugal como um dos alvos.

“Portugal é um laboratório, nós vamos abrir igrejas em todo o país e aqui na Europa”, afirmou um desses auto-denominados bispos, na abertura de uma “sala de chuto” do culto da sua seita em Vila Nova de Gaia. Após o seu inflamado discurso, os presentes naquela aglomeração de alienados, gritaram: “amen, glória a Deus” e, freneticamente, aplaudiram aquela espécie de bispo-pop-star!…

(Nunca nos esqueçamos que em nome de Deus já se produziram os mais hediondos crimes que desilustram a nossa História, de que são exemplo os assassinatos cometidos pelo extremismo islâmico, hoje, e pelo extremismo católico no tempo das Cruzadas e da Inquisição chamada “Santa”).

O chamado “voto evangélico” já está em Portugal desde que a Assembleia da República abriu as suas portas aos inimigos da Democracia, disponibilizando-lhes assentos no Parlamento. E eles estão ali animados do único propósito de terminarem com a Democracia que lhes permite existir, logo que o Povo, em acto eleitoral, lhes dê força política suficiente para poderem alterar a Constituição da República a seu contento e fecharem o Parlamento Democrático para férias, como fez Salazar durante 48 anos (e como pretende fazer Trump nos EUA se o elegerem, transformando os EUA numa cópia da Rússia Putinista).

Não foi por acaso que o líder da Extrema-direita portuguesa exibiu um terço, que retirou do bolso, mostrando-o, pela televisão, ao povo deste país, como isco a morder, sublinhando o seu gesto com a afirmação de “aquela coisa” o acompanhar para todo o lado… nem foi por acaso que, em entrevista depois de votar, disse que, dali, ia assistir a uma missa!…

A jornalista Amanda Lima refere que o novo partido ADN (Alternativa Democrática Nacional, nova designação do Partido Democrático Republicano criado em 2014 por Marinho Pinto), num relatório de 2023 da ONG norte-americana Global Project Against Hate and Extremism, é classificado como “grupo de ódio e de extrema-direita”.

A estratégia de partidos desta índole e de seitas alegadamente evangélicas, segundo o professor Donizete Rodrigues, da Universidade da Beira Interior e do Centro de Investigação de Antropologia, que investiga há dez anos a influência dos evangélicos na política, “é chamada de «teologia do domínio», já aplicada com sucesso nos Estados Unidos e no Brasil, com Donald Trump e Bolsonaro”.

Trata-se de uma ideologia que “assenta na ideia de tomar o poder para transformar a sociedade. Isso começa com um grupo, é uma ideologia extremamente ultraconservadora, que navega facilmente nos partidos ou nos movimentos de direita, direita radical ou extrema-direita, como é o caso do Trump, Bolsonaro e agora André Ventura em Portugal, além do ADN”, afirmou Donizete Rodrigues.

Cabe-nos a nós, cidadãos democratas defensores da diversidade, e respeitadores das diferenças que fazem os seres humanos, a responsabilidade de criar os anti-corpos que nos permitam a defesa de tais parasitas infestadores da sociedade.

Irradiquemo-los, não pela força das armas, mas pela força do raciocínio, da razão e do comportamento social, na defesa do lema humanista: “Todos Diferentes. Todos Iguais”.