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Etiqueta: Ateísmo

8 de Setembro, 2023 Onofre Varela

O MUNDO É PLANO, O HOMEM NUNCA FOI À LUA

E A PANDEMIA DO COVID É MENTIRA

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Vivemos numa época em que o título desta crónica pretende ser a resenha da realidade, e a tais preceitos juntam-se mais estes: Putin, Trump e Bolsonaro são exemplos de pessoas bem comportadas. Embora Putin tenha invadido o país vizinho, a culpa da invasão é da Ucrânia e da NATO, a destruição de zonas residenciais e a morte de civis inocentes não aconteceram, os cadáveres encontrados com as mãos amarradas nas costas não foram encontrados… e se alguém os viu é porque foram mortos pelos ucranianos ou se suicidaram antes de se auto-amarrarem, já que as tropas russas e os mercenários pagos por Putin estão ali em missão de paz, distribuindo beijos, abraços, flores e laranjadas, merecendo ser louvados e condecorados.

O presidente chinês foi convidado para mediar a paz entre a Rússia e a Ucrânia… ele aceitou o convite com um largo sorriso de contentamento (fechando ainda mais os olhos) e o mundo também ficou contentíssimo!… Xi Jinping nem se prepara para fazer a Taiwan o mesmo que Putin fez à Ucrânia!… 

Trump e Bolsonaro são exemplos top de civismo e de bons governantes. Foram exemplares no tratamento do Covid eliminando a transmissão do vírus que enterravam bem fundo depois da população morrer às molhadas. Por isso têm quase metade dos norte-americanos e dos brasileiros a apoiá-los. O tribunal dos EUA acabou de acusar Trump por quatro dezenas de crimes… mas da lista não consta o principal que o eliminaria da corrida às eleições presidenciais: a incitação dos seus apoiantes à invasão do Capitólio em 2021. Bolsonaro repetiu a “prescrição” de Trump para os mesmos “sintomas de perda de eleições”, e também incitou à invasão do Congresso Nacional. Está em liberdade e feliz, sendo convidado de candidatos a ditadores para fazerem propaganda dos seus ideais antidemocráticos em Parlamentos estrangeiros.

No Ocidente tão “respeitador e democrático” queimam-se livros de Banda Desenhada do Tintin, do Astérix e do Lucky Luke, alegadamente por incitarem ao ódio rácico!… Ódio e racismo que enche a cabeça dos censores, mas que nunca passou pela imaginação de Hergé, Goscinny e Uderzo, nem de Morris, seus autores. 

A História é atacada nas figuras de relevo que a fizeram, vandalizando-se estátuas representativas de personalidades que, em cada tempo e de acordo com a realidade social e política das épocas a que pertenceram, a escreveram. 

Editores permitem-se censurar obras clássicas, como as histórias do Agente Secreto 007, do escritor Ian Fleming, eliminando termos como “gordo” e “negro”, substituindo-os por “forte” e “homem de cor” (como se fossem sinónimos!)… E dizem que é por ser politicamente mais correcto… sendo que o politicamente correcto não é mais do que tentar pegar num pedaço de merda pelo lado limpo! 

A Igreja Católica que sempre se considerou exemplo de moralidade e politicamente correcta, obrigando as populações a esse reconhecimento auto-propagandeado, tem na sua História milenar exemplos de gritante imoralidade, perseguições e assassinatos, albergando pedófilos no seu seio.

Os Parlamentos Democráticos abrem a porta aos seus inimigos, permitindo acento a quem a ataca por dentro e propala ideais nazis e xenófobos, lançando a confusão no cérebro dos eleitores mais manipuláveis, descontentes, ignorantes e (por isso) fáceis de iludir.

De facto este mundo não é redondo… é quadrado como as bestas que o comandam!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de WOKANDAPIX por Pixabay
6 de Setembro, 2023 Onofre Varela

A coragem do Papa Francisco

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Para um ateu o Papa não faz falta. Na lista das importâncias sociais, o Papa merece-me a designação de chefe de Estado, que é o que ele realmente é: chefe do Estado do Vaticano.

Porém… o mundo não sou eu… somos todos nós!… A religião existe e o chefe da Igreja Católica, maioritária entre nós, é o argentino Mário Bergóglio que adoptou o cognome de Francisco I para o desempenho do papel de Papa no Teatro do Vaticano (riquíssimo em cenários, adereços, guarda-roupa e com boa receita de bilheteira). A importância dos chefes das Igrejas tem peso no mundo, porque socialmente o construímos assim… e tempos houve em que os chefes políticos das nações eram também os chefes religiosos (na Inglaterra ainda é).

Os homens fazem a História… e a História modela os homens. Se habitualmente os papas não passam de beatos autoritários, não merecendo qualquer respeito especial por parte de quem não é católico, com a escolha de Bergóglio para a cadeira de S. Pedro as coisas mudaram. Francisco I está no “top” porque teve a coragem de trocar a tradicional beatice papal pela Humanidade de cariz laico.

Um dos assuntos quentes da Igreja, de muito difícil tratamento, é a praga da pedofilia no seu seio, que inundou páginas de jornais e noticiários de rádios e televisões. Velha como o tempo, a pedofilia praticada por sacerdotes sempre foi escamoteada. Os papas sabiam dela, mas encolhiam os ombros. Com Francisco I mudou o paradigma.

Em Dezembro de 2019 Francisco I aboliu o segredo pontifício para os casos de abuso sexual por membros da Igreja. A nova lei, que entrou em vigor imediatamente, levantou o silêncio em relação às queixas, processos e decisões referentes a estes casos e promoveu o dever de a Igreja colaborar com a Justiça, fornecendo toda a documentação sobre processos e denúncias em curso, às autoridades judiciais. Em Portugal a Igreja começou por ignorar a lei de Francisco I… mas acabou por cumprir, e a comissão constituída para o efeito fez bem o seu trabalho.

Especialistas nas coisas que ao Vaticano dizem respeito, afirmam haver um “lobby gay” dentro da Igreja Católica que não gosta deste Papa por contrariar os seus prazeres. Junta-se a este grupo uma outra facção que faz a extrema-Direita política do Vaticano e que rotula o Papa Francisco I de “comunista”. Se estes pudessem, destituíam-no já (ou matavam-no como – há quem o afirme – fizeram a João Paulo I em 1978), para acabarem com tal personagem desarranjadora de arranjinhos!

A política de Direita Capitalista internacional também está aliada ao movimento clerical clandestino contra Francisco I, e querem ver no Vaticano uma personalidade mais de acordo com as políticas de Direita desrespeitadoras dos pobres e dos oprimidos que Mário Bergóglio pretende ver dignificados. Não vos parece que se Deus existisse realmente… já tinha desintegrado esta Igreja?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

4 de Setembro, 2023 Onofre Varela

A mulher mártir

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Nawal el-Saadawi nascida em 1931 e falecida em 2021, foi médica e escritora egípcia, e liderou a luta pelos direitos da mulher no mundo árabe. Foi perseguida e detida várias vezes por pensar de modo diverso do estabelecido numa sociedade machista e por divulgar o seu pensamento. Teve os seus livros confiscados e proibidos, tal como em tempo de ditadura Salazarista por cá se fazia.

Cresceu numa cultura patriarcal onde as raparigas estavam sujeitas a vários abusos desrespeitadores da mulher, como o casamento infantil e a mutilação genital. Sofreu tal mutilação por imposição familiar e tornou-se numa activista contra tão aberrante procedimento em nome de uma tradição referida como sendo cultural, mas que é, também, criminosa. Na verdade a mutilação genital é uma condenação ao sofrimento da mulher por toda a sua vida, impedindo-a de ter prazer sexual, o qual é substituído por dores sempre que tem relações. 

Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição. Observando o mundo pleno de sociedades patriarcais e homófobas, escreveu: “Depois de viajar por todo o mundo, descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida; estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”.

Desta universalidade nasce o desrespeito pela mulher. Na nossa sociedade ainda se discute o óbvio: se a mulher que executa o mesmo trabalho de um homem, deve receber um ordenado do mesmo valor. As tabelas salariais são sempre mais baixas para a mulher!… Esta discriminação não significa nada mais que não seja atribuir o estatuto de menor importância à mulher, e tem origem em milenares conceitos religiosos. Se no mundo ocidental (onde tanto se fala no sentido de humanidade pregado por Jesus Cristo) esta verdade existe, em países muçulmanos o drama é substancialmente ampliado.

Lembro um caso acontecido na Turquia, onde os chamados “crimes de honra” ainda são entendidos como o eram na medievalidade. No ano 2000 os jornais deram conta do caso de uma rapariga turca, de 14 anos, ter cometido a imprudência de ir ao cinema com umas amigas sem a autorização prévia da família… o que era uma vergonha. Em reunião caseira de machos, foi sentenciada a pena capital para a “portadora da vergonha familiar”, e um sobrinho da jovem, também menor, foi encarregado de executar a “justiça”. Sem pestanejar nem se interrogar por que haveria de fazê-lo, o moço aceitou naturalmente a incumbência como um ritual a ser cumprido sem questionamento. Provavelmente até se sentiu honrado por ter sido escolhido para aquela tarefa que lhe daria mais valia curricular de macho. Saiu da sala, passou pela cozinha onde pegou uma faca, foi-se à tia… e degolou-a!… E a Justiça turca nada pôde fazer, por aceitar a figura do “lavar da honra com sangue”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Nino Carè por Pixabay
31 de Agosto, 2023 Onofre Varela

Todas as religiões são uma só

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Enquanto filosofia, a Religião é um espaço aberto a toda a gente onde se deve entrar sem ser convidado, tal como se nasce sem, para isso, termos dado permissão. Daí me sentir à vontade discorrendo sobre Religião sem necessidade de frequentar o seminário nem igrejas, onde o pensamento é unilateral. Basta-me viver com olhos e ouvidos abertos, pronto a receber a abundante informação que o meu raciocínio processa de acordo com o indivíduo que sou, o que me permitiu experimentar rebeliões e emancipações no decorrer das etapas que fizeram a minha vida, em obediência a uma ética comportamental laica. 

A ética religiosa apregoada em todos os púlpitos, tem duas vertentes: a ética universalista, puramente laica (e ateia), que induz uma boa conduta nas relações humanas; e a ética (que em alguns casos é a falta dela enquanto universalista) de conduta interna do credo que manda cumprir conforme o que está registado no livro sagrado pelo qual se rege… e que no Alcorão (III, 157) manda tirar a vida aos descrentes (segundo alguma interpretação da Jihad). 

Sendo a fé religiosa fruto de um pensamento colectivo, ela é, também, uma opção pessoal, pois cada qual terá a sua, escolhida em consciência esclarecida, ou induzida; e a fé de um, que considera ter muitíssima importância, na verdade é tão estapafúrdia como a de outro, que para um não tem valor, mas que para outro é a razão do seu viver. 

No fundo, as religiões regem-se por uma única matriz: todas elas são uma só (no sentido do sentimento da sua necessidade, que não nas práticas rituais que as diferenciam. O núcleo da fé no conceito deífico é o mesmo na construção de todas elas), como muito bem afirmou o tipógrafo, poeta, gravador e artista plástico inglês, William Blake (1757-1827). 

Um dos males que me parece consumir a Humanidade, poderá ser este de – ainda hoje, neste século XXI que sempre sonhamos ser um tempo de perfeição – se dar demasiada importância à crença num deus por nós criado, permitindo a exploração de mentes através dele, e se desrespeitar tanto o semelhante. 

Desrespeito, vaidade e interesses pessoais, que nos levam a guerras destruidoras de tanta gente e de tanto património, só porque um líder vaidoso e malvado o quer, e tem armamento que o leva a sentir-se seguro da “vitória”, por muito injusta que ela venha a ser reconhecida pela História. 

Um filósofo contemporâneo cujo pensamento admiro, é o espanhol Fernando Savater. Num dos seus textos publicados no jornal El País, lembra Immanuel Kant para dizer que o mestre “nunca explicou, nas suas aulas, nada que pudesse alterar a ordem, ainda que sempre defendesse a liberdade de expressão […] o lema da Ilustração é “sapere audi”. Atreve-te a pensar por ti mesmo. Acreditava ser já chegada a hora de a Humanidade abandonar a sua menoridade intelectual”. 

É esta menoridade intelectual que ainda hoje vejo existir na sociedade em que me insiro (e que me escandaliza), mais de 200 anos depois de Kant!… 

Somos mesmo muito lentos, porra… não aprendemos nada?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Наталия por Pixabay
29 de Agosto, 2023 Onofre Varela

FÁTIMA (5 e Fim)

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

Cumprindo o prometido guardei para último artigo desta série de textos sobre Fátima a abordagem ao pensamento do Republicano e defensor acérrimo da Lei da Separação do Estado da Igreja, perseguido por dois sistemas governamentais, ex- seminarista, pensador e escritor beirão, Tomás da Fonseca (1877-1968). Escreveu o livro Na Cova dos Leões (editado no Brasil em 1958 e em Lisboa em 2009 pela Antígona. Tomás da Fonseca foi o último autor Português a escrever em defesa do Ateísmo, antes do meu livro “O Peter Pan Não Existe” [Caminho, 2007] 49 anos depois).

Quando li o seu livro fiquei convicto de que o autor é honesto no modo como aborda e narra os acontecimentos de 1917 na Cova da Iria. Teve o cuidado de entrevistar personalidades próximas das pessoas envolvidas neles. Em conversa com o Dr. Luís Cebola, especializado em doenças mentais e director da Casa de Saúde do Telhal, sabendo este que Tomás da Fonseca “andava coligindo elementos para a história do embuste de Fátima” lhe garantiu o seguinte (transcrevo na íntegra as palavras do autor): “O seu amigo, padre Fernando Eduardo da Silva, capelão militar já falecido, procurara-o, um dia, para dizer-lhe que não desejava ir desta vida sem lhe confidenciar um facto que supunha da maior gravidade para a Igreja Católica, de que era ministro. E narrou o diálogo havido em Torres Novas, entre três sacerdotes: o pároco de Fátima [Manuel Marques Ferreira], o fanático Benevenuto de Sousa e outro cujo nome lhe esquecera [mas que o autor identifica em nota de rodapé como tendo sido o padre Abel Ventura do Céu Faria, prior de Seiça]. Perguntado o primeiro sobre como lhe corria a vida na paróquia, respondera: «Aquilo não dá nada. Região pouco produtiva, gente miserável, sem iniciativa…». Então, o que perguntara lembrou-lhe: «Tens uma maneira de enriquecer depressa: provoca uma aparição como a de La Salette ou a de Lourdes e cai-te lá o poder do mundo»! O de Fátima ouviu, pensou um bocado e replicou: «Pensas bem. E o meio presta-se para coisas dessas!». E logo ali combinaram promover, sem perda de tempo, a aparição, entrando os três no negócio. Como, porém, rebentou a Grande Guerra em 1914, os trabalhos da empresa foram suspensos até 1917. Redigida esta nota, mostrei-a ao ilustre psiquiatra que a considerou exacta”. Algumas linhas depois, o autor diz mais isto: “Continuando na pesquisa de elementos, tempo depois encontrei-me com o velho democrata Manuel Duarte, que me informou de outro caso não menos valioso: a conversa que o bispo de Leiria mantivera com o Dr. Egas Moniz, meses após a farsa das aparições de Fátima”. Tomás da Fonseca fora colega do cientista (que, em 1949, recebeu o primeiro prémio Nobel concedido a um Português), e convivera com ele nas Constituintes da República em 1911. Procurou-o no seu escritório, ouviu o seu relato e escreveu-o no livro que cito. O Dr. Egas Moniz, certo dia, encontra casualmente o bispo de Leiria D. José Alves Correia da Silva, numa viagem de comboio. Tinham sido condiscípulos e eram amigos desde há muitos anos. Esta aproximação levou o bispo a confessar ao cientista que “uma coisa o andava confrangendo: era o caso de Fátima, em que estavam envolvidos alguns párocos, um dos quais excessivamente falador.” E continuou o bispo: “compreendes a minha preocupação e receio de que tudo redunde num fracasso, ou, melhor, num desaire para a Igreja de que sou representante […]. O professor procurou sossegar o espírito inquieto do bispo. «Diz-me: isso está limitado à acção do clero local? O povo não colabora?». O bispo esclareceu que a acorrência ao santuário era já muito grande e que aumentava dia a dia. E o cientista, que é também hábil psicólogo: «Uma vez que o povo já tomou conta do caso, sossega, porque só ele poderá desfazer o que está feito. E sabes bem que o não fará na tua diocese, uma das mais devotas da nação. Pelo que me dizes o povo já proclamou a aparição, já lhe ergueu santuário e corre em chusma para ele” […]. A seguir, Egas Moniz sossegou ainda mais o espírito amedrontado do bispo, dizendo quase que uma profecia: “Dentro de pouco tempo terás de sancionar a voz do povo, e tu próprio acabarás por presidir e orientar os negócios de Fátima”.

Estes testemunhos levam-me a aceitar a razão das críticas de Tomás da Fonseca aos acontecimentos de Fátima em 1917 que sublinham a invenção das “aparições”. São depoimentos com valor jornalístico e escrevem História. Por isso terão de, forçosamente, ser considerados num estudo que se pretenda honesto, sobre as “visões dos pastorinhos” ou “embuste de Fátima”.

(Fim)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

4 de Agosto, 2023 Onofre Varela

Crer e Saber

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

O Homem é um animal dotado de inteligência, o que o torna superior aos restantes animais seus companheiros da vida na Terra. Por isso mesmo é, também, um ser religioso por natureza e excelência, cuja característica de animal inteligente o levou à criação dos conceitos do belo, da Arte, do sagrado e dos deuses, e à consequente prática de cultos religiosos. 

As instituições dedicadas à exploração da fé religiosa (vulgo, Igrejas [*]) pretendem ser proprietárias do conceito de Deus – sobre o qual se erigiram civilizações – mas, na verdade, do mesmo modo como a Língua que falamos é propriedade nossa, também o conceito de Deus a todos pertence, independentemente de seguirmos, ou não, uma fé religiosa, porque o conceito dos deuses é uma invenção da espécie Homo sapiens sapiens

Nessa pretensão de posse, a Igreja Católica já perseguiu e puniu com tortura e morte quem se atreveu a abordar a divindade fora do âmbito da sua fé. E o Islamismo extremista ainda hoje mata em atentados terroristas praticados em nome de Deus, com os assassinos a gritarem “Allahu akbar” (Alá é grande). No século XXI voltamos à barbárie, desta vez refinada, que os mais bem intencionados de nós já tinham arrumado nas prateleiras da História mais macabra e longínqua, e que tanto desilustra a Humanidade. 

Por isso devemos considerar, e sublinhar, que crer em Deus não é o mesmo que saber sobre Deus. O saber precisa de conhecimento, obrigando à constante renovação das ideias, sem o que, o verdadeiro saber não existe. 

A par disto há a considerar que o saber é lento, frio e racional. A crença, não! A crença é emotiva, ferve em pouca água e, por vezes, provoca danos irreversíveis. Na crença afirma-se sem se saber, com a mente aquecida pela emoção cega. O crente não sabe, de saber certo, aquilo que afirma saber, porque crer não é saber. Por muito que eu creia que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não souber que ele parte às dez horas da manhã (se não houver greve!…).

A crença rejeita a dúvida e afirma a certeza na fé. O saber obriga à constante investigação e abertura ao que é duvidoso, novo e contraditório. Sem esta atitude de curiosidade e humildade, podemos ser crentes… mas nunca seremos sabedores. 

Em tudo, na vida, por uma questão de honestidade para connosco e com os outros, e até para que cada um sinta segurança no seu próprio raciocínio, é indubitavelmente preferível que se saiba, do que se creia. 

Há que dizer que as religiões também são “modos de saber”, no sentido emocional da crença. Isto é: quando eu “sei” que Deus existe “porque o sinto”, adquiro um “saber” que ninguém destruirá, pois o meu sentimento mais profundo me diz estar a verdade do meu lado. É este “saber” que faz a “razão” dos crentes… embora não seja saber, nem razão, na verdadeira acepção dos termos, porque não pode ser aferido pelo saber das ciências, nem pela razão filosófica enquanto forma de chegar a conclusões reais, porque estas são contrárias àqueles “saberes” que não passam da imaginação que a fé alimenta. 

É este “saber religioso” que constrói os fundamentalistas… e alguns até são criminosos.

[*] – Igreja: do grego “Ekklésia”, significa “assembleia”, no sentido de reunião de crentes numa fé religiosa.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Yanis Ladjouzi por Pixabay
3 de Agosto, 2023 Onofre Varela

«El Derecho a Cagar-se em Dios»

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Escolhi para encabeçar esta crónica o título de um livro de Richard Malka, na sua versão espanhola (libros del Zorzal, 2022), com o título original em francês: «Le droit d’emmerder Dieu», publicado em 2021.

O seu autor é o advogado que defendeu o jornal satírico francês Charlie Hebdo no julgamento dos terroristas que invadiram a redacção do jornal no dia 7 de Janeiro de 2015 e mataram 12 jornalistas-cartunistas. Richard Malka lembra que o julgamento dos terroristas islâmicos também serviu para demonstrar que o Direito se sobrepõe à força, e recordar o “alcance político, filosófico e metafísico” dos atentados cometidos pelos fanáticos do Islão que matam e destroem tomados pela convicção de que “Deus assim quer”.

As vítimas do Charlie eram pessoas que riam e desenhavam, no desfrute das mais básicas liberdades, as quais os fanáticos assassinos não têm. Nas suas mentes só podem ser encontradas neuroses e frustrações alimentadas por uma crença primitiva destruidora da razão, da inteligência e do bom senso. Para estes agentes religiosos extremistas, apenas contam as inexistentes “leis do céu” e não têm medo de morrer. Preferem a morte à vida.

A seguir aos atentados houve gente socialmente bem colocada, como filósofos, sociólogos e até “uma antiga candidata às eleições presidenciais”, que defenderam o abandono do “direito a caricaturar e a criticar livremente as religiões”!… Richard Malka pergunta: “Como pretender tal coisa com um mínimo de honestidade intelectual?”.

Os terroristas detestam as nossas liberdades e não se detêm no ataque ao modelo de sociedade democrática ocidental, que escolhemos na defesa da liberdade no sentido universalista, baseado na Razão e na liberdade de expressão, contrariando a sociedade dos fanáticos que é constituída pelo dogma e pela submissão. Os terroristas ameaçam as suas vítimas com a promessa de “estripá-las, queimá-las vivas, violá-las, degolá-las, e enviam-lhes fotos de cabeças decapitadas. Vocês não podem imaginar a violência das mensagens” que estes destinatários, escolhidos pelos fundamentalistas, recebem.

Perguntando “Como chegamos a esta situação?” o autor responde: Uma organização chamada Sociedade Islâmica da Dinamarca, instruiu o Iman Ahmad Abu Laban para construir um dossiê com as doze caricaturas de Maomé publicadas no jornal Jyllands-Posten em Setembro de 2005, juntando-lhes outras três, de desenho primitivo e sem nome do autor (essas, sim, bastante ofensivas do profeta Maomé!…). Era uma estratégia para inflamar o sentimento religioso muçulmano… o que foi conseguido.

Ahmad Abu viajou pelo mundo árabe publicitando aquele dossiê como isco a ser mordido pelos religiosos mais fundamentalistas… e assim se deu início ao incendiar de paixões religiosas extremistas, organizaram-se acções de rua com queima de bandeiras, embaixadas atacadas, atentados e assassinatos, tudo à conta de um embuste criado pelos ímanes da Dinamarca. 

Richard Malka interroga: “quem deita gasolina no fogo? Quem caricatura o Irão? Nós, ou os ímanes dinamarqueses? Acaso os blasfemadores não foram os ímanes que inventaram as caricaturas ofensivas? Quem conhece esta história? Conhece-a o príncipe Al Thani do Qatar, que nos quer dar lições de anti-racismo e mantém trabalhadores estrangeiros sem passaporte e os trata como escravos? Conhece-a o presidente Erdogan que nos quer dar lições de tolerância e massacra muçulmanos kurdos numa autêntica limpeza étnica?

Massacrar milhares de muçulmanos não é islamofobia… mas publicar desenhos, sim?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

30 de Julho, 2023 João Monteiro

Vamos entreter deus?

Texto de Arnaldo Martins:

Não se deixe o leitor enganar pelo titulo deste artigo uma vez que um ser tão poderoso certamente conseguirá entreter-se a sí mesmo.

Vou pedir emprestado ao Vasco Santana a sua famosa frase cinéfila e clamarei que: “Deus, há muitos! Seu p….”

Isto a propósito da crença de um sem número de pessoas que há um ser com características igualzinhas às dos humanos – ciumento, invejoso, vingativo, bélico, irado, etc – que acresce as próprias de um ser desta natureza – omnipotente, omnipresente, omniconsciente, pináculo da moralidade e por aí adiante.

Entreter a ideia que um ser desta índole exista é abrir o caminho para que mais seres possam ser caracterizados, proclamada a sua existência, introduzidos no quotidiano, atribuídas funções miraculosas e semeada na cabeça das pessoas que é impossível que eles não existam porque o ser humano não possui as capacidades cognitivas para provar ou negar a sua existência.

Por outras palavras, quem alega passa para o não crente o ónus da prova ou, só para parecer imparcial, afirma que não se consegue há data dizer que existe ou não existe, ou ainda por cima afirma que nem se sabe se algum dia poderemos comprovar ou não a sua existência.

Pois bem, questões filosóficas há muitas e de resposta difícil de encontrar. Se salvamos a vida a uma criança ou salvamos a vida a um médico, por exemplo. Só há uma dose de vacina para um vírus mortífero, neste caso tomo eu ou toma a minha mulher? Isto são tudo questões com uma carga moral forte cuja opção por uma ou por outra são válidas tendo em conta os argumentos apresentados e aceitação dos mesmos pelos próprios envolvidos ou pela comunidade em geral. Será função do filósofo alertar e identificar alternativas ou razões para tomada da decisão, mas a decisão final será sempre da responsabilidade dos interlocutores e o filósofo não tem de escolher nenhuma das opções a não ser o de esclarecer as hipóteses possíveis.

No caso de Deus, a questão é simples. Basta saber aquilo que tem acontecido ao longo da história para perceber que este é mais um igual aos milhares que já foram descartados pela humanidade.

Ninguém acredita em Zeus, Odin, Thor, Osiris, Horus, Shiva, etc. Quem acredita nestes deuses fá-lo com a mesma ignorância e falta de prova de quem acredita no Deus Jeová.

Entreter a ideia de que não se pode provar ou negar a existência de Deus é dar carta branca àqueles que fazem livros religiosos cheios de histórias alucinadas, de feitos mirabolantes, de práticas horrendas, de acontecimentos historicamente inexistentes, de explicação de fenómenos naturais com base em intervenções divinas, no fundo, criar um mundo ilusório desprovido de senso comum e desconforme com a realidade.

A negação da existência de Deus não é feita por nenhum ser humano (cujas faculdades podem ser mais ou menos afetadas no que toca ao raciocínio lógico), mas sim pela crueza e objetividade da realidade em que vivemos.

Colocar a questão da existência de Deus no patamar filosófico é atribuir valor às ideias patéticas e das quais nos devemos afastar em nome da racionalidade e da valorização da natureza e condições humanas.

Esperar que os problemas de vivência em comum seja dirigidos por um ser celestial é ignorar o valor intrínseco da nossa capacidade inata de empatia e de preocupação pelos que são nossos e pelos outros.

Albergar a ideia de Deus na nossa cabeça, apenas faz com que ele morra connosco quando chegar a nossa hora.

Imagem de Tumisu por Pixabay
29 de Julho, 2023 Onofre Varela

Mitologia no reino da crença – (2)

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

Sabe-se que as mitologias se copiam, se adaptam e se repetem, e que essa característica se reflecte, também, nas religiões, o que terá motivado o gravador, poeta e tipógrafo inglês, William Blake (1757-1827), a publicar, em 1788, a sua célebre frase “Todas as religiões são uma só”.

Como exemplo ilustrativo do encontro (ou cópia) de narrativas mitológicas, focarei o caso de Zohak, ambicioso filho de um rei do deserto, que se deixou tomar pelo espírito do mal e matou o seu próprio pai para se apossar do trono. Mas uma noite, em sonhos, Zohak viu-se vencido por um jovem príncipe. Ao acordar sentiu pânico pela possível perda do poder, e ordenou a todos os sábios do reino que interpretassem o seu sonho. Um deles, de nome Mobed, disse-lhe que o seu trono iria ser tomado por um jovem acabado de nascer, e que seria “para a Terra, um augusto céu”. Aterrorizado, Zohak mandou massacrar todos os recém-nascidos, esperando matar, ainda no berço, aquele que deveria pôr termo ao seu reinado (*). 

Esta lenda do deserto esteve, por certo, na origem da narrativa do Novo Testamento que conta a maldade de Herodes na tentativa de matar Jesus Cristo recém-nascido! 

Na mitologia grega, Zeus concebeu Hércules deitando-se com Alcmena, mulher do general Anfitrião, ajudado por Sósia que tomou a forma do criado de quarto de Alcmena para vigiar o regresso do general ausente na guerra de Tebas. Mito grego que nos legou a palavra Anfitrião (aquele que recebe em sua casa), e Sósia (aquele que é semelhante a outro), e que foi copiado na versão cristã da gravidez de Maria pelo Espírito Santo, em versão mais cândida sem relação sexual. 

A história de Moisés, abandonado em bebé numa cesta flutuando nas águas do Nilo, é cópia das histórias de Ciro e Ardashir, bem como da de Sargão, rei Sumério que viveu cerca de 600 anos antes, e que em bebés foram abandonados num cesto nas águas do rio Eufrates. 

De igual modo, os gémeos Rómulo e Remo, filhos proibidos da vestal Reia Sílvia, foram lançados no rio Tibre numa cesta. Encontrados por uma loba que os amamentou, cresceram, alcançaram a fama, e Remo fundou Roma no ano 753 AC.

Estas lendas que contam o sucesso de quem, pelo nascimento, parecia talhado para a desgraça, tem a mais valia de alertar os menos afortunados para a possibilidade de se libertarem do “mau-destino” se procurarem outros caminhos ao encontro de um futuro mais promissor, no sentido de que não há quem nasça com o destino marcado… o destino de cada um é construído pelo próprio, de acordo com as oportunidades que tem, e do seu querer e saber.

(FIM)

(*) – História das Mitologias II. Direcção de Félix Guirand. Edições 70. Lisboa, 2006. Págs. 199 e 200.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

28 de Julho, 2023 Onofre Varela

Mitologia no reino da crença – (1)

Texto da autoria de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

A Mitologia legou-nos fantásticas narrativas que testemunham o nosso poder de abstracção do real – sinal de inteligência superior – e atestam a crença em poderes sobrenaturais, na construção da sensibilidade religiosa. O espírito dos mortos e as divindades, com ou sem forma humana, povoam as várias mitologias ainda hoje visíveis sob a forma ritualista enquadrada na etnografia de todos os lugares do mundo, incluindo nela as religiões.

Os mitos e as lendas são narrativas que identificam os povos. Para Roland Barthes, a narrativa é um dos mais eficazes instrumentos de conhecimento que acompanham a Humanidade desde os seus alvores. Não há povo sem uma narrativa que, simbolicamente, o represente. Contos, fábulas, relatos, crónicas e epopeias, são os suportes da narrativa que enaltece os feitos, as leis e as virtudes de um povo. Essa narrativa funciona como emblema, ou marca, da realidade comunitária, e tem responsabilidades na formatação do pensamento dos indivíduos da comunidade.

A Bíblia está nessa linha. É uma colectânea de narrativas lendárias misturadas com feitos, factos e personalidades reais que fazem História. Por tão misturadas, há lendas que passam como verdades históricas (exemplo das dez pragas do Egipto, da fuga dos Hebreus e do abrir das águas para o “povo eleito de Deus” poder atravessar o mar a seco). Os primeiros cinco livros da Bíblia – do Génesis até ao Deuteronómio – são uma colectânea de narrativas que misturam lenda e História, enformando a identidade de um povo concreto: o Israelita.

Na Mitologia Egípcia o deus Rá extraiu de si mesmo, e sem união com uma mulher, o primeiro casal divino, ao mesmo tempo que criava o primeiro universo, governando-o a partir do seu palácio. Mas com o correr do tempo revelou-se a ingratidão dos homens… o que lhe inspirou o desejo de deixar a Terra e de se refugiar longe dos seres que criara, indo para o céu, para o seu palácio celestial, de onde passou a reinar como Deus-Sol, criando, então, o nosso mundo actual.

Esta estória mitológica egípcia tem muita semelhança, na forma, com a narrativa bíblica que conta a criação de Adão e Eva, o arrependimento de Deus por ter criado um Homem de índole tão perversa, e a solução do dilúvio que a divindade encontrou para acabar com o mal feito e recomeçar a sua obra com um mundo novo.

É bastante plausível que os Hebreus autores do Génesis bíblico se motivassem neste mito egípcio, muito provavelmente importado da Mesopotâmia dos Sumérios (a primeira civilização) para construírem a sua própria Cosmogonia. 

Voltarei ao tema no próximo artigo.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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