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Etiqueta: Ateísmo

9 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Reflexão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

No passar do tempo que tudo transforma, a minha atitude perante a Religião também sofreu alterações. Aquela frase popular «só os burros não mudam de opinião», funciona em todos os sectores… sendo que a opinião mudada pode incluir a total inversão do caminho, direccionando-o noutro sentido; ou considerar, apenas, um retoque, limando o que precisa de ser limado, quando se entende que o caminho está bem traçado e por isso se recusa um retrocesso… mas podemos (e sobretudo devemos) melhorar a nossa informação para alicerçarmos a nossa convicção mais profundamente.

A minha preocupação primeira de negar Deus, sem muita substância no pensamento que me levava à negação, alimentada na juventude que tudo sabe, pode e vence, acabou por me passar. Foi como um resfriado!… Não porque o considerasse um pensamento errado na sua totalidade, mas porque me defrontei com um raciocínio mais maduro após 20 anos a dar atenção às coisas que à Religião pertencem. A partir daí concluí que a preocupação de negar Deus não fazia sentido. 

De facto, é tão desinteressante negar Deus, como é afirmá-lo. Discutir o conceito de Deus acaba por não ter significado. O conceito existe porque foi necessário criá-lo, e todas as criações têm a sua razão, a sua função e o seu tempo. O Homem só cria aquilo de que necessita. A criação de vários deuses, primeiro, e a do conceito do Deus único, depois, resultam da mesma necessidade intelectual do Homem, ditada pela própria evolução do pensamento. A negação do conceito do Deus único, que eu faço (e que já muitos autores o fizeram e provavelmente tantos outros o farão) também pertence a essa evolução. Será o derradeiro ponto final na História dos deuses e do Deus que sobreviveu ao desmoronar de panteões.

A esta conclusão cheguei com a contagem dos anos (e já lá vão 80!…). Crer ou descrer tem tanta importância como sair de casa para ir ao cinema num centro comercial ou à missa na igreja da paróquia. Nenhuma das opções é mais importante do que a outra. Para quem as toma é uma atitude pessoal legítima que depende, unicamente, da vontade e do interesse de cada um… e cada qual atribui à questão do sagrado e dos credos relacionados, o grau que entender dever atribuir-lhe. 

As discussões acesas sobre Deus e a fé religiosa, não acrescentam nem retiram nada na medida da crença de uns, nem na medida da descrença de outros. Em regra os contendedores terminam como começaram… nenhum deles aceita ter aprendido ouvindo o outro… até porque ninguém ouve o outro… todos querem debitar discurso mais forte, real e único, fazendo orelhas moucas ao discurso do outro. 

Estas discussões só têm sentido se forem cumpridos dois requisitos fundamentais: 1 – Não falarmos só por fé de crente ou “fé de descrente”. Basear as ideias que pretendemos transmitir, de modo a que o outro entenda o que queremos dizer e porque o dizemos; 2 – Respeitar a ideia do outro que, mesmo quando é diametralmente oposta à nossa… devemos ter em consideração a hipótese (mesmo que consideremos muito remota) de poder ser ele o detentor da razão… e não nós!

Mas convenhamos que tais discursos, inflamados, ou não, pela gasolina da crença ou da descrença, no contexto social em que vivemos, com tantas preocupações bem mais importantes no dia-a-dia do mundo à borda de uma guerra que imaginamos poder ser iniciada com recurso a armamento atómico com dimensões impossíveis de prever… afinal, são nada!… Mantenhamos a amizade com quem pensa diferente de nós…  se ele aceitar!…   

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Jerzy Górecki por Pixabay
7 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Francisco I e Xi Jinping

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

O Papa Francisco I foi ao Canadá “pedir perdão pelo mal cometido pela Igreja Católica contra povos indígenas”. Esta prática não é inédita na igreja do Vaticano. Já João Paulo II, por altura do Jubileu da Igreja, no ano 2000 [o que acontece no fim de cada quarto de século], pediu perdão “por todos os males causados pela Inquisição Católica à Humanidade”.

Se é verdade que “um pedido de perdão não indemniza prejuízos”, também não é menos verdadeiro que ter a consciência de os ter provocado… já é ter alguma coisa de positivo para partilhar com o ofendido. O que é preciso é que a instituição que se penitencia pelos males provocados na sociedade onde se instala, não venha a repeti-los… o que não é inteiramente líquido.

No Canadá, perante milhares de indígenas, o Papa reconheceu a responsabilidade da Igreja Católica num sistema em que “as crianças sofreram abusos físicos, verbais, psicológicos e espirituais”.

Os pedidos de perdão foram feitos, particularmente, pelos crimes cometidos nos internatos para crianças geridos pela Igreja Católica, e lamentou que alguns dos seus membros tenham “cooperado” em políticas de “destruição cultural”.

“Estou triste. Peço perdão”, disse Francisco I a milhares de indígenas em Maskwacis, no Oeste do Canadá. “Um erro devastador”, foi como o Papa rotulou os abusos cometidos pela Igreja contra os povos indígenas do Canadá. Concretamente, o Papa pediu perdão por, entre os finais do século XIX e a década de 1990 (um período de cem anos) terem sido recrutados, à força, cerca de 150.000 crianças indígenas que foram distribuídas por mais de 130 instituições católicas numa operação de lavagem cerebral, isolando-as das suas famílias, da sua língua e da sua cultura, atropelando a dignidade a que tinham direito e destruindo-lhes a identidade. Para além disso, pelo menos 6000 crianças teriam morrido vitimadas por maus tratos infligidos nessas instituições religiosas.

Em 2021 foram descobertas “mais de 1300 sepulturas anónimas perto dessas escolas católicas, o que provocou uma onda de choque no país, levando, lentamente, a abrir os olhos para este passado descrito como genocídio cultural por uma comissão nacional de inquérito”.

Francisco admite que “as políticas de assimilação acabaram por marginalizar sistematicamente os povos indígenas. As suas línguas e as suas culturas foram denegridas e suprimidas”.

Não é só a Igreja que tem de pedir perdão por casos desta índole. Também é necessário que Xi Jinping, presidente da China, o faça aos povos que persegue (e deixe de perseguir), não só no Tibet, em Macau e Hong Kong, mas também pelo genocídio do povo Uigure submetido a “doutrinação” e a maus tratos no sentido de lhes destruir a identidade étnica “reeducando-os”… o que é crime!

Francisco I tem consciência histórica e humanista… Xi Jinping… não!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

5 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Do primitivismo à racionalidade

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.

Não discuto Religião e Ateísmo do mesmo modo como se discute futebol animalesco e irracional, bem como política partidária tratada ao mesmo nível religioso que considera a sua opinião como a “única Verdade” (sempre grafada com maiúscula porque divina, ou porque é proclamada pelo líder partidário alcandorado ao nível de um deus), contra “a mentira” de todas as outras religiões e de todos os outros sentimentos políticos, em discussão inflamada com a costumeira irascibilidade desrespeitadora (quando não insultuosa) da opinião do outro.

São modos que não dignificam ninguém. Não precisamos insultar para dizermos que discordamos. São reacções que situam quem as tem num patamar primitivo, do qual o irascível contundente ainda não saiu. O sentido religioso é natural no Ser Humano, e é com essa naturalidade que eu procuro tratá-lo nestes artigos onde faço a defesa do Ateísmo. Poderei não o conseguir por ignorância e também pelo “factor-primitivismo” que igualmente me afecta, pois estou colocado no mesmo patamar evolutivo dos meus contemporâneos… e dessa realidade natural não posso fugir. 

O nosso primitivismo, por mais que nos custe admiti-lo quando nos imaginamos evoluídos (evoluídos em relação a quê?…) pode ser aferido neste simples exercício: se inscrevermos a evolução do planeta Terra no mostrador de um relógio, sendo as zero horas a causa do Big-Bang (ou do que quer que fosse de que resultou o sistema Solar) e as doze horas o tempo presente, temos que a Era actual, o Quaternário, se iniciou nos últimos dois minutos, e o Homo Sapiens surgiu quando faltava uma dúzia de segundos para o meio-dia. No decorrer das doze badaladas, consumiram-se as Idades da Pedra, do Ferro e do Bronze, o Homem espalhou-se pelo mundo, nasceram e morreram as civilizações Mespotâmica, Chinesa, Egípcia, Grega e romana, circum-navegou-se o planeta, o Homem pisou a Lua e o leitor está a ler este texto.

Quero com isto dizer que a nossa espécie é recente. Somos a última experiência da Natureza na evolução da vida que ainda não está terminada. Como produto natural que somos, encontramo-nos na fase do tosco. Cheiramos a pintado de fresco. Estamos a ser burilados pelas experiências vividas. Não podemos escapar às características do animal predador que somos, nem à fase evolutiva em que nos encontramos.

A evolução tecnológica acontece em ritmo mais acelerado do que evolui a mente humana em termos de progresso racionalista. Por muito evoluídos que pensemos ser, só o somos no nosso entendimento de egoístas vaidosos… e as nossas acções e crenças têm a marca desse primitivismo animalesco e egocentrista, espampanantemente coberto pelo pesado manto da nossa vaidade desmedida e ignorância camuflada.

É neste contexto evolutivo que acontecem as guerras, sejam elas de ordem religiosa ou patriótica. São o resultado do nosso primitivismo que o passar do tempo e a evolução da espécie promovida pelas transformações ditadas pelo ADN em resultado de mutações naturais, se encarregará de apurar. Mas, por aí… até eu já me sinto profundamente crente!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Enrique Meseguer por Pixabay
2 de Dezembro, 2022 João Monteiro

Vida depois da morte

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho.

Perante a irremediável morte, há religiões que afirmam haver um julgamento divino além-túmulo onde serão analisadas as escolhas dos fiéis, mais os actos que protagonizaram em vida. De acordo com tal julgamento, as alminhas dos defuntos sofrerão suplícios infernais se os seus pecados passarem das marcas, ou gozarão infinitamente as delícias celestiais, se houverem tido uma vida de santo (não se percebendo como é que a alma sofre ou goza abundantemente, se não tem sistema nervoso!…). 

Para os muçulmanos ainda se reserva (ao que consta nos corredores da vida) um punhado de virgens lindas de morrer para aqueles que se fizerem explodir num mercado cheio de gente. Não consta que as mulheres-mártires que escolham o mesmo fim para “honrarem” o Islão, encontrem no além uns rapazinhos viçosos para bacanal celeste! O prémio sexual pós-morten é reservado aos machos, o que sublinha a atitude machista e quase pornográfica dos árabes que vêem a mulher, apenas, como objecto sexual. (Só os árabes?!…). 

As descrições religiosas que aliam o inferno ao fogo e o céu a um jardim, são – segundo os mais esclarecidos – imagens metafóricas. Serão “similitudes”, e não passam desse estatuto, pois a “verdadeira natureza do paraíso e do inferno é conhecida apenas por Deus” (dizem!…). E os tais fiéis “mais esclarecidos” só “sabem” que é assim, porque foram eles próprios que inventaram “os desígnios de Deus”, o seu conceito e o seu “conhecimento”!… 

De qualquer modo, todas as religiões que defendem a existência de uma vida além-túmulo aceitam por verdadeira a premissa de a morte não ser o fim da vida, mas sim um portal que dá entrada numa outra forma de viver… e com a crueldade de ser eterna! E quem acredita nisto não faz a mínima ideia de como seja tal coisa nem como se processa essa forma de vida etérea. Para o crente basta-lhe crer; por isso é crente!… E crê que a vida além-túmulo é “conhecida por Deus”. Isso basta-lhe para afirmar a sua veracidade! Esta crença é o exemplo perfeito da dispensa do raciocínio que caracteriza os bons crentes. 

Pelo exposto se conclui que se todos nós fossemos exemplos religiosos e cumpríssemos as leis de Deus em qualquer das suas versões, por intermédio de Jeová, de Jesus ou de Maomé, as esquadras de polícia e os tribunais fechavam as portas por falência, pois não havendo prevaricadores, os seus serviços não se justificariam e eram dispensados… o que se traduziria em poupança milionária no Orçamento Geral do Estado… embora pudesse haver, nas elites religiosas, uma corja de exploradores e opressores das bases, eternamente impunes. 

Não tenho dúvida alguma de que muitos religiosos são animados de uma bondosa intenção quando prognosticam um mundo de perfeição baseado em conceitos deíficos. O problema está em que nunca actuamos de acordo com tão perfeito regulamento (nem os propagandistas religiosos o fazem!) para conseguirmos atingir uma sociedade tão imaculada. E não o fazemos, simplesmente, porque tais premissas religiosas fundamentam-se em mitos, lendas e fantasias inconcretizáveis; e as sociedades são construídas com realidades políticas, sociais e económicas. A diferença é só essa… e é do tamanho do mundo.

OV

Imagem de 0fjd125gk87 por Pixabay
30 de Novembro, 2022 João Monteiro

Sobre o Mito

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

O mito é uma narrativa antiga e oral que pretende explicar os grandes enigmas da vida e do mundo. Por ser oral não há registo escrito das suas origens, o que quer dizer que as narrativas mitológicas que nos chegaram através da escrita podem divergir dos relatos orais que as originaram.

O poeta latino Estácio, disse: “Primus in orbe deos fecit timor” (Foi o temor o primeiro a criar os deuses na Terra). Nesta breve frase do poeta está contida a verdadeira razão que levou o Homem a criar e a cultuar deuses (Deus). O temor que sentimos no simples e natural acto de viver deve-se ao facto de a vida estar armadilhada. Primeiro (no tempo dos nossos avós inventores de mitos) estava armadilhada pelas forças da Natureza que nos complicava a vida em tempo de grandes borrascas, e depois por interesses das camadas sociais que nos oprimem e comandam: primeiro a Igreja, desde a Alta Idade Média (como sucessora das sociedades mais primitivas, como a Suméria e a Egípcia, cujos sacerdotes eram, também, os chefes políticos) e a Economia desde sempre, mormente agora, nesta sociedade do início do século XXI, dirigida por economistas asselvajados e escravizadores, submetidos aos interesses da Alta Finança que, para nossa desgraça, comanda a Política minando o caminho de cada um de nós. As opressões políticas, sociais e económicas são os responsáveis pelo desenho do temor que ainda hoje nos limita o sentido religioso e alimenta a necessidade de se acorrer ao divino como bálsamo de mentes inquietas. É por essa razão que o recinto de Fátima enche a cada 13 de Maio.

A invenção dos deuses deve ter partido de algum sentido prático, porque o Homem só cria aquilo de que necessita, e o conceito dos deuses (de Deus) serviu o Homem sossegando-lhe o espírito na crença, perante tantas vicissitudes que o acto de viver comporta. Na antiguidade os deuses eram ferramentas apaziguadoras, e funcionavam ao nível das nossas modernas enciclopédias, por explicarem o que pedia explicação. Explicação que não o era, de facto, já que o conceito de Deus opera ao nível da crença e não ao nível do conhecimento, mas que resolvia o que havia para resolver, num tempo em que os níveis de exigência não se colocavam do modo como passaram a colocar-se após o Homem ter consciência do que é “saber”, separando-o daquilo que é “crer”.

Provavelmente os mitos foram criados porque os homens adoram contar estórias, gostam de se identificar com elas, e alguns mitos gregos são relatos alegóricos de antigos acontecimentos históricos. Entre as razões que levaram à criação de mitos, há algumas perfeitamente entendíveis neste nosso tempo de informação instantânea e frenética: Os mitos explicam fenómenos naturais, como o nascimento e a morte; ajudam a manter a união num clã, numa tribo ou numa nação; dão exemplos comportamentais; justificam estruturas sociais; registam acontecimentos históricos das primeiras civilizações, e servem os poderosos para controlarem o Povo através do medo ao castigo divino. 

Ontem, como hoje.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

28 de Novembro, 2022 João Monteiro

Somos assim… e eu sou ateu-cristão!

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.

No tempo em que a nossa espécie vivia em pequenas hordas, todos obedeciam à autoridade de um chefe, provavelmente o elemento macho mais velho, ou mais forte, do grupo que se submetia a um regime patriarcal. A autoridade familiar era ditada pelo pai e exercida por impulsos de várias ordens: de alimento, de luta e de sexo. Todo este poder do patriarca era exercido com prazer, e as mulheres da tribo pertenciam-lhe. 

O correr do tempo fez funcionar a nossa parte mais racional que nos conduziu à civilidade, à moral e à Arte. No mesmo embrulho do raciocínio há um outro valor do pensamento: a Religião. Seria o sentimento maior que aglutinava todos os outros, limando a animalidade pura e simples, ditada pela nossa condição de antropoides e predadores, usando a ética que nos transformou em pessoas.

Talvez possamos dizer que a Religião (ou o conceito filosófico da ética nela acoplada), embora sendo uma ilusão, teria sido o elemento responsável pelo travão que parou o “animal” para dar passagem à “pessoa”. O Homem actual é o resultado de toda esta História construída no decorrer de centenas de milhar de anos. Desde há muito que o estágio da nossa evolução nos faz entender a ilusão que a Religião é, mais o seu efeito anestesiante nos momentos em que precisamos de nos abandonar nos braços da mãe que podemos já não ter mas que, para uma imensa maioria, o conceito de Deus substitui.

Desta necessidade primeira que deu corpo à nossa sensibilidade, ferramenta com a qual construímos a civilização e a ética, também acabou por surgir o negócio do credo em forma organizada, seja por igrejas ou seitas que exploram as mentes mais dadas à crença e ao temor da divindade (exploração que. historicamente, começou por ser política: os sacerdotes eram, também, os chefes políticos dos povos que lideravam). De todas elas (igrejas ou seitas) temos que nos precaver, ficando atentos aos seus discursos, interesses e intenções, que podem não ser coisa boa… ou não tão boa como à primeira vista pode parecer e nos querem fazer crer!… 

Não devemos entregar, cegamente, o nosso raciocínio à ideia de um deus redentor e salvador, abandonando a Razão filosófica que devemos possuir como bitola padronizadora das nossas reacções, do nosso raciocínio e dos nossos actos. 

Comparando Religião e Futebol, ambos são cóios de interesses na exploração das mentes mais débeis. Se o futebol alguma vez foi exemplo de ética, deixou de o ser quando se transformou em indústria mafiosa. Também existe uma indústria da fé, não porque “salva” pessoas, mas porque dá lucro material e poder social aos seus líderes. 

Sejamos críticos da ideia do divino e estejamos atentos ao que nos querem vender como “Única Verdade”. Se é verdade haver um mercado da fé que faz o seu caminho na ajuda do outro, não é menos verdadeiro estar ele enxameado de parasitas, dos quais nos devemos separar como se separa o trigo do joio. 

Por tudo isto, e mercê do ambiente em que fui educado (porque ninguém foge às suas origens) e da consciência que tenho do meu modo de ser, me considero (e sou-o, naturalmente, mesmo que não me considerasse) um “ateu-cristão”. Isto é, um ateu de raiz (educação) cristã. Se eu tivesse nascido num país islâmico e continuasse a ser ateu, seria um “ateu-muçulmano”… se me permitissem afirmar-me ateu!… Pois há países muçulmanos onde um ateu confesso não tardará a ser cadáver! 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

25 de Novembro, 2022 João Monteiro

Deus, hoje.

Texto de autoria de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Os avanços adquiridos pelas ciências, mais o nosso próprio entendimento das coisas conseguido pelas transformações sociais que a todos afectam, promovem conhecimento que se reflecte no nosso saber e induz comportamentos. O fácil acesso que temos à informação não permite a leviandade de dizermos desconhecer qualquer assunto. Admite-se que não aprofundemos matérias que não nos interessam, mas não se aceita que, interessando, as desconheçamos mais do que o aceitável.

Neste âmbito encontra-se o conceito de Deus, ainda tão presente nas nossas mentes, mas que, hoje, já não pode (não deve) ser considerado do mesmo modo, nem com a mesma importância social, como o era na Idade Média. Está claro que há sempre, no mínimo, dois modos de se entender Deus: o do crente e o do curioso. O crente perdeu a curiosidade que conduz ao interesse de saber; o crente “não sabe”… apenas crê. E crer não é saber. Por mais que eu creia que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não souber que ele parte às nove horas (se não houver greve!…).

Em tudo, na vida, é muito mais importante saber-se do que crer-se.

O filósofo italiano Gianni Vattimo diz que “chega um momento em que [as religiões] já não são necessárias. E esse momento é a nossa época, porque, como pode ver-se em muitos aspectos da vida actual, as religiões já não contribuem para uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação. A Religião acaba por ser um poderoso factor de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes” (*).

O sentido religioso não está morto, nem morrerá jamais, porque está intrinsecamente ligado ao funcionamento do cérebro humano, pois o Homem é um ser religioso por excelência. Mas a morte de Deus – vaticinada por Nietzche – é factível e pode considerar-se, já, nesta realidade actual: “O que está morto, num sentido mais profundo, são as religiões morais como garantia da ordem racional do mundo”, como diz o filósofo citado.

Hoje, o valor da prática de uma qualquer religião, é nulo. E só consegue alguma função ao nível da psicologia, que é o ramo científico a que pertencem os complexos sistemas de crenças, estudadas também por antropólogos. As sociedades ainda estão formatadas para submeterem os povos à ideia do divino. Desformatá-las desse modelo social não é tarefa fácil nem é coisa que se consiga em poucas gerações. Os cultos religiosos ainda são operantes porque há uma sedimentação do pensamento divino nos cérebros da maioria de nós, alimentado pelo nosso medo, o qual serve os interesses de uma classe clerical e outras classes opressoras, que deitam mãos a todos os medos medievais que ainda tolhem os crentes e tementes à figura mitológica de “Deus Nosso Senhor”… 

É urgente libertarmo-nos desses arcaicos medos. Já nos basta o medo que temos ao futuro por via do “Deus-Dinheiro” que alimenta sistemas económicos que nos oprimem e exploram, e que são muito mais reais… e também nos basta a existência de loucos que fazem a guerra para, criminosamente, alimentarem sonhos de expansão só sonhados por mentes profundamente doentes a quem é permitido governar e comandar sociedades e exércitos!… O que só demonstra o nosso profundo primitivismo.

(*) – Gianni Vattimo, filósofo e político italiano, no artigo de opinião: É a Religião inimiga da Civilização? Jornal El País, 1/3/2009.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Dim Hou por Pixabay
18 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Homens de pouca fé”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

O título desta crónica refere uma frase muito usada nas religiões cristãs, é atribuída a Jesus Cristo e repetida várias vezes no Novo Testamento (Mateus 6:30, 8;26, 14;31, 16;8 e Lucas 12;28). Também é referida nas conversas de religiosos em várias circunstâncias; e o fundamentalista, fascista e católico espanhol Escrivá de Balaguer, inventor da Opus Dei, usou-a para intimidar os crentes e criar uma elite social, económica e política. 

Os ateus, enquanto gente sem fé na divindade, não pretendem promover, já, agora e aqui, o enterramento da crença em Deus. Ninguém tem essa intenção, até porque nem tal coisa é possível porque são bem profundas as raízes do divino na estrutura da nossa mente. A religiosidade é intrínseca ao ser humano, e foi essa a razão que conduziu o nosso raciocínio à criação de deuses. 

O Homem só criou deuses porque sentiu necessidade deles… nós só criamos aquilo de que necessitamos. Se criamos divindades foi porque precisamos delas… e contra isto, batatas!… Depois criamos o “Deus único” à “nossa imagem e semelhança”… porque somos importantes!… 

É curioso constatar que o Deus único foi criado pelos Hebreus, povo do deserto, porque nas suas sacolas de nómadas não cabiam tantos deuses, nem tinham terra onde pudessem erigir tantos templos, como tinham os seus vizinhos egípcios sedentários. Os nómadas são gente prática pela constante movimentação a que se obrigam, e um único Deus resolvia os seus problemas de religiosidade e fé! 

Esta certeza fatal (a de o Homem só criar aquilo de que precisa) arruma qualquer discussão que pretenda destruir o sentimento da crença em Deus, porque a religiosidade é um atributo do nosso cérebro que tem características únicas entre todas as formas de vida que animam o planeta. 

A figura abstracta de Deus é produto de uma inteligência superior, e contra isto não se deve lutar irracionalmente… mas é sempre possível alertar os espíritos religiosos para a verdade da invenção de Deus, cujo conceito criamos. Não há qualquer realidade divina fora da nossa mente. 

O conceito de Deus sempre foi aproveitado pelos vários poderes na exploração do sentimento da religiosidade que, naturalmente, existe no cérebro de todos nós. Quanto mais frágil for o raciocínio de cada um, tanto mais fácil será a exploração da nossa crença e da nossa fé por quem faz da Religião modo de vida e dela tira muito mais do que o seu sustento diário: também retira as mordomias sociais em várias escalas, até à exploração abusiva! 

Basta olharmos a nossa História Medieval e vermos o poder da Igreja no controle que fazia da mente dos povos crentes e tementes à ira divina… a nossa submissão aos crimes da Igreja Católica no tempo da Inquisição, quando o Povo definhava e o Clero e a Nobreza viviam na opulência. 

Se olharmos para a América Latina com olhos críticos, podemos confirmar, ainda hoje, que quanto mais religiosos forem os povos, mais explorados são pelos diversos poderes que vivem à custa das várias pobrezas: a intelectual, a social e todas as outras. 

Se lançarmos o nosso olhar para os países do norte da Europa, com elevada percentagem de agnósticos e ateus, concluímos que o estatuto social de cada um é mais elevado, porque se alicerçam num nível superior de raciocínio, não se submetendo à divindade do modo como se submetem os latinos. 

A “sopa dos pobres”, infelizmente tão usada entre nós (digo “infelizmente”… por, socialmente, ainda ser necessária), e a pedincha pública por organizações que vivem da caridade, são factos sociais que só se radicam entre os povos explorados pelos donos do dinheiro, e têm o apoio de governos miseráveis que permitem a manutenção deste estado das coisas, submetendo-se (e submetendo-nos) a interesses económicos de uma minoria que nos explora.

Só se pode almejar um nível social de superior qualidade se se promover a excelência do raciocínio e da formação dos cidadãos, processo que começa nos bancos da escola. E isso obriga a uma prática educativa e social de gerações, promovida por políticos honestos e verdadeiramente interessados no futuro de toda a gente (e não no deles próprios)… o que, entre nós… ainda é mito… tal como a ideia de Deus… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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14 de Novembro, 2022 João Monteiro

Honestidade religiosa

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Enquanto ateu obrigo-me a conhecer o fenómeno religioso para me permitir criticar, concordar ou discordar, com aquilo, e daquilo, que à Religião pertence. Por isso sou leitor habitual de livros, notícias e artigos religiosos, científicos ou filosóficos que tratam do tema Religião (e também ouço missas… embora cada vez menos, porque me aborrecem cada vez mais). Nas edições de Domingo do jornal Público, leio, atentamente, os textos que Frei Bento Domingues escreve em favor da Religião, da fé e da crença, os quais considero muito interessantes, notando neles muito mais o estudioso honesto e o Homem Ético que Bento Domingues é, do que, somente, o religioso. E nunca neles detectei qualquer traço daquele fundamentalismo que, muitas vezes, contamina o discurso de outros religiosos.

No seu artigo intitulado “Não invocar o nome de Deus em vão” (publicado há meia dúzia de anos: 20/11/2016), Bento Domingues diz que, apesar das intenções carregadas de humanidade do papa Francisco, o fundamentalismo religioso, mesmo no seio da Igreja Católica, não desarma. E aponta vários exemplos negativos: os panfletos de uma folha dominical de uma paróquia da Califórnia que sentenciava, “votar no Partido Democrata é um pecado mortal”, numa clara declaração de apoio ao candidato Trump; um padre italiano que, aos microfones da emissora católica Rádio Maria, afirmou serem “os sismos, em Itália, um castigo divino pelas uniões civis de homossexuais”; e acaba com o infeliz comentário da psicóloga portuguesa Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, à revista Família Cristã, que declarou esta enormidade: “ter um filho homossexual, é como ter um filho toxicodependente”.

Afirmações deste género mostram que quem as profere não conta com um nível de inteligência razoável por ter o cérebro tomado pela crença em dose excessiva. E essa é a pior forma de se ser religioso, pois impede que o crente tenha um raciocínio verdadeiramente inteligente e, principalmente, livre de preconceitos… é que a religiosidade é como o vinho: em dose excessiva embebeda!… 

Na sua habitual eloquência e honestidade intelectual, o articulista Frei Bento Domingues diz que “Deus é inexprimível: nós não sabemos o que é Deus em si mesmo; dele captamos, apenas, um esplendor fraco através do mundo criado e no decurso da nossa história do mundo, história feita de acontecimentos felizes e de tragédias. Não é só o Deus incognoscível, mas também as expressões ou os dogmas sobre Deus que pertencem, à sua maneira, ao objecto da fé […] A auto-revelação de Deus é dada em experiências humanas interpretadas […] A Bíblia não é a palavra de Deus, mas um conjunto de testemunhos de fé de crentes que se situam numa tradição particular da experiência religiosa”. 

Esta honestidade de um religioso interessado pela História Antropológica que estuda as motivações religiosas a partir do conhecimento das atitudes humanas perante o conceito da divindade, deveria ser exemplo a levar em linha de conta por aqueles que, possuindo estudos académicos de nível superior (padres, médicos, economistas…) se permitem afirmar falsidades (ou idiotices), tentando passá-las à comunidade religiosa como coisas sérias e verdadeiras.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

11 de Novembro, 2022 João Monteiro

Ler e interpretar

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho

Para que a leitura de um texto seja compreendida, precisa de ser interpretada. Entre a leitura e a interpretação, existe a mesma diferença que há entre os actos de olhar e de ver. Quem olha, pode não ver o que está no objecto olhado se não tiver a consciência de ter visto. A leitura de um texto não pede mais do que juntar sílabas e formar palavras que passam pela nossa mente em imagens transmitidas pelos olhos e descodificadas pelo cérebro. A seguir a este simples e automático acto, há a tarefa de interpretar o texto lido, a qual não pertence aos olhos.

A interpretação de um texto, ou de uma imagem, precisa de ferramentas fundamentais que o leitor, ou observador, terá de possuir previamente à leitura do texto ou da observação da imagem. O agente principal da leitura ou da observação (que é o leitor e o observador), só consegue interpretar o que acabou de ler ou de observar, se tiver a chave que lhe permita descodificar as palavras lidas ou as imagens observadas. 

Como exemplo direi que, em Arte, o valor artístico só existe se o observador da peça estiver preparado para identificar aquilo que vê, como Arte. Se ele não for capaz de fazer essa leitura, para ele a Arte não existe, embora exista o objecto cujo valor artístico ele desconhece… por isso não reconhece nem valoriza aquele objecto que, olhado pelos seus olhos, o cérebro não identifica, tornando o resultado do seu olhar idêntico ao de um palácio olhado por um boi! 

O leitor, por vezes, até precisa de ter a percepção de entender o que não está explicitamente escrito, mas que pode ser lido nas “entrelinhas”, como acontecia no tempo em que a censura cortava textos a jornalistas e escritores, obrigando os autores a uma ginástica gráfica que o leitor avisado acabava por compreender. O termo “leitor avisado” continua hoje, neste tempo em que a censura toma outras realidades diversas dos censores do Estado Novo… neste tempo em que proliferam as fake news, a ser tão (ou mais) importante como era nos tempos da censura Salazarenta.

Lembrei-me desta temática para a crónica de hoje por um dia ter recebido, de um amigo de longa data e profundamente católico, uma crítica negativa à leitura que fez do meu livro “O Homem Criou Deus” (Edium Editores, 2011). Referia-se ele a um dado parágrafo que, garantia, o ofendeu na sua religiosidade. Porque a minha intenção ao escrever o livro não era ofender, tendo tomado todos os cuidados na tentativa de evitar interpretações contrárias à minha intenção (embora não sabendo se o consegui. Aliás… parece que ninguém o consegue!…), usando palavras escolhidas para evitar correr esse risco. 

Combinei um encontro com o meu amigo para melhor nos entendermos numa conversa olhos-nos-olhos, bem mais interessante do que uma troca de palavras por telefone. Em frente de dois cafés, li-lhe o parágrafo da sua indignação. Tanto bastou para que o meu amigo não lhe encontrasse qualquer insulto à sua religiosidade, acabando por dizer: “Ah!… lido assim!…”. 

O problema está no facto de um religioso (ou um ateu), perante uma obra declaradamente ateia (ou religiosa), encarar a leitura predisposto a sentir-se contrariado, em vez de o fazer com espírito aberto para entender o que lá está realmente escrito, e não o que, no seu preconceito ou má fé (de religioso ou de ateu), imagina lá estar ou queria que lá estivesse!

É mais positivo encarar a leitura de um ensaio com a mente livre, do que armá-la de couraça impeditiva de ver o que lá está escrito, mas julgar perceber, exactamente, o seu contrário, por estar mais de acordo com o seu interesse. 

Conclusão: depois de termos tomado o café… mandamos vir duas cervejas. E brindamos!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV