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Etiqueta: Ateísmo

14 de Novembro, 2022 João Monteiro

Honestidade religiosa

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Enquanto ateu obrigo-me a conhecer o fenómeno religioso para me permitir criticar, concordar ou discordar, com aquilo, e daquilo, que à Religião pertence. Por isso sou leitor habitual de livros, notícias e artigos religiosos, científicos ou filosóficos que tratam do tema Religião (e também ouço missas… embora cada vez menos, porque me aborrecem cada vez mais). Nas edições de Domingo do jornal Público, leio, atentamente, os textos que Frei Bento Domingues escreve em favor da Religião, da fé e da crença, os quais considero muito interessantes, notando neles muito mais o estudioso honesto e o Homem Ético que Bento Domingues é, do que, somente, o religioso. E nunca neles detectei qualquer traço daquele fundamentalismo que, muitas vezes, contamina o discurso de outros religiosos.

No seu artigo intitulado “Não invocar o nome de Deus em vão” (publicado há meia dúzia de anos: 20/11/2016), Bento Domingues diz que, apesar das intenções carregadas de humanidade do papa Francisco, o fundamentalismo religioso, mesmo no seio da Igreja Católica, não desarma. E aponta vários exemplos negativos: os panfletos de uma folha dominical de uma paróquia da Califórnia que sentenciava, “votar no Partido Democrata é um pecado mortal”, numa clara declaração de apoio ao candidato Trump; um padre italiano que, aos microfones da emissora católica Rádio Maria, afirmou serem “os sismos, em Itália, um castigo divino pelas uniões civis de homossexuais”; e acaba com o infeliz comentário da psicóloga portuguesa Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, à revista Família Cristã, que declarou esta enormidade: “ter um filho homossexual, é como ter um filho toxicodependente”.

Afirmações deste género mostram que quem as profere não conta com um nível de inteligência razoável por ter o cérebro tomado pela crença em dose excessiva. E essa é a pior forma de se ser religioso, pois impede que o crente tenha um raciocínio verdadeiramente inteligente e, principalmente, livre de preconceitos… é que a religiosidade é como o vinho: em dose excessiva embebeda!… 

Na sua habitual eloquência e honestidade intelectual, o articulista Frei Bento Domingues diz que “Deus é inexprimível: nós não sabemos o que é Deus em si mesmo; dele captamos, apenas, um esplendor fraco através do mundo criado e no decurso da nossa história do mundo, história feita de acontecimentos felizes e de tragédias. Não é só o Deus incognoscível, mas também as expressões ou os dogmas sobre Deus que pertencem, à sua maneira, ao objecto da fé […] A auto-revelação de Deus é dada em experiências humanas interpretadas […] A Bíblia não é a palavra de Deus, mas um conjunto de testemunhos de fé de crentes que se situam numa tradição particular da experiência religiosa”. 

Esta honestidade de um religioso interessado pela História Antropológica que estuda as motivações religiosas a partir do conhecimento das atitudes humanas perante o conceito da divindade, deveria ser exemplo a levar em linha de conta por aqueles que, possuindo estudos académicos de nível superior (padres, médicos, economistas…) se permitem afirmar falsidades (ou idiotices), tentando passá-las à comunidade religiosa como coisas sérias e verdadeiras.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

11 de Novembro, 2022 João Monteiro

Ler e interpretar

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho

Para que a leitura de um texto seja compreendida, precisa de ser interpretada. Entre a leitura e a interpretação, existe a mesma diferença que há entre os actos de olhar e de ver. Quem olha, pode não ver o que está no objecto olhado se não tiver a consciência de ter visto. A leitura de um texto não pede mais do que juntar sílabas e formar palavras que passam pela nossa mente em imagens transmitidas pelos olhos e descodificadas pelo cérebro. A seguir a este simples e automático acto, há a tarefa de interpretar o texto lido, a qual não pertence aos olhos.

A interpretação de um texto, ou de uma imagem, precisa de ferramentas fundamentais que o leitor, ou observador, terá de possuir previamente à leitura do texto ou da observação da imagem. O agente principal da leitura ou da observação (que é o leitor e o observador), só consegue interpretar o que acabou de ler ou de observar, se tiver a chave que lhe permita descodificar as palavras lidas ou as imagens observadas. 

Como exemplo direi que, em Arte, o valor artístico só existe se o observador da peça estiver preparado para identificar aquilo que vê, como Arte. Se ele não for capaz de fazer essa leitura, para ele a Arte não existe, embora exista o objecto cujo valor artístico ele desconhece… por isso não reconhece nem valoriza aquele objecto que, olhado pelos seus olhos, o cérebro não identifica, tornando o resultado do seu olhar idêntico ao de um palácio olhado por um boi! 

O leitor, por vezes, até precisa de ter a percepção de entender o que não está explicitamente escrito, mas que pode ser lido nas “entrelinhas”, como acontecia no tempo em que a censura cortava textos a jornalistas e escritores, obrigando os autores a uma ginástica gráfica que o leitor avisado acabava por compreender. O termo “leitor avisado” continua hoje, neste tempo em que a censura toma outras realidades diversas dos censores do Estado Novo… neste tempo em que proliferam as fake news, a ser tão (ou mais) importante como era nos tempos da censura Salazarenta.

Lembrei-me desta temática para a crónica de hoje por um dia ter recebido, de um amigo de longa data e profundamente católico, uma crítica negativa à leitura que fez do meu livro “O Homem Criou Deus” (Edium Editores, 2011). Referia-se ele a um dado parágrafo que, garantia, o ofendeu na sua religiosidade. Porque a minha intenção ao escrever o livro não era ofender, tendo tomado todos os cuidados na tentativa de evitar interpretações contrárias à minha intenção (embora não sabendo se o consegui. Aliás… parece que ninguém o consegue!…), usando palavras escolhidas para evitar correr esse risco. 

Combinei um encontro com o meu amigo para melhor nos entendermos numa conversa olhos-nos-olhos, bem mais interessante do que uma troca de palavras por telefone. Em frente de dois cafés, li-lhe o parágrafo da sua indignação. Tanto bastou para que o meu amigo não lhe encontrasse qualquer insulto à sua religiosidade, acabando por dizer: “Ah!… lido assim!…”. 

O problema está no facto de um religioso (ou um ateu), perante uma obra declaradamente ateia (ou religiosa), encarar a leitura predisposto a sentir-se contrariado, em vez de o fazer com espírito aberto para entender o que lá está realmente escrito, e não o que, no seu preconceito ou má fé (de religioso ou de ateu), imagina lá estar ou queria que lá estivesse!

É mais positivo encarar a leitura de um ensaio com a mente livre, do que armá-la de couraça impeditiva de ver o que lá está escrito, mas julgar perceber, exactamente, o seu contrário, por estar mais de acordo com o seu interesse. 

Conclusão: depois de termos tomado o café… mandamos vir duas cervejas. E brindamos!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

9 de Novembro, 2022 João Monteiro

Nós e os nossos enigmas

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho

Como surgiu o tempo? O que havia antes dele? 

Como surgiu a vida? O que define e molda as tão diversas formas de vida? Somos o resultado de acasos químicos e físicos em processos encadeados, ou fomos criados intencionalmente por um deus? 

O que é um acaso? O que é um deus? 

Se fomos criados por um deus “à sua imagem e semelhança” (como afirmam os religiosos bíblicos), então Deus é um ser humano?! 

Se há um deus criador, de onde, e como, surgiu ele? Criou-se a si próprio ou também foi criado? Se foi criado… quem e como o criou? Havia outro deus antes de Deus para o poder criar?!… E se Deus é incriado (como também afirmam os mesmos religiosos), como se explica a sua existência? Deus existe real e materialmente, ou é apenas uma ideia abstracta? Se é um ser real com características de criador e interventor, que processos usou para criar tudo a partir do nada? Sendo Deus “a causa primeira”, que matéria prima foi usada no seu surgimento quando ainda não havia matéria prima? 

Há vida depois da morte? Se sim… então a morte não existe?!… E se a morte não existe, por que morremos? 

Estamos sós no Universo? Há mais mundos habitados? Alguma vez fomos visitados por seres extraterrestres? Se sim, de onde vêm? Influenciaram a nossa evolução? Serão os responsáveis pelo fenómeno luminoso de Fátima em 1917 e pela visão, também luminosa, de Paulo de Tarso na estrada de Damasco há 2020 anos? Os extraterrestres são gente pacífica, ou guerreira? Serão gente?…

Estas são algumas das perguntas que nos afligem (a quem aflige… não a todos, mas apenas a quem se propõe pensar nelas). Para todas temos respostas, sendo umas concretas e definidas, e outras apenas esboçadas. Respostas que primeiramente nos foram fornecidas pela Religião, depois pela Filosofia e muito mais tarde pela Ciência. 

O nosso sentimento religioso foi o responsável pelas primeiras tentativas de resposta aos enigmas que nos inundaram o raciocínio logo que o Ser Humano teve consciência de si. As nossas mentes inquietas não conseguiam descodificar os fenómenos naturais que observávamos, pois o nosso cérebro era um banco de dados ainda sem dados em número e qualidade suficientes para que nos permitisse um uso frutuoso… mas já era aquela máquina maravilhosa de produzir ideias abstractas… e por aí chegamos aos deuses… e à Arte! 

Para que os enigmas sejam compreendidos e desvendados, é preciso que exista intelecto e ferramentas suficientes para isso. Um enigma só deixa de sê-lo depois de questionado. É esta a primeira atitude para se conseguir a sua compreensão e consequente anulação. Os cientistas não são mais do que isso: questionadores.

Eu só posso ler uma partitura se souber música. Se eu desconhecer o que é uma pauta e não for capaz de identificar uma semínima, uma breve e uma colcheia, nem um compasso ou uma pausa… se eu não tiver aprendido solfejo… uma partitura é mistério indecifrável. 

Perante qualquer enigma que se nos apresente, devemos ter sempre em conta esta verdade fatal: os enigmas são como os truques dos ilusionistas; só serão enigmas enquanto não forem desvendados. Depois de explicado o truque, o enigma esfuma-se. 

A mente humana está cheia de truques (de conceitos) que usamos para nossa conveniência e consolo. 

Assim é o conceito de Deus.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de WikiImages por Pixabay
29 de Julho, 2022 João Monteiro

Guerra interna no Vaticano

Texto de Onofre Varela

Aquilo lá pelo Vaticano, sede da empresa religiosa e multinacional Igreja Católica, não anda lá muito católico!… As coisas não correm bem… e o Papa Francisco I, que pretende dar um banho de humanidade, moralidade e modernidade à Santa Sé, encontra-se cercado de inimigos e mergulhado num poço de víboras.

O jornal espanhol El País (edição de 24/12/2021) insere uma notícia com o título “O Papa reclama unidade à sua Cúria em plena batalha com os conservadores”. É uma frase elucidativa das dificuldades que Francisco I (F1) tenta vencer, sabendo-se rodeado de inimigos.

Os bispos e cardeais que por lá gravitam, não são uns “santos” – como os crentes consumidores de missas dominicais imaginam ser os bispos – também comportam um bom naipe de “diabos e mafarricos”.

Diz o jornal que “Francisco I aproveitou o seu tradicional discurso de Natal perante a Cúria para chamar à ordem o seu exército”. Assim se inicia a notícia onde se aborda o discurso interno do Papa, no qual o Sumo Pontífice chama a atenção dos cardeais para a necessidade de se eliminar os males que afligem a hierarquia da Igreja Católica.

No nono ano do seu pontificado, F1 incentivou a unidade e pediu para que se não caia em “divisões, facções e inimigos”, tendo a certeza que tais divisões e facções já existem entre o corpo cardinalício. Na base do seu discurso está a guerra ideológica que atravessa a instituição com distintas correntes, entre as quais sobressai a do sector mais conservador contra F1.

“Se o Evangelho proclama a notícia, nós devemos ser os primeiros a tentar viver com transparência”, disse F1 fazendo juz à honestidade que teimou em levar para o Vaticano e que não é bem vista pelos cardeais conservadores, defensores de uma igreja medieval. Este sector conservador, composto pelo poder económico e político da extrema-Direita da Europa e dos EUA, ataca as suas reformas e a profundidade do seu pensamento teológico, no qual se conta o diálogo que tem mantido com outras confissões religiosas e que não é bem visto pelos conservadores. Estes, afadigam-se a erguer um muro que trave as mudanças que F1 quer implementar numa instituição tão velha e decadente como é a Igreja Católica, e que alberga interesses tão contrários à fé que apregoa.

O Papa aproveitou o seu discurso de Natal para ultrapassar a tradicional lenga-lenga de fé, e dirigir-se à Cúria, denunciando as resistências ao seu esforço para reformar e revitalizar a Igreja, pedindo “aos clérigos de mentalidade tradicional para que deixem de viver no passado”, cujo pensamento ancestral não se adequa ao tempo presente pela “incapacidade de saber discernir a verdade das coisas”.

Falando sobre a tradição que faz a história da Igreja, F1 disse que “recordar não é repetir, mas sim saber acumular as boas qualidades e reavivá-las. Para que recordar não se converta numa prisão do passado, precisamos de outro verbo: gerar”. E terminou o seu discurso dizendo que “o humilde, gera, convida e impele aquilo que não se conhece; o arrogante ufano e orgulhoso, pelo contrário, repete-se, endurece os procedimentos, fecha-se na sua repetição, sente-se seguro naquilo que conhece, e teme o novo porque não o pode controlar a seu contento”.

Esperam-se grandes convulsões internas na multinacional empresa de fé registada com o nome Igreja Católica Apostólica Romana, minada por interesses materiais que nada têm a ver com a moralidade presumivelmente contida no Evangelho que prega, e que o clérigo argentino Jorge Mário Bergoglio, travestido de Papa Francisco I no teatro do Vaticano, pretende levar à cena… mas depara-se com dificuldades nos bastidores, onde os técnicos daquela sala de espectáculos religiosos, se afadigam em sabotar o seu papel de actor principal, na tentativa de transformar em fracasso a peça que idealizou, escreveu e quer pôr em prática.

Cabe-nos perguntar: Se Jesus Cristo cá estivesse hoje… seria católico?

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

23 de Junho, 2022 João Monteiro

Debate: Religião no Século XXI

João Monteiro, presidente da Associação Ateísta Portuguesa, participou num debate com Luísa Jacinto, que representou o Movimento Católico de Estudantes. A moderação esteve a cargo de João Mendes, da Escola Superior de Comunicação Social, onde teve lugar o debate. A conversa pode ser ouvida aqui.

5 de Novembro, 2021 João Monteiro

Todos nascemos Ateus

Texto de João Monteiro

Escreveu o Onofre Varela, num texto publicado neste blogue a 22 de outubro, que:

Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como não se nasce a saber falar.
A língua materna é aprendida em família, e o sentido da religiosidade também”
.

Apraz-me comentar que discordo da primeira parte, pois entendo que todos nascem ateus, isto é sem crerem em qualquer deus. Porém, Onofre Varela está correto na segunda frase quando afirma que o sentido de religiosidade é aprendido em família – ou em qualquer outro ambiente cultural em que se desenvolva o petiz.

Podemos debater se uma criança sem qualquer contacto religioso terá uma tendência inata para qualquer tipo de espiritualidade. Mas o que é inegável é que o contexto em que se cresce pode contribuir de algum modo para uma tendência religiosa. Alguém que cresça num contexto cristão terá tendência a identificar-se como cristão; alguém que nasça num contexto islâmico terá tendência a identificar-se como muçulmano; alguém que cresça num contexto judaico terá tendência a identificar-se como judeu; alguém que cresça num contexto politeísta terá tendência a prestar homenagem a diversos deuses; alguém que cresça num contexto ateísta terá tendência a manifestar-se indiferente a qualquer crença religiosa.

Será ao longo do seu desenvolvimento, e num contexto de liberdade de pensamento, i.e. sem pressões e condicionalismos externos, que um indivíduo poderá formar a sua opinião sobre o seu percurso religioso (ou agnóstico/ateu). A crença numa dada religião não é um fenómeno natural, mas antes o resultado de uma transmissão cultural. Daí não se poder afirmar que há uma religião única verdadeira. Para qualquer crente, a sua religião é a verdadeira, mas se ele tivesse nascido noutro país ou noutra família já estaria a defender como verdadeira outra religião.

Em resumo: todos nascem ateus; a crença religiosa é dependente do meio em que se está inserido e da pressão social existente.

Imagem de Sanjasy por Pixabay

22 de Outubro, 2021 João Monteiro

Sobre o pensamento ateu

Texto de Onofre Varela

Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como não se nasce a saber falar.

A língua materna é aprendida em família, e o sentido da religiosidade também.

Todas as sociedades obedecem a preceitos religiosos que alicerçam o pensamento enraizando-o de geração em geração.

Na minha família (sou filho de pai republicano e ateu, e de mãe católica não praticante) nunca se deu importância à fé religiosa. Fui educado no respeito pelo próximo e pela Natureza, dispensando a adoração a deuses e a santos.

Quando tive idade para raciocinar, e em confronto com os meus amigos participantes em missas, acompanhei-os e senti necessidade de os interrogar sobre o culto. Aquilo parecia-me estranho por não ter bebido da taça religiosa dos meus amigos, e afastei-me voluntariamente de celebrações litúrgicas que me pareciam sem nexo.

No passar do tempo que tudo transforma, a minha atitude perante a Religião também sofreu alterações. Aquela frase popular “só os burros não mudam de opinião”, funciona em todos os sectores… sendo que a opinião mudada pode incluir a total inversão do caminho, direccionando-a noutro sentido, ou considerar, apenas, um retoque, limando o que precisa de ser limado, quando se entende que o caminho está bem traçado e por isso se recusa um retrocesso.

A minha preocupação primeira de negar Deus, sem muita substância no pensamento que me levava à negação, alimentada na juventude que tudo sabe, pode e vence, acabou por me passar. Foi como um resfriado!… Não porque o considerasse um pensamento errado na sua totalidade, mas porque me defrontei com um raciocínio mais maduro após 20 anos a dar atenção às coisas que à Religião pertencem.

A partir daí (tinha eu 40 anos) concluí ser ateu, e que a preocupação de negar Deus não fazia sentido. De facto, é tão desinteressante negar Deus, como é afirmá-lo. Discutir o conceito de Deus acaba por não ter significado. O conceito existe porque foi necessário criá-lo, e todas as criações têm a sua razão, a sua função e o seu tempo.

O Homem só cria aquilo de que necessita. A criação de vários deuses, primeiro, e a do conceito do “Deus único”, depois, resultam da mesma necessidade intelectual do Homem, ditada pela própria evolução do pensamento. A negação do conceito do Deus único que eu faço aqui (e que já muitos autores o fizeram e provavelmente tantos outros o farão) também pertence a essa evolução. Será o derradeiro ponto final na História dos deuses e de Deus.

A esta conclusão cheguei com a contagem dos anos. Crer ou descrer tem tanta importância como sair de casa para ir ao cinema num centro comercial ou à missa na igreja da paróquia. Nenhuma das opções é mais importante do que a outra. Para quem as toma é uma atitude pessoal legítima que depende, unicamente, da vontade e do interesse de cada um… e cada qual atribuirá à questão do sagrado e dos credos relacionados, o grau que pretender atribuir-lhe.

As discussões acesas sobre Deus e a fé religiosa, não acrescentam nem diminuem nada na medida da crença de uns, nem na medida da descrença de outros. Em regra os contendedores terminam como começaram… nenhum deles aceita ter aprendido ouvindo o outro… até porque não se ouve o outro… ambos querem debitar discurso mais forte, real e único. Discursos que, afinal das contas, no contexto social em que vivemos, com tantas preocupações bem mais importantes… são nada!

Importante é que a troca de ideias não tenha fim, e que ambos os intervenientes nesta discussão (ateus e religiosos) se respeitem mutuamente e aprendam a ouvir opiniões contrárias às suas e raciocinem sobre elas, em vez de as descartarem liminarmente sem tentarem entender a razão do outro.

A fuga à tentativa de perceber o porquê de existirem ideias contrária às nossas, tão usada nas militâncias políticas, futebolísticas e religiosas, não abonam a qualidade do raciocínio de quem assim age…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

29 de Outubro, 2020 João Monteiro

Ceticismo e Ateísmo: qual a relação?

Vem este texto a propósito de outro que escrevi aqui, na semana passada, intitulado 1º Manifesto Mundial contra as Pseudoterapias. Nesse texto dei a conhecer o conteúdo do manifesto, falei da sua importância a propósito do risco das pseudoterapias para a saúde, e partilhei a notícia do jornal Público que dava a conhecer o resultado da recolha de assinaturas junto de cientistas e profissionais de saúde que subscreveram o referido manifesto.

Por o tema ser pouco abordado nesta plataforma, gerou algumas questões, das quais destaco duas:
a) O que têm as pseudoterapias a ver com ateísmo?
b) O que são pseudoterapias e que instituições as promovem?

Comecemos pelas definições. O Ateísmo pode ser compreendido como a falta de crença em deus. Por norma, os ateus também não acreditam em explicações sobrenaturais nem em milagres.
Quando falo em Ceticismo, refiro-me ao que é conhecido como Ceticismo Científico, a procura de evidências para apoiar alegações realizadas. Por outras palavras, quando os céticos duvidam de algo, pedem provas. Se a alegação feita for extraordinária, irá requerer também provas extraordinárias, parafraseando Carl Sagan. Tal como os ateus, os céticos recusam explicações sobrenaturais para compreender os fenómenos que nos rodeiam, optando por recorrer à experimentação e ao método científico para melhor entender a realidade.

Assumo que nem todos os céticos possam ser ateus e nem todos os ateus possam ser céticos (podem só duvidar da existência de deus, mas manifestar crença noutras áreas da vida). E tudo bem com isso, o mundo não é a preto e branco. No entanto, como já deu para entender, há uma área de interceção entre as duas visões: a ausência de explicações sobrenaturais, às quais se juntam a luta contra crendices e superstições e o recurso ao pensamento crítico e racional.

Com estas definições, estamos prontos a responder à primeira questão. Neste blogue de ateísmo referi as pseudoterapias porque, no ponto cinco dos objetivos desta associação, pode ler-se que é um objetivo: “Responder às manifestações religiosas e pseudocientíficas com uma abordagem científica, racionalista e humanista” – o mesmo objetivo do ceticismo.

Passemos à segunda questão, sobre as pseudoterapias.

O ceticismo tenta esclarecer a sociedade contra as pseudociências, que podem ser definidas como tudo aquilo que se pretende passar por ciência sem o ser (através da linguagem, da aparente cópia dos métodos, da encenação visual, ou outros). Esta pretensão de aproximação à ciência existe porque esta tem um selo de rigor e de credibilidade. Do mesmo modo, as pseudoterapias são as práticas que se tentam fazer passar por verdadeira medicina, mas que não passaram pelo crivo científico. Ou seja, não são comprovadas.

Existem várias práticas que são consideradas pseudoterapias, ou terapias alternativas, umas já regulamentadas em Portugal, outras que não são reconhecidas. É de esclarecer que a regulamentação partiu de um reconhecimento político, e não de uma validade científica. Não nego a necessidade de regulamentação das práticas, mas discordo da legislação realizada. Entre as pseudoterapias encontramos práticas como a homeopatia, o reiki, a iridologia, entre outras.

O ceticismo tem como uma das suas missões alertar para o que se chama banha-da-cobra e quem recorre a essas práticas, depois de informado, está a incorrer no que se pode considerar uma crendice, ou seja, numa crença de que um tratamento mágico possa funcionar. É nesse sentido, que considerei adequado a partilha da notícia do Público nesta plataforma.

Imagem de Jürgen Rübig por Pixabay
17 de Outubro, 2020 João Monteiro

Pela liberdade de expressão e de crítica

Foi ontem noticiado que um professor francês foi encontrado decapitado numa vila próxima de Paris, e que o presumível assassino teria sido o pai de um aluno. A motivação, supostamente, terá sido a exibição de caricaturas do profeta Maomé numa aula.

Confirmando-se a notícia, o ato merece o nosso maior repúdio. Defendemos e continuaremos sempre a defender a liberdade de expressão e de crítica.

Apesar de defendermos o direito à crença religiosa, a mesma não pode justificar atentados à vida de outras pessoas. É necessário debater e aceitar a crítica a ideias e crenças diferentes, incluindo mesmo a sátira dessas convicções, tal como foi feita no passado, várias vezes, pela publicação Charlie Hebdo. Nunca, em situação alguma, um qualquer deus ou profeta pode ter mais valor que uma vida humana.

Relembramos que o ato foi cometido, tanto quanto se sabe, por um indivíduo, pelo que a ação só o responsabiliza a ele, não podendo a comunidade a que ele pertence ser acusada por associação. Segundo as notícias, o suspeito foi morto pela polícia, já não podendo ser apresentado à justiça.

Se se confirmarem as motivações do crime, este é mais um exemplo de como uma crença religiosa pode resvalar para a loucura e barbárie, dando a razão aos ateus de que a religião faz mais mal do que bem.

A construção da vida em sociedade é um trabalho constante. Saibamos, em conjunto, preservar os valores da tolerância, da liberdade e do humanismo.

Fonte: Jornal de Notícias, 16-10-2020

5 de Outubro, 2020 João Monteiro

O ateísmo e a República

Mensagem do Presidente da Associação Ateísta Portuguesa, a propósito do 110º aniversário da Implantação da República.

Sendo o ateísmo a ausência de crença em deus, então pressupõe-se que, em teoria, o ateísmo seja uma postura filosófica independente do regime político. Quero com isto dizer que uma pessoa pode ser ateísta independentemente de ser republicana ou monárquica, de esquerda ou de direita política.

Contudo, sabemos que, na prática, por motivos históricos, sociais e fenómenos de grupo, em Portugal, a direita e a monarquia encontram-se mais próximas da religião cristã. Por a crença, ou a ausência da mesma, ser uma postura individual, há exceções ao que mencionei (como ateus de direita e comunistas cristãos, por exemplo).

Olhado para a história do nosso país, e estando nós a celebrar hoje, a 5 de Outubro, os 110 anos da Implantação da República, gostaria de recordar brevemente a importância do movimento republicano para a discussão religiosa.

Um dos argumentos que justificava o elevado nível de crendice no final do século XIX, durante a monarquia liberal, era atribuído à elevada taxa de analfabetismo do povo e ao controlo social pelo clero nos meios rurais. Por isso, os republicanos insistiam na instrução popular, com a criação de escolas, recorrendo à propaganda ou até mesmo à criação de associações para esse fim. Recordamos por exemplo o papel da Liga de Instrução Popular ou da Sociedade Promotora de Escolas – detentora da Escola-Oficina Nº1, em Lisboa.

Mas não bastava aprender, pretendia-se que as pessoas deixassem de ser súbditos e passassem a ser vistos como cidadãos, com liberdade de pensar e agir por si mesmos, sem condicionalismos externos. A este respeito, relembro a importância da Associação para o Livre Pensamento.

Para combater o poder e contrariar o discurso do clero na sociedade, foram várias as vozes que se levantaram e várias mãos que escreveram denunciando o poder e as incongruências da Igreja enquanto instituição, a maioria deles republicanos apelidados de anticlericais.

110 anos depois da Implantação da República, constatamos que somos hoje herdeiros deste espírito republicano, defendendo ainda hoje a instrução, criticando o que está mal nas religiões, defendendo a laicidade e o livre-pensamento e sem esquecer os valores republicanos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que esperamos que orientem a sociedade em direção a um mundo mais justo e solidário.