29 de Setembro, 2010 Raul Pereira
STTL, Armindo
SIT TIBI TERRA LEVIS, Armindo Lopes Coelho. [1] Hoje, chegou o teu fim. Acabou. Tu garantias que não, no alto das tuas homilias de duas horas, lá no cume de Santa Luzia e dominando a Viana conservadora que, entretanto, se modernizou. Agora que penso nisso, acho que as tuas pregações infindáveis poderão ter sido uma das causas para a formação do meu ateísmo. Eram demasiado penosas de aturar, camufladas por uma erudição estranha e teologias sem sentido às quais, bradando, querias dar poder de verdadeiras. Lembro-me que até as beatas desesperavam, por baixo dos seus lenços pretos e limpando com os punhos os buços suados pelo ardente sol de Agosto.
Mais tarde, pregaste-me uma chapada, no crisma. Soubesses tu que já nessa altura eu era ateu e a terias, provavelmente, aplicado com mais vigor. Subi, obrigado pela família, ao teu cadeirão dourado e barroco, onde pensavas que atemorizavas toda a gente com o teu olhar severo e a tua mitra, parte da personagem que encarnavas. Não a mim. A mim atemorizava-me, sobretudo, que os meus descobrissem que Deus já não fazia parte dos meus raciocínios, que o meu mundo era agora o observável, o científico e o histórico. Por amor aos nossos podemos esconder os maiores segredos, e esse dia, em que tudo seria desvendado, chegaria certamente.
Também creio que eras demasiado inteligente para acreditar em grande parte do que apregoavas, e que essa inteligência fazias tu transitar para os artifícios linguísticos com que ocultavas alguma da tua descrença. Fazia parte do teu trabalho. Para o que fica de ti e das tuas lembranças, agradecem-te os teus fiéis. Falavam sempre maravilhas da tua serenidade, da tua eloquência, mas todos concordavam que, por isso mesmo, eras um grande maçador.
Hoje, no dia em que tudo para ti se tornou num vazio sem retorno e não um paraíso celeste, também eu te agradeço. Obrigado, Armindo, por teres contribuído, em parte, para o meu ateísmo. Para o que serve, perdoo-te o bofetão.
[1] TSF – Morreu D. Armindo Lopes Coelho, antigo bispo do Porto.
[Nota: no que me diz respeito, foi, também, de 27 de Outubro de 1982 até 13 de Julho de 1997, bispo da diocese de Viana do Castelo.]