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28 de Maio, 2018 Carlos Esperança

O referendo da Irlanda e a IVG

A chegada de Trump à presidência dos EUA não foi apenas uma catástrofe para a paz, o ambiente e a ordem internacional, é um estímulo ao retrocesso civilizacional, com riscos acrescidos por um indivíduo impreparado, narcisista e imprevisível.

Não há campo onde a influência deletéria do país mais poderoso da Humanidade não se faça sentir. A escalada da extrema-direita, a explosão de nacionalismos agressivos e o recuo dos direitos humanos são a face visível de ressentimentos ocultos que explodem agora numa apoteose reacionária que augura os piores receios.

Enquanto a fome, a guerra e a miséria produzem milhões de mortos e de deslocados, por todo o mundo, as ditaduras ameaçam os países que julgavam perpétuas as democracias, e assiste-se, nos costumes, à progressão das forças mais obscurantistas.

Dos EUA aos países sul-americanos, da Ásia à Europa, há uma escalada misógina, que se abeira da patologia islâmica ou do fundamentalismo de Malta. Na Eslováquia e na Polónia reforçam-se grupos que se opõem aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, num ataque à sua autodeterminação sexual e ao retorno à criminalização da IVG.

É por isso que o referendo da Irlanda, com a massiva participação e expressiva maioria, favorável à liberalização do aborto, foi uma vitória histórica no país onde a IVG, mesmo nos casos de malformações fetais, incesto ou violação, é punida com penas de prisão próximas das dos homicídios.

A vitória da modernidade, onde ‘mulheres caídas’, leia-se ‘prostitutas e mães solteiras’, eram votadas a um aviltante ostracismo, é o triunfo de uma nova mentalidade nascida na ruína de uma Igreja ferida por sucessivos escândalos, e o triunfo dos direitos da mulher.

A mobilização sem precedentes do eleitorado e a amplitude do SIM à despenalização do aborto foi a resposta irlandesa à ofensiva ultraconservadora que grassa contra os direitos reprodutivos da mulher.

O resultado deste referendo, sendo um alívio para as mulheres irlandesas, é a vitória da igualdade de género, num percurso longo e doloroso que devia envergonhar os homens.

Quando uma religião exulta com a castidade e exalta a virgindade, execra a sexualidade e transforma a fonte da vida na fossa do pecado.

26 de Maio, 2018 Carlos Esperança

A fé esclarecida e o ateísmo ignorante

«Não existem apenas fundamentalistas religiosos. Também existem fundamentalistas ateus e sem religião. Também existem ateus sem religião que combatem o fundamentalismo de um ateísmo ignorante». Frei Bento Domingues, Público (LIDO – DN, 09-01-2005)

(Encontrei esta referência no meu computador)

Ateus sem religião deve ser o oposto de crentes com religião. Os crentes sem religião são supersticiosos não filiados.

Os ateus não têm livros sagrados nem são incitados a combater os fiéis. Ao contrário dos crentes, não têm o Paraíso à espera. Não os aguardam setenta virgens nem rios de mel em recompensa de atos terroristas; não ascendem aos Céus por participarem em cruzadas; não comprazem Deus a carrear lenha para queimar hereges.

É verdade que os ateus se livram do Purgatório, sítio mal frequentado, com aposentos despojados de quaisquer eletrodomésticos, sem divertimentos nem conforto, donde se sai à custa de missas de quem tem cabedais e devoção para as mandar rezar.

Também o Inferno é reservado aos crentes que discordam da teologia do látex, comem carne de porco à sexta-feira, faltam à santa missa e amam sem intuitos exclusivamente reprodutivos.

O ateísmo pode ser ignorante, ao contrário da fé. Fr. Bento não conhece os ateus e tem-nos em má conta. Mas pensar que a fé é esclarecida e que a devoção não é ignara, é miopia ou necessidade de preservar o futuro da ICAR, os seus ativos financeiros e o fausto do clero romano.

25 de Maio, 2018 Carlos Esperança

A eutanásia e o direito à vida

A vida é um direito que a direita confessional quer transformar em obrigação. Ninguém é obrigado a aceitar, para si, uma ‘morte doce’, mas o que está em causa, na tentativa de contrariar um direito individual, é a proibição daquilo a que ninguém será obrigado.

Deus não devia ser para aqui chamado. Serviu, em tempos, para justificar a cremação de quem queria viver, suspeito de adorar um deus da concorrência, de ser possuído por um demónio, criado pelos algozes, ou de heresia, apostasia ou blasfémia.

A Igreja cujo catecismo admite a pena de morte é a mesma que quer impor a obrigação de viver a quem já não suporta a vida, crente ou ateu, sem ter qualquer probabilidade de sobreviver a uma lenta e dolorosa agonia, inútil e devastadora.

Há nesta discussão, de um direito individual, quem designe a eutanásia por assassínio ou a associe a um qualquer expediente eugénico que nenhuma lei pode deixar de prever e criminalizar. É uma maldade de muitos, que não se confundem com os que discordam por convicção. Há, de um lado e do outro, pessoas de boa fé.

A campanha terrorista, instilando o medo, agora que o temor do Inferno abrandou, tem envenenado a discussão serena da legislação sobre a eutanásia. Os agitadores principais dessa campanha são os que combateram a despenalização da IVG, a que atribuíam uma explosão de abortos, e que conduziu à redução drástica da sua ocorrência.

A morte não é a antítese da vida, é o contrário do nascimento. Compreender isto facilita a reflexão sobre os limites da dor e do desespero e da resposta legal adequada.

O PCP usa um argumento débil para justificar a inoportunidade da apresentação e o seu voto contra, por não haver ninguém condenado por tal crime, esquecido de que era essa a desculpa dos católicos para combaterem a despenalização do aborto. A contabilidade política é legítima, mas devia ficar para quem defende uma ideologia que deixa morrer desamparados os desvalidos, e invoca Deus para obrigar a prolongar o sofrimento para a remissão dos pecados.

A precaução que se exige ao legislador é incompatível com o adiamento da solução para quem a agonia se prolonga sem esperança, sem remissão e sem vontade, e implora o fim do sofrimento.

23 de Maio, 2018 Carlos Esperança

Emigração para a Arábia Saudita

Legislação para estrangeiros imigrantes:

  1. Não haverá programas de Línguas Estrangeiras nas escolas.
  2. Todos os anúncios do governo e as eleições serão em Língua Nacional.
  3. Todas as questões administrativas terão lugar na nossa Língua.
  4. Os estrangeiros não serão uma carga para os contribuintes. Não terão Segurança Social nem Indemnização para Refeições, não terão Assistência Médica e nenhuma outra Vantagem Pública será concedida. Qualquer abuso será punido com expulsão.
  5. Os estrangeiros poderão investir neste país, mas a importância mínima terá que ser igual a 40.000 vezes o Salário Mínimo.
  6. Se os estrangeiros comprarem bens imobiliários, as suas possibilidades são limitadas. Certos terrenos em particular bens imóveis com acesso a água corrente, serão reservados para os nascidos cá.
  7. Os estrangeiros não podem protestar no nosso País. Nenhum tipo de manifestação, nenhuma utilização de uma Bandeira Estrangeira, nenhuma Organização Política, nenhuma Calúnia dirigida ao nosso País, ao Governo e à sua Política. Toda a violação conduzirá à expulsão.
  8. Se alguém entra neste País ilegalmente será perseguido sem piedade. Será mantido preso até à expulsão e todos os bens confiscados.

Os artigos acima detalhados, são…

… Regras de imigração vigentes na Arábia Saudita e nos Emiratos Árabes Unidos.

D1A – Não encontro uma fonte na NET, mas a origem desta informação merece-me crdibilidade.

21 de Maio, 2018 Carlos Esperança

Liberdade islâmica

Egipto

Jovem expulso de programa de televisão e considerado doente mental por duvidar da existência de Deus.

D1A – Não consigo reproduzir o vídeo. Espero que a referência permita aos leitores encontrar forma de o verem.
21 de Maio, 2018 Carlos Esperança

A solidão e a fé

A solidão é o cimento que cola o abandonado à fé, torna o proscrito crente, faz beata a pessoa e transforma cidadãos em trapos.

A religião é o colchão que serve de cama ao desamparado, o mito que penetra os poros do desespero, o embuste a que se agarra o náufrago. É o vácuo a preencher o vazio, o nada que se acrescenta ao zero.

O clérigo está para a família como o álcool para o corpo. Primeiro estranha-se, depois entranha-se e finalmente domina.

A religião é o cancro que cresce com as pessoas e morre com elas. Cria metástases e atinge órgãos vitais. Mas é dos joelhos que se serve, esfolando-os, da coluna vertebral, dobrando-a, e do cérebro, atrofiando-o.

A religião busca o sofrimento e condena o prazer. Preza o mito e esquece a realidade.

Um crente faz o bem por interesse e o mal por obrigação. É generoso para agradar a Deus e perverso para o acalmar. Dá esmola para contentar o divino e abate um inimigo para ganhar o Paraíso.

A religião vive da tradição e medo da morte. Começa por uma doença infectocontagiosa que se contrai na infância, transmitida pelos pais, através do batismo e continua com o lactente a ser levado ao primeiro rito mais depressa do que às vacinas.

Depois, o medo, o medo da discriminação na escola, no emprego, na sociedade, leva a criança à catequese, à confirmação, à eucaristia e à penitência. De sacramento em sacramento, missa após missa, hóstia a hóstia, orações à mistura, e o medo do Inferno, a religião transforma o cidadão em marionete manejada pelo clero.

Na cúpula, há o Vaticano, um antro de perversão a viver à custa dos boatos sobre o filho de um carpinteiro de Nazaré e de milagres obrados por defuntos de virtude duvidosa, à custa de pesados emolumentos, para concorrerem à santidade.

O seu negócio é a exploração da morte em esqueletos ressequidos pelo tempo, caveiras, maxilares, tíbias, ossos diversos, pedaços de pele, órgãos avulsos e extremidades de membros, numa orgia de horror e delírio.

É assim que a tradição, o medo e a morte continuam a encher os cofres do último Estado totalitário da Europa, que governa pelo medo e se eterniza pela chantagem.

No Islão é ainda pior.

20 de Maio, 2018 Carlos Esperança

A Senhora do Monte – Crónica pia

Nas aldeias da Beira Alta era hábito rezar, pelas intenções plenárias de cada mês, nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, ir ao confesso e à eucaristia e, assim, alcançar as indulgências exigidas para a salvação da alma. Podia parecer injusto pôr garotos a rezar por pecados dos adultos, mas já se sabia que outros garotos o fariam quando adultos se tornassem esses para apreciar os pecados. Ficavam as rezas para as mulheres, que sempre as fariam, para os que ainda não sabiam pecar e para os que, sabendo, já não podiam. Era assim, há meio século, e disso se não livrou a criança que fui. Além das devoções locais outras havia que se cumpriam em paróquias próximas, que os transportes não permitiam lonjuras, com dia certo e local aprazado. A Senhora do Monte era um desses destinos.

Guardo da infância o gosto por romarias. Os santos domiciliavam-se no alto dos montes para ficarem a meio caminho entre os devotos que lhes pediam e o céu que os atendia. Eram mensageiros dedicados, imóveis numa peanha, ouvindo queixas, aceitando petições, a aliviarem o sofrimento. Raramente eram solicitados além das suas posses e, se soía, resignavam-se os mendicantes. Quanto mais perto do céu, maior respeito infundiam, mais petições recebiam, maiores expectativas geravam. Eu ficava a imaginar do que seriam capazes os que habitavam no cimo de montanhas muito altas, que sabia haver, sem cuidar das dificuldades de acesso dos requerentes.

Durante o ano, os santos concediam graças que eram agradecidas em agosto com foguetes, missa e uma romaria profana que irritava os padres e alegrava os santos. Mas, de tanto pedirem, foi-se Deus cansando de os ouvir, primeiro, desinteressaram-se os crentes de implorar, depois, ou, talvez, a sangria da emigração converteu em deserto o terreno fértil da fé. É com saudade que recordo as ermidas abandonadas que outrora atraíam à sua volta feiras e procissões em confronto dialéctico do sagrado com o profano numa síntese admirável de que só o mundo rural era capaz.

A Senhora do Monte pertencia à paróquia da Cerdeira. Às vezes os santos tomavam as dores dos paroquianos e geravam a desconfiança dos vizinhos, mas não era o caso, por ser de concelho diferente e não haver rivalidades entre as paróquias.

Saíamos da Miuzela do Côa, manhã cedo, descíamos a aldeia, passávamos pela capelinha de S. Sebastião, deixando à direita, encostada ao cemitério, a vinha do passal que, no tempo da República, Paulo Afonso comprou à autoridade administrativa, valendo-lhe a excomunhão eclesiástica, vingança do pároco que reclamava a vinha e o regresso da monarquia. Viveu o réprobo em paz, sem que o anátema o apoquentasse, até ao dia em que teve de pedir a desexcomunhão, para que o filho pudesse franquear o seminário, custando-lhe a canónica amnistia outra vez o valor da vinha.

À beira do caminho havia agricultores, inquietos com a romaria, a guardar os melões, que a rapaziada cobiçava, e, ao longe, entre giestas, lobrigavam-se cachopas, deambulando à espera do encontro apalavrado, talvez mesmo alguma coitanaxa aflita por tornar-se dona.

Íamos pela fresca e regressávamos tarde, de estômago menos vazio, com fritos e vinho a justificarem a jornada, esquecida a devoção, a tropeçar nas pedras em noites de lua nova. Atrás de nós via-se um clarão, vindo da Guarda, à distância de seis léguas, no alto do monte onde chegara a luz eléctrica, com a ermida de onde voltávamos perdida na escuridão da noite.

A Senhora do Monte há muito que não fazia um milagre de jeito mas tinha festa rija e um passado de respeito. Um dia o fogo subiu o monte impelido pelo vento e envolveu a capela, com gente aflita a orar. Abriram as portas e redobraram as orações, que em tempo de aflição se reza mais depressa para compensar a desatenção e acompanhar a ansiedade. Deixaram que a virgem visse o fogo e este a virgem. Foi então que as chamas baixaram e logo o fogo se deteve, enquanto, maravilha das maravilhas, prodígio nunca visto, começou o fogo a recuar e, à medida que a terra desardia, tornaram as plantas que a cobriam.

A Santa, por ter-se cansado ou perdido o jeito, renunciou aos milagres, mas os crentes não desistiram de a ver regressar ao ramo e fazer jus à glória antiga. Ainda assim, era muito solicitada por raparigas solteiras que lhe imploravam para as livrar da prenhez que em horas do demo pudessem ter contraído. Foi como contraceptivo de eficácia duvidosa que conheci a Senhora do Monte nos tempos em que calcorreei os caminhos que lá me levaram.

Publicada no Suplemento de aniversário do JF, 28-01-2005

In Pedras Soltas – ed. 2006 (esgotada)