Loading
15 de Julho, 2018 Carlos Esperança

Deus é pior do que a sarna

Os homens, à força de ouvirem que Deus existe, tornam-se crentes e, à medida que o repetem a si próprios, fazem-se beatos.

Deus é uma infeliz criação, difícil de aperfeiçoar. Enquanto as máquinas se melhoram, a partir da dúvida sobre a sua perfeição, Deus só pode piorar porque os clérigos garantem que é infinitamente bom e não admitem a discussão.

Com tal mercadoria minam-se as bases da civilização, perturba-se a paz, impede-se a solidariedade humana.

Deus não é apenas uma criatura pior do que o seu criador – o Homem –, e um troglodita incapaz de se regenerar, é o princípio do mal, o acicate de todos os ódios e crueldades.

Na base do racismo e da xenofobia está Deus na despótica inexistência, no seu demente primitivismo, um ser misógino e delinquente, manejado por fios invisíveis tecidos pelas religiões, através de prestidigitadores profissionais, os clérigos.

Deus e o Diabo são irmãos gémeos, filhos do medo dos homens, explorados em favor do clero.

As peregrinações são atos de insensatez coletiva em direção a locais onde os homens inventaram marcas de Deus, centros de exploração da fé e da superstição, locais de recetação onde se esbulham os crentes, para maior glória dos parasitas de Deus.

Se Deus existisse, os crentes ficariam satisfeitos por serem os únicos com direito a uma assoalhada no Céu e para gozarem o ócio eterno na companhia da fauna celeste. Assim, vivem cheios de azedume, com vergonha da sua estultícia, ávidos de converter os outros aos seus próprios erros e fazer deles infelizes, à sua semelhança.

Um mundo sem Deus, ou com muitos, seria certamente mais pacífico, mas a loucura das religiões monoteístas quer fazer do Planeta um antro de fanáticos, de um único Deus, uma perigosa quimera que ensandece os homens, os assusta e imbeciliza.

Deus é um déspota imprevisível com lacaios que não o discutem nem o deixam discutir.

11 de Julho, 2018 Carlos Esperança

Os padres já perderam a paciência

A confissão foi uma arma ao serviço da religião. Hoje os padres dão lugar aos psiquiatras e psicólogos.

Os pecados deixaram de ser perseguidos criminalmente.

 

10 de Julho, 2018 Vítor Julião

Expliquem-me lá outra vez…

 

Alto, deixa-me perceber isso direito: os cristãos acreditam que há um ser invisível e indetectável, que é feito de nada e está em toda parte ao mesmo tempo, que criou realmente o universo inteiro a partir do nada e que pode ver e ouvir cada ser humano no planeta a cada segundo de cada dia e lembra-se do comportamento de cada um.

Eles acreditam que podem falar magicamente com este ser feito de nada, e pedir-lhe favores que o ser lhes pode conceder ou não conceder.

Eles acreditam nisso tão fortemente que muitos deles falam sobre isso várias vezes ao dia, todos os dias. Eles constroem grandes edifícios especiais para que possam se reunir e cantar para esse ser que eles acreditam que gosta de ouvir cantar, e em especial, gosta de ser adorado.

Para manter este ser apaziguado, essas pessoas (mesmo as pessoas muito pobres) muitas vezes dão uma parte substancial do seu ordenado ao longo de toda a sua vida, para aqueles que dirigem os grandes edifícios e que dizem que têm um canal de comunicação prioritário e especial para esse ser indetectável feito de nada.

E eles têm outra razão para dar seu dinheiro, tempo e devoção a este ser. Eles acreditam que quando morrerem, quando suas ondas cerebrais ficarem permanentemente na horizontal e o cérebro deixar de funcionar, quando o metabolismo e circulação parar, o corpo e o cérebro começarem a desfazer-se em compostos químicos simples, depois de tudo isso, esse ser indetetável feito de nada vai magicamente restaurá-los à vida, uma vida que nunca irá terminar, mesmo que o universo se extinga.

Por que é que eles acreditam em tudo isso? Porque há 2.500 – 3.000 anos atrás, algumas tribos hebraicas supersticiosas, escreveram um livro sobre as suas aventuras com esse ser indetetável feito de nada (aparentemente o ser era detectável então, mas não é agora). O livro é evidentemente um livro de superstição, magia, mitos, moral da Idade do Ferro e de ignorância científica, mas muitos cristãos preferem acreditar que ele é a verdade sagrada.

Agora, digam-me novamente por que é que acreditar em tudo isso não é uma doença mental?

 

Traduzido e adaptado de Bill Flavell

10 de Julho, 2018 Carlos Esperança

A Procissão da Senhora da Conceição (Crónica)

Para animar a fé e variar a liturgia eram frequentes as festas canónicas que esgotavam os ovos, o açúcar e a capacidade de endividamento das famílias na mercearia da aldeia.

A missa iniciava as festividades e prolongava-se com rituais de padres paramentados a rigor, vindos das paróquias vizinhas, e o sermão de um outro, contratado para enaltecer a santa e avivar a fé. O pregador subia ao púlpito e distinguia-se pela desenvoltura com que se exprimia, tanto mais apreciado quanto menos percebido, podendo confundir as virtudes e trocar os santos sem beliscar a fé ou pôr em risco os honorários.

Depois da missa, a procissão percorria as ruas da aldeia com uma ou outra colcha nas janelas e mantas de farrapos garridas, que era pobre a gente e a intenção é que a salvava.

À frente iam os pendões, empunhados por braços possantes que contrariavam o vento, seguidos de bandeiras com imagens pias e anjinhos, apeados, de asas derreadas. A seguir viajavam alinhados os andores do Sagrado Coração de Jesus e de alguns santos que aliviavam o mofo e o abandono na sacristia. No fim, vinha a estrela da companhia, a Senhora da Conceição, de virtude comprovada e milagres desconhecidos.

Os padres viajavam sob o pálio, conduzindo o arcipreste a custódia, que exibia a hóstia consagrada, com acólitos a empunhar as varas.

Em meados do século XX os cruzados gozavam ainda da estima de quem prevenia a salvação da alma e desconhecia a história das guerras religiosas. Assim, ladeando os andores, exultavam os garotos, meninos com uma faixa onde, a vermelho, se destacava a cruz e as meninas com uma touca que lhes escondia os cabelos e exibia uma cruz igual.

Depois dos padres e dos mordomos, orgulhosos dentro das opas, viajavam pelas ruas enlameadas as Irmandades. As Irmãs de Maria traziam o pescoço enfaixado com fitas azuis. Seguia-se a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus com fitas vermelhas e, finalmente, as Almas do Purgatório com fitas roxas atrás de um estandarte que as anunciava, não fosse o Diabo tomá-las como suas.

A cobrir a retaguarda a banda da Parada do Coa atacava música sacra enquanto os foguetes estalejavam no ar. A passo lento, se o tempo convidava, ou mais apressados, se a chuva fustigava, os crentes regressavam à igreja com deserções antecipadas a caminho de casa onde as vitualhas aguardavam.

Eram assim as procissões da minha infância percorrendo as ruas tortuosas da aldeia e os retos caminhos da fé.

Publicada no JF em 12-10-2006

In Pedras Soltas – Ed. 2006 (esgotada)

8 de Julho, 2018 Carlos Esperança

A primeira missa como patriarca — Há 5 anos

D. Manuel III e a sé de Lisboa

Começou mal a patriarcar a sé de Lisboa o Sr. D. Manuel III, da dinastia dos Manuéis. A missa era a peça de abertura do espetáculo pio que lhe cabia abrilhantar no coliseu da fé – o Mosteiro dos Jerónimos. Bastavam os pios funcionários de Deus a brilhar nas vestes femininas, com que têm o hábito de se travestir, para transmitirem o colorido exótico de que a missa precisava para refulgir na televisão a cores.

O paradoxo esteve na assistência. Eram restos do governo morto, com um presidente em estado terminal. Eram primeiras figuras do Estado laico a tornarem-se as últimas de um regime que teimam em inumar. Eram homens e mulheres que juraram respeitar a CRP, a pôr as mãos, a fazer flexões a toque de campainha, a balbuciar orações ao ritmo da peça, de joelhos, como apraz à fé, e de rastos como gostam os padres e se destrói a laicidade e a honra.

Alguns, de olhos vagos e esgares medonhos, afocinharam junto à patena que protegia o cálice donde saíram hóstias transubstanciadas por sinais cabalísticos do último Manuel, sem que o alegado sangue se visse a pingar da comissura dos beiços ou se adivinhasse a carne a errar pelo aparelho digestivo e a fazer o trânsito intestinal.

O Manuel e acompanhantes foram recebidos com palmas. Foi a primeira vez, depois de tanto tempo, que insultos deram lugar aos aplausos, no ambiente lúgubre que a luz das velas tornava mais tétrico. Quem desconheça os hábitos canónicos há de ter pensado que a joia arquitetónica do templo se convertera numa casa de alterne e que a estrela do espetáculo era a primeira bailarina.

Não foram os incréus que desonraram o espetáculo pífio, foi o bando subserviente que, ao prestar vassalagem a uma religião particular, cobriu de opróbrio o Estado e a Igreja.

À falta de colunas vertebrais salvaram-se as colunas de pedra do esplendor manuelino, a ossatura da joia arquitetónica que, no espetáculo de abertura do novo gerente da Sé de Lisboa, foi convertida num circo para arlequins mediáticos.

8 de Julho, 2018 Carlos Esperança

A Blasfémia e o Sagrado

Há um crime medieval que os códigos penais de países civilizados ainda acolhem, por incúria, inércia, temor do Inferno ou do clero, dos legisladores. É um anacronismo perigoso numa época em que os valores da liberdade estão em regressão.

A jurisprudência portuguesa privilegia o direito de expressão em relação à blasfémia, mas não podemos dar por adquirida uma regra quando o Tribunal Constitucional, ao arrepio da CRP e da sua própria jurisprudência, que interdita designações confessionais aos partidos políticos, aprovou em 1-07-2009 o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC), a partir de uma pouco recomendável associação onde a D. Isabel Jonet trata da vida e cuida da alma – Portugal pro Vida (PPV).

O sagrado é um estado de espírito em relação a uma ideia, pessoa, mito ou sistema. O esforço para proteger o sagrado através da censura é uma obsessão recorrente das religiões, dos seus funcionários e dos respetivos exércitos de devotos. O objetivo é comum a dignitários de todas as religiões e chefes de partidos políticos que se julgam detentores da verdade única. Quando conseguem, é o poder totalitário que instalam.

O sagrado de uns é blasfémia para outros. Quando os islamitas apedrejam o Diabo, em Meca, são um bando de dementes para outros. Os cristãos, ao celebrarem a eucaristia, são infiéis capazes de beber vinho que, como se sabe, provoca acessos de raiva e descontrolo a Maomé. O próprio toucinho é motivo de rivalidades teológicas e ódios mortais, tal é a demência da fé e a perturbação dos crentes.

Há quem tenha crenças profundas em Jesus, Maomé ou Jeová tal como outros adoram Mao, Estaline, Hitler e Franco, ou ainda o Sol, uma vaca, um imperador ou qualquer outro animal. Cada um com sua mania.

Imagine-se a sociedade repressiva que se cria se o direito à blasfémia – a ofensa a tais criaturas –, for coartado. Se o direito de vexar, julgar ou satirizar figuras históricas, sinistras ou excelsas, for postergado, surgem ditaduras de geometria variável e contornos impossíveis de definir.

Se acontece com pessoas reais, imagine-se a condenação de alguém por difamar o Pai Natal e a Branca de Neve ou pôr em causa a sua virtude ou existência! A Pantera Cor-de-rosa, Deus e os profetas gozariam de proteção contra qualquer crítica ou zombaria.

A vocação totalitária das crenças combate-se com o laicismo.