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18 de Abril, 2019 Carlos Esperança

Os crentes e a tolerância

O aparecimento de crentes tolerantes vai-se tornando uma constante a que urge estar atento. É um fenómeno das sociedades democráticas onde a secularização exerce a sua pedagogia. Tal como o ateísmo, a religião não faz ninguém bom, mas não estraga todos por igual. Os livros sagrados refletem a violência da época e a idiossincrasia de quem os escreveu, mas são poucos os crentes que os leem e menos os que os levam a sério.

A verdade revelada dos quatro livros escolhidos no consulado de Constantino teve mais a ver com os interesses do Império Romano do que com a fé do Imperador. Esses livros, evangelhos, refletiam interesses políticos que se tornaram essenciais para a organização política da ICAR e a conquista do poder temporal que logrou. O mesmo aconteceu com a Tora, primeiro, e o Alcorão, depois.

Curiosamente, ainda hoje a ICAR vai buscar aos evangelhos que ela própria declarou apócrifos factos e personagens a que atribui valor canónico. É o caso de Ana e Joaquim, proclamados santos e atribuídos a Jesus, como avós maternos cuja vida e existência os «verdadeiros» omitem.

Excetuando épocas de crise em que o sentido literal da Tora, Bíblia e Alcorão são objeto de um proselitismo infrene, a tendência vai no sentido da relativização dos textos e o cumprimento da vontade de Deus aligeira-se como se o próprio, suspeito de Alzheimer, ficasse sob suspeita.

Com crentes tolerantes e civilizados é possível alargar os espaços democráticos e levar o respeito pelos direitos humanos a regiões onde é desconhecido. Seria trágico que, por questões de assepsia, os ateus recusassem dar as mãos aos crentes, de qualquer credo, que sobrepusessem o espírito da paz à paranoia do proselitismo. Basta, para desgraça, que a inversa se verifique.

Quando a sabedoria, a diversidade cultural e a miscigenação aproximam os povos, aumenta no seio das diversas religiões, o pavor da perda do poder, o horror à extinção, a volúpia da hegemonia e a obsessão totalitária da verdade única.

O clero tem reflexos tribais, que urge conter com a laicidade, e tendências prosélitas que a separação da Igreja e do Estado atenuam. A tendência totalitária, que a sociedade civil deve refrear, precisa de uma vacina que permita a vitória da paz, da liberdade e do livre-pensamento. A laicidade é essa vacina e interessa a ateus, crentes e agnósticos.

A liberdade religiosa, reconhecida pela primeira vez, pela Igreja católica, no concílio Vaticano II, foi vista com azedume por João Paulo II e Bento XVI, mas a reafirmação recente, explícita e veemente, pelo Papa Francisco, dá à sua Igreja alguma autoridade moral.

17 de Abril, 2019 Carlos Esperança

Fake News

Por

ONOFRE VARELA

Está na moda a difusão de notícias falsas (referidas pelo termo inglês Fake News)… uma espécie de “informações” criadas com o propósito de enganar quem as receba por verdadeiras. 

Divulgam mentiras por verdades, para intoxicarem a opinião pública e induzirem a maioria de nós a pensar e a fazer como os seus promotores querem. Habitualmente usadas com fins políticos ou económicos para benefício de alguém ou algo, é um recurso usado por partidos políticos ou correntes de pensamento. 

As Fake News foram usadas nos EUA em benefício de Donald Trump, e no Brasil para levar Bolsonaro ao governo. Numa sociedade sã, defendendo interesses sociais colectivos e ecológicos, esses homens nunca seriam líderes se não fossem promovidos por narrativas enganosas e eleitos por gente, propositadamente, distraída. 

Para que as Fake News atinjam o alvo com eficácia, têm de ter algo de verdadeiro à mistura… algo que interesse à maioria de nós, levando-nos a aceitar todo o discurso como verdade, só porque uma parte dele é (ou parece) verídico. Repare-se nosenredos das telenovelas. Aquilo é pura ficção, mas retrata a vida social como nós a conhecemos, e muitos dos conflitos narrados nos episódios, já nós os vivemos de algum modo ou sabemos de quem os tenha vivido… mas é tudo mentira! É esta semelhança com a realidade que faz o interesse dos espectadores. 

Esta artimanha de misturar realidade com ficção, não é nova. As Fake News são velhas como o mundo, e a Bíblia é uma colecção enorme delas. À mistura com nomes de personalidades que a História nos diz terem existido, e de localidades reais, construíram-se narrativas falsas que, para além de as aceitarmos por verdadeiras, ainda se lhes acrescenta a maior falsidade que é a de terem sido ditadas por um deus!…

Um exemplo: Moisés é uma personagem do Antigo Testamento, atribuindo-se-lhe o êxodo (a fuga do povo hebreu do Egipto) e a espectacularidade das dez pragas que fizeram a rendição do faraó Ramsés II, a última das quais provocou a morte do próprio filho do faraó, o que nos mostra Deus como um ser infame, despótico e cruel. 

O problema desta narrativa está no facto de os casos que conta nunca terem existido!… Êxodos de hebreus, houve muitos… e as dez pragas narradas são tão espectaculares, provocaram tantos danos à sociedade egípcia, que, forçosamente, teriam de fazer parte da História do Egipto… que não as regista!… O que quer dizer que não existiram! 

A própria existência real de Moisés não está provada pela História, e o que se diz de, em bebé, ter sido recolhido de uma cesta abandonada no rio Nilo, e ter sido educado no palácio do Faraó… é cópia da história de vida de Sargão I, rei da Suméria, que viveu 600 anos antes de Ramsés II. Placas de argila com inscrições cuneiformes registam que Sargão I nasceu em segredo, filho de uma grande sacerdotisa que o abandonou à deriva num cesto nas águas do rio Eufrates, tendo sido resgatado por um homem que se abastecia de água e o criou. 

Esta estória do menino abandonado num rio também é contada como nota biográfica de outros poderosos da Antiguidade, como Ciro e Adashir, para sublinhar a capacidade que tiveram da superação do infortúnio, ascendendo a lugares cimeiros da sociedade, apesar de terem tido um nascimento tão miserável.

 (Artigo a publicar no jornal Gazeta de Paços de Ferreira de 18 de Abril de 2019)

16 de Abril, 2019 Carlos Esperança

Ética na Publicidade

Por

Onofre Varela

Como o prometido é devido, vou falar de “Ética na Publicidade” para concretizar a “ameaça” que fiz no último artigo.

Já abordei o caso no programa de televisão “A Falar é Que a Gente se Entende”, do Porto Canal, tendo por companheiros de conversa três religiosos de credos diversos. Reparei que o companheiro sacerdote católico arregalou os olhos de espanto por ver um ateu a falar de ética (!!!)… quem se espanta sou eu, por me aperceber da existência de quem possa pensar que a ética não habita a consciência de um ateu!

Em 1975 eu era criativo gráfico numa agência de publicidade em Lisboa, e coube-me desenvolver uma ideia para concorrermos a um concurso público promovido pela PRP (Prevenção Rodoviária Portuguesa). A peça que me coube era um cartaz que tinha por missão alertar os automobilistas para a proximidade de uma escola. Desenhei uma criança com sacola a atravessar uma passadeira de peões, sendo que o desenho era resolvido sem cor. Apenas preto com gama de cinzentos (como se fosse uma foto a preto e branco). O único toque de cor era um sinal de stop em tamanho grande, no centro do cartaz, substituindo a cabeça da criança. Apresentei o estudo feito a guache ao chefe de ateliê, e ele disse de imediato: “Não serve”. Admirei-me com aquela negativa para uma ideia que me parecia tão boa, e perguntei porquê. Ele explicou: “Quando substituis a cabeça de alguém, por uma coisa, estás a coisificar um ser humano. E os seres humanos não são coisificáveis… têm de ser tratados com a dignidade devida ao Homem”!

Foi a primeira lição de ética que recebi em publicidade, a qual retive na memória e sempre considerei no decorrer da carreira.

Agora vem o contrário disto, que aconteceu há cerca de uma trintena de anos.

Num MUPI (Mobiliário Urbano Para Informação) de uma paragem de autocarro no centro do Porto, vi um cartaz, também trabalhado a preto e branco, mostrando uma foto do modelo de um automóvel, e a frase forte que fazia o leitmotif da campanha publicitária: “Na Vida Há Prioridades. Primeiro Eu, e depois… Eu!”. Senti-me enojado. O apelo era dirigido ao pior sentimento de nós. Ao sentimento da hipotética superioridade e importância próprias, subestimando todos os semelhantes. Alás, para quem escolhesse aquele carro, nem havia semelhantes… só inferiores!

Não decorei a marca nem o modelo do automóvel publicitado. Aquilo era repelente.

Mas o criativo daquela mensagem soube muito bem o que fez!… Ela era dirigida aos Yuppies (Jovens Profissionais Urbanos), entre os quais há animais sem ética nem pingo de vergonha. Fazem de tudo para treparem aos postos mais altos das empresas, atropelando tudo e todos na sua corrida à ascenção do poder.

Fico a pensar se a Ética, enquanto filosofia comportamental, também muda de acordo com os tempos… parece que sim… e pelo exemplo dado, afigura-se-me ser pior do que mau.

(Artigo de Onofre Varela, inserido no jornal Gazeta de Paços de Ferreira, edição de 4 de Abril de 2018)

14 de Abril, 2019 Carlos Esperança

A indústria dos milagres sobrevive

Na ânsia de fabricar milagres, JP2 convocou centenas de defuntos, sepultados em zonas afetas à ICAR, para curarem uma criança aqui, uma freira acolá, um médico noutro sítio, enfim, uma quantidade enorme de doentes que Deus sadicamente tinha estropiado.

A boa vontade dos defuntos, em péssimo estado de conservação, aliviou alguns cristãos das moléstias enviadas pela divina e infinitamente bondosa providência.

O exercício da medicina é o passatempo desses bem-aventurados, há muito falecidos, cristãos com pecados apagados pelo tempo e virtudes avivadas pelo Papa.

No laboratório do Vaticano certificam-se milagres e criam-se novos beatos e santos que povoam a folha oficial do bairro de 44 hectares. Os milagres, em doses industriais e a respetiva criação de santos foi um lucrativo empreendimento lançado pela Opus Dei.

Antigamente era o próprio Cristo que se deslocava à Terra para ajudar a ganhar batalhas aos clientes ou ensinava aos cristãos a tática para matarem os infiéis com mais eficácia.
Depois de alguns desaires, porque a idade e o reumático lhe limitaram as deslocações, Deus deixou ao Papa a tarefa de engendrar os milagres mais adequados à promoção da fé e à estupefação dos crentes. JP2 abandonou o método artesanal de fazer santos para se dedicar à industrialização. B16 seguiu-lhe as pisadas e o papa Francisco continua.

As curas de cancros foram, em regra, as preferidas da Cúria romana. Problemas de ossos, moléstias da pele, diabetes, paralisias e outras doenças fazem parte do cardápio da santidade. Mas, com tanta clientela para elevar aos altares, o Vaticano já chegou ao ponto de deixar para um imperador (Carlos I da Áustria) a cura de varizes a uma freira.

Foi uma ofensa aos quatro filhos vivos que assistiram à beatificação. Se a um imperador reserva como milagre a cura de varizes, os papas, quando forem sólidos defuntos, terão de curar furúnculos ou verrugas, para chegarem a beatos.

Os medicamentos estragaram os milagres de grande efeito como a cura da lepra, por exemplo. E há milagres que o Vaticano não arrisca: hemorroidas e herpes vaginal por causa do sítio, sífilis, blenorragias e SIDA pela associação ao pecado.

Mas há erros que a ICAR há muito não comete: canonizar, por engano, um cão que julgava mártir ou uma parelha de mulas que morreram exaustas e que a ICAR pensou tratar-se de santas mulheres que sacrificaram a vida pelo divino mestre.

Os milagres são cada vez mais rascas, mas a biografia dos bem-aventurados que os obram é progressivamente melhor escrutinada.

11 de Abril, 2019 Carlos Esperança

Todos somos ateus

Não há a mais leve suspeita ou o menor indício de que Deus exista, nem qualquer sinal de vida da parte dele. No entanto, o ónus da prova cabe a quem afirma a sua existência e, sobretudo, a quem vive disso.

Cada religião considera falsas todas as outras e o deus de cada uma delas, afirmação em que certamente todas têm razão. Os ateus só consideram falsa uma religião mais e mais um deus, o que, no fundo, faz de todos ateus. E não é no sentido grego, em que ateu era o que acreditava nos deuses de uma cidade diferente, é no sentido comum da negação de Deus [com maiúscula para o deus abraâmico] ou de qualquer outro.

Todos somos hoje ateus em relação a Zeus, Osíris ou ao Boi Ápis, como amanhã outros serão em relação a Vishnu, Shiva e Brahma ou ao Pai, Filho e Espírito Santo da trindade cristã. Os deuses de hoje serão os mitos do futuro. Outros serão criados, por necessidade psicológica, para servirem de explicação, por defeito, a todas as dúvidas, e de lenitivo a todos os medos.

A morte, a angústia que desperta, o fim biológico de todos os seres vivos, é o maior dos medos. Deus é o mito bebido no berço, a esperança de outra vida para além da morte, a boia dos náufragos que se habituaram a acreditar desde crianças e se conformaram com a pueril explicação da catequese e se intimidaram com a dúvida. Os constrangimentos sociais ou/e a repressão violenta ao livre-pensamento tem perpetuado mitos milenares.

A crença, em si, não é um perigo nem ameaça, perigoso é o proselitismo, essa demência de quem não se contenta em ter um deus para si e exige que os outros também o adotem e o adorem. A vontade evangelizadora transforma as religiões em detonadoras do ódio e a competição entre elas em rastilho da violência.

A fé, vivida por cada um, é inócua; transformada em veículo coletivo de conquista ou aglutinação de povos, torna-se um instrumento de violência. É por isso que os Estados devem ser neutros, em matéria religiosa, para poderem garantir a liberdade de todos.

10 de Abril, 2019 Carlos Esperança

Espanha – a perda da fé

Fonte: Fundación Ferrer i Guàrdia a partir de INE y Barómetro del CIS. EL PAÍS

9 de Abril, 2019 Carlos Esperança

Há 4 anos

A Europa não pode virar-se para Meca nem pôr-se de joelhos

A suspensão das emissões da TV5 Monde, por terroristas informáticos, não é apenas um crime contra uma televisão, é um crime contra a liberdade de informação. Ontem, contra a TV5, há tempos, contra o Charlie Hebdo, com banho de sangue, os crimes sectários do fascismo islâmico incitam à repressão e convidam ao martírio que garante aos autores uma assoalhada no Paraíso, 72 virgens e rios de mel doce. No Quénia ou na Nigéria, no Iémen ou em França, onde quer que seja, a Al-Qaeda, Boko Haram ou Estado Islâmico, são heterónimos das metástases do mesmo cancro – O Corão.

O obscurantismo, a demência pia e o desespero de quem encontra na fé o lenitivo para o falhanço da sua civilização, vai criando o caldo de cultura para a repressão que pretende e para a tentativa de destruição do mundo livre. A Europa não pode cair na armadilha de crentes desvairados que seguem o manual terrorista de um beduíno analfabeto e amoral, como Ataturk definiu Maomé. Não pode replicar fora das normas do Estado de Direito, mas pode, e deve, submeter às normas desse mesmo Estado todos os cidadãos.

Admite-se que as madraças e mesquitas sejam interditas a quem recusa a liberdade e a democracia. Há o dever de reciprocidade dos países islâmicos, o dever de aceitarem, nos países onde são maioritários, os crentes das outras religiões e respetivos locais de culto, bem como os que não professam qualquer religião ou as desprezam.

Os facínoras difundiram ainda no Facebook cartões de identidade e dados de supostos familiares de militares que participam nas operações contra o Daesh, num texto com a mensagem: «Soldados da França, fiquem longe do Estado Islâmico! Vocês têm a oportunidade de salvarem as vossas famílias, aproveitem-na» e acrescentaram que «O Cibercalifado continua a sua ciberjihad contra os inimigos do Estado Islâmico».

Independentemente do que cada um de nós pensa da política externa francesa, europeia ou americana, o repúdio pela barbárie e pela chantagem, que se repetem com monótona regularidade, deve ser manifestado de forma a conter a demência prosélita do Islão. Não é islamofobia, é o medo real de quem se deixa envenenar pelos versículos do Corão, um plágio medíocre do cristianismo com laivos de judaísmo, que urge conter.

A democracia está primeiro.

9 de Abril, 2019 Carlos Esperança

Há 4 anos

Escola Prof. Doutor Ferrer Correia – Debate com o padre Nuno Santos

Referida a impossibilidade teórica de o ateísmo ser uma crença, tal como não jogar futebol não ser desporto, o debate foi um exemplo de moderação e respeito mútuo, com o padre Nuno a manifestar a sua crença e eu, que não distingo a água benta da outra, a dizer que a descrença não depende de um ato da vontade.

É fácil num ambiente circunscrito concordar em objetivos comuns, com um único ponto de discórdia, o clérigo, doutorando em Teologia, a afirmar que se trata de uma ciência e o ateu a negar tal qualidade por lhe faltar o método e o objeto.

Foram duas horas cordiais, sem azedume ou ofensas, com a minguada plateia a aceitar opiniões divergentes. Sobrou em urbanidade o que faltou em picardia. O padre aceitou o facto de as religiões serem, ou terem sido, detonadoras de violências, tal como o ateu se referiu a violências de regimes ateus por razões políticas.

Ambos concordámos que a laicidade é um fator de liberdade, a única possibilidade de garantir a liberdade religiosa ou, mesmo, antirreligiosa.

Cumprimos o dever cívico de manifestar as convicções sem pretender conversões, com a benevolente moderação da Prof. Dr.ª Cristina Vieira.