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30 de Junho, 2019 Carlos Esperança

A razão, a superstição e os exorcismos


Quando a razão dorme, acordam os monstros. É esta mensagem de Goya num dos seus «Caprichos», um Iluminista com o pincel e as tintas a fazer mais contra a superstição do que grandes escritores em milhares de páginas. Goya zurziu, em finais do século XVIII, a nobreza e o clero, com o génio do talento e a coragem dos heróis, através de uma das armas mais mortíferas – a sátira –, com que abalou o prestígio de Ordens religiosas e os preconceitos do seu tempo.

O fanatismo religioso, a Inquisição e as superstições foram denunciadas nas 80 gravuras do genial pintor que só por sorte escapou às garras da Inquisição. Ele não foi apenas um precursor da pintura moderna, foi um arauto da sociedade liberta das trevas e conduzida à razão pelo Iluminismo.

Quando o cardeal Rouco Varela nomeou. em 2013 oito exorcistas para a diocese de Madrid e se soube que as dioceses católicas têm peritos no tratamento das possessões demoníacas, não é o atraso de uma Igreja que desprezo que me preocupa, é o regresso da sociedade aos medos medievais e forças ocultas que apavoraram gerações de crentes.

Depois de um Papa ter negado a existência do diabo logo outro veio reiterá-la, não fosse a superstição desaparecer. Quando os crentes perdem o medo dos demónios, acabam por duvidar do interesse do seu Deus mas o que é terrível é a crença do clero nas possessões demoníacas, nesse regresso ao obscurantismo que encobre o autoritarismo eclesiástico e o imobilismo ideológico característico das seitas.

No caso espanhol, o velho cardeal franquista convidou ainda psiquiatras para fazerem o diagnóstico diferencial entre doenças do foro psíquico e da alçada do demo. Claro que à declaração clínica não é alheia a crença do médico e não é por acaso que a única doença exclusiva dos crentes seja a possessão demoníaca, moléstia que não atinge agnósticos, ateus, céticos e outros livres-pensadores.

É o regresso ao autoritarismo romano que está em marcha. Denunciar os desvarios pios é uma obrigação de quem recusa o regresso à época das trevas. Há mais de dois séculos, já Francisco Goya nos alertava para o mundo obscuro que os conventos e as sacristias preservavam tal como hoje o fazem, às escâncaras, as madraças e mesquitas.

28 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Laicismo e laicidade

Separação da Igreja e do Estado

É frequente encontrar beatos embrutecidos pela fé, e crentes moldados pelas Igrejas, que dizem ser a favor da laicidade e contra o laicismo. Há quem o faça de boa fé e quem use um artifício semântico para iludir a discussão.

Normalmente, os que defendem a laicidade e condenam o laicismo são os que apoiam a laicidade quando são minoritários e reprovam um tratamento igual, para o que designam diferente, quando estão em maioria.

Laicismo é o nome de uma doutrina do séc. XVI que pretende para os leigos o direito de governar a Igreja, mas, hoje, diz-se da doutrina que tende a emancipar as instituições do seu carácter religioso. Foi esta a evolução semiológica da palavra.

O Laicismo defende a exclusão da influência religiosa no Estado, na cultura e na educação e tende a libertar as instituições estatais do carácter religioso. Expandiu-se na Revolução Francesa e deve-se-lhe a separação entre a Igreja e o Estado. O laicismo facilita a irreligiosidade, mesmo a anti-religiosidade, mas não é a causa nem impede às religiões os direitos de ensino e organização que confere às outras associações.

Laicidade é o modo concreto da tradução e aplicação prática desse preceito. O laicismo é, pois, a doutrina, e a laicidade o modo de a levar à prática.

A laicidade conduz à neutralidade do Estado e à obrigação de se declarar incompetente em questões religiosas. Cabe-lhe, isso sim, respeitar todas as crenças, descrenças e anti-crenças. O Estado não tem o direito de ser católico, protestante, budista ou ateu e, muito menos, de se pronunciar sobre ‘verdades da fé’. Todos somos ateus em relação ao deus dos outros, os ateus só o são em relação a mais um.

A religião não é um direito do Estado ou das suas instituições, é um direito individual.

Quem distingue o laicismo da laicidade é quem, habitualmente, confunde crenças com os crentes. Estes respeitam-se, aquelas seguem-se, desprezam-se ou combatem-se, fazem parte da disputa do mercado da fé. Um Estado que aceita criminalizar a heresia, a apostasia, a blasfémia ou o sacrilégio não é uma democracia, é a sucursal de uma qualquer madraça, como se as ‘verdades da fé’ de qualquer religião não fossem heresias para a concorrência, e a conversão não fosse pecado gravíssimo para a que se abjurou e um ato heroico para a que se abraçou.

Temos de nos habituar a respeitar todos os crentes e a pôr em dúvida todas as crenças. Só o código penal laico pode proteger os cidadãos, indiferente aos seus credos.

Não há novidades neste texto, mas é cada vez mais necessário distinguir os crentes das crenças, i.e, as vítimas dos seus preconceitos, porque vale mais cada um dos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos do que todos os versículos herdados das tribos patriarcais da Idade do Bronze.

27 de Junho, 2019 Carlos Esperança

As religiões e o proselitismo

Nada tenho contra os crentes e tudo contra as crenças, sobretudo quando os fiéis querem impor aos outros a sua fé e, muito especialmente, se recorrem à violência.

O ateísmo também merece igual censura se for sectário e violento. As guerras santas são devastadoras e a Europa tem longa tradição nesse desvario. Por mais que a componente económica influencie os conflitos, é o ódio religioso que aparece como o mais violento detonador de guerras.

Que raio de deuses inventaram os homens que precisam de religiões como agências de promoção e instrumento de coação?

A laicidade é a vacina que interessa a crentes de todas as religiões não dominantes, no espaço em que se inserem, bem como a todos os não crentes, e não pode ser descurada.

É tão perverso um Estado ateu como um confessional. O Estado deve ser neutro e evitar intrometer-se na vida das associações cuja liberdade lhe cabe respeitar e defender. Só o código penal deve limitar a demência do proselitismo e a violência dos prosélitos.

Não posso deixar de recordar Voltaire no leito da morte, a quem, como era hábito, para terem o troféu «converteu-se na hora da morte», pretendiam que «negasse o Diabo», ao que respondeu com fina ironia: «Não é o momento apropriado para criar inimigos».

Mais sarcástico, Christopher Hitchens, influente escritor e jornalista britânico, autor do livro «Deus não é grande», quando soube que, na sequência do cancro que o consumia, se faziam apostas na NET sobre se se converteria antes de morrer, declarou: «se me converter é porque acho preferível que morra um crente do que um ateu».

26 de Junho, 2019 Carlos Esperança

São Josemaria – 44.º aniversário do seu passamento

São Josemaria – 44.º aniversário do seu passamento

Há 44 anos esqueceu-se de respirar o indefetível apoiante do genocida Francisco Franco e fundador do Opus Dei. Apoiou a política de João Paulo II, responsável pela falência fraudulenta do banco Ambrosiano, e a criação de centenas de santos espanhóis, todos mártires do mesmo lado da guerra civil.

Ao serviço de Deus e do fascismo, acompanhou as tropas sediciosas a Madrid, e os seus fiéis, a quem indicou o Caminho, levaram à falência os impérios Matesa e Rumasa, para maior glória da prelatura e benefício dos desígnios do Monsenhor.

Os contributos pecuniários obtiveram a imunidade da seita, que passou a ter como única obediência o Papa, e o diploma da santidade, a ser conferido post mortem, depois de dois milagres certificados, um para a beatificação e outro para a santidade, como é uso. Foram-lhe creditados 3 milagres, não se pense que foi protegido, o primeiro no ramo da oncologia, a uma freira, prima de um ministro de Franco, que morreu curada.

O bem-aventurado, mal refeito da defunção, já tinha obrado 3 milagres, adjudicados por João Paulo II, amargurado Papa que não se poupou a esforços para evitar a prisão ao seu amigo Pinochet, sem êxito. JP2 era rápido a farejar milagres e santidade e não teria sido preciso que, quando da morte do franquista, 69 cardeais, cerca de 1300 bispos de todo o mundo e 41 superiores de congregações religiosas tivessem pedido o início da causa de sua beatificação e canonização. Estava paga e prometida.

JP2 criava santos com a mesma rapidez com que uma incubadora cria frangos, e o ora S. Josemaria tinha dado provas de martírio com o silêncio que guardou perante centenas de milhares de fuzilamentos pela ditadura e com o cilício que usou para deliciar o deus que defendia o generalíssimo, a monarquia, o catolicismo e o garrote, em Espanha.

S. Josemaria, quando deus foi servido de o chamar, como se diz em termos de afición, foi sepultado na Igreja Prelatícia de Santa Maria da Paz, na sede central da Prelatura, em Roma. Em 6 de outubro de 2002 foi canonizado pelo Papa João Paulo II, abandonando o ramo dos milagres, mas, em 2005 Bento XVI abençoou uma estátua em mármore de São Josemaría Escrivá, no exterior da Basílica de São Pedro, em Roma.

Depois de dois pontífices seus devotos, o Espírito Santo iluminou mal os cardeais do consistório e negou-lhe o terceiro e último.

O Santo mantém um exército de prosélitos, aptos a enfrentar o Islamismo e a subsidiar o Vaticano, enquanto rezam para que o Papa Francisco desapareça. Deus faz sofrer os que mais ama 😊.

26 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Ser ou não ser…

Um amigo faceboquiano postou um desabafo de religioso sentindo-se agredido no seu raciocínio. Diz ele: “Para alguns, ser católico é ser palerma… e ser ateu é ser esclarecido, moderno, intelectualmente superior (…)”. O meu amigo virtual não se sinta assim, tão negativamente tratado, porra!… Uma das questões que muitas vezes me coloco, é esta:

Porque é que um licenciado (médico ou advogado, por exemplo) tem do conceito de Deus a mesma convicção de um servente de pedreiro analfabeto? Será que o licenciado não aprendeu nada, ou o analfabeto sabe muito?!…

Não é verdade que a crença em Deus pertença aos ignorantes. O saber e a crença podem coabitar na mesma mente. A religiosidade é natural, é um atributo humano, e a ideia de Deus está alojada no cérebro de todos nós. O berço de cada um, o meio em que cresce e é educado, pode ditar o interesse e o valor que cada indivíduo dá à ideia do divino. O culto de Deus está presente nas famílias desde que se nasce (pelo baptismo na igreja da paróquia), na celebração religiosa da Comunhão (como referente da passagem da meninice para a juventude), no casamento frente ao altar, e mais tarde no baptismo e na Comunhão dos filhos, até ao enterramento depois de finado, com funeral presidido por um sacerdote que encomenda a alma do defunto ao Altíssimo!…

Toda a vida do temeroso crente é votada à religiosidade, e isso tem o seu peso na vida de cada um de nós, pois não há quem possa fugir à ética social e religiosa presente na construção das suas origens e do seu dia-a-dia. Para além desta verdade antropológica e sociológica, há o comércio religioso nas lojas que as igrejas são (veja-se Fátima), prestando assistência à alma a qualquer hora do dia. Igrejas, capelas e alminhas de parede estão mais disseminadas pelo país do que as caixas Multibanco (o deus-dinheiro). Qualquer produto religioso que se mostre de interesse geral (ou mesmo sem se mostrar; a fé basta) passa a ser comercializado, a alimentar indústrias, a ser massivamente publicitado e consumido, tal como a Coca-Cola, os hamburgueres e as telenovelas (veja-se a seita IURD!).

O “produto-Deus” está colado a nós. Tem a mais valia de nos acompanhar desde o Paleolítico, com reforço na Idade do Ferro, acrescentado pelo medo dos castigos divinos induzidos na Idade Média, e embelezado com a espectacularidade da Arte Renascentista. Na nossa civilização a história de Deus já vem de longe, desde a Idade Clássica, importadora dos enigmáticos deuses da Mesopotâmia, e acompanha-nos nos momentos mais emblemáticos das nossas vidas, o que, por si só, exerce muita influência no nosso modo de ser. Mas há muitíssimo mais por detrás da ideia de Deus!…

Também serve interesses políticos, sociais e económicos, o que tem muito peso e demasiada importância para os mandantes deste mundo. Agora já percebe porque é que a ideia de Deus também habita as cabeças com raciocínio superior ao de um servente de pedreiro analfabeto?!…

(Artigo de Onofre Varela a ser publicado no jornal Gazeta de Paços de Ferreira na edição do dia 27 de Junho)

24 de Junho, 2019 Carlos Esperança

A tragédia das verdades únicas

Trinta e um anos de ditadura, quatro anos e 4 dias de tropa, com 26 meses de desterro em Moçambique, na guerra colonial, moldaram o homem que sou e a compreensão de que me sinto capaz, contra as aparências.

Não me surpreendem os homens e as mulheres que pensam o contrário do que eu penso, mas não aceito o pensamento que nega a expressão ao entendimento oposto e combato o que oponha ao direito de quem discorda de mim.

Não há verdades absolutas e, por isso, só o maniqueísmo pode defender a verdade única de uma religião, de um partido político ou de uma corrente filosófica. Na Matemática e na Física as verdades são elaboradas a partir dos factos e postas em dúvida por método. Na ciência tudo é verdade até prova em contrário. Na fé, a verdade é eterna e imutável ainda que todos os factos a desmintam. Por isso, os cientistas andam sempre carregados de dúvidas enquanto os crentes vivem cheios de certezas.

Não há regime político, partido, credo ou tradição que mereça respeito se não aceitar o contraditório. O esclavagismo, a antropofagia e a misoginia foram tradições que ainda não estão completamente erradicadas. Ai de nós, se nos deixarmos convencer pelo peso da tradição ou vencer pela violência do dogma.

Uma sociedade discriminatória é uma sociedade doente. Por isso, valem mais os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos do que todos os versículos de todos os livros sagrados, quaisquer tradições, por mais consolidadas que estejam, ou qualquer utopia totalitária por mais risonha que pareça.

23 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Há seis anos o Vaticano reconheceu o segundo milagre de João Paulo II

«Em abril de 2013, os médicos do Vaticano reconheceram a cura inexplicável de uma mulher.»

Julgava-se que, com o papa Francisco, chegara ao Vaticano uma pessoa normal, que não podendo evitar o poder do lóbi gay e a corrupção que o aguardavam, poderia ainda suspender os milagres já preparados para a indústria da santidade.

É um truísmo banal afirmar que «o que pode ser afirmado sem provas, pode igualmente negar-se sem provas», mas surpreende que no século atual ainda se inventem milagres para alimentar o comércio da fé.

Quando «a cura inexplicável de uma mulher» se transforma em milagre e se descobre logo o autor, há uma boa dose de superstição ou uma deliberada encenação do embuste.

Esqueçamos o Papa que perseguiu os teólogos da libertação, que os reduziu ao silêncio e que deixou à solta a Opus Dei, o negócio dos milagres e o encobrimento dos casos de pedofilia. Fica ainda a cumplicidade com Reagan e a proteção a Pinochet, cujos crimes silenciou ao contrário dos esforços para lhe evitar o julgamento. Não houve ditador sul-americano católico que não tivesse a sua bênção e ações contra o comunismo que não tivessem a sua subvenção pia sem escrúpulos sobre a origem do dinheiro.

A proteção ao arcebispo Marcinkus, cuja extradição impediu, para evitar o julgamento e a condenação que esclareceria a lavagem de dinheiro no Vaticano e a falência do banco Ambrosiano, era suficiente para manchar o pontificado de João Paulo II.

Quem protegeu os mais reacionários movimentos católicos, Opus Dei, Legionários de Cristo e Comunhão e Libertação, grandes contribuintes dos cofres do Vaticano, todos envolvidos em escândalos à escala planetária, apenas porque lutou contra o comunismo, não merece que lhe adjudiquem um milagre para o colocarem nas peanhas das igrejas e nos santinhos que distribuem pelos garotos do Terceiro Mundo.

Afinal, o Papa Francisco apenas continuou o negócio com outros modos. A santidade é o estado civil e a profissão do velho celibatário, à semelhança dos seus antecessores.

21 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Um crime é isso mesmo

A moldura penal de um crime inclui a sua natureza e motivações. O ódio sectário que se verifica em numerosos atentados tem motivações xenófobas, fatalmente agravadoras das penas que cabem aos criminosos.

Os crimes dos muçulmanos que se explodem e arrastam consigo os infiéis, convencidos de que vão jantar com o Profeta, depois de fazerem a catarse da repressão sexual que os consume em vida, com as 72 virgens que o manual lhes anuncia e um demente pregador lhes confirma, têm sido largamente divulgados na comunicação social.

A dissimulação com que os arautos do misericordioso profeta falam da religião de paz, como se tivesse havido uma tentativa séria de alterar a interpretação de um conjunto de versículos intoleráveis do manual ou de hadits do beduíno analfabeto, não contribui para conter a insânia de quem não se limita a acreditar e exige a conversão alheia.

A entrevista dada há dias pelo presidente turco à RTP-1, a Paulo Dentinho, é um manual de descaramento e disfarce da cobra que esconde o veneno, mas não evitou o asco que o réptil provoca. Era a versão contida e fria de um exaltado pregador da jhiad.

O que não costuma ser notícia são os crimes contra os muçulmanos. Há 2 anos, o atropelamento de crentes que saíam de uma mesquita de Londres, por um terrorista que veio a confirmar que era seu objetivo “matar muitos muçulmanos” insere-se numa disseminação do ódio sectário contra os que são sempre apresentados como algozes. Dados divulgados, e que passam despercebidos, indicam que os ataques de ódio contra muçulmanos conheceram, no Reino Unido, um aumento de 530% desde o atentado de 22 de maio de 2107, em Manchester.

Não devemos tolerar ataques de dementes com gritos selvagens, “Deus é grande”, mas não podemos igualmente condescender com os ataques criminosos aos crentes de uma religião.

Combatam-se as crenças, protejam-se os crentes.

20 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Cuidadores de Almas – Cogitações de um ateu

Não sei como se sentem os protetores de embriões, óvulos e células correlativas, quando uma alma por erro de navegação ou capricho da natureza se infiltra num feto estacionado fora do parque, em sítio proibido.

Refiro-me às gravidezes ectópicas. Trata-se de asneira de Deus ou produto do acaso, mas, para quem tudo o que de bom sucede é obra de Deus, o mal é fruto do Diabo, deve ser um dilema que perturba o entendimento e consome os neurónios.

Para os pios, a ejaculação é um genocídio e o aborto uma alma que se desperdiça. Só assim se percebe a sanha com que os protetores das almas encaram o sexo e a irritação que lhes causa a reprodução medicamente assistida.

Há neste negócio espiritual obscuros interesses materiais e dilemas metafísicos.

Dos caminhos rurais abalaram as caixas de esmolas das alminhas do Purgatório e, lentamente, vão acabando as missas de sufrágio e os lucrativos trintários, dinheiro para antecipar a vaga no veículo celeste que liga(va) o Purgatório ao Paraíso.

As almas estão à guarda de Deus, que as manda em correio azul aos espermatozoides capazes de atingir os óvulos. Não sei se envia várias para a hipótese de falharem o alvo ou se apenas uma, para não irritar os padres.

Após a morte, a alma viaja para os destinos do costume: Purgatório, Inferno ou Paraíso, pois o Limbo, sem interesse comercial, foi extinto por Bento 16. Só não percebo a obsessão dos padres com a alma dos que se desinteressam do seu destino e desprezam o Paraíso.

Consumidos pelo proselitismo, deve ser a vocação totalitária que os alimenta.