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16 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

A alma, essa desconhecida – Reflexões de um ateu

A alma é um furúnculo etéreo que infeta o corpo dos crentes. É um vírus que sobrevive à morte do hospedeiro e migra para a morada perpétua que os clérigos lhe destinam.

A alma é um bem mobiliário sujeito a imposto canónico e que, à semelhança das ações de empresas, hoje também desmaterializadas, exige taxa de ‘gestão da carteira celestial’.

No mercado mobiliário as ações são transmissíveis e negociáveis. Representam avos do capital social das empresas. A sua clonagem é criminosa e leva o autor à prisão, exceto quando o Vaticano está envolvido e nega a sua extradição, como sucedeu ao arcebispo Marcinkus, que JP2 protegeu, após a falência fraudulenta do Banco Ambrosiano.

Quanto à alma, há suspeitas de haver um número ilimitado em armazém, o que exaspera os clérigos, intermediários do negócio, com o planeamento familiar. Não se sabe bem se a alma vai no sémen, está no óvulo ou surge depois da cópula, um ato indecente para tão precioso e imaculado bem.

Os almófilos andam de joelhos e põem-se de rastos sem saber se a alma se esconde nas mitocôndrias, nas membranas celulares, no retículo endoplasmático ou no núcleo e nos cromossomas, sem nunca admitirem que seja o produto de reações enzimáticas.

Ignoram se já tem algum valor no ovo, no embrião em fase de mórula ou no blastocito. Juram que aparece no princípio, sem saberem bem quando e onde está o alfa, ou quando surge Deus a espreitar pelo buraco da fechadura e a lançar aos fluidos a alma que escapa ao entusiasmo de quem ama.

Após o aparecimento dos rudimentos da crista neural, só às 12 semanas o processo de gestação dá origem ao feto e falta provar que a alma, embora medíocre, se encontra nos anencéfalos, ou seja de qualidade a que resulta de violação ou incesto.

A alma é um produto da religião destilado por sacerdotes no alambique da fé, através de um processo alquímico.

15 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

E Deus criou o Mundo…

Quando Deus era um anacoreta sombrio, farto de Paraíso e da solidão, matutou em seu pensamento apanhar o barro que, em dias de chuva, se colava às botas e lhe borrava a oficina.

Recolheu a argila, amassou-a e começou a dar-lhe forma. Percorreu-a com as mãos e moldou o boneco que a água do lago lhe refletia, nas raras vezes que tomava banho.

De vez em quando regressava ao lago para recordar a face. O corpo ia-o esculpindo a olhar para o seu, embevecido como todos os narcisos. Quando acabou, tal como fazia com outras peças, pressionou o indicador sobre a estátua e fez o umbigo.

Extasiado na contemplação, continuou a aperfeiçoar o corpo, deteve-se num empenho devoto no baixo ventre e, de tanto insistir, a estátua ganhou vida.

Estava feito o homem à imagem e semelhança do oleiro.

Como ocorre com artistas em início de carreira, Deus não sabia que tinha feito a obra da sua vida embora o pressentisse pela afinidade que lhe encontrava.

Foi então que resolveu retirar algum barro e, com o que lhe sobrara, fazer outro corpo, ainda mais belo, onde refletiu a geografia do Paraíso com vales acolhedores e montes suaves. Tinha criado a mulher e, sem o saber, dado início ao Mundo.

Então o velho cenobita, arrependido, desatou aos berros, praguejou, ameaçou e proibiu. Como tinha a paranoia das metáforas disse-lhes que não se aproximassem da árvore do conhecimento, isto é, um do outro, uma ordem que a natureza rebelde das criaturas não poderia acatar.

E, assim, de mau humor, enquanto expulsava Adão e Eva para a Terra, ficou a ruminar castigos, a congeminar torturas e medos para aterrorizar a humanidade. Demorou quatro mil anos – Deus é lento a refletir -, e mandou-lhes três religiões.

Moisés, Jesus e Maomé são os enviados de Deus que assustam a humanidade e o ganha-pão de parasitas que dividem o tempo a dar Graças, a ameaçar pecadores e a vender bilhetes para o Paraíso.

13 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

A História e outras histórias

Há a História escrita por historiadores e a história contada pelos redatores dos manuais escolares. A primeira é uma ciência e baseia-se em documentos, a segunda é o veículo de propaganda de quem detém o poder. Raramente coincidem.

Nos 4 anos da instrução primária aprendi na catequese a odiar judeus, hereges, maçons, apóstatas e comunistas. Na escola juntei aos ódios de estimação, e sem necessidade de rezar contra os destinatários, os moiros e os castelhanos. Aos 10 anos, fiz a comunhão solene, vestido de cruzado, e acabei fustigado com quatro sacramentos.

Na Bouza, ali em frente de Escarigo, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, vi um manual escolar espanhol que desprezava a batalha de Aljubarrota e glorificava, entre outras, a do Toro. Era da minha prima Pilar, da mesma idade, a quem denunciei os erros do livro por onde estudava. Levei-lhe o meu livro da 4.ª classe e disse-me que os livros portugueses só diziam mentiras.

Nessa altura, como ela era espanhola, e eu ignorava que a província de Salamanca era castelhana, continuámos amigos, embora convictos das mentiras que se escreviam nos livros do país do lado de lá da fronteira de cada um de nós.

Mais tarde compreendi que há um só povo e que é injusta a repartição da riqueza, dentro de cada país e entre todos os países do mundo. Depois, vi os interesses que separam os homens e as nações, desculpas inventadas para explorar os outros, sobretudo mulheres, e a quem aproveitam as carências de milhares de milhões de pessoas pobres e famintas, a reproduzirem-se desenfreadamente, alheias ao esgotamento dos recursos do Planeta.

Nada é mais estimulante e aglutinador do que um inimigo comum e o ódio que une os bons contra os maus, sendo os primeiros os que estão do lado de dentro da fronteira que limita cada um dos lados, seja onde for, qualquer que seja o pretexto, onde quer que se invente o lado.

É necessária imensa fé para tanto ódio!

11 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

Escola de Felgueiras continua no Estado Novo.

Por

ONOFRE VARELA

As nossas escolas do Estadocontam com a disciplina de Educação MoralReligiosa e Católica (EMRC) com a característica de “disciplina opcional”. Pela lei, não há obrigatoriedade da sua frequência no respeito pela liberdade religiosa de cada um. 

Segundo o Ministério da Educação, a disciplina de EMRC também não é uma alternativa à Catequese. Pretende-se, com ela, ajudar os alunos cristãos a “um momento de aprofundamento da visão cristã da vida” e, aos não cristãos, proporcionar o contacto com o Cristianismo como fenómeno cultural e ajudá-los a definirem-se, “sem exercer qualquer acção condicionadora das suas escolhas”.

Parece que a existência da disciplina de EMRC está bem definida por lei, mas uma notícia divulgada pelo Jornal de Notícias na primeira semana deste mês de Novembro, demonstra que há professores de EMRC que não sabem disso e actuam de um modo desusado no nosso regime democrático contrariando a lei, tomando atitudes do tempo “A Bem da Nação”!

Os encarregados de Educação dos alunos do Centro Escolar de Torrados, em Felgueiras, foram avisados pela escola de que os educandos tinham de frequentar as aulas de EMRC, sob pena de as faltas serem comunicadas à Igreja Católica e as crianças ficarem impedidas de frequentar a catequese, ir à comunhão, ou, mesmo, entrar na igreja. A circular, enviada pelo coordenador do Centro Escolar, Arménio Rodrigues, diz que “no acto da matrícula foi feita a escolha para a frequência da disciplina”. À décima falta o aluno reprova e será feita comunicação mensal “à base de dados da Igreja Católica Portuguesa”. Ameaça, ainda, que isso pode trazer consequências e os alunos correm o risco de lhes ser barrado o acesso aos vários serviços da Igreja como, por exemplo, “a frequência da catequese, baptizados, primeira comunhão e outras celebrações, bem como não poderem entrar em qualquer igreja católica portuguesa”.

O JN tentou ouvir o coordenador da escola, mas sem sucesso, e o Agrupamento de Escolas Dr. Machado de Matos – Felgueiras, limitou-se a confirmar a existência do comunicado. O Ministério da Educação, por seu lado, diz que desconhecia este “documento que não tem qualquer cabimento”. A Diocese do Porto só teve conhecimento do caso pelo jornal, e afirma que “o que é dito não espelha nenhuma orientação da Igreja. A informação é errada e a própria legislação não o permite”.

Enquanto ateu, eu podia demonstrar contentamento por esta atitude que afugenta crentes e alarga mais a distância entre o Povo e a Igreja transformada em condomínio fechado… mas, ao contrário, fico triste por saber que exerce a actividade de professor quem não devia passar de cantoneiro… e na actividade de cantoneiro, certamente, haverá muitos e bons professores desaproveitados…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

9 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

Associação Ateísta Portuguesa (AAP)

Exmo. Senhor Ministro da Educação

                                                           Prof. Dr. Tiago Brandão Rodrigues

                                                           [email protected]

                                                           LISBOA

Assunto: Nova reclamação.

CC: Comissão da Liberdade Religiosa; Grupos Parlamentares.

Anexos: Missiva devidamente formatada; menc.png (imagem do aviso em questão).

Excelência,

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) assiste com perplexidade ao proselitismo de escolas públicas, na evangelização católica, que parece transformá-las em sacristias.

Ora se pune uma docente que recusa assistir a missas e outras cerimónias pias que as escolas decidem integrar nas suas atividades, ora se exerce coação sobre os alunos e os encarregados de educação, se recusarem as aulas de religião católica na escola, que deve ser laica.

«Os encarregados de educação dos alunos do Centro Escolar de Torrados, em Felgueiras, foram avisados, na semana passada, pela escola, de que os educandos tinham de frequentar as aulas de Educação Moral Religiosa e Católica sob pena de as faltas serem comunicadas à Igreja Católica.»

Este é o mais grave atropelo à ética republicana e à letra e espírito da CRP, onde o coordenador do Centro Escolar, Arménio Rodrigues, ameaçou que comunicaria as faltas (à décima o aluno reprova) «mensalmente à base de dados da Igreja Católica Portuguesa», e que isso poderia vir a trazer consequências como «o risco de lhes [alunos] ser barrado o acesso aos vários serviços da Igreja, como por exemplo a frequência da catequese, batizados, primeira comunhão e outras celebrações, bem como não poder entrar em qualquer igreja católica portuguesa».

Perante a gravidade da conduta de um responsável pela neutralidade religiosa da escola, a AAP apela para que seja imediatamente suspenso de funções diretivas o coordenador Américo Rodrigues, que lhe seja instaurado o respetivo processo disciplinar e que os encarregados de educação sejam rapidamente tranquilizados a respeito da liberdade religiosa que lhes assiste, garantindo-lhes que, em qualquer altura, lhes seja permitida a renúncia à aula de religião e que, em nenhum caso, a escola denunciará à base de dados da Igreja católica portuguesa, quem frequenta ou não a disciplina de EMRC.

A ameaça de que «(…) há [sic.] falta 10 o(a) aluno(a) reprova de ano.», é inadmissível. A AAP não se pronuncia sobre a ortografia e a qualidade literária do aviso que segue em anexo, mas fica extremamente preocupada com o ataque pio à laicidade e à liberdade religiosa.

Aguardando que a legalidade seja rapidamente reposta,

Pedimos que mande comunicar a esta Associação as medidas tomadas para responder às sucessivas reclamações que chegam à AAP.

Atenciosamente,

a) (Presidente da Direção)

Atenção à 6.ª linha «há [sic] falta 10.
7 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

O ateísmo e o deus de cada um

Às vezes, por ironia, provocação ou humor, dizem-me: você é ateu, graças a Deus. E é um facto, contrariamente ao que julgam.

Tal como o anticlericalismo só existe porque há clericalismo, também o ateísmo é fruto do ser imaginário que os homens criaram para ser a explicação por defeito para tudo o que desconhecem, a boia de salvação para todas as aflições e a esperança que resta para o que não tem remédio –, a própria vida e o seu fim.

Sem teísmo não existiria ateísmo. O primeiro é a tese, o segundo a antítese. A dialética entre um e outro levam ao livre-pensamento. Há quem cristalize numa religião, a que se habituou desde a nascença, e quem se interrogue sobre a verosimilhança das verdades que as religiões consideram imutáveis.

A crença é tão legítima como a descrença ou a anticrença. Grave é quando alguma delas produz um efeito nefasto e atenta contra os direitos humanos. Não há mal em acreditar que existe o Abominável Homem das Neves, o monstro de Loch Ness ou as adoráveis sereias, havendo no último caso testemunhos de pessoas tão credíveis como Cristóvão Colombo, que afirmou tê-las avistado nas costas da América.

Estes exemplos, que hoje merecem apenas sorrisos, não são menos incoerentes do que o nascimento de um deus, de uma virgem e de uma pomba, e, no último caso, a descrença provoca o ódio, a violência e, quiçá, a morte. O que pode levar pessoas normais a odiar a dúvida religiosa e a tolerar a descrença sobre as vacinas ou sobre uma lei da Física?

Só um processo de fanatização, apoiado por um forte dispositivo ideológico e um forte aparelho repressivo, onde não faltam os constrangimentos sociais, pode perpetuar uma ideologia patriarcal, nascida na Idade do Bronze, numa cultura tribal e xenófoba.

Depois…bem, depois os interesses criados tendem a perpetuar-se.

3 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

Lei do divórcio

Há 109 anos foi decretada a primeira lei do divórcio, logo publicada no dia seguinte, no Diário do Governo n.º 26, de 4/11/1910, pág. 282.

O decreto de 3 de novembro decidiu no seu Artigo 1.º que o casamento se dissolve:

1.º – Pela morte de um dos cônjuges;
2.º – Pelo divórcio.

O segundo ponto foi o avanço civilizacional que agitou mitras, báculos e sotainas. Sob as tonsuras ferveram raivas e rangeram dentes, enquanto a acidez gástrica aumentava e o ódio à República crescia.

«Marido e mulher terão desde então o mesmo tratamento legal, quanto aos motivos de divórcio e aos direitos sobre os filhos».

Não bastava o divórcio pôr em causa a ordem divina interpretada pelo clero, veio ainda a igualdade de género a contrariar preceitos pios que a Igreja defendia há séculos.

A paz e a ordem voltariam com Salazar, graças à Concordata, que eliminou a ofensa ao sacramento do matrimónio e satisfez os celibatários avençados do divino.

Viva a República!

2 de Novembro, 2019 Abraão Loureiro