Loading
13 de Março, 2020 Carlos Esperança

«Onde estava Deus?»

Por

ONOFRE VARELA

Perante um infortúnio, como a morte de alguém que queremos muito e desejamos eternamente connosco, ou após um cataclismo, seja natural ou motivado por uma guerra que ceifa vidas e destrói, há quem se pergunte: “Onde estava Deus, que permitiu tão nefasto acontecimento? Porque não evitou tal desastre se, afinal, ele tudo sabe e pode?”.

São perguntas lícitas que qualquer crente pode fazer, mas não há respostas para elas. Estas perguntas são formuladas por quem crê, na convicção de a divindade ser real para além dos seus pensamentos. Na verdade Deus não podia estar no local do acidente ou do crime, porque como ideia que é, só se encontra dentro da cabeça de quem nele crê. Fora da cabeça do crente não há Deus em lado algum.

Penso que esta pergunta trágica do crente que se sente frustrado por não ver a intervenção divina naquilo em que, segundo o seu entendimento, devia intervir, aconteceu aos judeus na segunda metade da década de 1940. Por essa altura o pensamento filosófico foi abalado por duas realidades brutais: duas guerras tinham preocupado o mundo, e a segunda delas carregava o peso do holocausto judeu, promovido pela Alemanha Nazi, mais o trágico fim do Japão no teatro de guerra, com o lançamento de duas bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui, pelos EUA.

Quando os soldados das tropas aliadas entraram nos campos de concentração nazis, não queriam acreditar no que viam. Seres humanos esqueléticos e pilhas de cadáveres, era o que restava dos prisioneiros judeus.

O general Eisenhower fez questão de ver tudo com os seus próprios olhos e recomendou a quem tivesse máquinas fotográficas que registasse o maior número possível de imagens, pois haveria de surgir um dia em que alguém se ocuparia em negar o que eles testemunhavam.

Passado o natural estupor provocado pelo conhecimento das atrocidades cometidas na guerra, a realidade da condição humana, no contexto político, social e religioso da época, foi alvo de profundas reflexões que tiveram eco na década seguinte, prolongando-se para a de 1960, ultrapassando-a, até.

A religião, como refúgio das almas, não podia, naturalmente, estar ausente dessas reflexões que acabaram por promover mudanças de atitudes. Não era possível explicar o abandono dos mais fracos e desprotegidos, nem afogar a dor das vítimas. E os religiosos mais directamente atingidos pela tragédia da guerra, sentiam legitimidade para perguntar: Onde estava e que fazia Deus, quando os nazis eliminavam o seu povo eleito em câmaras de gás?!

Não era fácil responder às interrogações daqueles que se consideravam burlados no conceito que sempre lhes alimentara a esperança e que tão cruamente os desiludira!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

11 de Março, 2020 Carlos Esperança

“Santuário de Fátima é uma máfia poderosa”

Entrevista ao JN – Padre Mário de Oliveira

January 10, 2020

Dezasseis anos depois de “Fátima nunca mais”, o Padre Mário de Oliveira regressa à temática das aparições com o não menos polémico “Fátima S.A.”. O livro, que resulta de uma longa investigação feita pelo presbítero-jornalista, demonstra, segundo o autor, que “o Santuário de Fátima é uma máfia poderosa”.

Frontal e polémico, como é seu timbre, o popular Padre Mário da Lixa, como também é conhecido, acusa a Igreja de ter cometido em Fátima um “crime lesa-humanidade” ao criar uma “encenação-ostentação”, repleta de “vergonha, mentira e crime”. Em entrevista ao JN, adianta mesmo que as “aparições só têm servido para ludibriar as populações mais desamparadas”.

Jornal de Notícias: Por que diz que “Fátima, S. A.” é antes de mais um livro de humor?

Padre Mário de Oliveira: O terrorismo com que tive de lidar, à medida que mergulhava na chamada Documentação Crítica de Fátima (DCF), quase todos da responsabilidade do Cónego Formigão, é de tal monta, que, para poder prosseguir a minha investigação sem vomitar, tive de os ler na saudável chave de humor. A chave política e também teológica (Deus é Humor, tal como é Amor) mais eficaz que nos faz ver que, afinal, por baixo de toda aquela encenação-ostentação com que Fátima hoje se nos apresenta, a sua Senhora vai nua e deixa ver que tudo aquilo mais não é do que vergonha, mentira e crime.Direitos reservadosJN: O título remete para o livro “Vaticano S.A.”, de Gianluigi Nuzzi. Entre Fátima e o Vaticano, que diferenças estabelece?

Pe. MO: O título impõe-se-me, à medida que me adentro nos malabarismos do clero de Ourém, perfidamente orientados pelo Cónego Formigão, o grande inventor das “aparições” de Fátima, à imagem e semelhança das “aparições” de Lourdes, em França. Com isso, o Papa fez silenciar para sempre os teólogos católicos, o que perfaz um crime de lesa-inteligência e de lesa-humanidade, a juntar a tantos outros cometidos, ao longo dos séculos, pela Cúria Romana. O que move o Cónego Formigão é a restauração da diocese de Leiria e, simultaneamente, a recuperação do poder da Igreja Católica no país, manifestamente diminuído com a implantação da República de 1910. A qual não hesitou, e bem, em nacionalizar a maior parte do seu escandaloso património imobiliário espalhado por todo o país. E a prova do seu êxito é que, 100 anos depois, o Santuário de Fátima é hoje a poderosa máfia que se vê e que conta com a famigerada bênção da máfia-mãe de todas as máfias, a Cúria Romana.

JN: O Papa Francisco propôs-se moralizar as finanças do Vaticano. Tem esperança que suceda o mesmo em Fátima?

Pe. MO: Não duvido dos bons propósitos e das boas intenções de Jorge Bergoglio, mesmo depois que aceitou ser eleito Papa, com o nome de Francisco. O Papa Francisco bem pode correr e saltar, surpreender as populações com comportamentos insólitos, mas tudo isso só serve para entreter os grandes media e desviar as atenções de tudo o que de sinistro a Cúria Romana continua a fazer. Porque não é o Papa que manda na Cúria Romana, é a Cúria Romana que o elege que manda no Papa.

JN: O que mais o surpreendeu na investigação?

Pe. MO: Tudo me surpreendeu. Desde logo, a própria existência da DCF, compilada e autenticada com o aval pretensamente científico da Universidade Católica Portuguesa. Este meu novo livro é todo fruto desta DCF. Aliás, eu próprio não pensava voltar ao assunto Fátima, depois do meu primeiro livro, “Fátima nunca mais”. Quando, porém, me caem diante dos olhos e nas mãos os primeiros volumes da pretensiosamente chamada DCF, eu próprio nem queria crer no que ali nos é dado a ler. As aberrações teológicas são tantas e é tão medonha e criminosa a manipulação, primeiro, das três crianças, e depois, após a morte dos dois irmãos – Jacinta, sete anos, e Francisco, oito anos – da única sobrevivente Lúcia, 10 anos, ao longo de toda a sua vida histórica, por parte do clero de Ourém, que é preciso ler para crer. Salta depressa à vista que, até a imediata restauração da diocese de Leiria e a rápida nomeação do seu primeiro bispo residencial são feitas à medida, para, com elas, impor como dignas de fé, as supostas seis encenações teatrais, de maio a outubro de 1917. Porém, bastou a imprevista intervenção do governador do concelho de Ourém, Artur de Oliveira Santos, o único homem honesto no meio de toda aquela cretinice clerical, decidir levar para sua casa em Ourém, no dia 13 de agosto desse ano, as três crianças, Jacinta, Francisco e Lúcia, para que “a senhora que vinha do céu” faltasse à palavra dada no dia 13 de maio. Nunca, até hoje, o clero de Ourém e a generalidade da hierarquia da Igreja Católica, lhe perdoaram esta mais do que oportuna intromissão no seu teatrinho das “aparições”. E, para que as seis “aparições” iniciadas em maio e terminadas em outubro, sempre no mesmo dia, à mesma hora e no mesmo local, não ficassem reduzidas apenas a cinco, o Cónego Formigão, faz escrever um pequeno relato para memória futura, a dizer que a “aparição” referente a 13 de agosto veio a acontecer no dia 19, numa outra hora e num outro local. Caricato demais para merecer qualquer credibilidade por parte de alguém com o mínimo de bom senso e de honestidade intelectual.

JN: Encontrou algum condicionamento durante essa pesquisa?

Pe. MO: Objetivamente, não. Interiormente, sim. Sou presbítero-jornalista, formado-formatado durante 12 anos pelo seminário do Porto, filho do Concílio de Trento, como todos os demais seminários diocesanos, e trago comigo as marcas degenerativas do fator religioso, que essa formação-formatação impunha, impõe. A luta interior que tive de travar para expulsar da minha mente-consciência todas essas crenças infantilizadoras, foi e continua a ser titânica. Só a minha libertação interior me habilitou a mergulhar em todo o tenebroso labirinto que são os documentos que integram os volumes da DCF, e ver o humilhante e o inumano que tudo aquilo é.

JN: Foi há 16 anos que escreveu “Fátima nunca mais”. Lamenta que o livro não tenha provocado mudanças na gestão do Santuário?

Pe. MO: Obviamente que lamento. Não tanto por mim. Sim, pela instituição Igreja Católica Romana. A sua teimosia em fazer de conta que esse livro não existe só contribui para o acelerado processo da sua descredibilização, fruto da sua cegueira. Nem sequer a Igreja Católica se dá conta de que, com as sucessivas peregrinações a Fátima, como expressão suprasumo da fé católica, está hoje a ser a mais eficiente fábrica de produção de ateísmo e de ateus, mulheres e homens. Para sua vergonha. E para acelerada corrupção da sociedade. Consequentemente, não é de estranhar que esteja a ser lançada fora pelas gerações mais jovens.

JN: Como se explica que, perante as denúncias feitas, os donativos ao Santuário continuem a bater recordes?

Pe. MO: É a velha ‘estória’ da pescadinha de rabo na boca. As populações, milenarmente subjugadas, humilhadas, desamparadas, são criminosamente levadas a pensar-acreditar que, por si próprias, não podem fazer nada e que o alívio para os seus quotidianos de dores só pode vir de fora delas. As populações deixam-se arrastar para aqueles locais e aquelas instituições que lhes são criminosamente apresentados como libertadores. O desastre humano é total. Se repetido, ano após ano, geração após geração, o estado de degradação e desamparo agrava-se e as populações acabam por morrer no seu inferno de dores.

JN: Mesmo perante as provas mais irrefutáveis, julga que a atitude dos crentes face às aparições não se alteraria?

Pe. MO: Enquanto não desaparecerem as causas que produzem multidões e multidões de vítimas, de desempregados, de escravizados, de migrantes-refugiados, de assalariados, de analfabetos políticos, culturais, artísticos, as provas mais irrefutáveis apenas servem para radicalizar ainda mais os fanatismos religiosos, fruto de ancestrais e inconscientes medos que elas trazem nos genes, como outros tantos demónios mudos, que lhes roubam continuadamente a voz e a vez. A própria Ciência, se não é humilde e intrinsecamente cordial, acaba por se tornar perversa. Agride ainda mais as multidões condenadas pelo sistema de poder a terem de viver em labirintos sem saída.

JN: Acredita que, desta vez, foi muito mais longe na desmistificação das aparições?

Pe. MO: É, agora, sobejamente claro que Fátima e a sua senhora não têm nada a ver com Maria, a mãe de Jesus. Que tudo aquilo é negócio, pura idolatria. Se “Fátima, nunca mais” “matou” Fátima, “Fátima S.A.” faz a “autópsia” ao cadáver. Com um pormenor nada despiciendo. Neste meu novo  livro, tudo é devidamente fundamentado na DCF, disponibilizada e publicada pelo próprio Santuário, inclusive, com transcrições de partes significativas desses documentos.

JN: Mesmo para um cético, como é o seu caso, não acha que Fátima desempenha um papel fulcral na sociedade portuguesa?

Pe. MO: Quem o não reconhece? A questão que nos havemos de colocar é o tipo de “papel fulcral na sociedade portuguesa” que Fátima representa. E aqui tenho de dizer, sem que a voz me trema, que no que respeita à Igreja Católica Romana, Fátima é a vergonha das vergonhas. E se a fé católica romana é assim tão rasca, como a dos fatimistas, então, é muito mais digno ser-se agnóstico ou ateu. Já no que respeita ao turismo religioso, propriamente dito, é óbvio que, sem Fátima, as empresas que têm o mau gosto de se lhe dedicarem, sofrerão um rombo sem igual, se Fátima vier a cair em descrédito. Mas, também aqui, é bom sublinhar que se o turismo religioso é tão rasca como o que Fátima proporciona, os turistas só terão a ganhar, se passarem a viajar para o ar puro das montanhas, onde o veneno do mercado ainda não chegou, e para a simplicidade das aldeias do interior. Este tipo de turismo alternativo ao religioso faz muito melhor à saúde e sai muito mais barato. Mas não sou ingénuo. Sei perfeitamente que o mercado financeiro jamais vai por aí, tão pouco está interessado em que as populações vão por aí. De modo algum, quer populações com saúde e bem-estar, alegres e em relação umas com as outras. É por isso que, para as agências de turismo religioso do mercado financeiro, Fátima é o local ideal para manter populações deprimidas, tristes, alienadas, humilhadas, autoflageladas, geração após geração. O que não deixa de constituir um crime de lesa-humanidade que polícia alguma do mundo investiga, tampouco desaconselha. Até estimula e protege.

JN: Sem Fátima, a orfandade ou o desamparo espiritual não seriam ainda maiores?

Pe. MO: Pelo contrário. Tudo em Fátima é altamente deprimente. Orfandade. Desamparo espiritual. Só gente deprimida, órfã, desamparada espiritualmente é capaz de dizer que se sente lá bem. Como o dependente da droga se sente bem em locais fechados onde todos os que os frequentam são outros tantos consumidores compulsivos. Como o dependente do futebol dos milhões, se sente bem, sentado ou de pé, nas bancadas de luxuosas e grandiosas catedrais das respetivas máfias do dito, disfarçadas de clubes de futebol. Fátima é a negação de todos estes valores humanos. Em Fátima, o sofrimento é rei. A depressão é regra. O viver de joelhos é o objetivo último. Uma vergonha, uma degradação humana a céu aberto.

JN: Após este livro sente que pouco mais ficou por dizer sobre Fátima?

Pe. MO: As “aparições” só têm servido para ludibriar as populações mais desamparadas. São erradamente levadas a pensar que a solução para os seus graves e dolorosos problemas se resolvem com peregrinações a pé ou de carro para lá. Fátima não faz parte da fé católica, pelo que nenhum católico deixa de o ser, por não acreditar em Fátima. Vou ainda mais longe e afirmo, também sem que a voz me trema: um bom católico não deve acreditar em Fátima. Pelo que aqueles católicos, elas e eles, que acreditam e correm para Fátima, não passam de católicos medíocres.

10 de Março, 2020 Carlos Esperança

Há maior pontaria a preservar a fé do que a combater as epidemias.
8 de Março, 2020 Carlos Esperança

A ICAR, a liturgia e os bispos

Os bispos queixam-se da falta de vocações e dedicam-se à defesa dos colégios particulares e à reflexão sobre a abstinência sexual dos casais.

Um bispo que abdique do Palácio Episcopal, dispa a mitra e a capa de asperges, pendure o báculo, aliene o anelão com ametista, dispense os fâmulos, reverências e beija-mãos, venda a custódia e ponha no prego a cruz de diamantes, pode tornar-se um cidadão.

Se o clero desistir do processo alquímico que transforma a água normal em benta, o pão ázimo em corpo e sangue de Jesus e as orações em moeda de pagamento de assoalhadas no Paraíso, pode recuperar a honestidade que o charlatanismo comprometeu.

Se renunciar às novenas, missas e procissões, ao lausperene e ao Te Deum, pode reservar as energias para o bem público.

Se a confissão, a terrível arma que viola a intimidade dos casais, a honra dos crentes e a confiança da sociedade, for abolida, deixando ao deus que dizem omnisciente a devassa dos pecados e o sigilo, o mundo fica mais tranquilo.

As religiões são especialistas em idolatrar o passado e mitificá-lo. Fazem piedosas falsificações, inventam documentos e fazem relíquias para embevecer os carentes do divino em busca de uma assoalhada no Paraíso.

O incenso e os sinais cabalísticos prejudicam a reflexão e o livre-pensamento.

7 de Março, 2020 Carlos Esperança

A religião, a democracia e a liberdade

Uma religião é um conjunto de indivíduos unidos por medos, hábitos e superstições comuns, transmitidos através de gerações, e ligados por um ódio coletivo aos medos, hábitos e superstições alheios.

As religiões monoteístas têm um deus verdadeiro privativo que garante aos crentes uma felicidade eterna, depois da morte, conquistada pelo sofrimento, resignação e obediência durante a vida. Cada religião acredita serem falsas as outras e falso qualquer outro deus. Nisso todas têm razão. Aliás, os ateus só consideram falsa mais uma religião e um deus mais, o que, no fundo, faz de todos ateus.

O proselitismo, característico do cristianismo e do islamismo, conduziram o primeiro à violência sectária contra os hereges, os judeus, os cátaros e outros e aos crimes bárbaros da evangelização. O cristianismo foi dominado pela repressão política contra o seu clero e tornou-se uma religião civilizada onde a laicidade contém os seus desvarios pios. Já o islamismo, que é poder em numerosos países, continua na implacável barbárie contra os desvios ideológicos da mais selvagem e cruel religião do globo.

Não devemos esquecer o judaísmo que, não sendo prosélito, encontrou no sionismo a forma de exercer a brutalidade religiosa imperialista através do mito bíblico de que lhes pertence a Palestina.

Muitos judeus de hoje são árabes convertidos tal como alguns talibãs são descendentes de judeus islamizados. A xenofobia é uma demência religiosa que tem menos a ver com questões étnicas do que a etnia tem a ver com circunstâncias políticas, administrativas e linguísticas que as moldaram.

Poucas mentiras são tão estimadas como as que se transmitiram, de geração em geração, através da fanatização religiosa.

6 de Março, 2020 Carlos Esperança

A Escalada Beata e as Agressões Religiosas

Enquanto os judeus ortodoxos se agarram à Bíblia e à faixa de Gaza, os muçulmanos debitam o Corão e se viram para Meca e os cristãos evangélicos dos EUA ameaçam o Irão e a teoria evolucionista, os conflitos religiosos e o terrorismo regressam à Europa.

A emancipação do Estado face à religião iniciou-se em 1648, após a guerra dos 30 anos, com a Paz da Vestefália e ampliou-se com as leis de separação dos séc. XIX e XX, sendo paradigmática a lei de 1905, em França, que instituiu a laicidade do Estado.

A libertação social e cultural do controlo das instituições e símbolos religiosos foi um processo lento e traumático que se afirmou no séc. XIX e conferiu à modernidade ocidental a sua identidade.

A secularização libertou a sociedade do clericalismo e fez emergir direitos, liberdades e garantias individuais que são apanágio da democracia. A autonomia do Estado garantiu a liberdade religiosa, a tolerância e a paz civil.

Não há religiões eternas nem sociedades seculares perpétuas. As três religiões do livro, ou abraâmicas, facilmente se radicalizam. O proselitismo nasce na cabeça do clero e medra no coração dos crentes.

Os devotos creem na origem divina dos livros sagrados e na verdade literal das páginas vertidas da tradição oral com a crueza das épocas em que foram impressas.

Os fanáticos recusam a separação da Igreja e do Estado, impõem dogmas à sociedade e perseguem os hereges. Odeiam os crentes das outras religiões, os menos fervorosos da sua e os sectores laicos da sociedade.

Em 1979, a vitória do «ayatollah» Khomeni, no Irão, deu início a um movimento radical de reislamização que contagiou Estados árabes, largas camadas sociais do Médio-Oriente e sectores árabes e não árabes de países democráticos.

Por sua vez, o judaísmo, numa atitude simétrica, viu os movimentos ultraortodoxos ganharem dinamismo, influência e armas, empenhando-se numa luta que tanto visa os palestinianos como os sectores sionistas laicos.

O termo «fundamentalismo» teve origem no protestantismo evangélico norte-americano do início do séc. XX. Exprimiu o proselitismo, a recusa da distinção entre o sagrado e o profano, a difusão do deus apocalíptico, cruel, intolerante e avesso à modernidade, saído da exegese bíblica mais reacionária. Esse radicalismo não parou de expandir-se e já contamina o aparelho de Estado dos EUA.

O catolicismo, desacreditado pela cumplicidade com regimes obsoletos (monarquias absolutas, fascismo, ditaduras várias), debilitou-se na Europa e facilitou a secularização. O autoritarismo e a ortodoxia regressaram com João Paulo II, que arrumou o concílio Vaticano II e recuperou o Vaticano I e o de Trento.

João Paulo II transformou a Igreja católica num instrumento de luta contra a modernidade, o espírito liberal e a tolerância das modernas democracias. Tem sido particularmente feroz na América Latina e autoritária e agressiva nos Estados onde o poder do Vaticano ainda conta, através de movimentos sectários de que Bento XVI foi herdeiro e protetor, se é que não esteve na sua génese.

A recente chegada ao poder de líderes políticos que explicitam publicamente a sua fé, em países com fortes tradições democráticas (EUA e Reino Unido), foi um estímulo para os clérigos e um perigo para a laicidade do Estado. Por outro lado, constituem um exemplo perverso para as populações saídas de velhas ditaduras (Portugal, Espanha, Polónia, Grécia, Croácia), facilmente disponíveis para outras sujeições.

A interferência da religião no Estado deve ser vista, tal como a intromissão militar, a influência tribal ou as oligarquias, como uma forma de despotismo que urge erradicar. A competição religiosa voltou à Europa. As sotainas regressam. Os pregadores do ódio sobem aos púlpitos. A guerra religiosa é uma questão de tempo a que os Estados laicos têm de negar a oportunidade. Só o aprofundamento da laicidade nos pode valer.

(Artigo publicado no semanário Expresso)
In Pedras Soltas (2006) – Ortografia atualizada

4 de Março, 2020 Carlos Esperança

A BURCA, A LEI E A LIBERDADE RELIGIOSA

O fracasso da civilização árabe exacerba o fundamentalismo islâmico que contamina os países não árabes, como o Irão e a Turquia, atingindo a Europa, EUA e África.

Em nome da liberdade religiosa poder-se-á dizer que falta legitimidade às democracias para proibir símbolos identitários, mas, em nome da liberdade, deverão ser proscritos os símbolos da submissão de género, situação agravada pelo facto de se saber que, por cada mulher que pretende usar a burca, há centenas a quem é imposta.

De menor importância, embora, a lei que impede o uso de máscaras na via pública, por razões de segurança, devia ser suficiente para impedir tais adereços que, além de discriminarem as mulheres, são um embaraço à identificação pessoal para prevenção e apuramento de autores de crimes.

Depois da proibição francesa, belga e holandesa, a discussão continuou em vários países europeus e a proibição ordenada há 7 anos por 13 municípios espanhóis, sofreu um revés legal, no Supremo Tribunal, contra o município de Lleida, o primeiro em Espanha a proibir o uso da burca e do niqab. O Supremo argumentou que o princípio que proíbe o véu integral só pode ser feito através de uma lei, como indicado pela Constituição espanhola, uma vez que é uma limitação ao exercício de um direito fundamental (a liberdade religiosa).

Sem debater a argumentação cujo fundamento era discutível, ressaltou a necessidade de se legislar, não a nível autárquico, mas a nível nacional. A Europa sabe que a liberdade de que frui foi conseguida com a repressão do proselitismo clerical. A Guerra dos 30 Anos (1618/1648) não pode ser esquecida, nem o sangue aí vertido, até à paz de Vestefália.

Dominado o totalitarismo católico que só viria a reconhecer a liberdade religiosa no concílio Vaticano II, não se pode permitir que o fascismo islâmico destrua a grande conquista civilizacional – a igualdade de género.

Já basta que nos países reféns do Islão não sejam permitidas outras religiões e a pena de morte seja ainda o castigo para a apostasia, um direito indeclinável de qualquer cidadão.

A má consciência do colonialismo europeu não pode condescender com anacronismos. Penso que a Espanha continua sem a lei que proíba a burca, tal como Portugal.

3 de Março, 2020 Carlos Esperança

Tão simples quanto isto

Por

ONOFRE VARELA

A maioria dos deputados da Assembleia da República aprovou todas as propostas apresentadas por diferentes partidos com o fim de se abrir a porta a uma lei que despenalize a prática da eutanásia (ou morte medicamente assistida) para quem a deseje reiteradamente. 

A lei que vier a ser discutida no sentido da sua aprovação, terá que definir muito bem as condições em que a eutanásia possa ocorrer.

Nesta primeira fase venceu a Razão e a Tolerância sobre a Crença Religiosa e a Intolerância. Votaram contra, os partidos de Direita aliados à Igreja e o Partido Comunista (PC). 

A Igreja é, como se sabe, uma instituição que vive da crença e da fé num deus de existência real impossível, valorizando o mito em desfavor da realidade dos factos que fazem a vivência de todos nós, com a agravante de querer impor as suas vontades medievais a toda uma sociedade, esquecendo que a Revolução Francesa (que a nós [re]chegou com o 25 de Abril de 1974) nos libertou dela.

O PC alinha com a Igreja na mesma negação do direito que cada um tem à sua própria vida e a pensar pela sua própria cabeça. O PC é defensor do colectivo… entenderá, por isso, que a vida dos seus militantes (e de todos os portugueses) também é colectiva, incluindo o pensamento de cada um, que também quererá “colectivizar”, negando o direito que temos ao nosso “pensamento privado” e à nossa própria vontade?

A Igreja também imagina dominar o pensamento da maioria dos portugueses e quer que pensemos de acordo com a sua vontade, para que, num referendo, saia vencedora impondo-se a todos nós!

Para que conste, sou filiado no PC e penso pela minha cabeça. Dispenso leis divinas ou ordens partidárias. Não obedeço a nenhum deus nem a nenhum partido. Obedeço ao meu raciocínio que foi construído por uma educação de qualidade, pela liberdade individual, pelo respeito devido aos outros e à Natureza, que os meus pais me deram. 

Por isso sou a favor de uma lei que despenalize a eutanásia. A razão que a tal me leva é tão simples quanto isto (que retirei do site Diário de uns Ateus):

A EUTANÁSIA não te obriga a morrer.

O ABORTO não te obriga a abortar.

O DIVÓRCIO não te obriga a divorciar.

O CASAMENTO HOMOSSEXUAL

não te obriga a casar com alguém do mesmo sexo.

OS DIREITOS NÃO TE OBRIGAM A NADA!

PORQUE ME QUERES IMPOR A TUA VONTADE, SE EU NÃO TE IMPONHO A MINHA?

Quem não percebeu, que ponha um dedo no ar…

Onofre Varela

2 de Março, 2020 Carlos Esperança

A islamofobia e o medo do Islão

A islamofobia, à semelhança de qualquer outra fobia, é doença psiquiátrica que exige terapia adequada. O medo do Islão é um reflexo legítimo de conservação, face ao perigo da religião política e do proselitismo demencial da jihad estimulado pelo Corão. Urge compreender a diferença e tomar precauções.

A UE tem matriz judaico-cristã, mas foram a luta contra o poder clerical e a progressiva secularização que fizeram a síntese entre os direitos individuais e a solidariedade social, através de Estados democráticos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos não nasceu nas sacristias, e o respeito pelos seus trinta artigos deve ser imposto a todos os que vivem dentro das fronteiras dos Estados democráticos, crentes e não crentes.

A aceitação de muçulmanos, como, aliás, de praticantes de qualquer outra religião, culto ou filosofia não exige a aprovação das crenças. O respeito aos crentes não se estende às suas crenças. O combate ideológico ao Islão é tão essencial como o foi, no passado, ao catolicismo, ao calvinismo e a todas as crenças que não desistiam da conversão dos que as recusavam. E como pode voltar a ser!

A Alemanha, o único país europeu com um memorial às vítimas do nazismo, expiou a crença na raça superior e na bondade da eugenia e do antissemitismo. Nos últimos anos, foi paladina da integração dos refugiados. Sob pena de renegarmos a civilização, temos o dever de os aceitar dentro das capacidades económicas e sociais da Europa para os integrar.

Há 3 anos, as autoridades alemãs encerraram a mesquita salafista “Fussilet 33”, em Berlim, uma escola de terrorismo que produziu quadros para o Estado Islâmico e cuja interdição pecou por tardia. Aliás, não há qualquer justificação para que as religiões sejam tratadas de forma diferente de quaisquer outras associações. A monitorização policial e a repressão devem ser proporcionais à perigosidade, dentro dos limites do Estado de Direito.

Afirmar que todas as religiões são pacíficas é uma mentira hipócrita e cínica. Insistir na mentira e na hipocrisia é comprometer o futuro da civilização e desistir da democracia.

1 de Março, 2020 Carlos Esperança

Maria de Magdala (História adaptada)

Naquele tempo, em Magdala, na antiga Palestina, uma multidão preparava-se para apedrejar Maria sobre quem recaía a acusação de pecadora. Fora um boato posto a correr, talvez por um corcunda da tribo de Manassé, ressentido por se ter visto recusado, que a sujeitara ao veredicto de que não cabia recurso.

O princípio do contraditório ainda não tinha sido criado, nem era hábito ouvir o acusado, jamais sendo mulher, nem a absolvição era previsível nos hábitos locais. A lapidação de Maria tinha transitado em julgado.

A lapidação era, aliás, um divertimento em voga, que deixava excitados os autóctones das margens do rio Jordão que atravessava o Lago Tiberíade a caminho do mar Morto. Diga-se, de passagem, que esse desporto ainda hoje é muito popular nos países islâmicos, para imenso gáudio das multidões e satisfação de Maomé.

Aconteceu que andando o Senhor Jesus a predicar por aquelas bandas, depois de indagar o que se passava, aproveitou a multidão para se lhe dirigir, e disse:

– Aquele de vós que nunca errou que atire a primeira pedra.

Todos pareceram hesitar. Muitos deixaram cair as pedras com que chegaram municiados. Havia crispação nos que vieram de longe, com sacrifício, e um certo desapontamento de todos os que esperavam divertir-se. Só o Senhor Jesus continuava sereno, a medir o alcance das suas palavras. Mas, eis que da multidão se ergueu um braço e Maria de Magdala caiu derrubada por uma pedra certeira.

Enquanto algumas pessoas a reanimavam, na esperança de repor o espetáculo que tão breve se esgotara, o Senhor Jesus foi junto do atirador e disse-lhe:

– Então tu, meu filho, nunca erraste?

– Senhor, a esta distância, nunca.