26 de Abril, 2020 Carlos Esperança
26 de abril de 2009 – A canonização de Santo Pereira, há 11 anos
Uma onda de entusiasmo varreu a Pátria, mas não havia necessidade de adjudicar um milagre ao beato D. Nuno, para ser elevado a santo, pois «Urbano II abriu uma exceção para quem há mais de 200 anos fosse prestado culto e reconhecida, pelo povo, a santidade», exceção que o patriarca Policarpo tinha já confirmado aplicar-se-lhe.
Nuno Álvares Pereira renunciou, porém, à prerrogativa que o dispensava do milagre, para não ser acusado de favoritismo. Recusou a passagem administrativa. Iniciou-se no ramo dos milagres e logrou a cura do olho esquerdo da senhora Guilhermina de Jesus, de Ourém, danificado com óleo fervente de fritar peixe.
Assim, o intrépido guerreiro revelou-se um poderoso antídoto contra as queimaduras e passou por mérito próprio no exame de admissão à santidade, com prova de mérito e a mesma indómita vontade de subir aos altares que o levou a maltratar castelhanos em Aljubarrota.
Com quase seiscentos anos de defunção, conseguiu a santidade para maior glória da Pátria, vaidade do clero e euforia dos créus. Durante séculos foi o terror das crianças de Castela que recusavam a sopa, agora é o orgulho dos portugueses e a cunha para tirar bilhete para o Céu, na Agência de Turismo Celeste da ICAR.
Surpreende que os papas anteriores tenham apagado o beato Pereira, que as sucessivas levas de bispos e cardeais tenham esquecido um santo desta dimensão, que desde 1431 os devotos o tenham ignorado nas novenas e que milhares de soldadores a quem caiu um pingo de solda num olho tenham recorrido àquelas horríveis obscenidades, em vez de dizerem «valha-me Santo Pereira», e aliviado a dor em vez de perderem a alma.
Foi preciso o olho clínico de JP II, a diagnosticar milagres e descobrir taumaturgos, para criar este grande santo. Teve várias nomeações no passado, e foi sempre preterido pela bajulação dos papas a Espanha e escrúpulos por alguns milhares de mortos e estropiados em Aljubarrota, minudências que lhe atrasaram a promoção.
Nun’Álvares não merecia que lhe ultrajassem a memória com um milagre tão tosco nem que transformassem o herói em colírio bento, para ser canonizado como São Nuno de Santa Maria pelo papa Bento XVI, às 09H33min (hora de Portugal) de 26 de abril de 2009.