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12 de Maio, 2020 Carlos Esperança

“A minha liberdade acaba onde começa a dos outros”

Era o que faltava! Até ponho a coisa ao contrário. Só faltava que, para não ferir os meus sentimentos e as minhas convicções, não se pudesse dizer mal da República, do ateísmo e da social-democracia, v.g., ou recorrer à caricatura, à troça e ao sarcasmo!

Quando alguém apela ao respeito por determinada crença ou ideologia apenas pretende limitar a liberdade de expressão, dos outros, em relação ao que defende. Sei que ofendo alguém sempre que manifesto pontos de vista que divergem dos seus, mas não admito reduzir-me ao silêncio para não desagradar, sem deixar de ser amigo de quem quer que seja por divergências religiosas, políticas, filosóficas ou outras.

Quando se reclama respeito pelas convicções alheias apela-se à censura e mostra-se uma incomodidade com regimes democráticos e laicos. Uma peregrinação, uma promessa ou um ato litúrgico são tão passíveis de ser criticados quanto um comício partidário ou uma cerimónia fúnebre. Uma Igreja é tão merecedora de troça quanto um clube de futebol ou um partido político, embora saibamos que não é prudente gritar vivas ao Sporting junto da claque benfiquista ou ir cantar o credo romano para a porta de uma mesquita.
E, sobretudo, é uma provocação gratuita e idiota.

Em 13 de maio de 2008 a maratona pia a Fátima, presidida por um português, o cardeal Saraiva Martins, foi realizada sob o lema “contra o ateísmo”. Podia ser “pela fé”, mas o desvario místico preferiu uma preposição belicista. Os patrocinadores do evento tinham o direito de rezar contra a ideologia que condenam? Claro que tinham. Não recorreram a armas, não apedrejaram infiéis, não degolaram os concorrentes nem molestaram os indiferentes. Dezenas de milhares de terços disparados contra o ateísmo, o desfile bélico com velas acesas e as cantorias, de resultados duvidosos, foi o exercício de um direito.

Já devíamos estar curados de sensibilidades doentias que a ditadura legou. Há um único limite à liberdade de expressão, o que o código penal da democracia considere crime. O resto é vocação e devoção censória.

11 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Algumas considerações sobre a Concordata de 2004

A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em 2002, deixou as piores apreensões sobre os bastidores das negociações da Concordata.

O então MNE, Martins da Cruz, prometeu aí o que não podia nem devia –, o reforço da influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no domínio «do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja ativa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais».

É sempre através das redes de ensino e socorro social (lares, hospitais, escolas, creches, templos) que as Igrejas se infiltram para controlar o quotidiano dos cidadãos. A tragédia dos países islâmicos, onde a religião tem hoje a mesma influência que a ICAR tinha na Europa na Idade Média, devia fazer refletir os crentes e os não crentes. E, com total impunidade, afirmou ainda: «Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação», como se a religião se devesse explicitar, num Estado laico.

O país livrou-se do ministro mas não se livrou da Concordata. A experiência de 1940 devia ter-nos vacinado contra a reincidência. A própria ICAR, que sofreu o ónus de se tornar refém da ditadura fascista, associada à repressão de meio século, devia evitar a tentação de reivindicar privilégios embora ninguém, que deles beneficie, admita tê-los.

A atual Concordata foi negociada à sorrelfa e foi difícil aceder-lhe, durante alguns dias, depois de assinada. Não tendo sido possível discutir o texto que, depois de ratificado, se tornou direito interno português, diretamente aplicável, é indispensável um movimento da opinião pública para a sua denúncia e um Governo que sobreponha os interesses do Estado laico às convicções religiosas dos seus membros.

A religião não se impõe por tratados. A propagação da fé não se confia aos Estados. O mundo islâmico é o exemplo trágico. A Concordata não pode converter-se num tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um espaço a que a Cúria trace o meridiano. A subserviência à tiara não augura nada de bom para um futuro que se quer plural e essa revisão ficou à mercê do promíscuo contubérnio entre ministros de Deus e de Durão Barroso. O resultado está aí.

A ICAR nunca sofreu qualquer limitação ao exercício do múnus nestes quarenta anos de democracia. Que mais pretende ou deseja proibir? A Concordata fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela; opõe-se à lei geral na medida em que a ICAR exige tratamento especial naquilo que lhe diz respeito; e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado total alheamento em relação a esses «deveres».

Por ser bizarro, cita-se o n.º 2 do Art.º 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio».

Se não fosse ridículo, o dever de reciprocidade, imporia um n.º 3 com esta redação: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Esta Concordata ofende a soberania portuguesa, é dispensável e, talvez, só o facto de ter sido assinada entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano, apenas duas pessoas, tenha evitado a primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».

10 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Sobre Anticlericalismo (3 e Fim)

Por

ONOFRE VARELA

Nos finais da Monarquia, os opositores à promiscuidade que havia entre Igreja e Estado eram os defensores da República, que repudiavam tanto a Monarquia quanto a Igreja (e já sabemos a razão desse repúdio). Para melhor se perceber a dimensão do anticlericalismo de Tomás da Fonseca, olhemos outra vez para a nossa História. 

Quando o escritor e pensador Tomás da Fonseca nasceu, essa mistura dos poderes reais e eclesiásticos contava 736 anos. Houve tempo em que na Europa a Igreja interferia nos reinados de acordo com os seus interesses. Na verdade, o poder da Religião sobre a Política exerceu-se, oficialmente, por demasiado tempo, deixando marcas de subserviência no Povo que somos, e cuja factura ainda hoje pagamos! 

Só nos últimos 44 anos vivemos sem essa ligação oficial da Igreja ao Estado, mas a ideia do poder da Igreja ainda mora em muitas mentes, incluindo cabeças eclesiásticas que se imaginam donas do pensamento e exercem poder sobre populações intelectualmente indefesas. 

As mentalidades não se mudam por decreto nem por revoluções militares, mesmo que floridas. Mudam-se pelo ensino. Um ensino bem programado, cientificamente delineado e sem alterações constantes. E demora algumas gerações para colher bom fruto. 

Voltemos à História: a primeira República, de pendor fortemente anticlerical, tinha na presidência Afonso Costa, a quem chamavam “mata-frades”. Apostado na naturalíssima laicização do Estado, aprova a Lei da Separação da Igreja do Estado em 1911. A Igreja é perseguida e confiscada (erro da República, sabemos nós hoje), e muitos clérigos exilam-se. O Povo, sempre crente e temente, maioritariamente não partilhava desta afronta republicana à Igreja, a qual adorava como antes da laicização do Estado, se não, mesmo, com mais fervor como desagravo das maldades que a República fazia aos padres! (Repare-se que não é raro autarcas a contas com a Justiça, serem reeleitos pelo Povo que adora as vítimas… na nossa História recente aconteceu em Felgueiras, Gondomar e Oeiras, nas Autárquicas de 2005!). 

A Igreja era o símbolo da adoração de Deus, e a crença religiosa não era pertença exclusiva do Povo. Também na classe política dirigente havia quem não comungasse dos ideais anti-clericalistas de Afonso Costa. O estado-de-sítio conseguido entre República e Igreja, durou sete anos. Em 1918 Sidónio Pais restabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé, e a Igreja retomou o poder que lhe tinha sido retirado pela mesma República, que fazia marcha atrás nas suas decisões anticlericais. 

Depois… chegou Salazar e o Estado Novo… os dois poderes reaproximaram-se, e a essência dos ideais republicanos que destronaram a Monarquia, ficou encostada à ombreira da porta do Parlamento, esperando por melhores dias. Só pela Revolução dos Cravos, em Abril de 1974 (56 anos depois) se restabeleceu a Democracia plena, e a Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária no dia 2 de Abril de 1976, aprovou a nova Constituição da República Portuguesa (com a oposição do CDS), que no seu artigo 41, §3, institui a separação do Estado da Igreja e das comunidades religiosas. 

Por isso, hoje, não há clericalismo… nem o seu antídoto! O que há (isso sim) é a noção de a sensibilidade religiosa ser exactamente como o gosto: não se discute!… Mas, igualmente como o gosto, critica-se!… E a crítica não é anti-coisa-nenhuma. É um valor da Democracia, à qual muitos religiosos ainda têm imensa dificuldade de adaptação.

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

9 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Há quem acredite nisto

O Terceiro Segredo de Fátima

Este é o Terceiro Segredo de Fátima, escrito pela Irmã Lúcia:

“Escrevo em ato de obediência a Vós Deus meu, que me mandais por meio de sua Excelência Reverendíssima o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.

Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fogo na mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos em uma luz imensa que é Deus: “algo semelhante a como se veem as pessoas em um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns após outros os Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas e várias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal na mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus”.

7 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Glória a S. Josemaria Escrivá de Balaguer

João Paulo II, emigrante polaco residente no Vaticano, solteiro, papa católico de profissão, acumulou a função de criar bispos e cardeais com a obsessão de fabricar beatos e santos. Pelava-se por milagres e gratificava os autores sem prejuízo da fixação em Maria e uma adoração por virgens que a idade e o múnus se encarregaram de exacerbar.

Mas os santos da igreja católica lembram funcionários acomodados. Fazem um milagre para chegarem a beatos, outro para serem promovidos ao posto seguinte e abandonam o ramo.

Enquanto candidatos praticam a intercessão que lhes rogam, mas desistem da vocação milagreira logo que abicham o lugar. E, quando se julgava que a intermediação tinha esgotado as vagas, João Paulo II rubricou alvarás de santo a largas centenas que se estabeleceram em nítida concorrência com os anteriores. Alguns destes fecharam a porta, que é como quem diz, foram apeados das peanhas onde enegreciam com o fumo das velas, se cobriam de fungos com a humidade ou se deixavam corroer pelo caruncho.

Com séculos de pequenos e honestos milagres, habituados à pedinchice autóctone e às lamúrias, quase sempre ao serviço de modestas comunidades que atendiam nos limites do razoável, perderam a aura e a devoção, submersos no tropel de novos e afidalgados ícones com vocação mediática. Migraram para as sacristias, acumulando pó a um canto, a delir a pintura e o préstimo, a desgastar as vestes e o respeito, em santa resignação.

Na religião há uma certa tendência para o sector terciário. Arrotear a fé, pescar almas, são tarefas pouco gratificantes. Transacionar bulas para deglutir carne à sexta-feira, vender indulgências, trocar santinhos, comercializar bênçãos, é negócio do passado. Agora, o que está a dar é o lucrativo sector milagreiro, em franca ascensão. Promover jubileus é um sucesso garantido para escoar imagens do promotor e providenciar a divulgação dos promovidos.

Não sei quanto valerá um dente de S. Josemaria Escrivá de Balaguer, com certificado de origem. Há de valer uma fortuna, a avaliar pelo êxtase que o primeiro a ser exibido provocou nos peregrinos durante as exéquias de promoção. Estou certo de que o mercado já está sortido de outras relíquias, nada restando do novel taumaturgo para exumar.

Pudessem os piedosos colecionadores ter adivinhado o destino promissor post mortem deste servo de Deus e ter-lhe-iam recolhido em vida duas dezenas de unhas e trinta e dois dentes. E a perda irreparável da primeira dentição! Quem sabe se a premonição materna não terá acautelado o primeiro incisivo transformando um desvelo num tesouro, através deste estranho processo alquímico – a canonização –, segredo transmitido aos sucessores de Pedro e usado em doses industriais por João Paulo II?!

Pudesse Teodorico Raposo ter deposto no regaço de D. Patrocínio uma relíquia de S. Josemaria, que nem sobrinho, nem tia, nem Eça sabiam que viria a existir, e a devota senhora ter-lhe-ia perdoado as relaxações a que o sangue inflamado do tartufo o induzia, embevecida pelos eflúvios celestes que dimanam da raiz do canino de um santo assim.

Tivesse a premonição dos membros do Opus Dei adivinhado a santidade do fundador, que grossos cabedais e a longevidade papal lograram, e teriam hoje em armazém abundante recheio de numerosos têxteis tingidos por flagelações ou impregnados de outros fluidos.

A onda de devassidão que grassa no clero amargurou o papa – que fez do celibato dogma e da castidade virtude obrigatória –, sem que a providência o tenha poupado à divulgação da corja imensa de pederastas, muitos deles pedófilos, que exornam as dioceses da igreja romana.

E um padre que não respeita uma criança também não pouparia um anjo.

É, pois, necessário que floresçam santos como S. Josemaria cujas relíquias hão de servir de benzina para desencardir a alma dos que sucumbem às tentações da carne.

Glória a S. Josemaria Escrivá de Balaguer nas Alturas e o poder na Terra ao Opus Dei.

5 de Maio, 2020 Carlos Esperança

SODOMA – Crónica

Naquele tempo, andava Deus na divina ociosidade a que se remeteu depois de ter criado o Mundo, quiçá arrependido do estratagema que engendrou para que os animais se multiplicassem, a ruminar uma desculpa por ter incluído a macieira quando fez as plantas, sabendo que sem Eva e sem maçã estaríamos todos, ainda hoje, condenados ao Paraíso e ao tédio.

Tinha acontecido o dilúvio e a engenharia ousado construir a torre de Babel. O primeiro foi um susto bem pregado e uma experiência radical e a segunda um enorme fracasso e uma extraordinária confusão.

Pelas planícies do Mar Morto estendiam-se cinco cidades que tinham níveis diversos de progresso, costumes e interesses diferentes. Brilhavam Sodoma e Gomorra pela enorme riqueza, com um nível de vida de causar inveja, graças ao sector terciário que então não tinha ainda designação adequada por não haver economistas encartados. As outras eram menos importantes, a acreditar no primeiro livro do Pentateuco.

Vinha do Norte o ar quente que, depois de percorrer e acariciar as águas do mar, entrava suavemente em Sodoma para animar os corpos, inebriar a alma e soltar a fantasia de que o mundo era capaz, na sua difícil infância, e produzir um indizível arrebatamento.

Homens e mulheres contavam instantes do tempo breve que o expediente dos escritórios lhes tomava, para cultivarem, a seguir, todos os prazeres febrilmente sonhados. Mesmo nas horas de trabalho não se coibiam de ser felizes e soltarem a imaginação. Os afazeres que o desenvolvimento tecnológico se tinha encarregado de aliviar eram cada vez mais um mero resquício para justificar a maldição bíblica que viria a ser criada com efeitos retroativos. O trabalho era um bem muito escasso e, dele, ninguém se quisera apropriar.

Como os livros ainda não tinham sido inventados, todos liam o livro da vida através dos sentidos. Tinham-se habituado a usar o corpo e a dar-lhe alma. Eram desmesuradamente felizes a ponto de esquecerem Deus e os seus ensinamentos, as ameaças e maldições, o sofrimento e a cultura que o inventara. E, porque eram felizes, não os atingia a doença, a fome, o medo ou a guerra.

Imagina-se o seu grau de felicidade pela intensidade da cólera divina, que enviou o fogo que destruiu Sodoma e, com ela, as outras cidades, e, com os adultos que se divertiam, as crianças, que ainda não sabiam folgar, e também os velhos que tinham esquecido já os divertimentos, se algum dia os conheceram, e, talvez, algum anjo que tivesse tentado pôr termo ao pecado e acabou violado, chamuscadas as penas no desejo e esturricado, também ele, nas labaredas.

Ao longe, Abraão assistira ao espetáculo que o seu Deus pirómano lhe serviu à hora da sesta, tirando moncos do nariz, enquanto Loth, seu sobrinho, por bambúrrio da sorte ou por morar nos subúrbios, se esgueirava com as filhas e a mulher, tendo esta olhado para trás, apesar da recomendação divina em contrário, e sido transformada em estátua de sal, por ser nela maior a curiosidade do que a obediência.

Para dizer alguma coisa ou por se ter arrependido do fogo que ateara ou, somente, para criar factos que dessem conteúdo ao Êxodo, ao Levítico e a outros escritos, fez Deus, a Abraão, umas promessas que acabariam por dar origem a Israel, muito tempo depois, e dado a Jacob e aos seus 12 filhos o Egipto para se instalarem e cumprirem uma profecia.

Sodoma ficou na memória oral dos povos pelos hábitos sexuais de uma escassa minoria. Conhecendo-se hoje melhor, Deus e os seus humores, a fé e os seus preconceitos, a devoção e a sua intolerância, somos levados a crer que seriam deliciosas as vitualhas, capitosos os líquidos, requintados os hábitos, agradáveis as relações, enfim, felizes os seus habitantes, a ponto de Deus perder a paciência e ser tomado por aquela cólera que o celebrizou.

Terá sido Loth o autor do boato a que se deve o verbo criado a partir do nome da cidade desaparecida. Ou um qualquer viandante saído antes do fogo e ansioso de se pôr ao lado do algoz.

3 de Maio, 2020 Carlos Esperança

A mentira das religiões

Quando Deus ordenou a Abraão para lhe sacrificar o filho, o estúpido preparava-se para obedecer ao monstro que trazia em si. Valeu a Isaac que o pai, demente e subserviente a Deus, acabou por vê-lo substituído por outro animal que a cegueira mística projetou no altar do sacrifício.

É desse tresloucado que as religiões do livro se reclamam herdeiras, do louco capaz de imolar o filho por uma ilusão, disposto a derramar o sangue do inocente para obedecer à vontade de um patife imaginário.

Foi o Deus que, no Monte Sinai, havia de obrigar Moisés a descalçar-se antes de revelar a sua vontade e lhe ditar o futuro da humanidade, em data cuja falsificação é hoje uma evidência, e sentenças que só os doidos acolheriam. Mas o negócio à volta dos livrinhos sagrados originou falsificações ainda mais toscas e a perpetuação do deus abraâmico.

No fim de cada ano, em Meca, mais de três milhões de intoxicados pelo Corão prestam vassalagem a Maomé, um rude pastor de camelos que acreditava falar com Deus. Ainda hoje há indivíduos assim, desde a liderança de grandes nações até – o mais frequente –, aos serviços de psiquiatria dos hospitais. Têm em comum conversar com o Divino.

Aliás, não é monopólio de uma religião o curto-circuito dos neurónios dos crentes. Uns odeiam o porco porque o profeta, que não era um modelo de asseio, embirrou com o bicho; outros não usam preservativo porque o almocreve de Deus o condena na teologia do látex; muitos fazem jejum; quase todos viajam de joelhos e viram o rabo em sentido contrário ao altar onde presumem um deus que imaginam omnipresente.

Os muçulmanos não podem urinar virados para Meca; os cristãos não o podem fazer nos bispos; todos temem os padres e receiam duvidar de Deus.

A religião é o pântano da fé onde os homens perdem o senso e ganham medos, onde a superstição substitui a razão e a dignidade se esvai a viajar de joelhos e andar de rastos.

29 de Abril, 2020 Carlos Esperança

A RELIGIÃO E A CIÊNCIA.

Por

Firmino Silva

O jogo mais importante, foi travado por força das mais imprevisíveis circunstâncias, não entre o Benfica e o Porto, o Real Madrid e o Barcelona, mas entre Deus e a Ciência.
O Estádio, o Universo; a assistência, o mundo inteiro, ;o árbitro os povos. As equipas alinharam: do lado de Deus, padres, rabinos e imans; do lado da ciência, médicos, enfermeiros, farmaceuticos, cientistas vários.

A ideia de um tal embate era velha, velha desde Galileu e Giordano Bruno, que não chegaram a ir a jogo, perderam logo na secretaria.

Desta vez, o jogo teve lugar disputou-se mesmo.

Deus perdeu, e uma vez mais, recusou conformar o resultado. Perdeu por falta de comparência. A equipa, constituida por padres, rabinos e imans, pela perimeira vez postos de acordo, regressaram de cabaeça baixa a Igrejas, Sinagogas e Mesquitas, deixando em pleno campo o velho nunca desistente adversário: A ciência.

Um facto histórico que não resisti a registar.

28 de Abril, 2020 Carlos Esperança

Sobre Anticlericalismo (2)

Por

ONOFRE VARELA

“Tal como aconteceu no último artigo, obrigo-me a começar este aludindo atitudes de sacerdotes da Igreja Católica. No Minho, houve um que promoveu o “beija cruz” tradicional da Páscoa, num lar de idosos, indiferente ao perigo de contágio do Coronavírus! Para salvar esta atitude negativa, houve duas positivas: um sacerdote da Trofa doou 80 000 € (que tinha reservado para obras em duas igrejas) ao Hospital de S. João para ajudar nas despesas de tratamento dos afectados com o vírus; e o padre da Igreja do Marquês, no Porto, distribuiu kits com refeições a quem perdeu o emprego em consequência da pandemia que nos assola. Os meus parabéns aos dois últimos. 

Voltando às razões do anticlericalismo de Tomás da Fonseca, lembro que o presente tem origem no passado. No caso do tempo de Tomás da Fonseca, vamos ter de recuar 23 anos. Apanhamos o comboio de viajar no tempo e apeamo-nos no dia 8 de Dezembro de 1854, o dia em que o Papa Pio IX proclamou em Roma o dogma da Imaculada Conceição, a cuja cerimónia assistiu o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Guilherme Henrique de Carvalho. 

O Papa satisfazia os pedidos da Igreja Portuguesa, no sentido de Portugal obter alguma importância na definição dogmática, e decidiu-se construir um templo em Braga, no Sameiro, dedicado a “Maria que engravidou sem mácula”. Por todo o reino a coroa ofereceu património à Igreja, o que se reflectiu no sentimento religioso das populações que rejubilaram com os novos templos e recintos religiosos, tal como hoje se rejubila com a vitória de Portugal num campeonato de futebol.

Ao mesmo tempo reforçava-se a concórdia existente entre o Reino e a Igreja, de tal modo que, em muitos sectores da sociedade, clamava-se por mais intervenção do poder eclesiástico na vida social. Naquela época ainda não se tinham curado totalmente as feridas abertas nas lutas entre liberais e miguelistas, que haviam conduzido a uma guerra civil terminada 20 anos antes, em 1834. A Igreja, sempre atenta às reacções do Povo, teve consciência da sua força espiritual, e reafirmou-se perante o mesmo Povo que clamava por glórias celestes. 

A Igreja era detentora de uma soberania transcendente, situando-se acima de tudo quanto é puramente humano, colocando a realeza terrena num patamar insignificante perante o reino celeste, do qual o Papa e os bispos se intitulavam altos dignitários na Terra. Deste entendimento e da força do Clero, resultou a multiplicação dos institutos religiosos dispersos por cidades e vilas, sob a forma de escolas, hospitais, asilos e creches, onde (cito da História de Portugal, de Joaquim Veríssimo Serrão) era obrigatório “observar e propagar a Religião Católica Apostólica Romana, que é a Religião do Estado, procurando praticar as virtudes que ela ensina”.

Neste panorama, com a religião a invadir a esfera da política do Reino, não tardou que a paz entre o Estado e a Igreja sofresse alterações, alimentando focos de tensão com aqueles que não comungavam dessa aproximação da Igreja ao poder político.”

(Continua) 

Texto de Onofre Varela (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)