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1 de Setembro, 2020 Carlos Esperança

«Amar a Deus sobre todas as coisas»

Por

ONOFRE VARELA

“Amar a Deus sobre todas as coisas” é o primeiro mandamento que a Bíblia ensina e exige. Só depois vem a frase “… e aos outros como a ti mesmo”.

O preceito religioso de “amar a Deus”, continua nestes termos: “Deus deve ser amado e adorado sobre todas as coisas porque é o fundamento de todo o universo. Tudo o que existe fora do nada foi criado por Ele com amor, sabedoria e poder. Ele criou todas as coisas a partir do nada. Deus é eterno, incriado, não teve princípio e não terá fim. Deus é Omnisciente, sabe tudo; é Omnipotente, pode tudo, nada lhe é impossível; é Omnipresente, está presente em todo o lugar; é amor; é Pai; é Perfeitíssimo. Nele não há sombra de erro. Não se engana nem engana ninguém. É uma Majestade suprema, perante quem todos se devem vergar”.

O crente que entende este arrazoado como verdade absoluta, sem indagar o porquê de todas estas afirmações, nem esmiuçar o que poderá estar contido nesta lista de alegações… é o crente perfeito; é o cidadão desejado por todos quantos exercem o poder, sejam os políticos (democratas ou ditadores, mas principalmente os segundos) ou os patriarcas de qualquer religião ou seita. Foi para esse crente que os poderes de antanho redigiram tais preceitos, com o fim de serem aceites e adorados… mas não compreendidos!… A compreensão dos conceitos religiosos é uma desgraça para os especuladores das crenças. Por isso os crentes “se devem vergar” (ao conceito de Deus e àqueles que do conceito se servem).

O crente perfeito pode viver toda uma vida de paz interior e sentir uma felicidade suprema, por se vergar ao poder de quem lhe incute esta vassalagem a uma entidade fictícia, criada, exactamente, para que ele (o crente) não pense e se deixe comandar. Outros pensarão por si e lhe ditarão comportamentos inofensivos para os seus mandantes.

Ao contrário, o descrente interroga estas premissas. Quer saber o porquê de se “amar e adorar o fundamento do universo”. O que quer isso dizer?… Ele, o Deus, criou tudo a partir do nada?!… Com que matéria prima?… Com que ferramentas?… Se nada existia antes do Criador, o que foi que o criou a Ele?!… Como?… Criou-se a si mesmo?!… Qual o processo usado na criação do Criador, e como conseguiu Ele, o Criador-incriado, criar tudo a partir do nada?!…

Quanto a amar a Deus sobre todas as coisas… obviamente eu não o amo… não sou mentalmente insano para amar o que se me apresenta como arma exploradora dos meus sentimentos. E quanto a “amar os outros como a mim mesmo”… aceito!… Mas substituo o termo “amor” pelo termo “respeito” (o conceito de “fazer amor”, para nós, latinos, está muito conotado com o acto de fornicar”, por isso o dispenso como mandamento), e “respeito todos os outros, do mesmo modo como desejo que me respeitem”.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

31 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

Milagres

É bem provável
26 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

Jacobinismo, democracia e adereços pios

Apesar da sanha contra o jacobinismo, injustamente recordado pela violência, gratuita e intolerável, deve-se-lhe a genuína defesa da democracia, razão do ódio dos que têm uma herança menos recomendável na defesa das liberdades e mais pesado na crueldade.

O jacobino, exatamente por amor à liberdade, não aceita que a limitem os que a odeiam, a desafiem os que a pretendem destruir, e a minem os que impõem verdades únicas.

As religiões, sobretudo as que não sentiram a repressão do seu clero, obrigado a aceitar o laicismo, são hoje um fator de instabilidade e de terror, imposto pela fúria demente de um proselitismo incansável e inadmissível.Como as leis dos países civilizados e democratas são obrigatoriamente abstratas, gerais e imperativas, não se deve, por exemplo, interditar o burkíni, quando a burka já cai sob a alçada da proibição, por razões de segurança, de ocultar o rosto.

Sendo a discriminação inaceitável e impune o desafio não violento à democracia, não há forma de evitar as provocações do Islão político, sem impedir a apropriação do espaço público pelas religiões.

Proibir, no espaço público e organismos oficiais, as indumentárias que manifestem uma pertença religiosa pode tornar-se necessário para garantir a tranquilidade, evitar insultos e defender todos os cidadãos da discriminação e animosidade das religiões concorrentes.

É intolerável que as ruas sejam ocupadas por crentes que aí procuram rezar (provocar) e promover a fé, impedindo o trânsito. A lei terá de proibir, fora dos locais de culto, as vestes clericais e adereços litúrgicos, mitras, tonsuras, batinas, burcas, kipás ou hijabs, bem como todas as vestes que os clérigos e crentes de qualquer religião exibem.

Urge impedir o retorno das rivalidades pias e da guerra de religiões que já está em curso no espaço europeu. Não podemos ignorar a atmosfera de medo que limita a liberdade, o terrorismo que ameaça a democracia e a demência religiosa que destrói a civilização.A herança renascentista e iluminista da Revolução Francesa, civilização que nos coube, não pode ficar à mercê de quem troca os Direitos Humanos pela ilusão do Paraíso.A proibição exclusiva do burkíni, condenada por quem não percebe o contexto, e expressamente apoiada, há anos, pelo PR francês, interessa aos cúmplices do terrorismo e tem o apoio dos inocentes úteis.

21 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

Há 7 anos

Deus também se engana…

Bento XVI, farto de ser acusado de ter renunciado à tiara por amor, amor à vida, claro, veio agora justificar-se: «Foi porque Deus me disse», numa « experiência mística».

A linguagem exotérica, com que o ex-Papa revela o encontro com a entidade patronal, não deixa aos incréus averiguar a data, o local e o conteúdo, mas percebe-se que Deus não estava satisfeito com o seu PDG, facto que causa a maior perplexidade, a ponto de lhe ter demonstrado «um desejo absoluto» – segundo afirmou o próprio pensionista à publicação católica “Zenit”.

Não se vê como um deus, presciente e omnipotente, além de mandar o Espírito Santo a iluminar os cardeais durante os conclaves, possa permitir que saia dali um cardeal com alvará de infalibilidade, apto para criar cardeais e santos, e despedi-lo depois com justa causa, sem lhe apresentar uma nota de culpa. No mínimo, a eleição de Ratzinger foi um ato desastrado, mais natural no Opus Dei do que em Deus.

Sabendo todos, do mais ingénuo devoto ao mais inveterado ateu, que a infalibilidade do Papa é um dogma cuja dúvida é alheia ao escrutínio da razão e passível de excomunhão, anátema que inviabiliza o Paraíso como lar de primeira classe para a perpétua defunção, fica a dúvida sobre quem se enganou, o papa que perdeu o alvará ou Deus que lhe pediu a resignação.

De qualquer modo, a Igreja, em maré de perda de credibilidade, deixa mais dúvidas do que certezas a quem queira cultivar os mistérios da fé e dá argumentos a quem duvida.

19 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

COVID – 19

COVID-19 — É urgente demitir as ministras da Saúde e da SS.

Era dever da ministra da Saúde evitar os retiros do Opus Dei onde demasiada proximidade entre os padres e excessivo afastamento de Deus, contaminaram, pelo menos, 7 sacerdotes.

Nos lares das IPSSs e Misericórdias, a ministra da Segurança Social é a responsável pelas infeções do coronavírus.

18 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

O ateísmo, as religiões e a democracia

A minha conhecida condição de ateu não me conduziu ao combate primário às crenças e, jamais, aos crentes que se limitam a viver a fé sem buscarem impô-la pela violência.

Isso não significa que não combata as instituições com poder, que, na minha perspetiva, sejam danosas para a democracia e os direitos humanos. É frequente visar, como tal, as religiões. Combatê-las é um efeito colateral da minha luta pela liberdade.

Em Portugal, apenas as religiões do livro têm representação que mereça atenção. Vale a pena lembrar a origem hebraica do Antigo Testamento (AT), fonte dos 3 monoteísmos e só assim designado pelos dois credos posteriores, cristianismo e islamismo que, tendo aí a origem, consideram respetivamente Cristo e Maomé, também como fontes da vontade divina.

O cristianismo, primeira cisão com êxito do judaísmo, surgiu da utilidade para a coesão do Império Romano pelo imperador Constantino. Paulo de Tarso teve a ideia genial de transformar o Deus de Israel em Deus global e fazer dele o salvador universal, apesar de o Homo Sapiens existir há 350 mil anos, sem salvação até há cerca de 6 mil.

O AT, apesar das alterações, é um interessante documento histórico e literário da Idade do Bronze, quando os patriarcas das tribos hebraicas idealizaram o deus abraâmico à sua imagem e semelhança. Trágico é haver quem perfilhe a moral da Idade do Bronze ou as interpretações clericais da vontade de Deus aí contida.

Quem ler, por exemplo, o Levítico fica horrorizado e não é o perigo de haver quem veja em tais tolices a vontade divina que inquieta, é a ação a que essa crença pode conduzir.

O Islão é uma cópia grosseira de judaísmo e cristianismo, alegadamente ditada durante duas décadas, entre Medina e Meca, pelo Arcanjo Gabriel, a um beduíno analfabeto e amoral com ímpetos belicistas.

Sabe-se como o ambiente em que se nasce nos molda e como a repressão nos impede de refletir livremente, e ninguém pode, em sociedades livres, deixar de contestar preceitos que limitam os direitos humanos, submetem a um plano de inferioridade a mulher ou fazem apelos à guerra santa.

Poucos saberão que, quando o sinistro aiatola Khomeini lançou a fatwa contra o escritor Salman Rushdie, o Papa, o arcebispo de Cantuária e o rabino chefe de Israel rejeitaram a condenação dessa fatwa que, cumprida por um muçulmano, garantia virgens e mel doce ao assassino.

Deve condescender-se com religiões que querem ser filosofia, modo de vida, código de conduta e sistema de Justiça de um estado totalitário cujo modelo perfeito é a teocracia?

Em nome do respeito pelas crenças, pode aceitar-se a humilhação da mulher, a limitação dos direitos humanos e o código de valores que extasia Deus e cujos funcionários são os intérpretes da sua vontade?

– Não, nunca.

16 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

“Religião ou negócio”

Por

ONOFRE VARELA

O título desta prosa copiei-o de um artigo de opinião do jornal espanhol El País publicado na edição de Sábado último, e já falo dele. Quero começar por dizer que sou visitante de igrejas e aprecio Arte Sacra. Na visita de uma cidade há dois rituais que cumpro: entrar no posto de Turismo para colher folhetos informativos, e na igreja paroquial. Visito as igrejas como visito museus. O meu interesse é o mesmo. Algumas delas cobram para se ter acesso a partes do templo, tal como no Porto se paga para subir à Torre dos Clérigos, mas não para entrar na nave onde se celebra o culto (penso eu). Já lá entrei e não paguei.

Há cerca de 30 anos entrei na igreja, ou capela, de Fradelos (junto ao silo-auto, no Porto) para apreciar dois painéis de azulejos da autoria de Jorge Rey Colaço (o autor dos painéis da estação de S. Bento). Foi difícil consegui-lo porque, sempre que por lá passava o templo estava encerrado, ou nele se celebrava missa. Por respeito aos crentes e ao culto, não entro em igrejas no momento da celebração. Um dia encontrei-a com a porta aberta e sem missa. Entrei e vi uma senhora a limpar o chão, exactamente na zona para onde me dirigia. Parei em frente do primeiro painel, e a senhora desapareceu. Pouco depois surgiu, aproximou-se de mim e estendeu-me dois postais com imagens daquelas duas obras, proferindo as sílabas bem entoadas: “A-zu-le-jo. A-zu-le-jo”. Sorri-lhe e disse: “Eu sei, minha senhora!”. “Ah!… É português!?…”. Conversamos um pouco. Só os estrangeiros ali entravam para apreciarem os azulejos, desabafou a senhora. Eu quis pagar os postais. Não aceitou. Era uma oferta.

Também a igreja de Santo Ildefonso é decorada com azulejos da oficina do mesmo ceramista e caricaturista, Rey Colaço. Apresentam muito mau aspecto… o vidrado está a cair, levando partes do desenho. Se não houver uma intervenção rápida, corre-se o risco de se perder aquela obra. Sei que o sacerdote responsável pelo templo está a colectar dinheiro para tratar da recuperação, não só dos azulejos, mas também do interior do templo que está muito degradado.

Agora vamos ao título: o jornalista e escritor espanhol Julio Llamazares publicou um artigo de opinião lamentando a reacção da Igreja a propósito de uma entrevista que concedeu ao mesmo jornal, pela publicação do segundo volume da sua obra sobre catedrais espanholas. Na entrevista disse que “a Igreja sequestrou as catedrais”, e por isso foi acusado de anticlericalista (que é o rótulo clássico que a Igreja tem para colar em quem tem o hábito saudável de pensar e divulgar o seu pensamento) por algum bispo mal disposto que esqueceu, ou não sabe, que Llamazares é um amante de edifícios religiosos, tendo dedicado 17 anos da sua vida a contemplar todas as catedrais espanholas. Já escreveu 1.200 páginas contando as maravilhas que viu. E do que viu desaprovou a entrada paga nas catedrais (que no princípio eram apenas meia dúzia a fazê-lo e hoje são todas), o que as transforma em museus e não em lugares de culto. Llamazares discorda da entrada paga, porque as obras nas catedrais são custeadas pelo erário público, isto é, são pagas com dinheiro saído dos bolsos dos contribuintes… que depois pagam para entrar nelas, para cuja recuperação já pagaram com os seus impostos! Pagam duas vezes!… E lamenta: “o que acontece é que as catedrais são da Igreja para cobrar as entradas, mas são de todos os espanhóis no momento da sua conservação!” Para os bispos mal dispostos, esta constatação lógica é… anticlericalismo!

Nada sei do financiamento das igrejas em Portugal, mas sei que Fátima é uma mina, onde há mais dinheiro do que fé. Alguma da choruda receita pode, muito bem, ser canalizada para recuperar a igreja de Santo Ildefonso, que está muito precisada… ou será um pecado que a seráfica Maria não tolera?

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

12 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

O negócio das relíquias está de volta.

Não dedico a Lutero e, ainda menos a Calvino, especial sedução, mas admiro, sobretudo ao primeiro, a coragem com que denunciou o negócio das indulgências e o das relíquias, que eram para Leão X o que as especiarias, cravinho, canela e noz-moscada, foram para os portugueses da mesma época.

Quando as indulgências se vendiam ao domicílio e já prosperava o lucrativo negócio de relíquias contrafeitas, sem certificado de origem nem garantia de milagres, insurgiu-se Lutero contra o negócio e causou rombos irreparáveis no comércio papal e no mercado paralelo.

A excomunhão da Igreja Romana e a pena de proscrito, esta imposta pelo imperador do Sacro Império Romano Germânico, causaram-lhe menos danos do que ele aos negócios pios. No fundo, as cotações das excomunhões baixaram em linha com as das relíquias e indulgências na bolsa de valores da fé.

Há anos, chegaram a Portugal, ao Santuário de Cerejais, em Alfândega da Fé, relíquias de João Paulo II [cabelo e vestes brancas usadas por ele] certamente com certificação de ADN, o DN de 11 de agosto do Ano da Graça de 2014, deu-nos conta de como um teólogo [especialista numa ciência sem método nem objeto] viu a preciosa chegada.

O teólogo e padre franciscano, Carreira das Neves, especialista da fé, disse que ignorava a importação de tais relíquias, mas que as achava importantes. Os leitores, dos mais pios aos mais céticos, adivinham o que, prudente, poderia dizer um profissional da casa.

O que surpreendeu foi a confissão do padre Carreira das Neves de que ‘João Paulo II não acreditava em Fátima mas depois do atentado que sofreu mandou vir [sic] coisas para o Vaticano sobre Fátima e passou a ser devoto’.

Perplexos ficaram os incréus com João Paulo II que, não crendo, se prestou a vir a Fátima a enganar devotos e ter sido preciso que, em dias 13 de maio, quiçá por desígnio divino, o padre Juan Fernández Krohn e Ali Agca tivessem de o convencer à força.

11 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

Sobre a liberdade de expressão e outras liberdades

Engana-se quem pensa que é apenas o código penal a limitar a liberdade de expressão, no caso português, honrosamente liberal, e com jurisprudência que a privilegia.

Os constrangimentos sociais são suficientemente fortes para condicionar a liberdade dos cidadãos. A tradição é a anacrónica desculpa para a limitar e até o maldito aforismo, “A nossa liberdade acaba onde começa a dos outros”, serve para intimidar quem não desiste da sua defesa.

As ideologias políticas e, sobretudo, as religiosas têm tendência a ser totalitárias. Não é a fé individual que está em causa, é o poder institucional das religiões. O proselitismo é a tara monoteísta que começou com Paulo de Tarso e impregnou o cristianismo e a mais implacável das três religiões do livro, o Islão. Só escapou o judaísmo que tem a loucura exclusiva, ser detentor da escritura do Notariado Divino, domiciliado em parte incerta, que lhe confere direitos imprescritíveis sobre a Palestina.

O que seria da liberdade de expressão se os crimes e os pecados fossem a mesma coisa, se a interpretação de idiossincrasias divinas, pelos funcionários privativos de cada deus, fosse acolhida pelo código penal de cada país? Não teríamos democracias, estaríamos sujeitos a teocracias, não teríamos a civilização moldada pela secularização, mas uma ditadura clerical.

Há crenças que odeiam a música, a dança, o corpo da mulher, as esculturas, a carne de porco, a democracia e os direitos humanos. Com que legitimidade temos de abdicar da civilização e dos direitos individuais para não ferir as suscetibilidades beatas de quem a fé embrutece e a sede do Paraíso desvaira?

Os direitos humanos enunciados na Declaração Universal (DUDH) sobrepõem-se aos interditos que cada um considera sagrados para si próprio, sem direito a impô-los a quem é indiferente às crenças ou perfilha uma crença diferente.

Todos os crentes pensam que a sua fé lava mais branco do que a fé da concorrência e a Europa sabe por dolorosa experiência o que foi a violência das guerras religiosas até à Paz de Vestefália que pôs termo à Guerra dos Trinta Anos.

Só a laicidade sem tibiezas pode barrar os desmandos prosélitos que religiões exógenas à Europa dos últimos séculos introduziram no tecido social da nossa civilização onde as religiões tradicionais foram acalmadas pela repressão política sobre o seu clero.

Não se pode permitir o regresso à competição violenta no mercado da fé. É tão legítimo ridicularizar o ateísmo como qualquer religião. É o direito à liberdade de expressão.

10 de Agosto, 2020 Carlos Esperança

As religiões, os crentes e a intolerância

Não lamentaria o fim das religiões, mas magoar-me-ia que um só crente, qualquer que fosse o seu deus, acabasse molestado. Considero as religiões, todas as religiões, falsas e prejudiciais, mas não imagino que a sua ausência tornasse os povos mais felizes e mais racionais os crentes.

Sendo o mundo o que é e as pessoas como são, porque são moldadas no berço e sofrem os constrangimentos das sociedades onde vivem, seria ótimo se houvesse um módico de racionalidade a suavizar o proselitismo que devora os crentes mais exaltados.

É ocioso referir a crueldade e sofrimento provocados por suicidas que morrem e matam a gritar que “deus é grande”, à espera do ror de virgens e de rios de mel doce que julgam à espera, depois da imolação insana.

O bando de cruzados mentirosos que agrediu o Iraque originou uma tragédia que devia arrepiar os cúmplices de Bush, Blair, Aznar e Barroso. A comunidade de cristãos de 4,5 milhões de crentes que, em 1950, vivia no Iraque, desde o século I d.C., está reduzida a cerca de 200 mil, com tendência a extinguir-se.

O protestantismo evangélico pretende o domínio dos aparelhos de Estado no continente americano e trava uma guerra impiedosa com o islamismo wahabista, pelo controlo de África, na região do Sahel. A violência sionista do judaísmo e o primarismo católico das Filipinas, onde jovens se crucificam na Páscoas cristã, não abrandam.

A atual deriva nacionalista do hinduísmo adicionou a xenofobia à divisão em castas e à humilhação das viúvas que voltaram a casar. Pretende o extermínio dos muçulmanos na Índia, o país das duas comunidades, e alimenta tensões com países vizinhos.

Quase desconhecida é a ferocidade do monge budista Ashin Wirathu, a face mais cruel do terrorismo budista, apelando à limpeza étnica dos 4% da população da Birmânia, que professa o islamismo, assim como a xenofobia manifestada no Sri Lanka ou o ódio entre conventos budistas e, dentro dos conventos, entre os seus monges.

A violência conventual da exótica teocracia monástica do Monte Athos cuja misoginia proíbe o acesso de mulheres e de quaisquer animais fêmeas, é a tendência universal das crenças que o medo da secularização e do livre-pensamento torna intolerantes e cruéis.

É este caldo de cultura que está à solta com a cumplicidade dos Estados que apregoam a separação do Estado e das Igrejas, mas, na prática, traem a laicidade e cortejam o clero, que exibe as vestes pias nas cerimónias seculares.