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29 de Abril, 2021 João Monteiro

Feliz 25 de Abril!

Texto publicado no Facebook, no dia 25 de Abril

A data que hoje se comemora é importante para todos os cidadãos democratas, inclusive para os ateus, agnósticos, livres-pensadores e humanistas.

Representa o fim de um regime ditatorial e a passagem para um regime democrático; o fim do lema “Deus, Pátria, Família”; o fim do autoritarismo; o fim de uma polícia política e da tortura de inocentes; o fim de uma guerra colonial que praticamente ninguém queria; o início de uma época de esperança, acrescida de uma vontade de reconstruir a sociedade; a promoção de uma cada vez maior capacitação individual; passou a dar-se prioridade ao investimento na educação, na saúde (com a criação do SNS) e na ciência; a conquista de diversos direitos, incluindo o da livre-expressão, e muito, muito mais. E ainda mais o que falta fazer.

Hoje é dia de celebrar: Viva a Democracia e viva a Liberdade!

21 de Abril, 2021 João Monteiro

Lei da separação do Estado das Igrejas

Assinala-se hoje, dia 20 de Abril, os 110 anos em que foi aprovada, por decreto, a Lei da separação do Estado das Igrejas. Entre os seus princípios destacam-se: a liberdade de consciência; a religião católica deixar de ser a religião do Estado; ninguém poder ser perseguido por motivos de religião; a república não reconhecer, não sustentar, nem subsidiar culto algum; ou ainda a proibição de realização de reuniões políticas nos lugares habitualmente destinados ao culto de qualquer religião.

A lei original estava organizada em torno dos seguintes sete capítulos:

I – Da Liberdade de consciência e de culto;
II – Das corporações e entidades encarregadas do culto;
III – Da fiscalização do culto público;
IV – Da propriedade e encargos dos edifícios;
V – Do destino dos edifícios e bens;
VI – Das pensões aos ministros da religião católicos;
VII – Disposições gerais e transitórias

E a mesma lei pode ser consultada aqui, no site da Associação República e Laicidade.

Apesar destas conquistas sociais, elas não permaneceram no tempo, tendo sido alvo de sucessivas reformas. Como sabemos, a história é feita de avanços e recuos. Hoje, a Igreja Católica tem privilégios (originados pela Concordata e outra legislação); o Estado paga a capelães dos hospitais, das forças armadas e das prisões; e as escolas públicas e universidades promovem comunhões pascais e cerimónias (como temos denunciado). Há pois muito por reivindicar, como temos vindo a fazer junto das entidades competentes, e como continuaremos a fazer.

Afonso Costa assina a Lei da separação do Estado das Igrejas.
Foto do Arquivo Municipal de Lisboa.
19 de Abril, 2021 Carlos Esperança

Massacre de Lisboa de 1506

Há 515 anos, em 19 de abril, em Lisboa, uma multidão perseguiu, torturou e matou mais de 4000 judeus. O Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, nove anos depois da conversão forçada dos judeus em Portugal, resultou da acusação de serem a causa da seca, fome e peste que assolavam o país.

Em 1506 os judeus eram os suspeitos do costume e aos cristãos-novos nem a conversão forçada lhes trazia a paz. A sua perseguição era uma tradição que a intensa devoção dos católicos exigia e os padres estimulavam.

Depois viria a Inquisição, para dar cobertura legal às fogueiras purificadoras, e reunir hereges, bruxas, sacrílegos, apóstatas e outros inimigos da fé na incineração dedicada.

Os livres-pensadores duvidam do mau-olhado, da feitiçaria e outros truques, e defendem a laicidade com a mesma tenacidade com que os devotos queimavam hereges. Perdeu-se a tradição ibérica que os reis de Espanha, Fernando e Isabel, cultivaram e impuseram a D. Manuel I. Ficaram na História, conhecidos por Reis Católicos, muito devotos à Igreja e alérgicos ao banho, que abominavam.

Hoje, apesar dos milagres que já obraram e do desejo de franquistas em canonizá-los, os papas têm resistido em reconhecer-lhes os milagres e em elevá-los à santidade.

Já não há devoções como antigamente, e a chaga da laicidade anda aí para perdição das almas e azedume dos católicos integristas, talibãs de Cristo-Rei, que gostam de levar as missas e orações aos hospitais, presídios, universidades, escolas e repartições públicas.

As Cruzadas foram a apoteose da fé, a Evangelização um momento alto do proselitismo e a Santa Inquisição um tribunal cujos métodos revelaram o desvelo dos inquisidores e a força da fé.

Razão tinha a Santa Sé em não aceitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, essa criação de ateus, livres-pensadores e outros malfeitores que impõem a igualdade de direitos para homens e mulheres, ao arrepio dos livros sagrados.

18 de Abril, 2021 Carlos Esperança

A castração de S. Sebastião em Coimbró (Crónica)

O historiador Augusto José Monteiro, generoso amigo, enviou-me, para usar como me aprouvesse, uma história autêntica, extraída de um livrinho de 2007: “Lendas, contos e tradições do Alto Tâmega e Barroso”.

Aqui fica, na nudez da narração, à guisa de exórdio da crónica, a deliciosa história que o investigador exumou, a explicar a origem da devoção popular a uma santa, em Coimbró, aldeia perto de Boticas (Chaves):

 «Os três santos de Coimbró

“Coimbró tinha como padroeiro São Sebastião. Só que era um santo muito pequenino, o que não agradava aos moradores da aldeia. Então um dia em que andavam zangados com Santa Marta, que era grande, disseram:

– Deixa, que nós vamos comprar um São Sebastião grande e vamos pô-lo no altar de Santa Marta.

Juntaram então dinheiro, com um peditório pela aldeia, e compraram um São Sebastião grande. Puseram-no no lugar de Santa Marta que foi para o lugar do São Sebastião pequeno.

Depois puseram-se a pensar o que haviam de fazer com o São Sebastião pequenino. Não iam ficar com dois santos iguais. E é então que um dos habitantes propõe:

– Não há problema nenhum. Capamos o São Sebastião pequenino e fazemos dele uma Santa Quitéria. E ficamos assim com três santos diferentes.

Meu dito, meu feito. Nasceu então uma Santa Quitéria, que é uma santa pequenina que existe numa capelinha situada num monte próximo de Coimbró”».

Esta é a história que acrescentou uma santa à devoção da aldeia que hoje, por economia de meios, faz uma festa, com procissão, em 13 de agosto, a Santo Amaro e Nossa Senhora da Saúde, duas homenagens numa única manifestação de fé, mantendo as orações a Santa Quitéria, talvez esmorecida já a excitação pelo mártir S. Sebastião.

Coimbró criou a devoção a uma das nove irmãs gémeas, cujos estudos hagiográficos a situam no século II como jovem mártir, filha de um nobre pagão, que começou a obrar milagres e a ser venerada no séc. VIII, ainda que o martírio só aparecesse referido, pela primeira vez, no séc. XII, com direito a inscrição no Martirológio Romano, depois de citada em dois Flos Sanctorum, graças ao empenho dos jesuítas e à provada eficácia da defunta donzela como advogada de defesa contra a raiva.

Nascida da remoção testicular do mártir trespassado de setas, Coimbró passou a venerar dois mártires, grande o varão e pequena a donzela, como mandou a fé e a anatomia dos géneros, num contexto a que não foi alheia a exaltada devoção a S. Sebastião.

Não foi maldade ao santo que tanto os fascinava, foi o horror ao desperdício da imagem pia, adicionado à dimensão da fé, onde sobra sempre lugar para mais uma devoção.

Esta história é uma deliciosa metáfora da religiosidade medieval dos meios rurais onde a ingenuidade e o apego ao divino seguiam a gestão criteriosa dos parcos haveres.

Coimbró foi buscar ao «Martirológio» – rol da Igreja católica que arrola todos os santos e beatos declarados desde o início da ICAR –, mais uma santa, enquanto centenas de povoações viram, em meados do século XX, exonerada Santa Filomena que cancelou festas, amargurou multidões de devotos e infligiu, na fé, feridas profundas que a benevolente reintegração da santa, recriada pelo papa João Paulo II, nunca cicatrizou.

Santa Quitéria é uma santa que resiste, ao contrário de S. Victor que, já neste século, foi exonerado, pela diocese de Braga, de patrono da paróquia e freguesia com o seu nome.

No séc. IV, o jovem Victor, segundo a tradição, fora condenado à morte por se recusar a participar numa cerimónia pagã, crime e castigo desmentidos dezasseis séculos depois, para amargura de 30 mil almas! Que importava a pequena mentira, em 2004, à diocese e à religião onde sobram prodígios?

Pelo sofrimento dos crentes da freguesia e paróquia de S. Victor, é fácil concluir o que padeceram os franceses quando o culto a S. Guinefort, cão e mártir, injustamente morto pelo dono, foi proibido, e o santo apeado dos altares e arrasado o templo em sua honra, por ser a santidade reservada a humanos, com Roma indiferente à tradição e ao martírio do quadrúpede.

De sinal contrário, foi o júbilo dos devotos de S. Sebastião, convictos de que a santidade se mede aos palmos, a ampliarem o taumaturgo que mais os atraía e a adicionarem uma peanha para Santa Quitéria, exposta à veneração dos paroquianos de Coimbró.

Eram assim as decisões expeditas em Terras do Barroso, muito semelhantes em todo o norte do País onde a fé criou raízes profundas e a os crentes nunca abdicaram de a gerir segundo os padrões profanos.

Coimbra, 17 de abril de 2021

16 de Abril, 2021 João Monteiro

O deus que habita em nós

Texto da autoria de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

Conversando com um amigo, falávamos da diversidade de sensibilidades políticas e religiosas que unem as pessoas, mas que também as separam e muitas vezes conduzem a agressões verbais ou físicas condenáveis. Como exemplo desses procedimentos bélicos, referíamos os actos pouco dignos, até criminosos, de grupos fundamentalistas, sejam religiosos ou políticos, e mesmo claques de clubes de futebol. Todos têm a mesma matriz do ódio… só porque uns gostam de maçãs, e outros preferem pêssegos!…

Estas atitudes, sendo condenáveis, também são naturais em nós. Fazem parte da nossa característica de predador, de que a Natureza nos dotou como sistema de defesa e sobrevivência. Mas se a Natureza nos fez predadores – tal como fez o leão – também nos equipou com um cérebro de características especiais, dando-nos raciocínio, sensibilidade e inteligência… faculdades que o leão não possui. Por isso nos obrigamos a usar as nossas características de Sapiens, contrariando o mero animal que somos, usando “o deus que habita em nós”, abandonando a nossa parte animalesca que, naturalmente, faz o leão.

O meu amigo arregalou os olhos de espanto. Sabendo-me ateu, estranhou a minha referência ao “deus que habita em nós”! Compreendi o seu assombro porque o Ateísmo sempre foi vilipendiado e dele se faz, erradamente, exemplo de desvio comportamental no pior dos sentidos. Na verdade não há razão para espanto, porque os ateus (isto é: eu. Da sensibilidade de outros ateus não posso falar. Tal como há vários modos comportamentais de se ser religioso, também os há de se ser ateu). Dizia eu que os ateus criticam “a ideia da existência de um deus exterior a nós”, no aproveitamento social e económico que dessa ideia se faz, mas nunca criticam “o deus que habita em nós”… isto é, a ideia que nos levou à criação de deuses, e depois à sua depuração até chegarmos ao “Deus único” adorado por judeus, cristãos e muçulmanos.

O processo da “depuração da ideia de Deus” ainda não está concluído. O caminho que conduziu ao abandono de um panteão, apurando um único deus, acabará por dispensar, também, o deus Jeová (Alá) criado pelos Judeus, reciclado pelos Cristãos (e adoptado por Maomé), que sobrou da purga do tempo. Quando refiro “o deus que há em nós”, sei que sou compreendido por quem me escuta e é crente, porque a força que ele sente na crença que alimenta no “deus que habita em si” – cujo deus, na verdade, só existe dentro da sua cabeça, e não fora dela – é característica daquela parte de nós que sublinha o facto de sermos Sapiens, diferenciando-nos de todos os outros animais nossos companheiros da vida na Terra.

Só a capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade e o sentido estético que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo… e à criação de deuses… faz de nós uns seres especiais e superiores. No entanto, quando em discordância com os nossos semelhantes, somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador inferior, porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma… embora raciocinemos, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos, tomando conta da razão. E por esse caminho, muitas vezes ficamos em patamares inferiores aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que estes só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões… e acrescentamos a lista, tomados por uma irracionalidade e cupidez que espelha o pior da nossa condição animal… o que parece ser incongruente com a nossa capacidade de raciocinar a que chamamos inteligência… mas a verdade é que, naturalmente, somos assim!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
10 de Abril, 2021 João Monteiro

«Em Verdade Vos Digo»(*)

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

(Permitam-me duas palavras de apresentação: a amizade existente entre mim e o Trevim, desde os tempos áureos das sessões anuais de caricatura na Lousã, organizadas por Osvaldo de Sousa e José Oliveira com o apoio deste jornal, criou laços que jamais se romperam. Por convite da direcção serei, a partir de hoje, colaborador habitual com um texto de opinião na linha do que aqui publiquei no dia 11 de Fevereiro último. Sou ateu e difundo as minhas opiniões no respeito devido à opinião de quem é religioso. Embora tenhamos ideias diferentes, temos a dita de nos podermos expressar livremente, o que ficamos a dever aos heróicos militares de Abril).

Um dia perguntaram a Agostinho da Silva: “Acredita em Deus?”… ao que o filósofo respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.

Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta. Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir à negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento… caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!

Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não me merece crédito de existência real fora do conceito que é, nem da cabeça de quem o afirma.

O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual… mas tem personalidade e forma antropomórfica (concebeu-nos à sua semelhança). Produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, e reina num universo paralelo onde nos espera depois da morte para nos premiar com felicidade eterna ou nos condenar, também, eternamente… o que é uma maldade!

A esmagadora maioria dos crentes não contesta nem indaga as coisas da divindade. Aceita-as por certas, assim, totalmente cruas, sem livro de reclamações, defendendo-as na fé e com carácter de única e pura Verdade (com maiúscula porque divina).

À figura de Deus juntam-se as mais improváveis qualidades e capacidades, como as da omnisciência, omnipotência, omnipresença e, ainda, a mais radical de todas: a de Deus se ter criado a si próprio, já que nada existia antes de si!… Não sou eu quem o diz. A ideia faz parte da lista dos dogmas que no primeiro ponto do II capítulo intitulado “Deus o Criador”, afirma: “Tudo que existe fora de Deus foi, na sua total substância, produzido do nada por Deus”!…

Este deus, pintado desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto mentalmente são, definitivamente, não pode existir fora da cabeça de quem crê. As leis da física e da química não permitem a existência do que quer que seja com tais características e poderes. Dentro da cabeça de cada um… tudo é possível existir!… O nosso raciocínio de Ser inteligente e criativo leva-nos a navegar no reino das fantasias que ciosamente idealizamos e coleccionamos. E se nos dão paz, devemos usar… mas sempre no respeito pela ideia do não crente, já que crença e descrença são as duas faces da mesma moeda. Logo, têm o mesmíssimo valor.

(*) – Frase atribuída a Jesus Cristo, repetida dezenas de vezes nos evangelhos (incluindo a expressão Em Verdade em Verdade Vos digo, repetindo a palavra Verdade para sublinhar a veracidade do que se pretende transmitir, como, por exemplo, se faz em João: 5;24) com a pretensão de afirmar a solenidade do discurso que se lhe segue.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

20 de Março, 2021 João Monteiro

Papa discrimina uniões homossexuais

Em Outubro passado, o Papa Francisco defendeu a regulação do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, através de uniões de facto para casais homossexuais, o que pareceu um distanciamento da posição tradicional da Igreja. Porém, no início desta semana o Vaticano veio dar o dito por não dito, como noticia o jornal Público. Afinal, os padres não podem aprovar uniões de casais do mesmo sexo, nem abençoar essas uniões.

Verifica-se assim que há crentes de primeira categoria e outros de segunda categoria. Uns podem casar-se, a outros é negado o sacramento católico. Não deixa de ser irónico que uma instituição que prega o amor, acabe por penalizar pessoas que escolhem amar quem bem lhes apetece.

Fico satisfeito por o casamento civil ser para todos, de modo a que qualquer pessoa se possa casar independentemente de quem escolhe para viver. Mas lamento que os homossexuais católicos não possam celebrar uma festa religiosa como gostariam, estando limitados por motivos retrógrados da Instituição que seguem. Por solidariedade a todos nessa situação, mesmo não perfilhando a mesma crença, espero que com o tempo haja mudanças.

Deixo os meus votos para que todos sejamos felizes e que continuemos a espalhar amor à nossa volta.

Imagem de Chickenonline por Pixabay
19 de Março, 2021 João Monteiro

Vacinação contra a COVID-19

Enquanto comunicador de ciência, defendo que o conhecimento científico deve ser promovido do modo mais abrangente possível e junto das mais diversas comunidades, pois o conhecimento não deve ser reservado apenas a alguns membros da sociedade.

Por vezes isto significa tentar uma aproximação com grupos que possam ter uma mundividência diferente da científica, como os meios religiosos. Defendo que esta abordagem, se fosse realizada mais frequentemente, talvez contribuísse para o aumento da literacia científica, uma vez que é habitual nesses a procura de conselhos junto de uma autoridade (padre, pastor, imã, guru, etc.). É isso que tem sido feito nos EUA, em que cientistas e profissionais de saúde têm transmitido informação científica credível aos pastores, pedindo-lhes auxílio na promoção da vacinação contra a COVID-19, principalmente junto de populações negras (porque têm razões históricas para duvidar da medicina) ou desfavorecidas (por terem menos acesso a informação). Também rabis de comunidades Sefarditas e Ashkenazi têm incentivado a população vacinar-se.

Se esta comunicação entre ciência e religião não fosse feita, eventualmente verificar-se-ia uma diminuição na taxa de vacinação ou a partilha de desinformação. Na realidade, não é nada que já não tenha acontecido. Um líder religioso iraniano defendeu que a vacina da COVID-19 tornaria as pessoas em homossexuais e o mesmo defendeu um rabi famoso, tendo ainda acrescentado a isso outras teorias da conspiração relacionadas com a Maçonaria, Illuminati e Bill Gates (só ficou a faltar o 5G). Nem a Igreja Católica escapa: um cardeal espanhol, durante a cerimónia religiosa, alegou que a vacina da COVID-19 seria feita à base de células de fetos humanos abortados. Escusado será dizer que nada disto é verdade, mas pode lançar a dúvida junto das pessoas com menos acesso a informação credível. É por situações destas, mesmo que aparentemente sejam casos isolados, que defendo que a aproximação entre ciência e religião deveria ser tentada com mais frequência.

Para terminar, e atendendo que ainda estamos a viver em contexto de pandemia, exorto os nossos leitores a ouvirem a comunidade científica e médica, a tomarem os melhores cuidados tendo em vista a saúde pública e a vacinarem-se assim que for possível.

Votos de boa saúde para todos.

Imagem de Sammy-Williams por Pixabay
18 de Março, 2021 João Monteiro

A mulher na Igreja

Texto da autoria de Onofre Varela:

A escritora e jornalista espanhola Cristina Fallarás, autora do livro El Evangelio Según Maria Magdalena (O Evangelho Segundo Maria Madalena), entrevistada pelo jornal espanhol El País (27 de Fevereiro último) diz que “não se entende a violência contra as mulheres sem a Igreja Católica”.

O seu livro não é uma biografia da personagem mais importante do Cristianismo depois de Maria, mas sim uma novela. “Quando não existe o relato [histórico] devemos criá-lo”, disse a autora. É nessa sua criação literária que se enquadra a afirmação da violência da Igreja contra as mulheres, num enredo novelístico à volta da figura de Maria Madalena e da misoginia da Igreja Católica, uma Igreja patriarcal onde as mulheres são relegadas para uma posição menor na organização do credo. 

Fallarás não quis escrever uma novela histórica, até porque não há fontes históricas fidedignas para se abordar com seriedade intelectual e científica a figura de Maria Madalena, nem, tão pouco, a de Maria, mãe de Jesus, tão venerada mas de quem, na realidade, nada se sabe! A construção dos Evangelhos não configura uma narrativa histórica, mas sim uma narrativa de fé, construída conforme o interesse do narrador. 

Curiosamente a escritora faz uma analogia interessante entre a Bíblia e os filmes de cow-boys! Diz ela que “quando comecei a lê-la dei conta de que a história, desde o princípio, não é mais do que um xadrez sem peões. À partida, não se entende, o jogo não funciona. Colocar as mulheres no relato, completa-o, dando-lhe um sentido que não tinha sem elas”. É aqui que a autora considera que os relatos bíblicos têm forma de “western”, pois, no princípio, também não considerou a mulher. Aquilo era só para homens selvagens e maus, dormindo na montanha tendo a sela por travesseiro. “No ‘western’ as únicas camas são as da cadeia e do bordel. Como relato é uma idiotice igual ao Evangelho de Paulo de Tarso, que considerava a mulher um erro”. 

A sua curiosidade por Maria Madalena tomou forma quando o papa Francisco decidiu nomeá-la apóstolo! Foi em 2016 que a Igreja resgatou aquela mulher que foi referida, durante séculos, como sendo possuída por sete demónios. A Igreja sempre a apelidou de prostituta, adúltera e pecadora. Desde Junho de 2016 Maria Madalena tem dignidade de Mulher, e o seu dia foi marcado no calendário litúrgico (22 de Julho), por mostrar “um grande amor a Cristo e ter sido tão amada por ele, devendo ser exemplo e modelo para toda a mulher na Igreja”.

Cristina Fallarás foi criada num ambiente ultra-católico, passando 17 anos em colégios religiosos femininos. “Sempre soube que havia algo de errado naquela vivência. Não houve nenhum momento em que me desse conta de que o mundo era injusto connosco […] educam-nos com um medo de que não se fala […] como se fossemos o Capuchinho Vermelho, que não é uma mulher, mas uma menina”. 

Na sua obra Fallarás espelha Maria Madalena como uma mulher culta, bissexual e rica. Com base neste possível entendimento da história de Madalena, a autora ficcionou no sentido de explorar “a origem da violência com que nos tratam”. Na Bíblia há três mulheres sexualizadas: Eva, Maria e Maria Madalena. “A primeira é tratada como sendo a culpada de todos os males da Humanidade. A segunda é virgem, perfeita, impoluta… algo inalcançável e absurdo. E a terceira… é uma puta… sem mais! Alguém a quem se usava. A mulher é um corpo que pode ser usado por todos, dizem os Evangelhos”. E conclui a autora: “tenho a raiva dentro de mim […] e qualquer mulher que não tenha a raiva dentro, não é consciente da violência que sofre em cada dia”.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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17 de Março, 2021 João Monteiro

Na Polónia as pessoas afastam-se da Igreja

A notícia

Uma reportagem da Agência Reuters foi publicada no Jornal Público (8-2-2021) com o título “Na Polónia, a Igreja uniu-se à política e os católicos afastam-se“. Como se trata de conteúdo exclusivo, farei uma síntese da notícia antes de a comentar.

O contexto

Para perceber o que se passa, há que entender o contexto histórico da Polónia. Ao contrário de Portugal, que viveu décadas numa ditadura de extrema-direita com o apoio da Igreja e em que na oposição clandestina estava o Partido Comunista, a Polónia viveu uma ditadura comunista e a Igreja Católica era tida como o “farol da liberdade” durante a década de 1980. Porém, com a queda do comunismo em 1989, a Igreja Católica pressionou os governos a regressarem aos valores católicos conservadores, fazendo lobby para se criarem restrições ao aborto, por exemplo. Com isto, os cidadãos polacos foram-se distanciando da Igreja, uma tendência que tem aumentado nos últimos anos.

A atualidade

Apresentado o contexto, chegamos à atualidade. O atual partido no poder é o PiS (“Prawo i Sprawiedliwość” ou em português “Lei e Justiça”), que elegeu como presidente, em 2015, Andrzej Duda. O PiS é um partido de extrema-direita, nacionalista e autoritário, que tem mantido uma grande proximidade com a Igreja Católica. Essa proximidade tem-se refletido nos seguintes aspectos: o PiS vê a Igreja Católica como parte da identidade e repositório dos ensinamentos morais do país, a televisão pública exibe cerca de 9h semanais de programação católica, incluindo transmissões de serviços religiosos, tem havido sessões de deposição de relíquias católicas na capela do Parlamento, um membro do Conselho Fiscal do país pediu aos fiéis que rezassem pela erradicação do cosmopolitismo das universidades e alguns padres fazem propaganda política nas homilias (a favor do partido no poder).

As consequências

Como consequência da influência e lobby da Igreja, o governo tem sentido legitimidade e poder para avançar com políticas conservadoras – e algumas até atentatórias dos direitos humanos. São exemplo disso as limitações ao aborto e a perseguição à comunidade LGBTQI+. A grande maioria dos interrupções de gravidez feitas na Polónia devem-se a malformações nos fetos, ou seja, por razões médicas. Mas até essas foram proibidas na legislação mais recente dos últimos meses, por lobby da Igreja.

É por causa da geminação entre Estado e Igreja Católica, refletida na propaganda política nas igrejas, na promoção da religião pelo Estado ou no lobby da igreja na educação e nos gastos públicos, ou ainda pela limitação dos direitos individuais, como o direito a escolher quem amar ou o que fazer com o corpo, que um número crescente de pessoas se tem afastado da Igreja Católica.

O número de apostasias tem aumentado e só em Varsóvia mais pessoas pediram para sair da Igreja no mês de Novembro passado do que em todo o ano de 2019.

A vontade dos cidadãos

Na Polónia, como por cá, os cidadãos desejam a separação da Igreja e do Estado. Esse país é um bom exemplo das consequências nefastas de uma aproximação entre as duas esferas, vivendo a sociedade sob o jugo do autoritarismo, conservadorismo e limitações aos direitos, liberdades e garantias. A moral não emana de uma qualquer religião, mas das decisões em sociedade. A moral iluminista de tratar o outro da maneira como gostaríamos de ser tratados é, por si só, um bom princípio que não necessita de moral divina. Essa aproximação da Igreja ao Estado não é boa para os cidadãos nem para a própria Igreja, como se vê pela notícia, havendo inclusive padres polacos a advogarem a separação entre as entidades, de modo a recuperarem os seus fiéis.

Perante esta realidade, a Associação Ateísta Portuguesa mostra-se solidária para com o povo polaco que se sente oprimido e que se quer libertar dos grilhões da Igreja.

Nota final: os nossos leitores que também queiram realizar apostasia, podem consultar este link.

Imagem de Tasy Hong por Pixabay