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30 de Junho, 2021 João Monteiro

Jeová

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

Jeová é o nome português para referir Deus. Numa consulta à Wikipédia somos informados de que o termo é uma tentativa de tradução de um tetragrama (conjunto de quatro letras) hebraico, de leitura impossível: YHWH. Mas podendo ler-se como YAH. Seria esse o verdadeiro nome do deus de Israel que figura na Bíblia.

(Vem a propósito referir que os textos bíblicos misturam factos e personagens da História com narrativas fabuladas no intuito de contar a história dos Judeus afirmando-os o Povo eleito de Deus. Provavelmente a criação do Deus único foi um modo expedito que os Judeus [Israelitas] usaram para se imporem aos seus vizinhos egípcios, que não só eram poderosamente ricos, como também possuíam inúmeros deuses. Os israelitas, na sua realidade de pastores e comerciantes, não tinham nas suas sacolas de nómadas espaço para albergar tantos deuses. Um deus chegava-lhes. E mostraram a fibra do povo que eram, impondo aos egípcios um único Deus que seria estrondosamente mais importante do que todos os deuses do panteão do vizinho! Esta imposição está espectacularmente narrada no Velho Testamento contando as façanhas de Moisés na retirada do seu povo do Egipto… cuja acção é mitológica!… A História não a confirma).

Razões históricas levaram a que, através do tempo, a vocalização do nome de Deus se perdesse, pelo facto de ter sido evitada entre os séculos III e II a.C.. Não se negava, apenas, a pronunciação do nome de Deus, mas também a representação da sua figura, tal como acontece no Islão, que proíbe a figuração de Maomé. É possível ver referências muito diversas ao nome de Deus (embora próximas) como: YHVH, JHVH, IAVÉ, JAVÉ, YEHOVAH e YAHWEH.

João Ferreira Annes de Almeida, natural de Torre de Tavares (Mangualde), onde nasceu em 1628, foi o primeiro tradutor da Bíblia para a Língua Portuguesa, e nela usou o termo JEHOVAH, que considerou mais próximo do tetagrama impronunciável em hebraico, que se lê “Je-ho’vah” e que quer dizer “Eu Sou o que Sou”. No entanto, a controvérsia mantém-se entre os eruditos, havendo quem defenda o uso do termo JAVÉ. A origem do termo não tem uma explicação pacífica por haver várias correntes de opinião.

Aqui deixo uma das explicações para a sua origem, que eu tomo como muito interessante: as línguas Hebraica e Aramaica (duas das três línguas em que foram registados os textos bíblicos – a terceira é o Grego) não usavam vogais; só as consoantes. Logo, as vogais não tinham pronúncia.

Desse modo se construiu uma palavra impronunciável com as letras inexistentes: JEOVÁ, composta pelas cinco vogais, assim dispostas: I-E-O-U-A.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de James Chan por Pixabay
29 de Junho, 2021 João Monteiro

O Porquê (2)

Texto de Onofre Varela publicado na Gazeta de Paços de Ferreira. Devido ao seu tamanho, foi dividido em duas partes, sendo esta a segunda parte.

Regressado do serviço militar em 1968, a curiosidade pelo fenómeno religioso (e católico) tinha tomado conta de mim no sentido de o perceber. Passei a frequentar igrejas para assistir a missas, não com o espírito de crente, que não tinha nem pretendia adquirir, mas com a curiosidade de entender o que ali se passava. Obriguei-me a ler a Bíblia, o Corão, textos Budistas e outros livros sobre o tema. 

A Bíblia, à medida em que progredia na sua leitura, revelou-se-me um livro sem interesse ou, pelo menos, sem aquele interesse desmedido que os religiosos lhe conferem. Os textos arqueológicos e mitológicos que a compõe, montados em forma de puzzle, agregando realidades históricas e ficções, com alguns conselhos e leis à medida da época e da realidade social do lugar onde foram escritos com o único interesse de contarem a história (fantasiada) de um povo: o Judeu. 

Mas são, também, uma insustentável colecção de absurdos à volta de uma divindade sem lógica e de existência real impossível. Se eu tivesse sofrido uma meninice de educação religiosa, nunca me interessaria por estas leituras do mesmo modo, no sentido racional do verbo “interessar”, ao contrário do que penso acontecer a muita gente para quem a crença em Deus é entendida como uma necessidade psicológica. Aceito essa necessidade para quem se submeta a ela… mas não é uma necessidade biológica e vital, como é comer e beber, nem uma necessidade intelectual como é ler, viajar, ver ou fazer teatro, pintar, escrever e compor música. Poderá ser mais uma necessidade aparentada ao consumo de droga!… Já fumei e sei o que me custou largar o vício do tabaco. Mas deixei-o e sinto-me muito bem por isso… se o não tivesse feito quando o fiz, há 50 anos, provavelmente já não vivia. 

Como dizia, regressado da Guerra Colonial, não só me estreei na prática de ouvir missas. Também passei a frequentar bibliotecas e livrarias. Li filósofos e ensaístas, de entre os quais destaco os clássicos Feuerbach, Shopenhauer, Hobbes, Kant, Espinosa, Nietzsche… mas também o Catecismo Católico, Santo Agostinho, David Hume, Pascal, Pierre Teilhard de Chardin… e mais Sartre, Roland Barthes, Bertrand Russell… e o Português Tomás da Fonseca, entre outros autores. Estas leituras foram feitas sem pressa, num período de cerca de 20 anos (durante o qual prestei especial atenção a artigos de opinião e notícias de jornal, mais a programas de televisão e rádio que abordavam Religião, e conversei com religiosos de várias crenças) sempre com sentido crítico e antropológico, numa atitude de aprender os vários comportamentos humanos perante o fenómeno religioso, e nunca animado de espírito guerreiro ao serviço do “anti-Cristo”. 

Também não tinha o interesse de “saber tudo e depressa”; apenas me movia a curiosidade que alimentava a minha vontade de ler sobre Religião, não me preocupando em “procurar Deus”, o que é matéria de que não necessito absolutamente. Nem, tão pouco – como se vê pelo tempo dilatado de duas décadas – me interessava tirar um curso apressado de Religião, ao estilo da carteira de cursos do célebre “doutor” Miguel Relvas. Foi com base em todas estas experiências, leituras e raciocínios, que aos 40 anos de idade me assumi ateu. Até aí apenas sabia que a fé religiosa me causava cócegas no cérebro, levando-me a imaginar que, provavelmente, seria ateu… depois tive a certeza de que o era, e só então o assumi com a convicção de, histórica e filosóficamente, estar bem fundamentado. (FIM)

NOTA: Saúdo o Padre José Augusto pela sua chegada à Gazeta, cujas páginas careciam, há demasiado tempo, da opinião de um sacerdote. Desejo-lhe longa vida sacerdotal e larga permanência no nosso jornal (rima e é verdade!). Aceite o meu abraço.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

Imagem de Colleen ODell por Pixabay
28 de Junho, 2021 João Monteiro

O porquê (1)

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta de Paços de Ferreira. Como o texto é longo, foi dividido em 2 partes.

Não se é religioso ou ateu por mero acaso. Há sempre uma razão na base da construção do adulto que somos, e ninguém foge à sua infância nem às experiências da juventude. O porquê do meu modo de pensar a Religião para além da fé, tem a sua história… e apetece-me falar-vos dela, o que ocupará dois dos meus artigos nestas páginas.

No dia 15 do último mês de Março assinalaram-se os 60 anos do início da luta de Guerrilha Angolana contra a Colonização Portuguesa. Quatro anos depois (em 1965) cheguei ao norte de Angola – integrado num Batalhão de Artilharia – à mesma região onde tiveram lugar os primeiros massacres de colonos (Dembos – vila do Úcua). 

Nem duas semanas eram passadas, tivemos um ataque ao aquartelamento que durou a noite inteira e nos causou a primeira baixa: morreu o Quim… o soldado cozinheiro Joaquim Pires Moreira, natural de Ermesinde e meu colega de camarata no navio Vera Cruz. Por isso conhecia toda a sua vida e os seus projectos. O Quim era trolha na vida civil, a sua namorada ficara grávida e era tecedeira da Fábrica Têxtil da Areosa (indústria de Manuel Pinto de Azevedo Júnior, também proprietário e director do jornal O Primeiro de Janeiro, e que mais tarde foi meu “patrão”). 

O Quim já tinha projectado toda a sua vida: aproveitaria o facto de ser cozinheiro na tropa para abandonar a talocha e a colher de trolha, tomar conta de uma adega e confeccionar comida. A sua mulher deixaria a fábrica e serviria às mesas; o seu filho já contaria dois ou três anos e teria o seu futuro traçado na continuação do restaurante do pai… mas o Quim foi o primeiro a morrer… depois morreram mais 13!… 

A pedido do médico ajudei na autópsia, o que não foi experiência fácil e ainda hoje me ocupa boa parte das más recordações de guerra. A convivência com a morte, sempre presente em pensamento e demasiadas vezes tornada realidade, levava os meus camaradas a fazerem preces para que Deus os livrasse da morte… o que me intrigava!… Em conversas de caserna apercebi-me de que era eu o único soldado que não acreditava em Deus! Intrigavam-me as suas preces e não as percebia. 

O que eu sabia, de saber certo, matemático, científico e infalível, era que se uma bala viesse na minha direcção, não havia mão de Deus que evitasse o impacto do projéctil no meu corpo, por muitas rezas que eu fizesse… e só escaparia com vida se a bala não atingisse orgãos vitais e se fosse socorrido a tempo. Parecia-me impossível haver quem acreditasse no contrário desta realidade fatal, e esperasse que a deidade interferisse na trajectória da bala!… E não tinha ninguém com quem pudesse conferir os meus pontos de vista contra-a-corrente, porque não havia por ali quem pensasse de igual modo!… 

Na tentativa de perceber o sentido da religiosidade, comecei por interrogar os meus camaradas sobre a razão da fé que tinham, iniciando aí a minha colecção de conceitos religiosos, com espírito de aprendiz de Antropologia por conta própria. Não negava as suas convicções… apenas os provocava movido pelo propósito único de os ouvir. Depois procurava perceber o porquê das suas convicções de fé. Quando eu era agressivo colhia mais informações por serem debitadas pela força da ira. Da resposta assim conseguida, deitava fora o insulto e aproveitava o resto. 

Recordo um camarada (o Tino, foto-cine) que me disse ser adventista e que assistia às missas católicas por ser o local onde se encontrava com Deus!… Considerei aquela confissão muito interessante e lógica, mas os outros camaradas, católicos, não tinham a mesma opinião e entendiam que ele devia afastar-se do culto que não era o seu. Esta atitude escandalizava-me pela falta de fraternidade e acolhimento que eu via constituir o espírito daqueles meus camaradas católicos!… (Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

27 de Junho, 2021 João Monteiro

Cartoon – Censos 2021

Cartoon de Onofre Varela sobre os Censos de 2021 e a alusão à exclusão da opção “Ateu” no questionário.

Autoria de Onofre Varela
27 de Junho, 2021 João Monteiro

Eis a questão

Texto da autoria de Onofre Varela, publicado no jornal O Trevim, e anteriormente partilhado na conta oficial do Facebook da Associação Ateísta Portuguesa.

«Quando diverges de mim não me empobreces, enriqueces-me»

(Saint-Exupéry)

Quando, em 1997, iniciei o movimento que conduziu à formação da Associação Ateísta Portuguesa (AAP), estava longe de supor haver tantos modos de se ser ateu, como maneiras há de se ser religioso e de cozinhar bacalhau. 

Em regra, todos nós temos tendência para negar tudo quanto não encaixe no nosso modo de ver, excluindo da lista dos amigos aqueles que pertencem à “espécie rara” de não comungarem dos nossos pensamentos, das nossas convicções e das nossas certezas… repudiando-os, até, quando não abraçam as nossas crenças. 

Se há uma matriz que identifique um religioso ou um ateu, ela é, apenas, a de se ser, ou não, crente em Deus. Para além desta simples bitola, há vários modos de crer e de não crer, e nenhum deles, por si só, permite aferir o nível da qualidade humana daquela pessoa. 

Estas diferenças, das quais não me apercebia, comecei a notá-las a partir da primeira reunião com os aderentes à ideia de se congregar os ateus numa associação nacional que os representasse, e que responderam a um anúncio que publiquei no Jornal de Notícias em Abril de 1997 (há um quarto de século!). 

O primeiro aderente (e mentor da criação da AAP, já que a ideia surgiu na primeira conversa que mantive com ele, antes de publicar o anúncio) foi Manuel Paiva, homem que, então, já contava mais de 90 anos de vida. Mostrou-se frontalmente contra a ideia da legalização do aborto voluntário, colocando-se ao lado da Igreja na defesa do embrião da vida, não admitindo a liberdade de a mulher pôr fim a uma gravidez! Mais ainda… impediu que se atribuísse a José Saramago a qualidade de sócio honorário da AAP… pelo facto de o escritor ser comunista!… 

Depois notei que aquele fundamentalismo caracterizador de alguns religiosos, também tinha lugar no pensamento de alguns ateus; a certeza de serem detentores de todas as verdades, desrespeitando ideias contrárias. Verifiquei, ainda, o desprezo e a postura xenófoba que alguns (pouquíssimos…) demonstravam ter por atitudes puramente étnicas, como o modo de vestir e de rezar de outros povos não europeus, como que se os europeus (e os ocidentais) fossem a fina-flor da Humanidade!… 

A minha virgindade na apreciação dos meus correligionários era constantemente violada pelas observações que fazia naquelas primeiras reuniões, obrigando-me a alterar, constantemente, o modo de entender as coisas que ao Ateísmo e à Religião pertencem, numa espécie de curso rápido, aprendendo a pautar a qualidade das pessoas, não pela superficial camada visível de serem crentes ou descrentes, mas pelas suas condutas sociais, pelas motivações que os conduziam à crença ou à descrença, e também pelos seus discursos comparando-os com as suas acções.

Em todas as classes sociais, em todos os partidos, em todas as religiões e em todos os grupos de futebol, sejam de bairro ou da primeira divisão, há boas e más intenções, boas e más práticas e boas e más pessoas. O rótulo que se cola a quem pensa de modo diverso de nós, não passa de preconceito estúpido e saloio.

Para usar termos que os religiosos compreendem muito bem, direi que de entre gente de muita fé em Deus e que papa hóstias em todas as missas, “há quem tenha a alma a arder no inferno”… e que de entre os mais empedernidos ateus… “há quem raie a santidade”.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

26 de Junho, 2021 João Monteiro

De regresso ao Diário

Este “Diário de uns Ateus” tem andado pouco diário. Mas isso está prestes a alterar-se: com a mudança de estação iremos regressar à publicação de textos. E nada melhor do que regressar com a partilha dos textos de opinião do nosso associado Onofre Varela. Amanhã de manhã publicaremos o primeiro de vários textos. Até breve.

13 de Maio, 2021 João Monteiro

Aparições em Fátima?

Chega a esta altura e não há como fugir ao tema. 13 de Maio marca o início das alegadas aparições da “Nossa Senhora” aos três pastorinhos. Estas crianças viriam a ser visitadas todos os meses, sempre no dia 13, até Outubro, quando se terá dado o suposto “milagre” do sol.

Embora tenha crescido num ambiente culturalmente católico, havia histórias e tradições que não conseguia aceitar. Esta é uma delas e por várias incoerências na descrição da situação: a mulher aparece apenas a três crianças e não adultos; uma das crianças vê, ouve e fala, a segunda só ouve e vê e a terceira só vê a mulher; se pretende trazer uma mensagem porque é que a leva só a alguns, pois se tem capacidade de aparecer e vontade de disseminar uma mensagem deveria aparecer a mais pessoas (isto é comum a diversas aparições religiosas); as contradições entre as versões das crianças; a perseguição da própria igreja numa fase inicial e a apropriação e aproveitamento da situação por parte da mesma entidade numa fase posterior; o contexto familiar e social da época que ajuda a compreender a obsessão das crianças com este tema; entre outros fatores. Já para não falar da improbabilidade de todo o fenómeno “milagroso” do 13 de Outubro. Mas isto será tema para outro texto futuro.

Custa-me a compreender que no século XXI, com a quantidade de informação disponível e com a quantidade de plataformas digitais que permitem o livre debate e troca de ideias, haja milhares de pessoas (talvez milhões, se considerarmos um contexto internacional) que ainda acreditam nesta história. Que as pessoas acreditem em Deus, eu ainda aceito a questão da Fé como resposta, mas neste caso trata-se de uma questão de bom senso e de implausibilidade. E quanto mais se lê sobre o assunto (inclusive fontes favoráveis e apologistas das aparições), mais dúvidas surgem sobre a possibilidade de tal relato ter mesmo acontecido.

Tenho esperança que, com o tempo, as pessoas se vão apercebendo da fragilidade dos argumentos desta história e que percebam que, atualmente, o fenómeno de Fátima mais não é do que uma máquina de fazer dinheiro – apenas e só – à custa dos que crêem. É este tipo de aproveitamento de pessoas que foram educadas a acreditar e de pessoas que peregrinam por estarem fragilizadas ou em desespero, que condeno.

Por estas razões, para mim, esta não é uma data de celebração.

7 de Maio, 2021 Abraão Loureiro

30 de Abril, 2021 João Monteiro

Padre e Freiras escravizam e agridem jovens vulneráveis

A Associação Ateísta Portuguesa condena os atos cometidos e mostra-se solidária para com as vítimas destes atos desumanos.

OS ANTECEDENTES DESTE CASO

Em 2015, o jornal Público já noticiara que um Padre e quatro freiras da “Fraternidade Missionária de Cristo Jovem”, uma comunidade católica ultraconservadora que habitava num convento em Requião, Vila Nova de Famalicão, foram acusados de agressão e escravidão. Por essa altura descobre-se que, na realidade, as freiras não são bem freiras (porque nunca fizeram votos à Igreja Católica), que o convento não é um convento (porque não está sob alçada da CIRP – Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal) nem uma Ordem Religiosa liderada por um padre. Quando muito, pode-se considerar um Centro Espiritual. É também dado a conhecer que a instituição acolhia jovens raparigas vulneráveis, a quem posteriormente agrediam verbal, psicológica e fisicamente e ainda as forçavam a trabalhar na instituição sem qualquer remuneração e em clima de terror e de humilhação. Para além dos castigos físicos, as vítimas eram por vezes impedidas de comer e contactar com a família. Esta situação ocorreu entre 1985 e 2015. Perante vários anos de maus-tratos, uma das vítimas desenvolveu um estado depressivo profundo e, não conseguindo fugir do local, suicidou-se atirando-se para um tanque. Pouco depois outras vítimas conseguiram apresentar queixa junto das autoridades, ficando a Polícia Judiciária a investigar o caso.

PADRE E FALSAS FREIRAS EM TRIBUNAL

O padre e as falsas freiras estão acusados de nove crimes de escravidão – crime punível entre 5 e 15 anos de prisão. Conforme noticia a edição do jornal Público de ontem, a falsa freira governanta “admite chapadas” às noviças, mas diz que “amava todas”. Convenhamos que é uma estranha forma de demonstrar amor através da violência física, verbal e psicológica.

Ainda a mesma freira chamou as noviças de “porcas e mentirosas, que não gostavam de trabalhar e não sabiam fazer nada. Chegou a referir-se a elas como “esse tipo de gente”. “Eu amava-as as todas e ainda as amo”, disse”. Ainda segundo a arguida, “admitiu que o convento tem regras e que ali havia mesmo um chicote que as noviças poderiam usar para se autoflagelarem. “Havia isso, se elas quisessem. Mas elas não o faziam porque não tinham a garra e a generosidade suficientes para isso, não eram capazes”, apontou”.

COMO TUDO ACONTECEU

Para compreender como tudo alegadamente aconteceu, nada melhor que ler a notícia do jornal Público de 2019. Toda a história é um caso claro de manipulação psicológica. De modo resumido, os arguidos procuravam jovens de origens “humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas e com pretensão a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus”. Após vista à instituição, convenciam-nas que tinham sido “escolhidas por Deus” e, caso recusassem seguir uma vida religiosa, seriam alvo “de castigos ‘divinos’, problemas familiares, mortes na família”.

Resignadas ao seu novo papel, receando represálias a nível espiritual para si ou para os seus, acabariam por ser alvo de punição aqui mesmo na Terra, por parte daqueles que as deviam proteger. Com restrição de liberdade, com a visita condicionada de familiares, com a correspondência lida pela governanta, com os documentos pessoais na posse da instituição, com acesso limitado a cuidados médicos e sem acesso a meios de comunicação, a dependência era total.

Algumas das agressões eram realizadas com recurso a vassouras, mangueiras, chicotes, chinelos e até com a bíblia, as jornadas de trabalho poderiam chegar às 20 horas e as bofetadas eram recorrentes. As jovens chegaram a ser privadas do seu banho semanal de água fria, a permanecerem nuas no jardim e a dormirem no chão. Estes castigos viriam a deixar marcas no corpo destas mulheres e sequelas psicológicas.

A NOSSA POSIÇÃO

A Associação Ateísta Portuguesa condena os atos cometidos e mostra-se solidária para com as vítimas destes atos desumanos. Esperamos que as vítimas tenham acompanhamento psicológico e apoio do Estado no que for necessário. Apelamos à Igreja Católica para que também condene publicamente este tipo de ações junto do meio religioso e que denuncie todos os casos que venha a ter conhecimento. Iremos ainda promover esta nossa opinião por todos os meios ao nosso alcance.

29 de Abril, 2021 João Monteiro

Mulher Mártir

Texto de Onofre Varela.

Nawal el-Saadawi (1931-2021) acabou de nos deixar. Era egípcia, médica e escritora. Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição, e era líder da luta pelos direitos da mulher no mundo árabe. 

Foi perseguida e detida várias vezes por pensar de modo diverso do estabelecido numa sociedade machista, e divulgar o seu pensamento. Teve os seus livros confiscados e proibidos, tal como em tempo de ditadura Salazarista por cá se fazia. Na sua biografia tem um discurso semelhante ao da escritora espanhola Cristina Fallarás, aqui divulgado no último artigo. Nawall cresceu numa cultura patriarcal onde as raparigas são sujeitas a vários abusos desrespeitadores da mulher, como são o casamento infantil e a mutilação genital. Sofreu tal mutilação por imposição familiar e tornou-se activista contra tão aberrante procedimento praticado em nome de uma tradição cultural criminosa. Na verdade a mutilação genital é uma condenação ao sofrimento da mulher por toda a vida, impedindo-a do prazer sexual, o qual é substituído por dores sempre que tem relações. 

Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição. Observando o mundo pleno de sociedades patriarcais e homófobas, teve uma frase semelhante à de Cristina Fallarás: “Depois de viajar por todo o mundo, descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida – estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”. 

Desta universalidade nasce o desrespeito pela mulher. Na nossa sociedade (no Portugal de 2021) ainda se discute o óbvio: se a mulher que executa o mesmo trabalho de um homem, deve receber um ordenado do mesmo valor! As tabelas salariais são sempre mais baixas para a mulher!… Esta discriminação não significa nada mais que não seja atribuir o estatuto de menor importância à mulher, e tem origem em milenares conceitos religiosos. Se no mundo ocidental (onde tanto se fala no sentido do humanismo cristão) esta verdade existe, em países muçulmanos o drama é substancialmente ampliado.

Lembro um caso acontecido na Turquia, onde os chamados “crimes de honra” ainda são entendidos como o eram na medievalidade. No ano 2000 os jornais deram conta do caso de uma rapariga turca, de 14 anos, ter cometido a imprudência de ir ao cinema com umas amigas sem a prévia autorização da família… o que era uma vergonha!… Em reunião caseira de machos foi sentenciada a pena capital para a “portadora da vergonha familiar”, e um sobrinho da jovem, também menor, foi encarregado de executar a “justiça”. Sem pestanejar nem se interrogar por que haveria de fazê-lo, o moço aceitou naturalmente a incumbência como um ritual a ser cumprido sem questionamento. Provavelmente até se sentiu honrado por ter sido escolhido para aquela tarefa que lhe daria mais valia curricular de macho. Saiu da sala, passou pela cozinha onde pegou numa faca, foi-se à tia… e degolou-a!… E a Justiça turca nada pôde fazer… por aceitar a figura do “lavar da honra com sangue”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV