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7 de Julho, 2021 João Monteiro

Padre Eugénio Jalhay (3)

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta Paços de Ferreira.

O difícil caminho da vida de Eugénio Jalhay começou a desenhar-se em 1910 com o advento da República que muitos políticos portugueses reclamavam. A agitação do fim da Monarquia e a ascenção dos sanhosos republicanos, fez soprar maus ventos para o clero. A legislação do novo regime recuperou uma lei de 28 de Agosto de 1767 (entre outras do tempo do Marquês de Pombal) determinando que os Jesuítas fossem obrigados a sair imediatamente do país e dos seus domínios. Assim se iniciou um itinerário de fugas para o sacerdote-arqueólogo Eugénio Jalhay. O advento da República com forte carga anti-clerical, obrigou muitos religiosos, mormente Jesuítas, a saírem do país.

Eugénio Jalhay iniciou, então, um itinerário de fugas, quando completou 20 anos de idade. Partiu para Tortosa (Espanha) e aí estudou Filosofia. Foi depois para Lovaina (Bélgica) onde completou os estudos e chegou a ser professor num colégio em Jette-Saint-Pierre – fundado por padres jesuítas expulsos da novel República Portuguesa, perto de Bruxelas, fundado por padres jesuítas expulsos da novel República Portuguesa – que recebia estudantes fugidos de Portugal.

Os ventos da História continuavam a soprar mal, não só para os clérigos portugueses, mas para toda a Europa. Nos Balcãs, em 1913, terminara uma guerra que durou um ano e criara um caldo conflituoso de interesses vários englobando dois grupos em constante estado de tensão: a Tríplice Aliança, contemplando Alemanha, Austria-Hungria e Itália, e o bloco composto por França, Grã-Bretanha e Rússia. Os jogos de interesses políticos acabaram por conduzir ao assassinato do arquiduque herdeiro Francisco Fernando da Áustria, em Sarajevo, no dia 28 de Junho de 1914, o que ditou a causa imediata da Primeira Guerra Mundial, com a declaração das hostilidades da Alemanha à Rússia e à França, em Agosto. Logo a seguir a Inglaterra e o Japão declararam guerra à Alemanha. Estavam lançadas as cartas para o jogo que os homens mais adoram: a guerra!… E os alemães invadiram a Bélgica e o norte da França.

Eugénio Jalhay parecia ter sido talhado para estar nos locais errados na hora certa, e o seu sotaque de estrangeiro despertou curiosidade e desconfiança aos alemães invasores. Foi confundido com um espião, prenderam-no e quiseram fuzilá-lo. Com a preciosa e vital ajuda de alguém que o sabia inocente daquela acusação, conseguiu fugir para Inglaterra e daí partir para Espanha, fixando-se num colégio Jesuíta em Los Placeres (Pontevedra, Galiza). Em 1916 Jalhay estava em La Guardia (A Guarda, Galiza) participando em escavações arqueológicas na povoação castreja do monte de Santa Tecla (Teca ou Tegra) na margem direita da foz do rio Minho. Em 1919 foi ordenado sacerdote em Burgos (Castela e Leão, Espanha). Voltou à Bélgica em 1920 e quatro anos depois regressou a La Guardia iniciando colaboração na revista jesuíta Brotéria (excelente revista! Quero registá-lo aqui). Em Portugal as convulsões republicanas de década e meia direccionaram a política para outras saídas, e a 28 de Maio de 1926 foi imposta uma ditadura militar que deixou a República e a Democracia à espera, dormitando à porta do Parlamento (sendo acordada com ramos de cravos vermelhos 48 anos depois, numa madrugada libertadora e sem tiros, em Abril de 1974). O católico António de Oliveira Salazar iniciava a sua ascenção em cargos políticos pela porta do Ministério das Finanças, e em 1928 os Jesuítas foram convidados a regressar a Portugal, estabelecendo-se, então, a Redacção da revista Brotéria, em Lisboa.

Foi assim que Eugénio Jalhay voltou à sua terra natal depois de 18 anos de fugas. Assumiu a direcção da Brotéria, e a sua costela de investigador da História dos povos de antanho levou-o a frequentar reuniões na Associação dos Arqueólogos.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

6 de Julho, 2021 João Monteiro

Padre Eugénio Jalhay (2)

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Gazeta Paços de Ferreira. Segunda parte do texto.

Finda a Primeira Grande Guerra, Afonso do Paço regressa a Portugal no final do ano de 1918, ou princípio de 1919 e, em 1929, dedica-se à Arqueologia, actividade que o apaixonava paralelamente à vida de militar, e que exerceu até ao fim da sua vida (1968).

Já quanto ao padre Jalhay, ele começou por frustrar todas as minhas tentativas de conhecimento da sua vida, pois nenhum dos documentos adquiridos no Museu me falava dele! Recorri às bibliotecas municipais de Paços de Ferreira e do Porto, mas nos livros consultados não encontrei referências biográficas da misteriosa figura do padre Eugénio Jalhay, que se apresentava, cada vez mais, como enigma difícil de desvendar, começando pelo seu próprio nome: Jalhay, que sabia ser apelido belga (mo dissera a minha mulher, que o conheceu quando ela era uma miúda que distribuía água aos sedentos estudantes de arqueologia em tempo de campanhas de escavação na Citânia). Por isso me interrogava: o que levou um padre belga a deslocar-se para o Sul da Europa e fazer Arqueologia em Sanfins de Ferreira na década de 1940?!…

Numa segunda visita ao Museu, e em conversa com o seu guarda e guia (um membro da família Brandão) comentei a dificuldade em conseguir a informação que procurava. Fiquei a saber, então, que, para além das publicações adquiridas na minha primeira visita, o Museu nada mais tinha sobre a Citânia e os seus arqueólogos. Porém, havia uma pequena brochura editada em 1962 (presumo que se tratava de uma separata da Revista de Arqueologia) que prestava homenagem à memória do padre Jalhay, com texto de Mário Cardoso, e desde há muito tempo esgotada. Talvez nela encontrasse respostas para as minhas questões… e ele tinha um exemplar na sua biblioteca particular. Emprestou-mo… e dissipou-se o mistério. Ali mesmo, num canto do museu, li aquele texto de um só fôlego, e tomei notas.

Eugénio Jalhay, padre jesuíta de descendência belga… nasceu em Lisboa em 1891!… Ora bolas!… Lá se foi o devaneio do enigma por água abaixo!…

O percurso de vida deste sacerdote-cientista foi um rosário de incidentes ditados pelas convulsões da História, o que o obrigou a constantes deslocações.

Eugénio Jalhay foi um dos 14 filhos de Adelaide de Ascenção Rogeiro Montez e de Emile Auguste Jalhay (belga), industrial de fiação estabelecido na Covilhã. Entrou no Noviciado de Barro da Companhia de Jesus, perto de Torres Vedras, quando contava 14 anos. É desse tempo o seu encontro com o apelo da Arqueologia.

Certo dia acompanhou o padre Paulo Bovier Lapierre na descoberta de elementos paleolíticos em Monsanto, Lisboa. Nessa primeira deslocação a um campo arqueológico teve a dita de conhecer o arqueólogo José Leite de Vasconcelos que o animou a dedicar-se à Arqueologia. Foi essa a semente que germinou, deu fruto e condicionou toda a sua vida paralela à de sacerdote, levando-o à tarefa de fazer ressuscitar povoados castrejos, mostrando a História que a erosão dos séculos e o verde da Natureza ciosamente encobriam. (Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

Citânia de Sanfins – Paços de Ferreira. Foto de Henrique Matos. Fonte: Wikipedia
5 de Julho, 2021 João Monteiro

Padre Eugénio Jalhay (1)

Texto de Onofre Varela publicado na Gazeta de Paços de Ferreira. Primeira parte.

No último número da Gazeta deliciei-me com o artigo “Conhecer o nosso Património” da professora Rosário Rocha, do Agrupamento de Escolas de Frazão. Conta-nos um passeio cultural que fez com os seus alunos da Turma F do Centro Escolar da Arreigada, visitando, com guias qualificados, o Mosteiro de Ferreira, o Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins e as ruínas da própria Citânia que justifica a existência do Museu. 

Termina o seu artigo dizendo que “deveria ser ‘obrigatório’ que todas as turmas fizessem o roteiro cultural do nosso concelho”. Aplaudo a ideia!… O conhecimento de História deve começar por sabermos a nossa própria história, estudando a nossa família e o lugar onde moramos. Os primeiros passos a dar no sentido de sabermos História, podem (e devem) ser dados na nossa terra, à nossa porta e na nossa casa. Todos nós temos a nossa própria História que, obrigatoriamente, devemos conhecer. É a partir dela que ficamos a saber quem, e como, somos nós… e que podemos (sobretudo, devemos) respeitar gentes e lugares.

O artigo da Professora Rosário Rocha lembrou-me o interesse que alimentei pela Citânia de Sanfins de Ferreira há mais de 50 anos, e espevitou-me no sentido de contar aqui a minha experiência. Por isso vou-me distanciar do tema que habitualmente abordo nestas páginas (a defesa do Ateísmo) para me dedicar, por quatro edições, à Citânia de Sanfins e a um dos seus importantes arqueólogos, o padre Eugénio Jalhay.

Desde 1969 que, pelo casamento, estou ligado à família Brandão de Sanfins de Ferreira, detentora de brasão que pode ser visto, talhado em pedra, a encimar o portão da Casa da Igreja, ou Solar dos Brandões, edifício do século XVIII que foi residência da família. Em 1947 foi cedida uma sala do Solar para a instalação do Museu Arqueológico da Citânia, e depois a autarquia comprou a casa e a quinta.

Na década de 1960 tive o meu primeiro contacto com a Citânia, que visitei demoradamente, e com o Museu Arqueológico onde adquiri brochuras que me informaram sobre a história daquele lugar arqueológico datado do I milénio AC. Desde logo a minha atenção recaiu sobre dois nomes ligados às escavações da Citânia: o Tenente-coronel Afonso do Paço e o Padre Eugénio Jalhay, os grandes impulsionadores da investigação arqueológica, responsáveis pelo retomar das escavações nas campanhas de 1944/45 (e nos anos 50) naquele lugar histórico situado no planalto da freguesia de Sanfins, na Cumieira (ou Cumeeira, de cume), que já tinha sido escavado pelos arqueólogos Francisco Martins Sarmento, José Leite de Vasconcelos e Félix Alves Pereira, em 1895.

Naturalmente interessei-me por saber mais sobre aqueles dois arqueólogos que redescobriram a Citânia e a mostraram ao mundo. O militar nasceu em Viana do Castelo em 1895, fez os seus estudos em Viana, em Braga e na Faculdade de Letras em Lisboa. Em 1917 foi incorporado no Exército e, um ano depois, em plena Primeira Guerra Mundial (que já estava perto do fim [1914-1918] mas ainda ninguém o sabia), tomou parte na célebre e trágica batalha de La Lys, travada a norte da fronteira Franco-Belga (onde se destacou o nosso soldado-herói Milhões [Aníbal Augusto Milhais], natural de Murça) no dia 9 de Abril de 1918, sob o comando do general Gomes da Costa. Com os soldados exaustos e em vésperas de serem rendidos por tropas inglesas, o Exército Português sofreu grande número de baixas, e Afonso do Paço foi aprisionado pelos alemães, tendo sido libertado em Dezembro de 1918. Só muitos anos depois desta libertação é que entra em cena a personalidade que nos interessa para estas crónicas: o padre Eugénio Jalhay.

(Continua)

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

Citânia de Sanfins, Paços de Ferreira. Foto de Henrique Matos. Fonte: Wikipedia.
2 de Julho, 2021 João Monteiro

Pai Natal

Texto de João Joyce.

De todos os mitos existentes no mundo o mito do Pai Natal é discutivelmente o mais global e indiscutivelmente o mais importante.

O mito apresenta-se como uma excelente oportunidade para incentivar as crianças a desenvolverem a curiosidade, o pensamento crítico e a busca incessante pela verdade.

Como diz Dale McGowan no livro Parenting Beyond Belief:

“A nossa cultura construiu um mito ridículo e temporário paralelamente aos mitos ridículos e permanentes.”

A verdade é que não conheço nenhum adulto que acredite no Pai Natal e em renas voadoras independentemente de todos os anos de doutrinação. Isto sim, é um feito digno de ser celebrado!

Fica assim aqui a minha homenagem a este velho barbudo e sorridente que nos ensinou a desconfiar dos adultos, a não acreditar em histórias quando as evidências são insuficientes e a aceitar a realidade, por mais dolorosa que seja.

Um dia, quando um rosto familiar se vislumbrar por trás da barba de algodão, espero que o Gui sinta o orgulho da descoberta e a certeza de que a magia do mundo fantástico dos duendes não é tão maravilhosa como o Real Mundo fantástico em que vivemos.

Imagem de Xavier Turpain por Pixabay
30 de Junho, 2021 João Monteiro

Jeová

Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.

Jeová é o nome português para referir Deus. Numa consulta à Wikipédia somos informados de que o termo é uma tentativa de tradução de um tetragrama (conjunto de quatro letras) hebraico, de leitura impossível: YHWH. Mas podendo ler-se como YAH. Seria esse o verdadeiro nome do deus de Israel que figura na Bíblia.

(Vem a propósito referir que os textos bíblicos misturam factos e personagens da História com narrativas fabuladas no intuito de contar a história dos Judeus afirmando-os o Povo eleito de Deus. Provavelmente a criação do Deus único foi um modo expedito que os Judeus [Israelitas] usaram para se imporem aos seus vizinhos egípcios, que não só eram poderosamente ricos, como também possuíam inúmeros deuses. Os israelitas, na sua realidade de pastores e comerciantes, não tinham nas suas sacolas de nómadas espaço para albergar tantos deuses. Um deus chegava-lhes. E mostraram a fibra do povo que eram, impondo aos egípcios um único Deus que seria estrondosamente mais importante do que todos os deuses do panteão do vizinho! Esta imposição está espectacularmente narrada no Velho Testamento contando as façanhas de Moisés na retirada do seu povo do Egipto… cuja acção é mitológica!… A História não a confirma).

Razões históricas levaram a que, através do tempo, a vocalização do nome de Deus se perdesse, pelo facto de ter sido evitada entre os séculos III e II a.C.. Não se negava, apenas, a pronunciação do nome de Deus, mas também a representação da sua figura, tal como acontece no Islão, que proíbe a figuração de Maomé. É possível ver referências muito diversas ao nome de Deus (embora próximas) como: YHVH, JHVH, IAVÉ, JAVÉ, YEHOVAH e YAHWEH.

João Ferreira Annes de Almeida, natural de Torre de Tavares (Mangualde), onde nasceu em 1628, foi o primeiro tradutor da Bíblia para a Língua Portuguesa, e nela usou o termo JEHOVAH, que considerou mais próximo do tetagrama impronunciável em hebraico, que se lê “Je-ho’vah” e que quer dizer “Eu Sou o que Sou”. No entanto, a controvérsia mantém-se entre os eruditos, havendo quem defenda o uso do termo JAVÉ. A origem do termo não tem uma explicação pacífica por haver várias correntes de opinião.

Aqui deixo uma das explicações para a sua origem, que eu tomo como muito interessante: as línguas Hebraica e Aramaica (duas das três línguas em que foram registados os textos bíblicos – a terceira é o Grego) não usavam vogais; só as consoantes. Logo, as vogais não tinham pronúncia.

Desse modo se construiu uma palavra impronunciável com as letras inexistentes: JEOVÁ, composta pelas cinco vogais, assim dispostas: I-E-O-U-A.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de James Chan por Pixabay
29 de Junho, 2021 João Monteiro

O Porquê (2)

Texto de Onofre Varela publicado na Gazeta de Paços de Ferreira. Devido ao seu tamanho, foi dividido em duas partes, sendo esta a segunda parte.

Regressado do serviço militar em 1968, a curiosidade pelo fenómeno religioso (e católico) tinha tomado conta de mim no sentido de o perceber. Passei a frequentar igrejas para assistir a missas, não com o espírito de crente, que não tinha nem pretendia adquirir, mas com a curiosidade de entender o que ali se passava. Obriguei-me a ler a Bíblia, o Corão, textos Budistas e outros livros sobre o tema. 

A Bíblia, à medida em que progredia na sua leitura, revelou-se-me um livro sem interesse ou, pelo menos, sem aquele interesse desmedido que os religiosos lhe conferem. Os textos arqueológicos e mitológicos que a compõe, montados em forma de puzzle, agregando realidades históricas e ficções, com alguns conselhos e leis à medida da época e da realidade social do lugar onde foram escritos com o único interesse de contarem a história (fantasiada) de um povo: o Judeu. 

Mas são, também, uma insustentável colecção de absurdos à volta de uma divindade sem lógica e de existência real impossível. Se eu tivesse sofrido uma meninice de educação religiosa, nunca me interessaria por estas leituras do mesmo modo, no sentido racional do verbo “interessar”, ao contrário do que penso acontecer a muita gente para quem a crença em Deus é entendida como uma necessidade psicológica. Aceito essa necessidade para quem se submeta a ela… mas não é uma necessidade biológica e vital, como é comer e beber, nem uma necessidade intelectual como é ler, viajar, ver ou fazer teatro, pintar, escrever e compor música. Poderá ser mais uma necessidade aparentada ao consumo de droga!… Já fumei e sei o que me custou largar o vício do tabaco. Mas deixei-o e sinto-me muito bem por isso… se o não tivesse feito quando o fiz, há 50 anos, provavelmente já não vivia. 

Como dizia, regressado da Guerra Colonial, não só me estreei na prática de ouvir missas. Também passei a frequentar bibliotecas e livrarias. Li filósofos e ensaístas, de entre os quais destaco os clássicos Feuerbach, Shopenhauer, Hobbes, Kant, Espinosa, Nietzsche… mas também o Catecismo Católico, Santo Agostinho, David Hume, Pascal, Pierre Teilhard de Chardin… e mais Sartre, Roland Barthes, Bertrand Russell… e o Português Tomás da Fonseca, entre outros autores. Estas leituras foram feitas sem pressa, num período de cerca de 20 anos (durante o qual prestei especial atenção a artigos de opinião e notícias de jornal, mais a programas de televisão e rádio que abordavam Religião, e conversei com religiosos de várias crenças) sempre com sentido crítico e antropológico, numa atitude de aprender os vários comportamentos humanos perante o fenómeno religioso, e nunca animado de espírito guerreiro ao serviço do “anti-Cristo”. 

Também não tinha o interesse de “saber tudo e depressa”; apenas me movia a curiosidade que alimentava a minha vontade de ler sobre Religião, não me preocupando em “procurar Deus”, o que é matéria de que não necessito absolutamente. Nem, tão pouco – como se vê pelo tempo dilatado de duas décadas – me interessava tirar um curso apressado de Religião, ao estilo da carteira de cursos do célebre “doutor” Miguel Relvas. Foi com base em todas estas experiências, leituras e raciocínios, que aos 40 anos de idade me assumi ateu. Até aí apenas sabia que a fé religiosa me causava cócegas no cérebro, levando-me a imaginar que, provavelmente, seria ateu… depois tive a certeza de que o era, e só então o assumi com a convicção de, histórica e filosóficamente, estar bem fundamentado. (FIM)

NOTA: Saúdo o Padre José Augusto pela sua chegada à Gazeta, cujas páginas careciam, há demasiado tempo, da opinião de um sacerdote. Desejo-lhe longa vida sacerdotal e larga permanência no nosso jornal (rima e é verdade!). Aceite o meu abraço.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) OV

Imagem de Colleen ODell por Pixabay
28 de Junho, 2021 João Monteiro

O porquê (1)

Texto de Onofre Varela, publicado na Gazeta de Paços de Ferreira. Como o texto é longo, foi dividido em 2 partes.

Não se é religioso ou ateu por mero acaso. Há sempre uma razão na base da construção do adulto que somos, e ninguém foge à sua infância nem às experiências da juventude. O porquê do meu modo de pensar a Religião para além da fé, tem a sua história… e apetece-me falar-vos dela, o que ocupará dois dos meus artigos nestas páginas.

No dia 15 do último mês de Março assinalaram-se os 60 anos do início da luta de Guerrilha Angolana contra a Colonização Portuguesa. Quatro anos depois (em 1965) cheguei ao norte de Angola – integrado num Batalhão de Artilharia – à mesma região onde tiveram lugar os primeiros massacres de colonos (Dembos – vila do Úcua). 

Nem duas semanas eram passadas, tivemos um ataque ao aquartelamento que durou a noite inteira e nos causou a primeira baixa: morreu o Quim… o soldado cozinheiro Joaquim Pires Moreira, natural de Ermesinde e meu colega de camarata no navio Vera Cruz. Por isso conhecia toda a sua vida e os seus projectos. O Quim era trolha na vida civil, a sua namorada ficara grávida e era tecedeira da Fábrica Têxtil da Areosa (indústria de Manuel Pinto de Azevedo Júnior, também proprietário e director do jornal O Primeiro de Janeiro, e que mais tarde foi meu “patrão”). 

O Quim já tinha projectado toda a sua vida: aproveitaria o facto de ser cozinheiro na tropa para abandonar a talocha e a colher de trolha, tomar conta de uma adega e confeccionar comida. A sua mulher deixaria a fábrica e serviria às mesas; o seu filho já contaria dois ou três anos e teria o seu futuro traçado na continuação do restaurante do pai… mas o Quim foi o primeiro a morrer… depois morreram mais 13!… 

A pedido do médico ajudei na autópsia, o que não foi experiência fácil e ainda hoje me ocupa boa parte das más recordações de guerra. A convivência com a morte, sempre presente em pensamento e demasiadas vezes tornada realidade, levava os meus camaradas a fazerem preces para que Deus os livrasse da morte… o que me intrigava!… Em conversas de caserna apercebi-me de que era eu o único soldado que não acreditava em Deus! Intrigavam-me as suas preces e não as percebia. 

O que eu sabia, de saber certo, matemático, científico e infalível, era que se uma bala viesse na minha direcção, não havia mão de Deus que evitasse o impacto do projéctil no meu corpo, por muitas rezas que eu fizesse… e só escaparia com vida se a bala não atingisse orgãos vitais e se fosse socorrido a tempo. Parecia-me impossível haver quem acreditasse no contrário desta realidade fatal, e esperasse que a deidade interferisse na trajectória da bala!… E não tinha ninguém com quem pudesse conferir os meus pontos de vista contra-a-corrente, porque não havia por ali quem pensasse de igual modo!… 

Na tentativa de perceber o sentido da religiosidade, comecei por interrogar os meus camaradas sobre a razão da fé que tinham, iniciando aí a minha colecção de conceitos religiosos, com espírito de aprendiz de Antropologia por conta própria. Não negava as suas convicções… apenas os provocava movido pelo propósito único de os ouvir. Depois procurava perceber o porquê das suas convicções de fé. Quando eu era agressivo colhia mais informações por serem debitadas pela força da ira. Da resposta assim conseguida, deitava fora o insulto e aproveitava o resto. 

Recordo um camarada (o Tino, foto-cine) que me disse ser adventista e que assistia às missas católicas por ser o local onde se encontrava com Deus!… Considerei aquela confissão muito interessante e lógica, mas os outros camaradas, católicos, não tinham a mesma opinião e entendiam que ele devia afastar-se do culto que não era o seu. Esta atitude escandalizava-me pela falta de fraternidade e acolhimento que eu via constituir o espírito daqueles meus camaradas católicos!… (Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

27 de Junho, 2021 João Monteiro

Cartoon – Censos 2021

Cartoon de Onofre Varela sobre os Censos de 2021 e a alusão à exclusão da opção “Ateu” no questionário.

Autoria de Onofre Varela
27 de Junho, 2021 João Monteiro

Eis a questão

Texto da autoria de Onofre Varela, publicado no jornal O Trevim, e anteriormente partilhado na conta oficial do Facebook da Associação Ateísta Portuguesa.

«Quando diverges de mim não me empobreces, enriqueces-me»

(Saint-Exupéry)

Quando, em 1997, iniciei o movimento que conduziu à formação da Associação Ateísta Portuguesa (AAP), estava longe de supor haver tantos modos de se ser ateu, como maneiras há de se ser religioso e de cozinhar bacalhau. 

Em regra, todos nós temos tendência para negar tudo quanto não encaixe no nosso modo de ver, excluindo da lista dos amigos aqueles que pertencem à “espécie rara” de não comungarem dos nossos pensamentos, das nossas convicções e das nossas certezas… repudiando-os, até, quando não abraçam as nossas crenças. 

Se há uma matriz que identifique um religioso ou um ateu, ela é, apenas, a de se ser, ou não, crente em Deus. Para além desta simples bitola, há vários modos de crer e de não crer, e nenhum deles, por si só, permite aferir o nível da qualidade humana daquela pessoa. 

Estas diferenças, das quais não me apercebia, comecei a notá-las a partir da primeira reunião com os aderentes à ideia de se congregar os ateus numa associação nacional que os representasse, e que responderam a um anúncio que publiquei no Jornal de Notícias em Abril de 1997 (há um quarto de século!). 

O primeiro aderente (e mentor da criação da AAP, já que a ideia surgiu na primeira conversa que mantive com ele, antes de publicar o anúncio) foi Manuel Paiva, homem que, então, já contava mais de 90 anos de vida. Mostrou-se frontalmente contra a ideia da legalização do aborto voluntário, colocando-se ao lado da Igreja na defesa do embrião da vida, não admitindo a liberdade de a mulher pôr fim a uma gravidez! Mais ainda… impediu que se atribuísse a José Saramago a qualidade de sócio honorário da AAP… pelo facto de o escritor ser comunista!… 

Depois notei que aquele fundamentalismo caracterizador de alguns religiosos, também tinha lugar no pensamento de alguns ateus; a certeza de serem detentores de todas as verdades, desrespeitando ideias contrárias. Verifiquei, ainda, o desprezo e a postura xenófoba que alguns (pouquíssimos…) demonstravam ter por atitudes puramente étnicas, como o modo de vestir e de rezar de outros povos não europeus, como que se os europeus (e os ocidentais) fossem a fina-flor da Humanidade!… 

A minha virgindade na apreciação dos meus correligionários era constantemente violada pelas observações que fazia naquelas primeiras reuniões, obrigando-me a alterar, constantemente, o modo de entender as coisas que ao Ateísmo e à Religião pertencem, numa espécie de curso rápido, aprendendo a pautar a qualidade das pessoas, não pela superficial camada visível de serem crentes ou descrentes, mas pelas suas condutas sociais, pelas motivações que os conduziam à crença ou à descrença, e também pelos seus discursos comparando-os com as suas acções.

Em todas as classes sociais, em todos os partidos, em todas as religiões e em todos os grupos de futebol, sejam de bairro ou da primeira divisão, há boas e más intenções, boas e más práticas e boas e más pessoas. O rótulo que se cola a quem pensa de modo diverso de nós, não passa de preconceito estúpido e saloio.

Para usar termos que os religiosos compreendem muito bem, direi que de entre gente de muita fé em Deus e que papa hóstias em todas as missas, “há quem tenha a alma a arder no inferno”… e que de entre os mais empedernidos ateus… “há quem raie a santidade”.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

26 de Junho, 2021 João Monteiro

De regresso ao Diário

Este “Diário de uns Ateus” tem andado pouco diário. Mas isso está prestes a alterar-se: com a mudança de estação iremos regressar à publicação de textos. E nada melhor do que regressar com a partilha dos textos de opinião do nosso associado Onofre Varela. Amanhã de manhã publicaremos o primeiro de vários textos. Até breve.