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25 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Ser usado

Fiz hoje a minha primeira incursão no blog religioso Palavras que voam … e deparei-me com um post intitulado Ser usado por Deus…, que fazia a apologia deste uso só que, para isso, teríamos de estar na sua (de Deus, acho) dependência.

Lembrei-me de várias coisas. Uma que me fazia lembrar de rapazinhos ajoelhados em escuras e húmidas sacristias a aprenderem o significado da citação “vinde a mim as criancinhas”.

Outra, mais profunda, sobre o livre-arbítrio. Se se é usado por alguém (ou deus) esta característca essencial ao Homem esfuma-se, ser instrumento de qualquer vontade, divina ou não, tira a dignidade a qualquer pessoa. Marionetas, se Deus existisse, seríamos marionetas nas mãos de um velhote aborrecido com tendências masoquistas.

Enquanto ateia, a minha autonomia é tudo. Não ser usada por ninguém, a não ser pelos meus ideais, pela minha vontade, é o que me individualiza. Claro que isto acarreta a auto-responsabilidade pelos nossos actos. Quando acreditamos em algo superior, podemos sempre descartar essa responsabilidade para alguém.

25 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Triangularmente divino

Lembrei-me de uma frase muito gira de Montesquieu:

“Se os triângulos fizessem Deus, faziam-no com três lados.”

25 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Em Coimbra há mais respeito pela Ir. Lúcia do que pela ortografia

Em Coimbra toda a gente sabe onde está reclusa a Ir. Maria Lúcia de Jesus do Sagrado Coração, aquela a quem a Senhora de Fátima ensinou o truque para combater o comunismo – rezar o terço – mas poucos sabem que há uma sapataria que faz concertos.

Por isso divulgo esta fotografia, tirada na Praça Machado de Assis, do prédio de gaveto das Ruas Machado de Castro e Virgílio Correia e convido os leitores a entrarem no ambiente calmo da Sapataria Norbal, disponível às horas de expediente, sem grandes aglomerados, numa zona central e aprazível. Uma pérola em dó sustenido, metáfora da cidade dos doutores.

Numa localidade de província as sapatarias dedicam-se apenas a fazer consertos, isto é, a deitar meias solas, engraxar, pregar um salto, vender um par de palmilhas, entregar uns atacadores, coser uma fivela e o mais que é mister.

Em Coimbra – cidade da Ir. Lúcia e com uma estátua de JP2 – tudo é diferente. Mas o melhor é entrarem por alguns instantes na sapataria e, enquanto esperam que a cola reponha o salto do sapato, que não resistiu aos buracos do largo em frente ou à pastilha elástica que o prendeu ao passeio, sempre se deliciam com “concertos rápidos” que não deixarão de aliviar a alma.

24 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Faça agora o teste!

Siga o link e descubra a que tipo de inimigo da fé pertence.

Eu sou uma filósofa/cientista (bela combinação!) e, numa palavra, sou uma ameaça para o cristianismo! MWAHAHAHAHAHAHAHA!!!! :o)

I’m a Philosopher/Scientist!

Que tipo de inimigo da fé é você?

24 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

A página pessoal de Jesus

Jesus, conhecido funcionário de uma empresa religiosa, já tem uma página na internet. Infelizmente, por falta de tempo quiçá, ainda não teve tempo de fazer uma versão multi-lingue portanto, teremos de recorrer aos nossos conhecimentos de estrangeiro para compreender todo o conteúdo.

Na The Jesus Homepage podemos encontrar album de fotografias com imagens da concepção, da infância e até da cruxificação, links malucos para as páginas preferidas do messias e informações pessoais.

Com um simples clique, pode aceitar Jesus como seu salvador cibernáutico, podendo mesmo imprimir um certificado de salvação.

24 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Paulo Portas – beato e reaccionário

Ciclicamente a descolonização regressa à actualidade. Reaparece a cumprir a função de dividir os portugueses, quando parece esquecida, pela mão dos que deviam calar-se. Recordam-na os que nunca aceitariam qualquer outra como boa e o problema reside mais na sua própria derrota perante a história.

Paulo Portas (PP) tem uma grave dificuldade. Ou diz o que pensa e cria problemas ao governo ou diz o que deve e cria perplexidade no partido.

Sendo estreita a margem em que pode mover-se aconselharia a prudência o silêncio, mas impõe-lhe o feitio o ruído.

Acossado por Mário Soares que gosta de apontar os desmandos reaccionários ao antigo aluno dos jesuítas, atira-se contra a descolonização e, em vez de ferir o Dr. Soares, que tem a pele dura, ofende centenas de milhar de portugueses. Aos retornados acorda-lhes o ressentimento de quem perdeu haveres e alterou o rumo das suas vidas, aos ex-militares impede-os de fazerem a catarse dos anos, longos e dolorosos, da guerra colonial.

Assim, PP, para manter a fé dos que o elegeram, vai sistematicamente à procura de um passado que nada tem de glorioso e, muito menos, de recomendável.

Persiste em Portugal uma direita que, se pudesse arrancar Abril do calendário e suprimir o dia 25 aos meses, continuaria fora da Europa, orgulhosamente só, aliviada de carregar a vergonha do passado, feliz por poder reeditá-lo. É essa direita cuja liderança PP disputa com Manuel Monteiro, direita que nunca ficará satisfeita, que cria instabilidade no aparelho de Estado e no país.

No intervalo de muitas missas e outras tantas hóstias o pensamento desta gente é sempre execrável – na descolonização, no aborto, na imigração. Durante a liturgia ainda há-de ser pior.

24 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Bob, Deus e o Diabo.

Estreou, inserida na nova grelha de programação da Sic Radical, uma nova série de desenhos animados que se debruça sobre os problemas do mundo actual.

A história é esta: Deus está desiludido com a vida na Terra. As pessoas não praticam o bem e não recorrem ao bom senso portanto, o senhor dos senhores está farto e pensa em acabar com tudo. O Diabo não pode em si de contente com tal decisão e fazem uma aposta: se Deus conseguir encontar uma pessoa que prove que o mundo ainda tem salvação, não há inundações e pestes à escala global, caso contrário… o mundo desaparece envolto numa grande bola de fogo de proporções bíblicas. A selecção do indivíduo recai sobre o Diabo que escolhe Bob Alman, mecânico de automóveis que tem uma certa atitude envolta numa apetência especial para a preguiça. Coagido pelo medo, Bob aceita a tarefa hercúlea de tornar a Terra num sítio mais agradável… E tem de o fazer sem quaisquer dicas.

Ainda só vi o primeiro episódio da série e, confesso, tem piada. Bob é o típico cromo que gosta de ir para o bar beber uns copos com os amigos, fazer o download de pornada, ver a bola e coçar a micose. Tem uma mulher e uma filha no início da adolescência e não tem grande esperança na sociedade.

Deus, e é isto que me chateia, é um velhote porreiro, manda umas piadas, bebe cerveja sem alcóol (claro!) e espera que façam o trabalho dele.

Por sua vez, o Diabo, que esperava que fosse uma personagem com estilo, distinção, humor refinado, bem parecido, enfim, um poço de pecado, não o é. É um tipo frustrado que tem por um ajudante um bicho estúpido e idiota que manda piadas foleiras. Para além disso, os seus planos para destruir os heroísmos de Bob saem sempre frustrados porque no fundo, aquele cidadão médio americano, é boa pessoa e ensina-nos uma bela lição da vida… *blergh*

Podem encontrar mais informações, nomeadamente acerca do elenco e sinopses dos episódios, aqui.

23 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Belo poema de um ateu

A (DES)VELADA (poema)

Ai, quem me dera fornicar com uma muçulmana velada…

em trâmite para desvelada…

em trânsito de que promana…

para a ideia ateia…

Persuadi-la… primeiro… da inânia do islâmico vespeiro…

Convencê-la… segundo… da inópia das religiões do mundo…

E vê-la… e vê-la… terceiro… saindo da ominosa ameia…

fruindo o luminoso carreiro…

da ideia ateia…

Ah, quem me dera postarmo-nos nus… nós… nos nossos amplexos

íntimos… sentir-te!

Entregarmo-nos à languidez meiga dos corpos… envolver-te!

Prazer-me com o fulgor amável da tua boca…

o titilar suave da tua língua… beijar-te!

Sentir a placidez da tua mão…

da tua mão morna e boa…

da tua mão-descobridora…

da tua mão-carícia…

da tua mão-propagadora…

da tua mão-blandícia…

senti-la!

Afagar o teu peito com perfeito jeito de preito… senti-lo!

Percorrer a tua cálida e lábil vulva… senti-la!

Sentir-te…sentir-te… minha querida muçulmana, em vias de o deixares

de ser…

Vasculhar-te… acariciar-te… abraçar-te… beijar–te…

entrelaçarmo-nos!

Sentir o teu corpo dulciolente… a tua mão dulcífera… afagando-me

dulcifluamente… em ambiente dulcilucente!…

Afeiçoarmo-nos numa duidade apaixonante…

apreendermo-nos na pulsão do imo… testa a testa… cara a cara… boca a

boca… corpo a corpo… sentir-te, minha querida desvelada… sentirmo-nos!

Custóias, 25 de Dezembro de 2003

João Pedro Moura

23 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Missa da Abertura do Ano Judicial

A MISSA de abertura do ano judicial em 20 do corrente mês (ver Público) é uma notícia que faz de Portugal um país exótico, a grande distância dos países atrasados.

Com efeito, as demoras dos processos, as dificuldades de investigação e as arreliadoras prescrições justificavam medidas vigorosas. A ministra Celeste Cardona, amiga do peito e da missa de Paulo Portas, não poupa nos investimentos.

Num país obsoleto certamente tentaria um feitiço, aqui opta por uma missa. Nas tribos ancestrais o feiticeiro é recebido com pompa e circunstância, Portugal reserva essa atitude para o cardeal patriarca que, em vez de fumo recorre ao incenso, em vez do fogo atira-se à homilia.

Claro que é uma vergonha para um país oficialmente laico, onde nem todos os governantes sabem que é e alguns se esforçam para que deixe de sê-lo; claro que não está provada a eficácia da missa no bom andamento da justiça nem a bondade da homilia no discernimento dos agentes judiciários; claro que a água benta não se distingue da outra.

Mas perante o despautério pode estar em curso uma tentativa para introduzir como medida de coacção a apresentação semanal à missa e, em casos mais gravosos, a presença diária no terço.

Como crimes sujeitos a prisão maior podem introduzir-se o divórcio, o adultério, a apostasia, a blasfémia e outros. O terço e o mês de Maria podem vir a fazer parte das medidas punitivas.

Já estamos a ver um advogado a pedir redução de pena para um estuprador em duas novenas e vinte ave-marias.

À ministra Cardona não devem faltar devotos nem poetas a querer dedicar-lhe uma elegia. Há-de demovê-los o receio de encontrar uma rima adequada. Mas os cidadãos gostariam de vê-la excomungada no Governo.

23 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Mensagem ao 1.º Encontro Nacional de Ateus – Coimbra

A religião não é um mal necessário nem Deus uma desgraça inevitável. A origem divina do poder está a dar lugar à soberania popular e a fé vai deixando de ser obrigatória, apesar dos que vêem na progressiva secularização uma ameaça. São muitos os parasitas da fé que se batem, com a ferocidade de que só os clérigos são capazes, contra o livre pensamento, mas este está a ganhar terreno, um pouco por todo o mundo.

Há um delito comum às 3 religiões do livro e suas numerosas seitas – o proselitismo. Cada uma pretende impor o único deus verdadeiro – o seu – e a vontade divina decifrada por funcionários de serviço. Todas aspiram à globalização, exigindo o exclusivo. Odeiam a concorrência e todos os que recusam tornar-se consumidores. Todas actuam como fontes de violência devoradas pela vocação totalitária.

Nem os hindus resistem, de vez em quando, a queimar mesquitas. Até os budistas são capazes de se entusiasmarem com a repressão, como acontece no Sri Lanka sobre os Tamiles. Não há definitivamente religiões boas.

Sabe-se como o proselitismo converte as diferenças em divergências e como procura resolvê-las. A fé é cega e irracional. A história da evangelização é um rio de sangue que desagua num mar de horrores. Por isso a laicidade se tornou uma exigência em nome da tolerância, uma garantia de liberdade para todas e cada uma das religiões.

A laicidade é desconhecida no mundo árabe, tolerada nos EUA e na Europa e não consolidada em Portugal. A contestação tem sempre subjacente o combate a outra religião ou à ausência de uma.

A tragédia dos países árabes está menos na religião que professam do que na natureza não secular do Estado. O ódio inclemente dos seus clérigos ao laicismo e a arrogância moral exacerbam-se com o declínio económico e cultural. A brutalidade agrava-se nas culturas em risco de extinção. A evolução jurídica, política e social está aí refém do poder eclesiástico e dos versículos do livro sagrado. O vendaval de horrores que varre o Médio Oriente é uma catástrofe brutal, com a violência da guerra a alastrar. Enquanto este estado de coisas persistir a paz é impossível e os mais elementares direitos do homem serão postergados.

O obscurantismo islâmico remete-nos para a Idade Média mas o proselitismo não está erradicado da cultura judaico-cristã.

O maior inimigo dos judeus é o sionismo que debita a Tora com o mesmo desvario místico com que os mullahs recitam o Alcorão. Os judeus ortodoxos não ameaçam apenas a Palestina, são um perigo para a paz e para a natureza democrática do Estado de Israel.

Nos EUA chegou à presidência um crente exaltado que conduz a política externa do país mais poderoso do mundo com desvarios metodistas, apesar da separação constitucional da Igreja e do Estado. No antigo bloco soviético anda à solta o cristianismo ortodoxo. O Vaticano faz a ponte entre o estalinismo e o concílio de Trento, com um exército de sotainas espalhado pelo mundo e tropas especiais do Opus Dei a actuar sub-repticiamente à escala mundial contra a natureza secular das instituições democráticas e a laicidade do Estado.

Sabe-se como na Irlanda a Santíssima Trindade – nódoa caída no preâmbulo da Constituição – retardou as transformações legais, a mesma que sob o nome de «Santíssima, consubstancial e indivisível Trindade» se arroga a origem do poder na Grécia.

No Reino Unido a chefia da Igreja é hereditária e vitalícia com a vantagem de ninguém perguntar à rainha se acredita em Deus nem esta ter poder para o impor. Na Polónia a Constituição, embora se compadeça com os não crentes, refere «os que acreditam em Deus como fonte da verdade, da justiça, do bem e da beleza» à semelhança do seu emigrante mais conhecido e menos recomendável – JP2.

A Itália e a França são países de laicidade sem subterfúgios certamente lembrados da intolerância e do sofrimento que o catolicismo, na ânsia de salvar almas, levou aos cidadãos.

É na herança humanista da Revolução Francesa que assentam o laicismo e a democracia. Por isso tantos se afadigam tanto a denegrir o jacobinismo como se este não fosse a vacina que permite conter os vários «ismos» religiosos que se digladiam e a via para responder à onda de provocações que os crucifixos e os véus se esforçam por atiçar.

A Europa não pode esquecer que o capricho papal de uma Croácia católica pesou no desmembramento da Jugoslávia, que a Polónia exporta religião e padres de acordo com a obsessão paranóica do Vaticano, que nos países da América latina o combate à SIDA, à explosão demográfica, ao aborto clandestino e às ditaduras tem esbarrado na resistência do clero. E, quando um país se enche de religião, esvazia-se a liberdade.

Na Irlanda do Norte, ainda há poucos anos, os actos de terrorismo repetiam-se com monótona regularidade entre protestantes e católicos numa interminável espiral de violência. O IRA deixava a sua macabra assinatura em explosões de proselitismo e engenhos enquanto protestantes promoviam procissões de provocação e acção de graças.

Não foi a sensatez que repentinamente os atingiu, foi o desenvolvimento cultural e económico, a morte da sociedade rural e a anemia da fé que lentamente os foi conduzindo para um relacionamento civilizado embora com risco de recidiva. Aos que sempre encontram desculpas para defender Deus nunca faltam razões para atacar outros homens.

A intolerável fatwa que condenou à morte Salmon Rushdi não foi execrada pelo papa, que não manifestou solidariedade para com o escritor perseguido pela demência mística do Islão. No fundo pensa que as ofensas a Deus, mesmo ao dos outros, justificam a condenação.

E não nos iludamos com os passos de reconciliação que as religiões promovem. Não passam de tréguas. A alegada intenção ecuménica de JP2 não foi mais do que uma tentativa canhestra de formar uma holding internacional sob a hegemonia da ICAR, sem liberdade para agnósticos, ateus e todos aqueles que lutam contra o obscurantismo e o fanatismo.

A violência é uma característica intrínseca das religiões que logo transformam em crueldade. Só o laicismo e a secularização conseguem aplacar-lhes os ímpetos e garantir o pluralismo a que têm dificuldade em acomodar-se. Temos de ser tão firmes na sua defesa como são obstinados os devotos.

Os ateus portugueses comparam a Constituição de 1933, do «país tradicionalmente católico», com a actual, omissa em referências religiosas. A experiência demonstrou que a referência confessional se opunha à liberdade.

Mais importante que os mandamentos da lei de deus é a declaração universal dos direitos do homem. Mais honrosa que a virgindade de Maria é a dignidade da mulher. Mais justos que Deus são os homens na sua progressiva marcha para a eliminação de qualquer forma de discriminação.

O ateísmo não manda queimar livros nem pessoas. Não proíbe. Não condena. Mas não renuncia ao combate pela liberdade.

É por isso que aqui estamos. Foi para isso que nos encontrámos.

Vale mais o primeiro almoço do que a última ceia.

Coimbra, 27 de Dezembro de 2003

Carlos Esperança