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15 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Curiosidade

As coisas interessantes que se encontram pela imprensa.

Incrivelmente, estes fenómenos de conservação natural dos tecidos mortos não são tão invulgares como isso.

Mais espantoso é que, se tal situação se tivesse verificado hoje, as manifestações populares não teriam sido muito diferentes. Num país que venera santas lacrimejantes já pouco espanta.

JN há 75 anos: Corpo incorrupto “santifica” um bispo

15/3/1929

A notícia que teve grande impacto lá pela estranja também se repercutiu em Portugal. Jornais espanhóis e franceses assinalavam, com grande destaque, que no cemitério de Tolosa (Espanha) havia sido encontrado, incorrupto, o corpo de um bispo, num ataúde depositado no jazigo há muitos anos. O acontecimento, rotulado como “verdadeiramente extraordinário”, deixara com os cabelos em pé os coveiros que faziam a remoção para um novo cemitério dos restos dos mortos não reclamados pelas respectivas famílias. Espalhada a notícia, acorreu ao cemitério “enorme multidão, que desfilou silenciosa e reverente ante o corpo frio e brando do sacerdote”, com “o povo clama que se trata de um milagre”.

15 de Março, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

Aos nossos olhos subjectivos, a função é subjugada pela identidade. Os ornamentos originalmente tinham uma função de exibição sexual.

«Olhem!! Sou mais bonito que a competição… As minhas mãos e coordenação motora permitem-me fazer coisas! O meu sentido estético demonstra uma inteligência diferente, posso ser uma boa aposta reprodutiva!!!»

No ornamento a guerra da reprodução encontrou, no homem, mais uma arena de combate para a pressão evolutiva. A guerra deixou de ser entre elementos do mesmo sexo, para passar a ser entre indíviduos. A corte estende-se ao acto de venda, à persuasão, à identidade.

As religiões no seu mecanismo de exclusão, pela formação de identidades de grupo e os seus deuses, cultua o uniforme. Constroi a confiança, ao construir o grupo e invoca o uniforme e o ornamento, num acto de separação do grupo dos outros. Depois de crescer e engordar, volta a inventar classes e níveis de proximidade com deus… E lá o encontramos outra vez… O ornamento. «O que nos distingue dos outros»

Na sociedade de consumo, e do mercado livre, volta a ser, pelo acto de aquisição e de escolha do consumidor, um acto do índividuo…

«Olhem!! Sou mais bonito que a competição… Tenho outro poder aquisitivo! Pertenço ao teu grupo, podes confiar em mim…»

Ainda me lembro do pastor Abel Pego da igreja baptista de Cedofeita, ao ajustar a gravata, comentar, bem humorado, comigo:
«A gravata é a coleira da civilização…»

Hoje, posso retorquir, com algum discernimento e humor:
«É verdade… Mas, por detrás do uniforme, continua o velho selvagem… Alguém se lembra do que o Freud dizia sobre as gravatas?»


Nota: Os pastores perante a congregação usam sempre gravata…
14 de Março, 2004 Carlos Esperança

Em verdade, em verdade vos digo, Mel Gibson é um excelente católico – cruel, supersticioso e anti-semita.

Acabei de ver a Paixão de Cristo, de Mel Gibson. É uma excelente encenação da fábula de Cristo para promoção da burla de Deus.

Não admira que JP2 tenha dito que foi mesmo assim que as coisas se passaram. Era o que, ainda há meio século, as catequistas ensinavam às crianças – medo e terror ao serviço da superstição e da fé. Ao menos o filme destina-se a maiores de 16 anos.

O realizador sabe da sua arte e conhece a bíblia. O filme reflecte não apenas o sofrimento que terá sido infligido a Cristo mas também a crueldade de que os católicos são capazes para impor a sua verdade. E fá-lo com indisfarçável gozo.

Tal como o árabe é a língua sagrada para difundir os versículos do Corão, indispensáveis ao terrorismo islâmico, também o aramaico e o latim são línguas com que Mel Gibson acerta contas com os judeus e faz a apologia do cristianismo. O filme exulta com a violência e exalta a morte, bem ao gosto da tradição católica. O terrorismo ideológico e a crueldade visual já estavam nos evangelhos. Mel Gibson é um fanático, reaccionário e cruel – futuro santo da ICAR – que se masturba com o sofrimento e traz de regresso o anti-semitismo que, após a segunda grande guerra, tem estado entre parêntesis.

14 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Inovação

Quando o padre apoia uma inovação, ela é má; quando se lhe opõe, ela é boa.

Denis Diderot

14 de Março, 2004 jvasco

VOTE NO HUGO

Eu adoro este texto de Tim Gorki.

Ele já está disponível nas referências da página www.ateismo.net, mas vou colocá-lo aqui, até mesmo por causa dos comentários:

VOTE NO HUGO !!!

Hoje de manhã alguém bateu à minha porta. Era um casal bem vestido e arrumado. O homem falou primeiro, e disse

João: Olá! Eu sou João, e esta é a Maria.

Maria: Olá! Gostaríamos de convidá-lo a votar no Hugo connosco.

Eu: Como assim? O que é isso? Quem é Hugo, e porque é que vocês querem que eu vote nele? Nem é dia de eleição hoje.

João: Se votar no Hugo, ele dar-lhe-á um milhão de dolares, e se não, ele espanca-o.

Eu: Mas o que é isso? Extorsão da máfia?

João: Hugo é um multibilionário filantropo. Hugo construiu esta cidade. A cidade é dele. Ele pode fazer o que ele quiser, e ele quer dar-lhe um milhão de dolares, mas isso só é possível se você votar nele.

Eu: Mas isso não faz o menor sentido. Se o Hugo construiu a cidade, é dono dela e pode fazer o que quiser, entao por que ele preisa ser eleito? E por que ele…

Maria: Quem é você para questionar o presente do Hugo? Você não quer o milhão de dolares? Não vale a pena por votar nele uma vez só?

Eu: Bom, talvez, se mesmo a sério, mas…

João: Então venha connosco votar no Hugo.

Eu: Vocês já votaram no Hugo?

Maria: Ah, claro, e…

Eu: E vocês já receberam o milhão de dolares?

João: Bom, na verdade não. Você só recebe o dinheiro depois de sair da cidade.

Eu: Então porque é que vocês não saem?

Maria: Você só sai quando o Hugo deixar, ou você não leva o dinheiro, e ele espanca-o.

Eu: Vocês conhecem alguém que tenha votado no Hugo, saído da cidade e ganho o dinheiro?

João: Minha mãe votou no Hugo por anos. Ela saiu da cidade ano passado, e tenho certeza de que ela ganhou o dinheiro.

Eu: Você não falou com ela depois disso?

João: Claro que não, o Hugo não deixa.

Eu: Então porque é que acha que ele vai dar-lhe o dinheiro se nunca falou com alguém que tivesse conseguido o dinheiro?

Maria: Bom, ele dá-lhe um pouco antes de você ir embora. Pode ser um aumento de salário, pode ser um pequeno prémio de lotaria, pode ser que você ache uma nota de cinquenta na rua.

Eu: E o que isso tem a ver com o Hugo?

João: O Hugo tem uns ‘contactos’.

Eu: Sinto muito, mas isso parece-me muito estranho…

João: Mas é um milhão de dolares, você vai arriscar? E lembre, se você não votar no Hugo, ele espanca-o.

Eu: Talvez se eu pudese ver o Hugo, falar com ele, ajustar os pormenores directamente com ele…

Maria: Ninguém vê o Hugo, ninguém fala com o Hugo.

Eu: Então como é que vocês votam nele?

João: Às vezes nós fechamos os olhos e votamos, pensando no Hugo. Às vezes votamos no Carlos, e ele conta ao Hugo.

Eu: Quem é o Carlos?

Maria: Um amigo nosso. Foi ele que nos ensinou a votar no Hugo. A gente só precisou de o levar a jantar algumas vezes.

Eu: E vocês simplesmente acreditaram no que ele disse, quando ele contou que existia um Hugo, e que o Hugo queria que vocês votassem nele, e que o Hugo daria uma recompensa?

João: Claro que não! Carlos trouxe uma carta que o Hugo lhe mandou anos atrás, explicando tudo. Tenho uma cópia aqui, veja você mesmo.

João entregou-me uma fotocópia de uma carta com o cabeçalho “Do punho de Carlos”. Havia onze pontos ali:

1. Vote no Hugo e ele dar-lo-á um milhão de dolares quando você sair da cidade.

2. Beba álcool com moderação.

3. Espanque quem não for como você.

4. Coma bem.

5. O próprio Hugo ditou esta lista.

6. A lua é feita de queijo verde.

7. Tudo que o Hugo diz está certo.

8. Lave as mãos depois de ir à casa de banho.

9. Não beba.

10. Só coma salsicha no pão, e sem condimentos.

11. Vote no Hugo, ou ele espanca-o.

Eu: Parece que isso foi escrito no bloco do Carlos.

Maria: Hugo não tinha papel.

Eu: Tenho um palpite que se fôssemos conferir, descobriríamos que essa letra é do Carlos.

João: Claro que é, o Hugo ditou.

Eu: Pensei que vocês tinham dito que ninguém vê o Hugo.

Maria: Agora não, mas tempos atrás ele falava com algumas pessoas.

Eu: Pensei que vocês tinham dito que ele era um filantropo. Como é que um filantropo bate nas pessoas só porque elas são diferentes?

Maria: É o desejo de Hugo, e o Hugo está sempre certo.

Eu: Como é você sabe?

Maria: O item 7 diz: “Tudo que o Hugo diz está certo”. Pra mim isso é suficiente.

Eu: Talvez o seu amigo Carlos tenha inventado isso tudo.

João: De jeito nenhum! O item 5 diz: “O próprio Hugo ditou esta carta”. Além disso, o item 2 diz “beba álcool com moderação”, o item 4 diz “coma bem”, e o item 8 diz “lave as maos depois de ir à casa de banho”. Toda a gente sabe que isso está certo, então o resto deve ser verdade também.

Eu: Mas o item 9 diz “não beba”, o que não bate com o item 2. E o item 6 diz que “a Lua é feita de queijo verde”, o que está simplesmente errado.

João: Não há contradição entre 9 e 2, 9 só esclarece 2. E quanto ao 6, você nunca esteve na Lua, então nao pode ter certeza.

Eu: A ciência já estabeleceu muito bem que a Lua é feita de rochas…

Maria: Mas eles nao sabem se as rochas vieram da Terra ou do espaço, então poderiam muito bem ser queijo verde.

Eu: Não sou um perito, mas acho que a ideia é que dois ou mais corpos de bastante massa podem ter colidido durante a formação do sistema solar para criar o sistema Terra-Lua. Mas não saber exatamente como a Lua foi formada no tem nada a ver com ela ser feita de queijo.

João: Ahá! Você acabou de admitir que os cientistas não podem ter certeza, mas nós sabemos que o Hugo está sempre certo!

Eu: Sabemos?

Maria: Claro, o item 5 diz isso.

Eu: Você está a dizer que o Hugo está sempre certo porque a lista diz, e a lista está certa porque o Hugo ditou, e sabemos que o Hugo ditou porque a lista diz. Isso é lógica circular, é a mesma coisa que dizer que ‘o Hugo está certo porque ele diz que está certo’.

João: AGORA você está entendendo! É tão bom ver alguém entender a forma de pensar do Hugo!

Eu: Mas… ah, deixem estar… E que história é essa com as salsichas?

João (enquanto Maria enrubesce): É um esclarecimento do item 4. Salsicha, só no pão, sem condimentos. É a maneira do Hugo. Qualquer coisa diferente disso é errado.

Eu: Mas então pode comer hamburguer sem pão? E bratwurst?

João: Peraí, peraí! Não vamos deixar as coisas mais complicadas do que elas são. É melhor deixar esses pormenores para os peritos profissionais no Hugo e suas regras.

Eu: E se não tiver pão?

João: Sem pão, nada de salsicha. Salsicha sem pão é errado.

Eu: Sem molho? Sem mostarda?

João (Gritando, enqunto Maria parece chocada): Não precisa falar assim! Condimentos de todos os tipos são errados!

Eu: Então uma pilha enorme de repolho azedo com umas salsichas picadas em cima, nem pensar?

Maria (enfiando os dedos nas orelhas): Eu não estou escutando!! La la la, la la, la la la.

João: Mas que nojento! Só um pervertido comeria isso…

Eu: Mas é bom! Eu como sempre!!

João (amparando Maria, que desmaia): Se eu soubesse que você era um desses, não teria desperdiçado meu tempo. Quando o Hugo o espancar, eu vou estar lá, contando meu dinheiro e rindo. Eu vou votar nele por você, seu comedor-de-salsicha-cortada-com-repolho!

E assim João arrastou Maria para o carro, e foram embora.

14 de Março, 2004 Carlos Esperança

Santana Lopes foi pedir a bênção ao papa

O presidente da Câmara de Lisboa rastejou 6.ª feira para uma audiência com JP2 a quem afirmou que «enquanto presidente da UCCLA segue os ensinamentos do papa».

Dada a sua megalomania permitiu-se interceder «em nome de todos os que se exprimem em português» e «por aqueles que falam em castelhano», donde se depreende que, sem a preciosa cunha, o homem que tem a santidade como profissão e estado civil, se desinteressaria deles.

Além do abuso de falar em nome de quem não deve, o autarca anunciou-lhe a construção da nova catedral de Lisboa, que ficará situada junto ao Parque das Nações.

Assim, os portugueses ficam a saber que, para lá dos numerosos bordéis de que já dispõe, Lisboa vai ter dois modernos equipamentos – um casino e uma catedral.

Pedro Santana Lopes ofereceu ao maior fabricante de santos da história da ICAR uma imagem de São Vicente e, após a audiência, repetiu o deprimente beija-mão da chegada, em subserviente genuflexão de pio vassalo.

Agora falta explicar aos munícipes a que título ameaça a cidade com uma nova catedral – equipamento que nos países laicos é da responsabilidade dos fregueses.

13 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

O desaparecimento de Mariana Cascais

A senhora dona Mariana teve, há uns tempos, uma brilhante intervenção na Assembleia da República onde afirmou que a religião católica era a religião oficial da República. Não sei se terá sido uma inocente gaffe freudiana, manifestando os mais íntimos desejos de tão devota militante do CDS-PP, ou instruções dos seu directores espirituais (padres e Portas) ou, ainda, desconhecimento completo da Constituição.

Como se isto não bastasse, numa entrevista ao Diário de Notícias, disse Se eu quisesse não havia educação sexual.

Estas posições são, de resto, pouco surpreendentes. É perfeitamente natural que alguém tão temente a deus não queira que as crianças caiam nas garras do demo através do conhecimento de onde vêm os bébés.

Mariana Cascais é secretária de Estado da Educação e, a partir de ontem, já não está à frente da tutela da educação sexual, passando o próprio ministro da Educação a coordenar esse mesmo dossier. Finalmente, fez-se luz no Governo!

13 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Pecado

Santa mãe de Deus, vós, que haveis concebido sem pecado, concedei-me a graça de pecar sem conceber.

Anatole France

13 de Março, 2004 jvasco

Panteísmo e o Guardador de Rebanhos

Este pequeno excerto da autoria de Fernando Pessoa é muito curioso:

“Não acredito em Deus porque nunca o vi.

Se ele quisesse que eu acreditasse nele,

Sem dúvida que viria falar comigo

E entraria pela minha porta dentro

Dizendo-me, aqui estou!

(Isto é talvez ridículo ao ouvidos

De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,

Não compreende que fala delas

Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores

E os montes e o sol e o luar,

Então acredito nele,

Então acredito nele a toda hora,

E a minha vida é toda uma oração e uma missa,

E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores

E os montes e o luar e o sol

Para que lhe chamo eu Deus?

Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;

Porque, se ele se fez, para eu o ver,

Sol e luar e flores e árvores e montes,

Se ele me aparece como sendo árvores e montes

E luar e sol e flores,

É que ele quer que eu o conheça

Como árvores e montes e flores e luar e sol.”