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7 de Abril, 2004 André Esteves

A IURD em busca do amor…



Um pastor ajuda um futuro irmão a encontrar o seu amor em Jesus…

No supermercado espiritual da IURD tudo se encontra!!

Sabendo explorar bem a essência profunda das necessidades que as religiões satisfazem, temos observado esta grande “multinacional” pentecostal a apostar em diferentes sectores de mercado, procurando satisfazer os seus potenciais clientes.

No passado, eram os cancros, as paralisias e outros malefícios do corpo. Mas a quantidade de desesperados a quem não faltava a fé, trazidos pelos membros da igreja para a conversão e cura, continuaram a morrer de cancro, a ficar paralíticos e a sofrer as injustiças da vida.

Como tal era mau para a moral dos fiéis, o ênfase dos cultos modificou-se… Passaram a preocupar-se com as doenças do espírito, sob outra capa, claro. O mau olhado, os vícios, as insónias, as dores de cabeça, a visão de vultos e a audição de vozes tornou-se o novo filão…

Infelizmente, a aspirina, o Prozac, e até um simples vibrador têm-se revelado bons remédios para todos esses problemas.. Tanto que hoje, para manter o moral dos fiéis aos fins de semana, os obreiros da igreja, pagam a desempregados para se fingirem de possessos, quer do demónio, quer do espírito santo… O que esses actores amadores em part-time, chamam na gíria, “dar o tombo”.

Mas a igreja não se desarma!! Vai à luta, como todo o bom empreendedor!

A última novidade são os cultos para encontrar o amor… Não o de cristo, mas o de um qualquer elemento do sexo oposto.

Afinal os jovens sempre foram às igrejas para encontrarem bons partidos…

Confesso-vos que é divertido ver a IURD a converter-se num clube de solteiros…

Quando é que o “dom das línguas” (Glossolalia) se transformará no “dom de língua”?

6 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

Alexandrina roubada

Continuando nas fontes frugais, lê-se no Correio da Manhã de hoje:

ROUBARAM O ROSÁRIO DA BEATA ALEXANDRINA

O rosário com que a Venerável Alexandrina rezou à Virgem Maria ao longo de mais de 30 anos, enquanto esteve acamada, desapareceu recentemente da velha vitrina em que se encontrava exposto na sala da casa de Balasar, Póvoa de Varzim.

A estranha ocorrência foi contada ao Correio da Manhã pela zeladora da casa, Maria Alice Faria, que se manifestou “muito desgostosa com este acto de maldade”, mas esperançada de que, mais dia menos dia, o rosário volte a aparecer.

“Eu tenho fé que a pessoa que o levou vai reconhecer que fez mal e, numa atitude de arrependimento, voltará a colocá-lo no seu lugar. Santa Alexandrina vai certamente fazer com que isso aconteça”, disse ao CM Alice Faria.

Segundo a zeladora, o furto terá tido lugar “num destes domingos, em que, no meio da confusão e sem dar pela conta, alguém abriu a vitrina e tirou o rosário”.

Tratava-se, segundo nos referiu, de um rosário “bastante puído, de contas miúdas e com uma medalhinha de Nossa Senhora em cada uma das quinze glórias”.

Este facto, que não foi comunicado às autoridades policiais, acabou por chamar a atenção para as deficientes condições de segurança em que se encontra a casa onde nasceu, viveu e morreu a ‘Santinha de Balasar’ que, no próximo dia 25, vai ser beatificada pelo Papa João Paulo II.

O que prova que Deus não cuida de furtos de objectos pertencentes aos seus fiéis servidores.

É que há cada vez mais gente a visitar a secular moradia e a vigilância é feita apenas pela zeladora. O arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, disse ao CM que “a questão está, desde há um ano, a ser estudada, em conjunto com a autarquia local, mas obriga à realização de obras demoradas”.

Entretanto, fonte da Junta de Freguesia assegurou ao CM que, nos dias de maior movimento, nomeadamente aos domingos, vai requisitar reforço policial.

E é assim que, mais uma vez, vemos o dinheiro dos nossos impostos a ser utilizado em questões que dizem respeito à Igreja. Porque é que a paróquia ou o próprio Vaticano não financia este investimento na protecção de um espólio que lhe deve ser tão caro? De certeza que não será por falta de verbas.

OUTROS DADOS

ESPÓLIO

Na casa da Alexandrina estão peças únicas que merecem melhor protecção. É o caso dos livros originais do primeiro processo de beatificação e de alguns manuscritos.

ALARME

Apesar de o rosário ter desaparecido durante o dia, o isolamento da casa aconselha mais vigilância à noite. A paróquia sugere a instalação de um alarme.

MULTIDÃO

A casa não é muito pequena, mas é antiga e não está preparada para a presença, como tem acontecido, de grandes multidões. A zeladora defende o controlo das entradas.

BEATIFICAÇÃO NO 25 DE ABRIL

No dia em que Portugal assinala os 30 anos do 25 de Abril, com as cerimónias oficiais descentralizadas para Bragança, em Roma, o Papa João Paulo II presidirá à cerimónia de beatificação da Venerável Alexandrina de Balasar.

Não sei porquê – provavelmente é apenas impressão minha -, parece-me que a escolha desta data é uma provocação. No dia em que se comemoram 30 anos sobre o fim do obscurantismo e de uma promiscuidade entre a Igreja e o Estado, vem novamente aquela organização acenar a sua doutrina e os seus santos e beatos à população numa tentativa de concorrência com as festividades de Abril. Não há pachorra!

Nascida a 30 de Março de 1904, Alexandrina Maria da Costa iniciou o seu ‘caminho de santidade’ aos 14 anos, quando se atirou de uma janela para fugir a um homem que a tentava violar. A mielite de que ficou enferma devido à queda de quatro metros agravou-se de tal forma, que acabou por ficar completamente paralisada e acamada aos 20 anos de idade.

Até à sua morte, em 13 de Outubro de 1955, viveu uma vida de oração e martírio, tendo, em 182 sextas-feiras seguidas, de 3 de Outubro de 1938 a 27 de Março de 1942, vivido as dores da Paixão de Cristo. A partir daqui e ao longo dos últimos 13 anos de vida, Alexandrina viveu em jejum total de alimentos e bebida, alimentada apelas pela Sagrada Comunhão.

Os milagres que lhe são atribuídos são incontáveis, mas só o de Madalena Fonseca, que em 1996 foi curada da doença de Parkinson, foi dado como provado, por ter sido considerado “cientificamente inexplicável”. E foi precisamente este milagre que abriu caminho à beatificação de Alexandrina, cujo centenário do seu nascimento se celebrou no passado dia 30 de Março. À beatificação vão assistir mais de 150 portugueses.

6 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

O rei do Lidl

Nessa grande publicação semanal, Dica da Semana, editada pela cadeia de supermercados Lidl, entre muitos faît-divers e promoções, conta-se uma entrevista com determinada personalidade da sociedade portuguesa. Esta semana o convidado é o senhor Duarte Pio que nos fala do seu dia-a-dia e da Páscoa.

Para esta personalidade (e acentuo bem o itálico), a Semana Santa e a Páscoa são os momentos mais importantes da vida de um cristão – numa religião que exalta o sofrimento como caminho para a salvação é natural que a morte violenta de uma das suas figuras centrais seja altamente celebrada – e prefere passá-los no campo – comportamento bastante aristocrático, esse de conviver com as massas plebeias.

A Dica da Semana coloca uma questão pertinente: Sendo que existe uma ligação profunda da família real à religião (de per si, uma excelente razão para se ser republicano), como é que têm transmitido essa mensagem as príncipes, tendo em conta que vivemos numa sociedade que se afasta cada vez mais dos valores religiosos?. O senhor Duarte Pio responde: há que dar o exemplo, mas é também preciso ensinar bases doutrinais teóricas para compreenderem a razão de ser e as verdades da religião. Claro que, para se ser um bom cristão, nem tudo pode ser lido sob pena de se cair nos fogos do Inferno ou, pior, se tornar agnóstico ou ateu, nem se devem questionar os ensinamentos dos mestres! É também indispensável, afirma, mostrar o que é o bem e o mal uma vez que é esta confusão que dá origem a grande parte das desgraças que atingem as famílias. Incrivelmente, esquece-se que tal distinção não tem de estar necessariamente ligada a uma qualquer moral religiosa podendo perfeitamente ser ensinada de acordo com valores laicos e republicanos.

Relativamente ao papel social da Casa Real na sociedade portuguesa, o senhor Duarte crê que as suas intervenções e as da amantíssima esposa podem ser úteis no campo social e caritativo e também sob o ponto de vista cultural. Pois sim, dão uma esmolinha a esta ou aquela instituição ligada à Igreja, aparecem nas revistas cor-de-rosa e nos programas televisivos quejandos. Grande contributo!

O mais interessante nesta entrevista não é tanto o seu conteúdo – que não é muito -, mas o local onde é publicada: num catálogo de promoções de uma cadeia de supermercados alemães normalmente instalados nos subúrbios e cuja distribuição abrange uma grande área residencial. Este folheto coaduna-se com o estilo do senhor Duarte, que fica no seu meio, entre hortaliças e conjuntos de limpeza profissional, mas o mais preocupante é a atenção dada a tal pessoa e a tudo o que representa: um regime nada democrático, nada laico e classista que não se coaduna com os valores que, no séc. XXI, devem ser defendidos.

6 de Abril, 2004 André Esteves

A Fé, a dor e a história de Karen

A História de Karen

A Fé cresce no medo da dor, de uma morte violenta, dolorosa e sinistra.

Nas promessas das religiões encontramos uma falsa esperança que nos promete acordarmos, depois da morte, para uma nova vida, sem dor, nem sofrimento…

Karen nasceu com uma doença extremamente rara… Não sente dor. Nenhuma…

O seu sistema nervoso não têm nenhum nervo periférico a funcionar para sentir a dor.

Contorcer-se nela. Gritar e sentir o medo dela. Fugir e correr da dor. Sobreviver.

Karen deveria estar no estado de graça antes da queda no jardim do Éden.

Ela deveria viver o mais próximo que possamos imaginar do paraíso…

Nada de mais falso.

Karen quase cegou de tanto coçar a córnea dos olhos. Não têm o reflexo de fechar as sobrancelhas. Os médicos ficaram tão preocupados que tiveram que lhe coser os olhos, até que fosse mais velha e pudesse racionalizar o seu comportamento. Ficou com queimaduras de segundo grau, por uma noite se levantar da cama e ficar á frente de um desumidificador…

A dor protege-nos, é nossa amiga.

É o nosso alarme primário à nossa integridade física.

Uma herança do nosso passado evolucionário.

Com a dor não podemos. Sem a dor não vivemos.

Fará o paraíso sentido? Um lugar sem dor, nem sofrimento? Será vida?

6 de Abril, 2004 jvasco

O Cristianismo e as Mulheres

Vejamos alguns excertos da Bíblia acerca das mulheres:

“As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei. E se querem ser instruídas sobre algum ponto, interroguem em casa os seus maridos, porque é vergonhoso para uma mulher o falar na igreja” (1 Coríntios 14:34-35)

“A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação” (1 Timóteo 2:9-15)

“As mulheres sejam submissas a seus maridos como ao Senhor, porque o marido é cabeça da mulher como Cristo é cabeça da Igreja, seu corpo, do qual ele é o Salvador. Ora, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim o estejam também as mulheres a seus maridos em tudo” (Efésios 5:22-24)

Há muito mais, e pode tudo ser consultado aqui.

***

E os teólogos e Santos cristãos, que é que pensavam sobre as mulheres? As seguintes citações podem lançar uma luz sobre o assunto:

“Abraçar uma mulher é como abraçar um saco de esterco” (São Odo de Cluny, monge beneditino, 1030-1097)

“A mulher está em sujeição por causa das leis da natureza, mas é uma escrava somente pelas leis da circunstância… A mulher está submetida ao homem pela fraqueza de seu espírito e de seu corpo… é um ser incompleto, um tipo de homem imperfeito […] A mulher é defeituosa e bastarda, pois o princípio activo da semente masculina tende à produção de homens gerados à sua perfeita semelhança. A geração de uma mulher resulta de defeitos no princípio activo” (Tomás de Aquino, Summa Theologica, Q92, art. 1, Reply Obj. 1)

No século XII, Graciano, especialista em direito canónico, afirmou: “O homem, mas não a mulher, é feito à imagem de Deus. Daí resulta claramente que as mulheres devem estar submetidas a seus maridos e devem ser como escravas”

Disse S. Agostinho sobre a poligamia: “Ora, uma serva ou uma escrava nunca tem muitos senhores, mas um senhor tem muitas escravas. Assim, nunca ouvimos dizer que mulheres santas tivessem servido a vários maridos e sim que muitas serviram a um só marido … Isso não é contraditório à natureza do casamento” (De bono conjugali 17, 20)

De S.Clemente de Alexandria sobre as mulheres: “A exacta consciência de sua própria natureza deve evocar sentimentos de vergonha” (Paedagogus II, 33, 2)

“Se é bom não tocar uma mulher, então é ruim tocar uma mulher sempre e em todos os casos” (São Jerónimo, Epístola 48.14)

“A virgindade santa é melhor que a castidade conjugal. Uma mãe terá um lugar inferior ao da filha no Reino dos Céus porque ela foi casada e a filha é virgem. Mas se tua mãe foi sempre humilde e não orgulhosa, haverá algum tipo de lugar para ela mas não para ti” (São Jerónimo, teólogo romano, Sermão 354)

“A mulher é uma ferramenta de Satã e um caminho para o inferno (São Jerónimo)

“Por serem mais fracas na mente e no corpo [as mulheres], não surpreende que se entreguem com mais freqüência aos actos de bruxaria. […] a mulher é mais carnal do que o homem, o que se evidencia pelas suas muitas abominações carnais. E convém observar que houve uma falha na formação da primeira mulher, por ter sido ela criada a partir de uma costela recurva, ou seja, uma costela do peito, cuja curvatura é, por assim dizer, contrária à retidão do homem. E como, em virtude dessa falha, a mulher é animal imperfeito, sempre decepciona e mente. (Malleus Maleficarum, p. 116)

“Mulheres não deveriam ser educadas ou ensinadas de nenhum modo. Deveriam, na verdade, ser segregadas já que são causa de horrendas e involuntárias erecções em santos homens” (Santo Agostinho)

6 de Abril, 2004 jvasco

3000 Visitantantes

E desta vez, para variar, comemoramos mais um marco no número de visitantes com uma citação de um membro do Clero:

“Afirmar que a Terra gira em torno do Sol é tão errado quanto dizer que Jesus não é filho de uma virgem” (Cardeal Bellarmino em 1615, durante o julgamento de Galileu)

6 de Abril, 2004 André Esteves

Canal Viver com bruxos africanos…

Talvez sentindo a concorrência da IURD no canal Record, ou procurando explorar os nichos de mercado que ainda ninguém reparou, o canal Viver têm agora um programa com um “astrólogo” africano.

É com algum receio que esperamos que os problemas de impotência dos ouvintes, não sejam resolvidos da mesma maneira que em Moçambique, Senegal, Angola e África do Sul…

As mezinhas com pedaços de corpos humanos já se tornam um repetido fait-diver africano, que tende a se tornar mais em notícia do que em patranha… E não nos esqueçamos dos corpos de crianças negras que surgem um pouco por toda a Europa, sem identificação, nem partes anatómicas…

Para o canal Viver, creio que a receita anterior contra a impotência era bem mais eficaz… 4 horas de pornografia depois da meia noite. A ironia, é que a ICAR na sua sede de moralidade das aparências, eliminou os corpos nus em promiscuidade, mas acabou por abrir a porta a nova concorrência…

6 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Novo contingente da GNR partiu para o Iraque

Após os ferimentos que atingiram militares portugueses estacionados no Iraque o 1.º ministro Durão Barroso declarou «que os militares da GNR sabiam perfeitamente que iam para uma missão deste tipo» e acrescentou «graças a Deus foram apenas ferimentos ligeiros». Ao ouvi-lo fiquei sem perceber se quis incriminar Deus na malfeitoria ou se quis atenuar-lhe a responsabilidade.

Seja como for não podemos esquecer que o primeiro contingente levou uma imagem de «Nossa Senhora do Carmo» que goza de muita devoção entre os militares da GNR e de grande influência perante «o divino mestre» e, de facto, até ao dia 4 do corrente mês, tinha sido de uma eficácia absoluta. Todavia, quiçá por falta de revisão, foi impotente para proteger completamente os 3 portugueses feridos.

Sabendo-se que àquela latitude é difícil encontrar onde fazer uma revisão cuidada e não levando a unidade um padre da ICAR para actuar como mecânico, teme-se que a dita imagem passe a comportar-se como mero placebo.

5 de Abril, 2004 Carlos Esperança

LAICIDADE BÍBLICA NA ESCOLA PÚBLICA ?



À Escola está cometida a importante função institucional de ensinar e instruir, de formar e educar as novas gerações da nossa sociedade e, segundo creio, todos estaremos de acordo quanto a essa sua especial e particular – ainda que não exclusiva – responsabilidade social, cultural e política.

Mas, falemos claro : no essencial, à Escola cumpre ensinar a ciência e não difundir a fé, fomentar o conhecimento e não celebrar a crença, estimular a pesquisa e não exercer a catequese, proporcionar a crítica e não estabelecer o dogma ; tal como também lhe compete formar para a cidadania – isto é, educar para a abertura e a tolerância culturais, para a inclusão e a solidariedade sociais, para a intervenção e a participação cívicas – e não orientar para a adesão a qualquer sistema ideológico ou filosófico, para a filiação política partidária ou para a convicção e a devoção religiosa.

É nesse sentido claro e positivo que a « laicidade » se assume na Escola e é pelas largas possibilidades formativas que ela permite e favorece que o « laicismo » se afirma enquanto princípio essencial à caracterização de um ensino moderno, plural e democrático, de um ensino efectivamente capaz de veicular – e até de impulsionar – o projecto da sociedade plural, aberta e inclusiva que hoje pretendemos edificar.

Se a laicidade visa impedir que o « espaço público » – isto é, o « espaço de todos » – possa ser de alguma forma controlado por um qualquer grupo social dominante ( tenha ele uma matriz ideológica, religiosa ou outra ) e, por essa via, visa assegurar uma efectiva possibilidade universal de acesso ao seu uso e fruição, recear que o laicismo se possa transformar numa « religião dominante » constitui um completo absurdo : o Estado deve efectivamente ser laico e garantir a laicidade do espaço público, precisamente para permitir que a sociedade possa ser plural e que, na sua totalidade, dele possa plenamente beneficiar.

Mas a separação entre Estado e Igreja, apesar de claramente consagrada na Constituição da República, não constitui a nossa tradição ( ! ) e essa situação explica – mas não justifica – a forma como os católicos portugueses se arrogam um estatuto especial na nossa sociedade ( cf : “Concordata” e “Lei da Liberdade Religiosa” ) e persistem em manter uma acção prosélita contínua e intrusiva no nosso quotidiano.

A recente iniciativa de promover a cópia manuscrita da Bíblia nas nossas escolas públicas constituiu mais um triste exemplo daquela prática.

Luis Manuel Mateus ( Presidente da Direcção )

5 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

Momento Poético

A VINHA DO SENHOR

de Guerra Junqueiro

I

Existiu noutro tempo uma vinha piedosa

Doirada pelo Sol da alma de Jesus,

Uma vinha que dava uns frutos cor-de-rosa,

Vermelhos como o sangue e puros como a luz.

Inundavam-na d’água os olhos de Maria,

E os virgens corações dos mártires, dos crentes,

Eram a terra funda aonde se embebia

A mística raiz dos pâmpanos virentes.

Produzia um licor balsâmico, divino,

Que aos cegos dava luz, aos tristes dava esp’rança,

E que fazia ver, na areia do destino,

A miragem feliz da bem-aventurança.

Aos mortos restituía o movimento e a fala,

Escravizava a carne, as tentações, a dor,

E transformou em santa a impura de Magdala,

Como transformou Abril um verme numa flor.

Bebê-lo era beber uma virtuosa essência

Que ungia o coração de perfumes ideais,

Pondo no lábio um riso ingénuo de inocência,

Como o d’água a correr, virgem, dos mananciais.

Dava um tal esplendor às almas, tal pureza,

Que nos circos de Roma até se viu baixar,

Diante da nudez das virgens sem defesa,

Ao magro leão da Núbia o coruscante olhar.

II

Mas passado algum tempo a humanidade inteira

De tal modo gostou desse licor sublime,

Que o êxtase cristão tornou-se em bebedeira,

E o sonho em pesadelo, e o pesadelo em crime.

Nas solidões do claustro as virgens inflamadas

Co’as fortes atracções da mística ambrosia

Torciam-se, febris, convulsas, desvairadas,

Meretrizes de Deus numa piedosa orgia.

É, que no vinho antigo ia à noite o demónio

Lançar co’a garra adunca uma infernal mistura

De mandrágora e ópio e heléboro e estramónio

Verde-negro e viscoso estrato de loucura.

Quando uivava de noite o vento nas campinas,

Via-se pela sombra, oblíquo, Satanás,

Colhendo aos pés da forca ou buscando entre as ruínas

Ervas, vegetações, prenhes de essências más.

Era o filtro subtil dessas plantas de morte

Que fazia da alma um dervixe incoerente,

Uma bússola doida à procura do norte,

Uma cega a tactear no vácuo, ansiosamente!…

E a taça do veneno estonteador e amargo

No fúnebre banquete ia de mão em mão,

Produzindo o delírio, a síncope, o letargo,

E em cada olhar sinistro uma cruel visão.

Uns viam a espectral sarabanda frenética

De esqueletos a rir e a dançar com furor

Em torno à Morte podre, impudente, epiléptica,

Com dois ossos em cruz rufando num tambor.

Outros viam chegado o pavoroso instante

Em que um monstro de fogo, um dragão aerolito,

Dava na terra um nó co’a cauda flamejante,

Arrebatando-a, a arder, através do infinito.

E então para fugir ao desespero e ao pânico

Bebiam com mais ânsia o filtro singular,

Até à epilepsia, ao turbilhão tetânico

Do Sabá desgrenhado e erótico, a espumar!

E à força de beber o trágico veneno

Tombou por terra exausta a humanidade enfim,

Como em Londres, de noite, ao pé dum antro obsceno

Cai sobre a lama inerte um bêbado de gim.

III

Mas nisto despontou a esplêndida manhã

Dum mundo juvenil, robusto, afrodisíaco:

A Renascença foi para a embriaguez cristã

A excitação vital dum frasco de amoníaco.

E na vinha de Deus ainda florescente

Começou a nascer por essa ocasião

Um bicho que enterrava escandalosamente

Nos pâmpanos da crença as unhas da razão.

Propagou-se o flagelo; o mal recrudesceu;

A colheita ficou em duas terças partes:

Chega o oídio Lutero, o verme Galileu,

E cai-lhe o temporal de Newton e Descartes.

Embalde Carlos nove, Inácio e Torquemada,

Catando esses pulgões das bíblicas videiras,

Os entregam à roda, ao cadafalso, à espada,

Ou os queimam por junto aos centos nas fogueiras.

O estrago cada vez era maior, mais forte;

Apesar da realeza, o trono e a sacristia

Andarem sacudindo o enxofrador da morte

No formigueiro vil das pragas da heresia.

Por último, Voltaire-filoxera invade

Essa encosta plantada outrora por Jesus,

E das cepas ideais da escura meia-idade

Ficaram simplesmente uns velhos troncos nus.

IV

Mas como havia ainda alguns consumidores

Desse vinho que o Sol deixou de fecundar,

Uns velhos cardeais, hábeis exploradores,

Reuniram-se em concílio a fim de o imitar.

E é assim que Antonelli, o verdadeiro papa,

O químico da fé, um grande industrial,

Fabrica para o mundo ingénuo uma zurrapa

Que ele assevera que é o antigo vinho ideal.

Para isso combina os vários elementos

Que compõem esta droga: o nome de Maria,

Anjos e querubins, infernos e tormentos,

Bastante estupidez e imensa hipocrisia.

Põe tudo isto a ferver, liga, combina, mexe,

E, filtrando através duns textos de latim,

Eis preparado o vinho, ou antes o campeche,

Que a saúde da alma há-de arruinar por fim.

Mas como o paladar de muitos europeus

Quase prefere já (horrível impiedade!)

A falsificação do vinho do bom Deus,

O vinho genuíno e puro da verdade;

E como já por isso, (assim como era dantes)

A Igreja nos não queime e o rei nos não enforque,

A cúria procurou mercados mais distantes,

O Japão, o Peru, a Austrália e Nova Iorque.

Os comis-voyageurs de Roma – os Lazaristas

Com as carregações vão através do oceano,

Por toda a parte abrindo os armazéns papistas,

A fim de dar consumo ao vinho ultramontano.

Em cada igreja existe uma taberna franca

Para impingir a tal mixórdia, o tal horror,

Ou seca ou doce, ou velha ou nova, ou tinta ou branca,

Segundo as condições e a fé do bebedor.

Para Espanha vão muito uns vinhos infernais,

Um veneno explosivo e forte que produz

Um delírio tremente – o General Narvais,

E um vómito de sangue – o Cura Santa Cruz.

Portugal quer vinagre. A Itália quer falerno.

Veuillot quer aguarrás que ponha a língua em brasa.

E John Bull, por exemplo, um pouco mais moderno,

Manda ao diabo a botica, e faz a droga em casa.

Ao povo, esse animal que o Padre Eterno monta,

Como é pobre, coitado, então a Santa Sé

Fabrica-lhe uma borra incrível, muito em conta,

Um pouco de melaço e um pouco d’aguapé.

A fina flor cristã, a flor altiva e nobre,

O rico sangue azul do bairro S. Germano,

Para quem o bom Deus é um gentil-homem pobre

A quem se dá de esmola alguns milhões por ano,

Essa, como detesta os vinhos maus, baratos,

Como é de raça ilustre e débil compleição,

Mandam-lhe um elixir que serve para os flatos,

Ou para pôr no lenço ou ir à comunhão.

De resto há quem, bebendo essa tisana impura,

Sinta a impressão que outrora o néctar produzia.

São milagres da fé. Ditosa a criatura

Que no ruibarbo encontra o sabor da ambrosia.

E eu não vos vou magoar, ó almas cor-de-rosa

Que inda achais neste vinho o esquecimento e a paz!

Não insulto quem bebe a droga venenosa;

Acuso simplesmente o charlatão que a faz.