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11 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Deus não suporta procissões

«A chuva encharcou a Semana Santa sevilhana. O verdadeiro dilúvio que se abateu sobre a cidade na quinta e sexta-feira ensopou crentes e turistas, provocou inundações e reteve dentro de portas as imagens sagradas e milhares de penitentes que deviam ter desfilado em procissão. A decepção foi abismal.» – lê-se no Diário de Notícias, de hoje.

«Os mais resistentes, mesmo encharcados, aguardaram algumas horas até saberem se o cortejo ia prosseguir caminho ou voltar para casa. Nem uma nem outra alternativa se concretizou pois a delicadeza das imagens não permitiu arriscar mais uma chuvada. A difícil decisão foi tomada pelo conselho superior de irmãos da confraria e provocou ondas de desolação na multidão. Um pouco por toda a cidade e por Espanha, o cenário repetiu-se: umas procissões não saíram da igreja, as que o fizeram foram obrigadas a pedir resguardo».

Comentário: Às vezes o céu diz aos crentes para terem juízo.

10 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

A oeste algo de novo

Lê-se no Oeste Bravio a respeito da Sexta-feira dita santa:

Como disse o meu guru Bill Hicks: “tal como os outros Cristãos, nós comemoramos a morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo contando às criancinhas que um cloelhinho gigante pôs ovos de chocolate nas traseiras do nosso jardim.”

A religião é uma coisa do espírito!

10 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

As religiões são todas iguais – fundadas sobre fábulas e mitologias.

Thomas Jefferson

10 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

Inquisição e Processo Penal

Historicamente, o processo penal de estrutura inquisitória encontra as suas bases nas disposições de Inocêncio III relativas aos crimes de heresia, blasfémia ou adultério e termina, nesta primeira fase, na regulamentação do processo e dos tribunais do Santo Ofício e da Inquisição (1229), editado após o Concílio de Latrão. Devido à influência do direito da Igreja em Itália, generalizou-se aí esta concepção a partir do séc. XV, sendo por isso conhecida igualmente pelo nome de processo canónico-italiano.

Esta concepção só se consolidou no direito dos Estados durante os sécs. XVII e XVIII, quando se ligou aos Estados Absolutistas e aos Estados-de-polícia totalitários.

Em Portugal, o direito canónico começou, desde cedo, a influenciar o processo penal no sentido de lhe conferir uma estrutura inquisitória, pelo menos no que toca aos crimes mais graves (Afonso IV). Esta evolução culmina, por influência do estabelecimento da Inquisição no nosso país (1536) e da sua forma própria de processo, nas Ordenações Filipinas.

O processo penal de estrutura inquisitória persegue unicamente os interesses do Estado, não tendo, assim, o interesse das pessoas qualquer consideração autónoma ficando sujeito à livre discricionariedade do julgador (exercida sempre em favor do poder oficial). Por sua vez, o arguido é visto como um simples objecto de inquisição e não como sujeito co-actuante no processo. Em nome da soberania estadual, os mais elementares direitos do suspeito à sua protecção perante abusos e parcialidade dos órgãos do Estado são minimizados ou inexistentes.

Nesta estrutura processual o juiz, simultaneamente, inquire, acusa e julga de acordo com a sua discricionariedade, procurando descobrir a verdade material. Mas em vão porque só é alcançada a formal: a que resulta do carácter meramente inquisitório, escrito e secreto de todo o processo que dá origem à perda de um direito real de defesa do arguido e que abre alas a todas as formas de extorquir ao arguido a confissão, tida como a prova das provas.

Esta concepção encontrou o seu fim com o advento do Estado Liberal e com a defesa das liberdades e direitos individuais inerentes a toda a pessoa humana, mas ressurgiu numa veste mitigada ou moderna nos Estados autoritários e, actualmente, desponta nas reformas legislativas que pretendem fazer face a actos de terrorismo e de criminalidade altamente organizada.

9 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Bem-aventurado Escrivá de Balaguer – um patife que chegou a santo

O servo de Deus monsenhor Escrivá de Balaguer, depois de percorrer os degraus de Venerável e Beato chegou a Santo em 6 de Outubro de 2002 graças a dois milagres aprovados – o primeiro no campo da oncologia e o segundo do foro da dermatologia.

O apoio ao ditador Franco e a obsessão por dinheiro, poder e honrarias podem ter arredado o taumaturgo da bem-aventurança mas não lhe tolheram a canonização.

O virtuoso bispo do Funchal, D. Teodoro de Faria, e o impoluto ministro de Estado e da Defesa, Dr. Paulo Portas, destacaram-se entre os portugueses bem formados convidados a deslocar-se a Roma para a cerimónia. Não terão deixado de rezar para que se esqueçam as ligações da Prelatura ao mundo da alta finança e os inúmeros escândalos financeiros em que se viu envolvida no passado ( Rumasa, Matesa, Banco Ambrosiano, etc.).

A tentativa de criar o governo teocrático universal sonhado por Paulo, a sua aliança com a Mafia internacional e a pseudo maçonaria financeira, ou o abuso indiscriminado do negócio milagreiro, documentados por Juan G. Atienza (Los Pecados de la Iglesia), são acusações para esquecer.

Aspectos negativos da personalidade de Escrivá, referidos pela colaboradora e secretária de muitos anos, Maria del Carmen Tapia, no livro “Uma vida na Opus Dei”, e as denúncias de Robert Hutchison em “O Mundo Secreto do Opus Dei” desvanecem-se com o tempo.

Regozijemo-nos, pois, por ter sido Monsenhor Escrivá “o justo entre os justos mais rapidamente elevado aos altares em toda a história da Igreja”, 17 anos exactos após a sua morte ( Ob. citada de J. Atienza, Pág. 342), êxito posteriormente ultrapassado por madre Teresa de Calcutá.

1750 sacerdotes e 80 mil fiéis – um exército de prosélitos sob a omnímoda autoridade de um prelado que dispõe de amplos recursos financeiros e sólidos apoios políticos em todo o mundo – não deixarão de proclamar a santidade do “Pai”.

Quem não puder beneficiar da graça divina por intercessão do novo santo, ao menos que se previna contra os perigos da Prelatura. Ela anda aí.

9 de Abril, 2004 Carlos Esperança

As igrejas e as flagelações



As televisões serviram, uma vez mais, as flagelações e crucificações anuais levadas a cabo nas Filipinas, nesta sexta-feira que dizem santa. Um pobre diabo católico, apostólico, romano, fez-se crucificar pela 14.ª vez das 15 de que fez promessa. Agradece uma graça que deus lhe concedeu – cura de familiar –, graça obtida a troco de tão cruel sofrimento. Que raio de Deus e que raio de crentes!!

É obsceno o espectáculo e abjecto o sofrimento, mas têm muita clientela piedosa e despertam sentimentos de fé entre os autóctones, enquanto JP2 se baba de gozo em silêncio devoto e asperge devotos no Vaticano. Esta impudica crucificação nas Filipinas, bem como as flagelações de numerosos católicos masoquistas, com chicotes com vidros nas pontas, remetem-nos para um filme recente, muito apreciado pelo Vaticano, pela exaltação da dor, exibição de sangue e fortes contornos anti-semitas.

E eu que acho mais exaltante a Vida de Brian contada pelo grupo inglês Monty Pithon do que a de Cristo morbidamente encenada por Mel Gibson!

Comparadas com estas manifestações cruéis, as digressões de joelhos nos santuários marianos são benignas demonstrações de fé.

Recordo que santo Escrivá de Balaguer se flagelava, deliciado. Não duvidando do seu merecimento, repugna-me que se louve o sacrifício, se estimule o fanatismo e se abençoe o martírio.

Que diferença há entre as autoflagelações dos xiitas e as dos católicos?

8 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Nuno Álvares Pereira a caminho da santidade



Com o forte empenhamento do patriarca Policarpo e de todos os que se sentem humilhados com a fraca criação de santos portugueses, o condestável D. Nuno (há muito usado como argumento dos pais castelhanos para persuadirem as crianças a comer a sopa) vai finalmente ser canonizado – lê-se no jornal Região de Leiria.

«Segundo “Santos de Cada Dia”, fez voto de castidade na adolescência, indo a Santarém mandar afiar e restaurar a espada… Até que, mais tarde, “unicamente aspira a engrandecer a sua alma com os mais edificantes actos de devoção e caridade.

Segundo as “Chronicas dos Carmelitas”, são atribuídas ao futuro santo as seguintes curas: 24 paralíticos, 21 cegos, 21 surdos e 18 doenças internas. Embora no exercício ilegal de medicina, faz frente à eficiência dos hospitais S. A.

Porém, somente em 1918 Sua Santidade Bento XV viria a conferir-lhe os atributos de beato. 6 de Novembro é o dia consagrado ao Beato Nuno de Santa Maria», segundo a amável informação prestada pelo meu amigo Manuel Maça, de Leiria.

8 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

I wasn’t raised Catholic, but I used to go to Mass with my friends, and I viewed the whole business as a lot of very enthralling hocus-pocus. There’s a guy hanging upon the wall in the church, nailed to a cross and dripping blood, and everybody’s blaming themselves for that man’s torment, but I said to myself, ‘Forget it. I had no hand in that evil. I have no original sin. There’s no blood of any sacred martyr on my hands. I pass on all of this.

Billy Joel

8 de Abril, 2004 André Esteves

Um estado debaixo de deus, será para todos?



A regra dourada: “Age com os outros, como gostarias que eles agissem contigo”

Assistimos recentemente à apresentação de um recurso no supremo tribunal americano, para a modificação do chamado juramento de fidelidade conhecido em Portugal como juramento à Bandeira: a “pledge of allegiance”.

Ao contrário dos países de direito romano, o sistema legal americano, permite a qualquer cidadão americano recorrer aos tribunais para pedir a modificação de uma lei que considera injusta. Se o supremo concordar com o recurso, por voto dos seus juizes, é estabelecido um precedente que deve ser considerado ao aplicar-se a lei, ou até obrigando os estados da federação americana e o congresso americano a modificá-la. (uma versão interna dos recursos e precedentes existe na lei portuguesa, mas é exclusiva ao regulamento interno dos tribunais e logo de acesso exclusivo à elite dos juizes)

Aliás, até aqui podemos ver o dedo maléfico da religião.. o direito romano, que cresceu para lidar com a multiplicidade de povos do império romano, originalmente inclua a figura de recurso directo ao imperador. Com a queda do império e a entrada na idade das trevas, a igreja institui-se como único meio de interferência na lei pública, debaixo do seu olhar moral… A audiência passou a ser ao papa, mas o aparelho da igreja tratou de o corromper, seleccionando e controlando o acesso ao papa imperador. (com as excepções históricas que nós portugueses temos e com resultados anedóticos nos dias de hoje…)

O juramento à bandeira foi a invenção de um pastor baptista, convertido ao socialismo, Edward Bellamy. Bellamy achava importantíssimo educar os jovens e as crianças nos valores base da república americana. Na Liberdade, Justiça, Igualdade e Fraternidade…

Assim teve a ideia de criar um juramento aos valores republicanos e à república americana.

Na sua versão original:

‘I pledge allegiance to my Flag and the Republic for which it stands, one nation, indivisible, with liberty and justice for all.’

que em português, seria:

«Eu presto fidelidade à minha bandeira e à República que ela representa, uma nação, indivisível. com liberdade e justiça para todos.»

Bellamy seria eleito presidente da comissão de supervisionamento das escolas da Associação Nacional da Educação, com um programa baseado na adopção do seu juramento e com o apoio de campanha de vários jornais progressistas.

Bellamy concebeu o juramento, para, primeiro, reforçar a nação americana, saída da guerra civil com o sul esclavagista e segundo, instruir os jovens sobre seus direitos e responsabilidades como cidadãos da república.

O Juramento à Bandeira ganharia a partir daí, uma vida própria. Qualquer grupo ideológico tradicional das repúblicas ocidentais encontra no juramento algo que lhe agradaria e que ao mesmo tempo, desagradaria.

O juramento sofreu algumas modificações, desde então, sendo a principal a junção da expressão «sob deus», pela influência,nos anos 50, do lobby conservador americano «Cavaleiros de Colombo». Pretendia-se sobressair a distinção dos Estados Unidos democráticos, como país temente a deus, da União Soviética comunista e ateia.

Este argumento, no original, era uma chanchada…

Afinal a maior diferença entre os dois estados, era exactamente na liberdade e justiça para todos. E a partir desse momento, deixou de o ser…

A maior parte dos portugueses tem uma visão extremamente estilizada e ignorante da América. A jovem república americana foi palco de movimentos sociais muito variados, embora não fugindo às dicotomias do mundo moderno, do campo e da cidade, da educação e da fé… As duas guerras mundiais e a guerra fria tiveram um enorme impacto na estrutura e composição política da América de hoje. (e nós, europeus com as nossas guerras acabamos por ser também, aí, responsáveis.) Na luta pela supremacia militar e ideológica da guerra fria, bem como na organização da resposta às guerras europeias, houve uma militarização e um cerrar de fileiras de toda a sociedade americana. “Ou pertences ao grupo, ou és um traidor…” e claro, na América profunda onde é que se falava com as massas?

A partir do púlpito…

É desta movimentação histórica que temos a América de hoje.

Com o fim da guerra fria, houve um “relaxar” da pressão social para «cerrar as fileiras», mas com os atentados do 11 de Setembro, a pressão anterior voltou, mas desactualizada. É que a religião, até agora o mecanismo para «cerrar as fileiras», é que está na causa de todos os actuais problemas…

E é neste contexto que surge o recurso ao Supremo Tribunal.

Michael Newdow, californiano, ateu militante, encontrou no actual juramento à bandeira, uma intromissão inadmissível da religião no estado, que se quer com «liberdade e justiça para todos».

Newdow é pai de uma menina, com uma mãe crente. As crenças da sua companheira afastaram-na dele.

E com ela, foi a sua filha. Além da influência que a mãe dá à criança, temos todos os dias, na escola, a filha de Michael a declamar e a jurar um juramento que lhe diz que o seu pai não é americano e que não quer «liberdade e justiça para todos».

Quem é que gostaria, que o estado dissesse aos nossos filhos que nós somos seus inimigos?

A única situação que encontro com paralelo, ironicamente, é a da Rússia estalinista, onde as crianças eram educadas para entregar os próprios pais, como inimigos do estado…

A apresentação do recurso por Newdow à frente dos juizes do Supremo Tribunal (menos um.. um dos juizes conservadores declarou-se publicamente contra o recurso e teve que ser afastado pois não tinha uma posição inicial isenta para poder arbitrar o caso) foi no final do mês passado.

Dentro de dez meses, teremos a decisão.

E a América começará a mudar… para o fim da tirania da opinião da maioria ou para algo muito pior…

Referências:

– A história do juramento http://history.vineyard.net/pledge.htm

– Uma pequena biografia de Mike Newdow http://www.restorethepledge.com/mike_newdow/

Transcrição temporária do recurso

7 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

I have found Christian dogma unintelligible. Early in life, I absenteed myself from Christian assemblies.

Benjamin Franklin