6 de Junho, 2023 João Monteiro
Arte e Religião – 1ª parte
Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa.
Há cerca de 33.000 anos, numa região a Sudoeste do que hoje se conhece por Alemanha, alguém esculpiu num pedaço de marfim de um dente de mamute, uma imagem minúscula com 2,5 cm de altura, representando um homem com cabeça de leão.
Nada se sabe das motivações que levaram à tarefa morosa de esculpir aquela figura, o que pediu grande dose de paciência e veia artística. Mas podemos imaginar que os nossos antepassados caçadores-recolectores, quando não conseguiam caçar, morriam à fome.
A Religião tomou conta dos nossos cérebros nesses tão recuados tempos, porque o “Homo sapiens” é um ser religioso por excelência. Só um cérebro inteligente consegue criar ideias abstractas, estimular pensamentos e chegar à ideia da Arte, do Belo e de Deus (dos deuses).
A criação de desenhos e esculturas podiam ter servido aos nossos avós cavernícolas para representarem deuses animistas para, com eles e com “o rudimento de fé” que já possuíamos, tentarem apaziguar as tempestades, os trovões, os raios e a queda da neve… mas também para conseguirem caça suficiente para alimentar a tribo.
A invenção dos deuses acalmou as mentes inquietas e tornou o mundo menos hostil pela consciência que adquirimos de “estarmos protegidos” pelas divindades da nossa imaginação.
No mesmo padrão de pensamento, a Arte servia para darmos corpo aos nossos sentimentos religiosos. Arte e Religião sempre caminharam juntos no nosso longo percurso, desde os primeiros “sapiens” até aos nossos dias, com especial importância na Época Clássica.
Essa comunhão de sentimentos permitiu-nos uma produção tão importante e profícua no campo da arquitectura, da escultura, da pintura, da música, da dança e da literatura heróica.
Devemos ter em conta que quando falamos do “Homo sapiens”, é de nós próprios que estamos a falar, e não daquele ser bruto que encontramos nos manuais escolares e nas enciclopédias. Esses “seres brutos” somos nós… apenas evoluímos na técnica!
Desde que criamos a escrita evoluímos na forma de a registar. Das placas de argila passamos para o papiro, deste para o pergaminho e depois para o papel. Hoje usamos o computador. Evoluímos na técnica e no conhecimento que acumulamos e transmitimos de geração em geração… mas quanto ao estatuto de Seres Humanos, somos os mesmos “seres brutos”, animais predadores, mas também sensíveis, como éramos outrora.
Possuímos o mesmo sistema nervoso dos nossos antepassados longínquos e, tal como eles, temos sentimentos. O que hoje nos separa dos homens das cavernas, é a mais valia da fruição dos conhecimentos acumulados pelas várias gerações, que fazem a nossa cultura e o nosso saber.
Mas não tenhamos ilusões: a evolução é muito lenta. Hoje somos os mesmos “seres brutos” como testemunham os actos daqueles que, diariamente, tiram a vida a outros semelhantes por motivos fúteis, por ganância e pelo doentio sentimento pátrio que faz a incultura dos candidatos a imperador fora do tempo dos impérios, e sem a razão dos nossos ancestrais que matavam por sobrevivência na disputa de uma peça de caça.
Mas também temos a mais valia da Arte que nos aproximou da Religião, e vice-versa… como veremos na próxima semana.
(Continua)
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV