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2 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Teste o seu inferno

Baseado na descrição que Dante fez do Inferno, chega agora o Dante’s Inferno Test. Com este fácil e prático método poderá descobrir qual o seu destino post-mortem. Só tem de responder a algumas perguntas e o sistema calculará o seu nível de pureza banindo-o, de seguida, para o seu círculo infernal:

Purgatório – Crentes arrependidos

Nível 1, Limbo – Não-crentes virtuosos

Nível 2 – Lascivos

Nível 3 – Gulosos

Nível 4 – Pródigos e avarentos

Nível 5 – Irados e deprimidos

Nível 6, a cidade de Dite – Heréticos

Nível 7 – Violentos

Nível 8, o Malebolge – Maliciosos, fraudulentos, alcoviteiros

Nível 9, o Cócito – Traiçoeiros

Experimente já e em dez minutos conhecerá o seu Além.

2 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Piedosas intenções para aumentar a natalidade

Os pios autarcas de alguns municípios não se poupam a esforços para estabilizar a população nem que, para isso, os munícipes sejam obrigados a renunciar à castidade.

Há dois anos que Vimioso abona 500 € por cada bebé que nasça no concelho (noticiou-se na altura) enquanto Murça dá um prémio de 2000 € por cada casamento entre jovens que decidam residir no concelho –, reafirma-se no Expresso n.º 1644 de 1 de Maio.

Valeu-me, pois, o Expresso de ontem, 5.ª pg., para tão preciosa informação.

A originalidade do combate ao despovoamento a que os presidentes das respectivas Câmaras se abalançaram merece a minha solidariedade mas permito-me expor algumas ideias que provavelmente acolherão para melhorarem a eficácia.

No caso de Vimioso, abonando 500 euros por cada bebé, premeia-se apenas o sucesso e ignora-se o esforço. Sendo uma zona cristã, onde o acto sexual seguramente se destina em exclusivo a garantir a prossecução da espécie, parece-me injusto que não se apoiem todos os que, esforçando-se, não logram o êxito de uma gravidez. O facto de a autarquia actuar apenas a jusante pode ser desmotivador para os que temem um esforço inglório.

Já quanto a Murça o subsídio matrimonial deixa sem qualquer incentivo a reprodução, limitando-se a promover cerimónias de nulo alcance reprodutivo. Sem incentivos pecuniários há sempre o risco de os casais se remeterem às delícias da castidade.

1 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

Deus está morto: mas, considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existirão grutas em que se mostrará a sua sombra.

Friedrich Nietzsche, in “A Gaia Ciência”

1 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Milagre precisa-se

A Igreja Católica portuguesa anda muito atarefada com os planos de canonização do Beato Nuno. Mas… quem é esta personagem?

Nuno Álvares Pereira, filho ilegítimo D. Álvaro Gonçalves Pereira, prior do Hospital, nasceu em Junho de 1360 na vila de Cernache, perto de Coimbra. Foi para a corte aos 13 anos, e é armado cavaleiro por D. Leonor Teles com o arnês do Mestre de Avis, de quem se torna amigo. Adere à causa do Mestre, que o nomeia fronteiro da comarca de Entre-Tejo-e-Odiana. Foi depois condestável do reino e mordomo-mor. Recebeu de D. João I os títulos de 3º conde de Ourém, de 7º conde de Barcelos e de 2º conde de Arraiolos.

O grande feito de Nuno Álvares Pereira é a concepção do plano que derrotou os castelhanos e, assim, devolveu a independência a Portugal.

Em 1423, professou na Ordem dos Carmelitas, tomando o nome de Frei Nuno da Santa Maria. Mandou edificar o Convento de Santa Maria do Carmo, em Lisboa, onde morreu, no dia 11 de Novembro de 1431, já com fama de santo. Desde o século XV que é objecto de culto, o que foi reconhecido pelo Papa, em 1918. É chamado Santo pelos Portugueses e pelos Carmelitas, e Beato pela restante Igreja.

Ontem, o Pe. Francisco José Rodrigues, Vice–Postulador da causa de Canonização do Beato Nuno Santa Maria, disse à Agência Ecclesia que seria ouro sobre azul se o Beato Nuno fosse canonizado dia 8 de Dezembro de 2004 (o processo foi encerrado a 3 de Abril). Só há um problema: ainda não há registo, em qualquer área da Medicina ou de qualquer outro ramo do conhecimento, de um milagre – requisito essencial para a marcação de uma data para a canonização. Portanto, este fim de semana, 1 e 2 de Maio, as relíquias do beato estarão expostas ao público em Vila Viçosa porque, segundo o padre, as pessoas têm de continuar a rezar para que o milagre apareça.

30 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Vasco Pulido Valente pode não ser católico mas também mente

No dia 25 de Abril p.p. Vasco Pulido Valente (VPV) publicou no Diário de Notícias um ensaio sobre o 25 de Abril de 1974 (site indisponível). Não tem a ver com religião nem com o ateísmo, mas podia ter a ver com a verdade. Porque o ateísmo é a luta pela verdade deixo aqui as considerações que o texto de VPV me mereceram.

Não fora José Saramago o Nobel do nosso contentamento e o nosso mais brilhante romancista do séc. XX, e passariam despercebidas as diatribes de que foi alvo, sobretudo de quem não leu o Ensaio sobre a lucidez.

Não fora o propósito ideológico de esvaziar de conteúdo o acto fundador da democracia portuguesa e a tentativa canhestra de rescrever a história, e a aférese do R passaria sem reparo na tentativa de descaracterizar a Revolução de Abril.

Não fora Abril o mês e 25 o dia e o ensaio de Vasco Pulido Valente, publicado no Diário de Notícias, não mereceria reparo. Em 28 de Setembro ou 25 de Novembro não passaria de uma opinião bem escrita e mal fundamentada, injusta e irónica, destinada a incensar Mário Soares pelo mérito que lhe cabe e pelo bónus que lhe atribui.

Mas, por ser a data que era e a injustiça que foi, senti-me revoltado com as seis páginas de difamação da data maior do século XX e dos seus mais lídimos heróis.

Refutar omissões e inverdades exigiria o espaço do ensaio. Mas não é de um texto de história que se trata, é um libelo acusatório aos protagonistas de Abril, uma vingança para com os que fizeram o que outros não tiveram coragem e se ressentiram de não terem sido eles a fazer o que deviam.

O texto de VPV não foi escrito com o cérebro, foi com o fígado, destila bílis. Não faz história, provoca náusea. É injusto e falso. O preconceito ideológico é nódoa que deixou cair no pano da sua prosa e não há benzina que a desencarda. Há, aliás, uma arrogância intelectual insuportável no desprezo a que vota os militares. É por isso que não promove a discussão, causa vómitos. É um ajuste de contas que não o honra.

30 de Abril, 2004 André Esteves

O Ateísmo, a linguagem, a religião, a biologia, a tolerância e os macaquinhos… Parte I

O caminho que tomamos ao afirmarmo-nos ateus não é fácil. Ao desmontarmos toda a «canga» que uma cultura religiosa nos impõe, somos obrigados a rever e a analisar com profundidade as bases éticas e causas da nossa moral, da nossa visão do mundo, das nossas emoções e da nossa razão.

Não é fácil. Nunca é fácil para cada um de nós. E se fosse fácil, não valeria a pena…

O crescimento pessoal, a liberdade mental e a solidez dos valores que obtemos são demasiado importantes para serem menosprezados. Mas o caminho de um ateu será sempre pessoal e único. Partilhá-lo é a nossa maneira de nos reconhecermos uns aos outros. De nos juntarmos à volta da fogueira, e hoje, à frente de um monitor, tentar saltar o espaço entre as nossas mentes, contando histórias…

Esta é uma história…

As religiões do livro (e em certa medida o marxismo através do conceito hegeliano do progresso) criaram uma dualidade entre o homem e a criação1. O homem é um ser especial. Criado com objectivos diferentes do resto da natureza.

Génesis 1:2

25 Deus, pois, fez os animais selvagens segundo as suas espécies, e os animais domésticos segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom.

26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra.

27 Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.

A partir desta visão do mundo, criou-se um duplo sistema de valores. Um para o homem e outro para a criação. A natureza à nossa volta era uma realidade biológica separada. O domínio e usufruto da natureza tinha-nos sido dado por deus. Como seres à imagem e semelhança de deus éramos superiores e com nada em comum com o mundo à nossa volta.

Humbolt, Lamarck e tantos outros naturalistas, puseram a descoberto um novo mundo biológico, de variedade e propriedades até antes inimagináveis. E depois veio Darwin…

Darwin quebrou definitivamente esta mentira. Ao estabelecer a ligação entre todos os seres vivos, através da evolução, obrigou-nos a sacudir a arrogância de nos acharmos especiais perante os outros seres vivos…

Assim, hoje quando olhamos para nós próprios, devemos ver-nos como animais, um pouco mais habilidosos, um pouco mais comunicantes, com um pequeno sentido de história e do tempo. Estamos sempre presos pelas amarras do ADN, do nosso programa genético, dos instintos e capacidades que dele obtemos individualmente. A cultura é a preservação histórica, através do contacto dos vivos, das prácticas e do que escrevemos, no pouco que realmente conseguimos passar uns aos outros, do que vamos aprendendo como seres humanos.

Mas tal não é exclusivo do homem.

Num esforço3 para clarificar o nosso conhecimento do comportamento dos chimpanzés, foi realizado há 6 anos uma campanha bem planeada e coordenada de recolha de dados comportamentais de dezenas de comunidades de chimpanzés. Estes grupos separados por rios, montanhas, selva e centenas de quilômetros apresentavam comportamentos sociais característicos de cada grupo. Mais… Os comportamentos eram transmitidos de geração em geração, mudavam com o tempo e alguns eram transportados pelas jovens fêmeas que procuravam novos grupos…

CULTURA!!!

Só a cegueira e arrogância divinamente inspirada nos manteve cegos para as verdades da natureza…

Assim, a base do comportamento que nos define como humanidade está profundamente ligada à natureza, à realidade dos constrangimentos da reprodução, sobrevivência, e que está subjacente a qualquer sociedade, ideologia e cultura humanas. Podemos, por exemplo, perguntar-nos:

– Quais serão as bases biológicas da tolerância?

Na próxima parte do nosso artigo, iremos explorá-las nos nossos primos biológicos…

Referências:

1 – “As raízes históricas da nossa crise ecológica” por Lynn White

Lynn White, Jr. “The Historical Roots of Our Ecological Crisis” (Science 155(3767):1203-1207, 1967)

2 – Bíblia, várias dezenas de autores desconhecidos…

3 – “As culturas dos Chimpanzés” por Andrew Withen e Christophe Boesch

Withen, Andrew ; Boesch, Christophe “The cultures of Chimpanzees” (Scientific American:49-55 Janeiro 2001)

29 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Mais alguns dados sobre a Igreja católica e os judeus

Pio XII excomungou todos os comunistas do mundo em 1949 e nem um único nazi, nem o próprio Hitler que nasceu católico. Em Agosto de 1943 ainda Pio XII exortava as autoridades italianas para manterem as leis raciais, leis que na Eslováquia serviram para deportar judeus para Auschwitz com a cumplicidade da igreja católica autóctone.

Daniel Golhagen cita Guenter Levy: «A partir do momento em que Hitler subiu ao poder, todos os bispos alemães começaram a afirmar a sua apreciação pelos valores naturais importantes de raça e pureza racial».

O racismo dos alemães foi responsável pelos massacres em que, juntamente com croatas, lituanos, eslovacos e outros católicos se esmeraram. E a ICAR, que tanto se alheou da sorte dos judeus, não se esqueceu, no fim da guerra, de ajudar a fugir à justiça os carrascos. Até Eichmann, que era protestante, resolveu inscrever-se como católico, no seu recente passaporte, para agradecer aos padres que lhe facilitaram a fuga, em segurança, para a Argentina.

Na Alemanha o bispo militar católico Franz Justus Rarkovski, líder espiritual dos padres incorporados na Wehrmacht era profundamente nazi. Em compensação os crucifixos eram autorizados nas escolas nazis. Os bispos e padres católicos (e também protestantes) mandaram fazer a investigação genealógica, sem protestos ou hesitação, para servir de orientação para a solução final idealizada por Hitler.

A Eslováquia e a Croácia foram os países onde os bispos e padres católicos mais se empenharam a apoiar os assassínios em massa de judeus. Na Eslováquia, os bispos católicos emitiram uma carta pastoral dirigida a toda a nação justificando a deportação de todos os judeus para a morte. Ninguém repreendeu o presidente – padre Josef Tiso, que pregava aos eslovacos que constituía «um acto cristão expulsar os Judeus de modo a que a Eslováquia pudesse libertar-se das “sua pragas”». Acabou executado, pelos crimes cometidos, em 1947. O cardeal August Hlond, o chefe da ICAR polaca, em Fevereiro de 1936, emitiu uma carta pastoral «Sobre os princípios da moral católica» onde se lia que, «Enquanto os judeus continuarem a ser judeus, existe e continuará a existir um problema judaico…»

Os chefes da ICAR lituana «proibiram os padres de ajudar os Judeus fosse de que forma fosse». Pio XII nunca repreendeu padres-carrascos e apoiou Mussolini, que cometeu assassínios em massa. Os bispos eslovacos esperaram até 1943, quase um ano após as deportações dos judeus, com as brutalidades a serem bem conhecidas para emitir uma carta pastoral contra a deportação e isto porque a guerra estava a correr mal aos alemães. Mesmo assim, mandaram que fosse lida em latim.

Nos primeiros dias de Maio de 1945, o cardeal da Alemanha, Bertram, ao saber da morte de Hitler, não quis abandoná-lo, ordenando que em todas as igrejas da sua arquidiocese fosse rezado um requiem especial, nomeadamente «uma missa solene de requiem em lembrança do Führer».

28 de Abril, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

Mas se os bois, os cavalos e os leões tivessem mãos,

ou pudessem desenhar com as mãos e fazer obras como as dos homens,

representariam os deuses, o cavalo semelhante aos cavalos,

o boi aos bois, e fariam corpos

como os seus próprios


Xenófanes, in “Fragmentos”

28 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Milagres originais são cada vez mais raros

A rainha Santa Isabel, mulher de D. Dinis, apesar de nascida em terras de Espanha, é sobrinha da também Isabel (e igualmente rainha) da Hungria, santa muito antes dela e provável pioneira do bonito milagre que a sobrinha obrou (transformar pão em rosas) – lê-se no Diário de Notícias de hoje.

Talvez ignorasse o pio edil de Coimbra, Dr. Carlos Encarnação, o plágio do milagre quando atribuiu à ponte Europa o nome da rainha que se limitou a fazer um truque de família. De qualquer modo um milagre assim produz sempre belos efeitos e justifica uma canonização.

Os mais atentos sabem que os milagres são geralmente plagiados. As Senhoras chorosas, por exemplo, começaram por ser uma especialidade italiana que se adaptou bem nos países onde a ICAR se expandiu, quiçá, desiludidas com as pessoas que dormem de costas, quando deviam dormir de lado para não acicatar a luxúria que, como é sabido, é obra do demo e conduz à perdição da alma.

Hoje poucos as levam a sério, apesar de terem variado as lágrimas da cera ao óleo de lubrificação automóvel, do sangue de pomba ao de origem desconhecida.

O santo prepúcio, produto da circuncisão de Jesus Cristo ao 8.º dia, segundo a lei, que a velha judia que praticou a operação guardou num vaso de alabastro, em óleo de nardo, fez excelentes milagres durante séculos. Foi das relíquias mais prestigiadas e promotora de grandes devoções. Um dia veio a ser declarado falso e impróprio para novos milagres porque enquanto uns exegetas admitiam que JC ressuscitou com outro, naturalmente ressarcido pela alimentação, ganharam os que entenderam que ressuscitou com o prepúcio original.

Conclusão: Não há prepúcio que resista nas mãos do clero e as relíquias e os milagres têm prazos de validade.

28 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Alguns dados sobre a mercearia dos milagres

Pio XI bateu todos os antecessores ao criar 27 santos e 41 beatos. Pio XII acabou por suplantá-lo no que se refere aos santos, mas foi com JP2 que a ICAR se lançou na criação em série, dando início a uma indústria moderna. Nem os honorários dos médicos, avençados para autenticarem milagres, o tolheram. No dia 25 de Abril último ia em 477 santos e 1337 beatos a produção, dos quais só 3 couberam a Portugal.

28 santos e 56 beatos é o número total de portugueses habilitados a intercederem junto de Deus na obtenção de favores a troco de orações, géneros ou dinheiro. No entanto os próximos milagres vão ser obrados pelos 31 candidatos que se encontram em lista de espera.

Os negócios da fé vão bem. Soem florescer nos períodos de depressão e Portugal está a importar mão de obra especializada para obstar à falta de vocações autóctones. A criação de santos e beatos insere-se numa política de captação de recursos humanos.

As preces para conversão da Rússia são hoje orientadas para despertar vocações e já pouco se usam para prevenir tremores de terra ou, sequer, trovoadas – uma especialidade outrora exercida por Santa Bárbara. Há imensas vagas no sector terciário (o dos terços) à espera de jovens do sexo masculino, de preferência castos, para se estabelecerem por conta própria em paróquias vagas.