Loading
4 de Maio, 2004 André Esteves

Comemoração de 5059 visitas

5059 visitas? Porque será? Será porque o número é primo? Será André Esteves um viciado em numerologia? Anda a tomar demasiados taxís com matemáticos indianos? Nah…

Qualquer número é um bom número para fazer um bocadinho de propaganda…

Nos próximos dias 4 e 5 de Maio o blog poderá sofrer algumas dificuldades técnicas e estaremos parados na publicação de artigos, porque o Ateismo.net estará de mudanças para um novo servidor! (dores de crescimento e algum kitsch…)

Aproveito para convidar todos os ateus e agnósticos portugueses e lusófonos que nos lêem, para se inscreverem na lista de discussão Despertar http://www.ateismo.net/lista_de_discussao.php e entrarem em contacto com os «outros».

Está em preparação o próximo ENAA – Encontro Nacional de Ateus e Agnósticos e fala-se na criação de uma associação dos ateus e agnósticos, para a defesa dos nossos direitos, bem como por exemplo, para assegurar serviços funerários humanistas… (Não será nem o primeiro, nem o último funeral de um ateu, em que aparece, do nada, um padre a querer cerimoniar e marcar o morto como sua propriedade (isso e umas gorjetas…)).

Contamos com vocês!

3 de Maio, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

O budismo é uma religião ateia. Não têm deuses. Não têm fés… Têm uma visão filosófica de todo o universo e da psicologia humana e estabelece um sistema pelo qual o homem se relaciona com o todo.

Ao contrário de tantos sermões enganosos, a religião não «religa» o homem a deus… Religa o indivíduo ao grupo. E na realidade não detêm nenhum exclusivo nessa área. Basta que haja um grupo de homens de «boa vontade» que acordem entre si regras de conduta que surgirá uma re-ligação de todo e qualquer indivíduo ao grupo. Um contrato, uma união de interesses e de respeitos…

O Budismo é uma cultura humana como todas as outras. Séculos de truncagem, adaptação e miscegenação cultural, bem como a falta do método científico materialista fizeram-no acumular toneladas de barroco e misticismo cultural de todas as culturas que permeou…

Apesar de o buda não ter trazido uma revelação, per se, a filosofia da qual foi fundador, ainda está fechada nas percepções dos monges e nas linguagens e simbolismos das culturas originais. Os mal-entendidos por parte de iniciados ocidentais são muitas vezes hilariantes.

Mas o budismo, sempre se mexeu como cultura e adaptou-se honestamente aos tempos…

Hoje, o budismo apresenta-se como uma cultura com um potencial superior ao protestantismo, na prática do capitalismo. Os dragões do oriente agitam-se nas suas economias emergentes. O futuro é deles. Mas não deixam de ser humanos… Vejam bem este kitsch…

O buda encontra a revelação no seu novo computador portátil.

Tudo isto, enquanto alguém, sem pecado, fez um dólar ao vender este kitsch e inconscientemente, se prepara para empurrar a humanidade, mais um degrau na direcção do futuro desconhecido que nos é, a todos, comum.

O mau gosto é universal e intemporal. Ele é o retrato humano da mudança e das dores de crescimento.

OOOOOOMMMMMMM!!!!!!!!!

3 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Em Espanha a religião deixou de contar para a nota

« Os estudantes espanhóis já não têm que se preocupar com a nota em religião (…). Quinze dias depois de assumir o poder, o novo Governo cumpriu mais uma das suas promessas e suspendeu a aplicação da Lei do Ensino, aprovada pelo Executivo de Aznar na legislatura passada. Esta decisão tem importantes repercussões na influência do ensino religioso (…) » – lê-se no Diário de Notícias.

«MATÉRIA OPCIONAL. «O Estado deve garantir o ensino da religião só a quem o solicite, e esta disciplina não pode nem determinar o futuro académico dos alunos nem ser equivalente a mais uma disciplina. Partindo do respeito por esta matéria, o Governo considera que as crenças não podem influir na carreira académica ou profissional dos alunos», disse a vice-presidente do Governo, Maria Teresa Fernandez de la Vega, no final do Conselho de Ministros».

«A decisão dos socialistas foi acolhida favoravelmente pelos sectores académicos, com duras críticas por parte do PP e dos grupos editores.

A Conferência Episcopal mantém, por enquanto, o silêncio, apesar de já ter protestado quando o PSOE ganhou as eleições e reiterou a sua promessa de modificação da legislação».

Comentário: À Igreja católica espanhola não lhe agrada a liberdade religiosa. Ambiciona o monopólio, devora-a a gula. Não lhe interessa a existência de deus mas a sua. E recorre à intriga, chantagem e violência, de que tem larga experiência, para manter um monopólio a que se julga com direito.

No fundo não suporta que alguém conserve o corpo quando se desinteressa do destino da alma. Da violência da Igreja espanhola falam séculos de sangue e violência. Talvez por isso JP2 tenha criado tantos santos espanhóis, alguns tão pouco recomendáveis.

2 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Teste o seu inferno

Baseado na descrição que Dante fez do Inferno, chega agora o Dante’s Inferno Test. Com este fácil e prático método poderá descobrir qual o seu destino post-mortem. Só tem de responder a algumas perguntas e o sistema calculará o seu nível de pureza banindo-o, de seguida, para o seu círculo infernal:

Purgatório – Crentes arrependidos

Nível 1, Limbo – Não-crentes virtuosos

Nível 2 – Lascivos

Nível 3 – Gulosos

Nível 4 – Pródigos e avarentos

Nível 5 – Irados e deprimidos

Nível 6, a cidade de Dite – Heréticos

Nível 7 – Violentos

Nível 8, o Malebolge – Maliciosos, fraudulentos, alcoviteiros

Nível 9, o Cócito – Traiçoeiros

Experimente já e em dez minutos conhecerá o seu Além.

2 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Piedosas intenções para aumentar a natalidade

Os pios autarcas de alguns municípios não se poupam a esforços para estabilizar a população nem que, para isso, os munícipes sejam obrigados a renunciar à castidade.

Há dois anos que Vimioso abona 500 € por cada bebé que nasça no concelho (noticiou-se na altura) enquanto Murça dá um prémio de 2000 € por cada casamento entre jovens que decidam residir no concelho –, reafirma-se no Expresso n.º 1644 de 1 de Maio.

Valeu-me, pois, o Expresso de ontem, 5.ª pg., para tão preciosa informação.

A originalidade do combate ao despovoamento a que os presidentes das respectivas Câmaras se abalançaram merece a minha solidariedade mas permito-me expor algumas ideias que provavelmente acolherão para melhorarem a eficácia.

No caso de Vimioso, abonando 500 euros por cada bebé, premeia-se apenas o sucesso e ignora-se o esforço. Sendo uma zona cristã, onde o acto sexual seguramente se destina em exclusivo a garantir a prossecução da espécie, parece-me injusto que não se apoiem todos os que, esforçando-se, não logram o êxito de uma gravidez. O facto de a autarquia actuar apenas a jusante pode ser desmotivador para os que temem um esforço inglório.

Já quanto a Murça o subsídio matrimonial deixa sem qualquer incentivo a reprodução, limitando-se a promover cerimónias de nulo alcance reprodutivo. Sem incentivos pecuniários há sempre o risco de os casais se remeterem às delícias da castidade.

1 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

Deus está morto: mas, considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existirão grutas em que se mostrará a sua sombra.

Friedrich Nietzsche, in “A Gaia Ciência”

1 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Milagre precisa-se

A Igreja Católica portuguesa anda muito atarefada com os planos de canonização do Beato Nuno. Mas… quem é esta personagem?

Nuno Álvares Pereira, filho ilegítimo D. Álvaro Gonçalves Pereira, prior do Hospital, nasceu em Junho de 1360 na vila de Cernache, perto de Coimbra. Foi para a corte aos 13 anos, e é armado cavaleiro por D. Leonor Teles com o arnês do Mestre de Avis, de quem se torna amigo. Adere à causa do Mestre, que o nomeia fronteiro da comarca de Entre-Tejo-e-Odiana. Foi depois condestável do reino e mordomo-mor. Recebeu de D. João I os títulos de 3º conde de Ourém, de 7º conde de Barcelos e de 2º conde de Arraiolos.

O grande feito de Nuno Álvares Pereira é a concepção do plano que derrotou os castelhanos e, assim, devolveu a independência a Portugal.

Em 1423, professou na Ordem dos Carmelitas, tomando o nome de Frei Nuno da Santa Maria. Mandou edificar o Convento de Santa Maria do Carmo, em Lisboa, onde morreu, no dia 11 de Novembro de 1431, já com fama de santo. Desde o século XV que é objecto de culto, o que foi reconhecido pelo Papa, em 1918. É chamado Santo pelos Portugueses e pelos Carmelitas, e Beato pela restante Igreja.

Ontem, o Pe. Francisco José Rodrigues, Vice–Postulador da causa de Canonização do Beato Nuno Santa Maria, disse à Agência Ecclesia que seria ouro sobre azul se o Beato Nuno fosse canonizado dia 8 de Dezembro de 2004 (o processo foi encerrado a 3 de Abril). Só há um problema: ainda não há registo, em qualquer área da Medicina ou de qualquer outro ramo do conhecimento, de um milagre – requisito essencial para a marcação de uma data para a canonização. Portanto, este fim de semana, 1 e 2 de Maio, as relíquias do beato estarão expostas ao público em Vila Viçosa porque, segundo o padre, as pessoas têm de continuar a rezar para que o milagre apareça.

30 de Abril, 2004 Carlos Esperança

Vasco Pulido Valente pode não ser católico mas também mente

No dia 25 de Abril p.p. Vasco Pulido Valente (VPV) publicou no Diário de Notícias um ensaio sobre o 25 de Abril de 1974 (site indisponível). Não tem a ver com religião nem com o ateísmo, mas podia ter a ver com a verdade. Porque o ateísmo é a luta pela verdade deixo aqui as considerações que o texto de VPV me mereceram.

Não fora José Saramago o Nobel do nosso contentamento e o nosso mais brilhante romancista do séc. XX, e passariam despercebidas as diatribes de que foi alvo, sobretudo de quem não leu o Ensaio sobre a lucidez.

Não fora o propósito ideológico de esvaziar de conteúdo o acto fundador da democracia portuguesa e a tentativa canhestra de rescrever a história, e a aférese do R passaria sem reparo na tentativa de descaracterizar a Revolução de Abril.

Não fora Abril o mês e 25 o dia e o ensaio de Vasco Pulido Valente, publicado no Diário de Notícias, não mereceria reparo. Em 28 de Setembro ou 25 de Novembro não passaria de uma opinião bem escrita e mal fundamentada, injusta e irónica, destinada a incensar Mário Soares pelo mérito que lhe cabe e pelo bónus que lhe atribui.

Mas, por ser a data que era e a injustiça que foi, senti-me revoltado com as seis páginas de difamação da data maior do século XX e dos seus mais lídimos heróis.

Refutar omissões e inverdades exigiria o espaço do ensaio. Mas não é de um texto de história que se trata, é um libelo acusatório aos protagonistas de Abril, uma vingança para com os que fizeram o que outros não tiveram coragem e se ressentiram de não terem sido eles a fazer o que deviam.

O texto de VPV não foi escrito com o cérebro, foi com o fígado, destila bílis. Não faz história, provoca náusea. É injusto e falso. O preconceito ideológico é nódoa que deixou cair no pano da sua prosa e não há benzina que a desencarda. Há, aliás, uma arrogância intelectual insuportável no desprezo a que vota os militares. É por isso que não promove a discussão, causa vómitos. É um ajuste de contas que não o honra.

30 de Abril, 2004 André Esteves

O Ateísmo, a linguagem, a religião, a biologia, a tolerância e os macaquinhos… Parte I

O caminho que tomamos ao afirmarmo-nos ateus não é fácil. Ao desmontarmos toda a «canga» que uma cultura religiosa nos impõe, somos obrigados a rever e a analisar com profundidade as bases éticas e causas da nossa moral, da nossa visão do mundo, das nossas emoções e da nossa razão.

Não é fácil. Nunca é fácil para cada um de nós. E se fosse fácil, não valeria a pena…

O crescimento pessoal, a liberdade mental e a solidez dos valores que obtemos são demasiado importantes para serem menosprezados. Mas o caminho de um ateu será sempre pessoal e único. Partilhá-lo é a nossa maneira de nos reconhecermos uns aos outros. De nos juntarmos à volta da fogueira, e hoje, à frente de um monitor, tentar saltar o espaço entre as nossas mentes, contando histórias…

Esta é uma história…

As religiões do livro (e em certa medida o marxismo através do conceito hegeliano do progresso) criaram uma dualidade entre o homem e a criação1. O homem é um ser especial. Criado com objectivos diferentes do resto da natureza.

Génesis 1:2

25 Deus, pois, fez os animais selvagens segundo as suas espécies, e os animais domésticos segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom.

26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra.

27 Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.

A partir desta visão do mundo, criou-se um duplo sistema de valores. Um para o homem e outro para a criação. A natureza à nossa volta era uma realidade biológica separada. O domínio e usufruto da natureza tinha-nos sido dado por deus. Como seres à imagem e semelhança de deus éramos superiores e com nada em comum com o mundo à nossa volta.

Humbolt, Lamarck e tantos outros naturalistas, puseram a descoberto um novo mundo biológico, de variedade e propriedades até antes inimagináveis. E depois veio Darwin…

Darwin quebrou definitivamente esta mentira. Ao estabelecer a ligação entre todos os seres vivos, através da evolução, obrigou-nos a sacudir a arrogância de nos acharmos especiais perante os outros seres vivos…

Assim, hoje quando olhamos para nós próprios, devemos ver-nos como animais, um pouco mais habilidosos, um pouco mais comunicantes, com um pequeno sentido de história e do tempo. Estamos sempre presos pelas amarras do ADN, do nosso programa genético, dos instintos e capacidades que dele obtemos individualmente. A cultura é a preservação histórica, através do contacto dos vivos, das prácticas e do que escrevemos, no pouco que realmente conseguimos passar uns aos outros, do que vamos aprendendo como seres humanos.

Mas tal não é exclusivo do homem.

Num esforço3 para clarificar o nosso conhecimento do comportamento dos chimpanzés, foi realizado há 6 anos uma campanha bem planeada e coordenada de recolha de dados comportamentais de dezenas de comunidades de chimpanzés. Estes grupos separados por rios, montanhas, selva e centenas de quilômetros apresentavam comportamentos sociais característicos de cada grupo. Mais… Os comportamentos eram transmitidos de geração em geração, mudavam com o tempo e alguns eram transportados pelas jovens fêmeas que procuravam novos grupos…

CULTURA!!!

Só a cegueira e arrogância divinamente inspirada nos manteve cegos para as verdades da natureza…

Assim, a base do comportamento que nos define como humanidade está profundamente ligada à natureza, à realidade dos constrangimentos da reprodução, sobrevivência, e que está subjacente a qualquer sociedade, ideologia e cultura humanas. Podemos, por exemplo, perguntar-nos:

– Quais serão as bases biológicas da tolerância?

Na próxima parte do nosso artigo, iremos explorá-las nos nossos primos biológicos…

Referências:

1 – “As raízes históricas da nossa crise ecológica” por Lynn White

Lynn White, Jr. “The Historical Roots of Our Ecological Crisis” (Science 155(3767):1203-1207, 1967)

2 – Bíblia, várias dezenas de autores desconhecidos…

3 – “As culturas dos Chimpanzés” por Andrew Withen e Christophe Boesch

Withen, Andrew ; Boesch, Christophe “The cultures of Chimpanzees” (Scientific American:49-55 Janeiro 2001)