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17 de Maio, 2004 André Esteves

Hoje é assinada a concordata. Hoje é mais um dia em que Portugal me envergonha.


Até a virgem não sabe se há-de rir ou chorar…
Hoje é assinada a concordata entre Portugal e o Vaticano. Sem qualquer intervenção do processo democrático ou das instituições representativas.

Hoje é um dia em que Portugal me enche de vergonha.

A partir de hoje, sei que a república que emergiu do 25 de Abril de 1974, me considera um cidadão de segunda.

A mim, ateu, mas também aos agnósticos, aos pagãos, aos evangélicos sem denominação, aos baptistas, aos luteranos, aos adventistas do sétimo dia, aos pentecostais, aos metodistas, aos episcopalianos, aos carismáticos, aos hindus, aos mormons, aos da assembleia de deus, aos judeus seculares, aos iemenitas, aos baha’ianos, aos judeus ortodoxos, aos muçulmanos, aos budistas, aos interdenominacionais, aos tradicionalistas, aos calvinistas, aos cristadelfianos, aos taoístas, aos zoroastrianos, aos animistas, aos macumbeiros, aos falum gong, aos cristãos ortodoxos russos, eslavos e gregos, aos que mudam todos os dias de fé, aos que preferem não se exprimir e aceitar etiquetas. A todos nós, minorias ou até (quem sabe?) maiorias, nos foi dado o estatuto de cidadão de segunda.

A revés da Constituição e do príncipio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

A partir de agora, uma comissão controlada por figuras sombrias, todos de 1ªclasse irá decidir quem é ou não religião. E quem é que poderá aceder a um estatuto de excepção. Negociatas serão feitas. Acordos de não-proselitismo firmados. Muito provavelmente, bolsos individuais e institucionais encher-se-ão. O mercado de almas abre-se sobre o patrocínio do estado.

Os ultimos passos da armadilha, que a Igreja Católica Apostólica Romana e os seus católicos de elite conspiraram, estão dados.

A excepção está institucionalizada, legalizada sem quaisquer hipóteses de redenção.

E a culpa é vossa. Porque pondes miopicamente a vossa fé primeiro, em vez do bem comum.

Quebrastes o mandamento: Amai os outros, como a vós próprios.

E assim será até ao dia, em que o estado renegue a concordata e elimine a lei da opressão religiosa.

17 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

Deus estava satisfeito com a sua obra, e isso é um erro fatal.

Samuel Butler

17 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Portugal está em vias de se tornar um novo protectorado do Vaticano?

Cresci a ouvir acusar a 1.ª República de anti-clericalismo pelo iniquidade das leis cujo repúdio atingia particularmente a do Registo Civil obrigatório e a do Divórcio. Lamentando a intolerância recíproca, vejo como se tornaram consensuais os motivos da indignação e não se abandonou a calúnia.

Foi Salgado Zenha quem impôs ao Vaticano a eliminação da crueldade que obrigou Sá Carneiro e milhares de outros portugueses a uniões de facto numa altura em que eram jurídica e socialmente condenadas. Sem o 25 de Abril ainda hoje vigoraria a impossibilidade do divórcio para casais que celebrassem casamentos católicos. E, para os outros, não faltaram tentativas subtis. A mais desastrada foi a carta de 24/02/1971 da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, vidente de Fátima, a apelar ao Prof. Marcelo Caetano para que a lei do divórcio fosse abolida do Código Civil.

Em Junho de 2002, ao querer impor aos advogados católicos a objecção de consciência em relação ao divórcio, JP2 reincidiu na tentativa de subversão do ordenamento jurídico, numa tentativa de esvaziar de consequências um importante instrumento legal, num país democrático.

JP2, também conhecido pela alcunha de Santo Padre (usa o mesmo adjectivo que era apanágio da Inquisição), tem a Santidade como profissão e esmera-se, entre outras patifarias, a sabotar o ordenamento jurídico dos países laicos, para o que conta com o reacionarismo militante do seu clero.

É por isso que estou apreensivo com a Concordata que amanhã vai ser assinada entre Portugal e o Vaticano. Negociada em segredo, teme-se o pior. Sendo inútil para garantir a liberdade religiosa, que é total, só pode destinar-se a garantir privilégios, o que é uma infâmia. Voltarei a este assunto quando conhecer o texto.

Apostila 1 – Se, como defende o primeiro-ministro português, devemos criar uma diplomacia económica talvez se consiga, como compensação pelo texto concordatário, uma larga exportação de vinhos portugueses das Adegas Cooperativas para celebração das missas, grandes encomendas de alfaias litúrgicas para dinamizar a ourivesaria de Gondomar, alguns barcos de farinha para hóstias, a partir do trigo alentejano e, finalmente, algumas toneladas de oliveiras envelhecidas para fazer relíquias do santo lenho.

Apostila 2 – Se Deus criou a ICAR, é demasiado desleixo seu não ter procedido a um único melhoramento.

Apostila 3 – Se amanhã vir JP2 a rir das orelhas à tiara é um mau prenúncio para Portugal.

17 de Maio, 2004 André Esteves

Querem filhos? Experimentem fazer sexo…

Era uma vez um casal alemão. 8 anos de amor, respeito e dedicação.

Ambos tinham tido educações religiosas esmeradas, nada podiam esperar de mal um do outro.

O futuro abria-se eternamente na instituição do casamento.

Mas eis que com o passar dos anos, as crianças não queriam aparecer.

Um rebento que lhes alegrasse a casa… O cumprimento do mandamento: Crescei e multiplicai-vos!

Desesperados, seguindo o conselho de uns amigos profanos, foram a uma consulta numa clínica de fertilidade. O médico que os atendeu, ao ver as suas análises, ficou mistificado, aparvalhado, confundido…

Quando foi a última vez que tiveram relações? – perguntou.

Ahhhhnnn?? O que é isso? – responderam.

A notícia do Fait diver no Ananova.com

17 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Ser padre ou não ser

Ontem deparei-me no Público com uma interessante notícia sobre um cavalheiro que, encarnando a personagem de padre, burlou, roubou e assaltou um ror de gente. Antes que os senhores crentes pensem em acusar-me de tentar estabelecer um nexo de causalidade entre as características deste e as dos sacerdotes, esclareço já que não é esse o meu propósito (é a velha máxima de «quaisquer semelhanças com a realidade são pura coincidência»).

Manuel Martins, baixinho, gordinho, sem cabelo, [que] parece mesmo um padre (Avelino Pinto, uma vítima, dixit) foi detido pela Guarda Civil espanhola na semana passada na Galiza.Este falso sacerdote tem um longo registo criminal onde se contam mais de 30 processos pendentes (e apenas estes) em várias comarcas nortenhas. Um psicólogo, seu velho conhecido, diz que padece de mitomania: inclinação patológica para a mentira e para a criação de universos imaginários… muito ao estilo de vários videntes, beatos e santos.

Este falso padre tem um longo currículo: um funeral em Valença, uma missa em Santiago de Compostela, uma missa numa garagem situada em Ermesinde devidamente paramentado em frente a três dezenas de pessoas (quando foi levado para a esquadra da PSP disse que visões e aparições tinham-lhe conferido poderes para celebrar missa). Quando cumpria segunda pena, fizeram-se diligências para apurar a veracidade do seu voto junto da igreja católica, o que não foi possível já que seria padre da igreja ortodoxa.

No que toca aos seus feitos criminosos, Manuel Martins é um especialista em burlas, mantendo o seu modus operandi: identificava-se como padre, fazia as suas compras, passava cheques sem cobertura ou roubados ou adiava o seu pagamento indefinidamente. Avelino Pinto, uma das vítimas, relata: a 20 de Dezembro de 2003, mais dia menos dia, veio cá. Encomendou sofás, cadeiras, secretária, tudo! Até fiz a minha mulher ir à feira comprar tapetes. Aquando do pagamento, Manuel Martins terá dito que ficara sem cheques, que iria ao banco logo na segunda-feira de manhã, pediria novo livro e saldaria a dívida. O que é que eu ia dizer? Um homem vestido de padre! Claro que acreditei.

Foi pedida a extradição de Manuel Martins, que aguarda decisão dos tribunais competentes em Espanha.

Como é possível que seja tão fácil alguém passar-se por padre?

Quando alguém é ordenado padre, não há qualquer averbamento no registo civil. De acordo com as regras da Igreja Católica, os sacerdotes são obrigados a ter uma carta de recomendação, que é um documento identificativo, renovável anualmente, assinado pelo bispo da diocese a que pertencem. Parece que na prática este documento nunca é utilizado, uma vez que os padres, mesmo não se conhecendo, confiam uns nos outros… E o mesmo se passa com o resto da população que, ingénua, ainda pensa que os homens da batina são todos pessoas de bem .

17 de Maio, 2004 Carlos Esperança

DURÃO na Procissão do Santo Cristo, nos Açores

Tendo em vista a campanha eleitoral para as eleições europeias, Durão Barroso integrou ontem a procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres que percorreu as principais ruas de Ponta Delgada.

Convidado da entidade responsável pela organização dos maiores festejos

religiosos dos Açores, o 1.º ministro foi o primeiro chefe do governo

central a integrar tal cortejo o que o levou a dizer «admira-me que tenha sido o primeiro chefe de Governo a estar presente».

Apesar da promiscuidade entre a Igreja e o Estado português não há grande mal na presença de Durão Barroso na procissão do Sr. Santo Cristo, nos Açores. Grave seria que o Sr. Santo Cristo participasse no Conselho de Ministros, em Lisboa.

17 de Maio, 2004 jvasco

Dicionário Céptico

Recomendo vivamente o Dicionário Céptico. É uma página de Robert T. Carroll cujo texto está traduzido para português (variante brasileira).

A página corresponde a um dicionário que nos dá informações interessantes e úteis sobre tudo o que é superstição. Alguns exemplos:

-área 51

-astrologia

-Atlântida

-biorritmos

-cristais

-face em Marte

-Loch Ness

-médiuns

-negação do Holocausto

-numerologia

-Pai Natal

-psicanálise

-raptos alienígenas

-telecinese

-Uri Geller

-Vampiros

-Yeti

E mais… muito mais. Tem textos interessantes com hiperligações muito úteis, e está excelentemente organizado. Também inclui algumas referências ao Cristianismo que é tratado como mais uma superstição.

16 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Da linha de montagem da ICAR saíram seis novos santos

O Papa João Paulo II presidiu este domingo no Vaticano à cerimónia de canonização de seis novos santos, entre os quais uma pediatra italiana símbolo da luta da Igreja Católica contra o aborto.

Na lotaria das canonizações deste domingo 5 das 6 saíram à casa – 3 padres, 1 monge e uma freira.

A única que não pertencia aos quadros da ICAR era uma pediatra que preferiu não fazer um aborto, a criar quatro crianças que deixou órfãs.

A ICAR sempre preferiu a defesa dos embriões e dos fetos à das pessoas. A estas frequentemente as purificou pelo fogo por crimes de bruxaria, apostasia, judiaria ou outros.

Em 25 anos e meio de pontificado, João Paulo II proclamou 1.330 beatos e canonizou 482 santos, segundo as estatísticas do Vaticano.

Atendendo aos emolumentos que rendem, os cofres do Vaticano devem ter-se recomposto de alguns negócios mais escuros e ruinosos do tempo do arcebispo Paul Marcinkus, presidente do Banco do Vaticano, a quem João Paulo II nunca autorizou a extradição para Itália, a fim de ser julgado.

16 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Paradoxos de uma cidade

Coimbra, Queima das fitas 2004, 06h30:

Peregrinos iniciam o seu caminho em direcção a Fátima.

Estudantes peregrinam em direcção a casa.

16 de Maio, 2004 Carlos Esperança

A escola e o presépio da minha infância

Para os que nasceram em democracia e não conheceram as escolas primárias da ditadura, deixo aqui um esboço do pardieiro onde aprendi as primeiras letras, publicado no JF em 19-09-2003:

Bem crucificado e suavemente chagado, numa cruz de madeira dependurada na parede, penava um Cristo de bronze em resignada agonia, ladeado à direita por uma fotografia de um homem de bigode, fardado, conhecido por marechal Carmona, e à esquerda por um eterno seminarista, com ar de gato-pingado, que infundia terror ? o Professor Salazar. Na mesma parede, em frente dos alunos, a razoável distância e muitos fungos depois, quedava-se a Senhora de Fátima, poisada numa mísula, alheada da conversão da Rússia e da salvação do mundo. Mais abaixo, à esquerda, ficava o quadro preto e o mapa do corpo humano e, à direita, rasgados, um mapa de Portugal Continental, outro das Ilhas Adjacentes e das Colónias e o mapa-múndi.

O soalho resistia aos buracos, numerosos e amplos, que a humidade e o uso se encarregavam de alargar. As carteiras alinhavam-se em rigorosa geometria com lugares destinados a cerca de quarenta garotos de ambos os sexos distribuídos pela primeira, segunda e quarta classes. Entre quinze a vinte estavam na sala oposta a frequentar a terceira, confiados à senhora Noémia, regente escolar.

Nos dias de chuva subvertia-se a ordem, numa complexa gincana de carteiras, para evitar que os pingos de água que escorriam do tecto acertassem nos tinteiros e salpicassem de azul a roupa das crianças e os tampos de madeira.

No intervalo, meninos e meninas, em amplas correrias e direcções opostas, procuravam os quintais próximos para se aliviarem dos fluidos que os apoquentavam.

À entrada da escola o presépio anunciava todos os anos o Natal. Na armação de tábuas e pedras cobertas de musgos, um menino de barro, seminu e de perna alçada, jazia em decúbito dorsal sobre uma caminha de palha centeeira. Era o Menino Jesus. De um lado uma virgem colorida, moderadamente recatada e com pouco uso, substituía a que se partira, interessada na companhia do filho que herdara. Do outro, um S. José, a quem a corrosão deixara em pior estado do que o dogma da Imaculada Conceição, parecia um erro de casting, indiferente ao aspecto, perdidas as cores, diluídas as formas, conformado com os olhares e as súplicas, incapaz de operar milagres, resignado com o frio de Dezembro.

O burro e a vaca comportavam-se a preceito, facilmente se adivinhando o gosto por erva se eles e esta fossem verdadeiros.

Os reis magos, eternos almocreves com ar de ladrões de camelos, virados para uma estrela recortada em papel colorido, permaneciam imóveis na lendária caminhada, quais amoladores de tesouras, à espera de fregueses para ganharem o sustento e um presente para o Menino.

As ovelhas que placidamente decoravam a montanha eram figurantes experientes, desinteressadas da importância que acrescentavam ao quadro e do exemplo de submissão que transmitiam. Nem um só carneiro as acompanhava, talvez para lembrar que é na renúncia ao prazer que se encontra a redenção da alma. Apenas um cão e o pastor.

Reflicto hoje sobre a predilecção por musgos, muitos musgos, para cobrir o chão do presépio. Na religião tudo se deve cobrir ou, no mínimo, disfarçar. Talvez esteja na ocultação dos órgãos de reprodução, característica das plantas criptogâmicas, a razão da preferência, a funcionar como metáfora.

Ah! Já me esquecia, pintados de branco, anjos de barro, junto ao caminho de serradura que conduzia à manjedoura, voavam baixinho, com asas quebradas, incapazes de regressar ao Céu. E o algodão em rama imitava os flocos de neve que lá fora rodopiavam ao sabor do vento. Eu gostava do Presépio. Não era o catecismo a aterrorizar-me com o Inferno onde as almas que ali frigiam, em perpétua flutuação no azeite fervente, eram mergulhadas com um garfo de três dentes empunhado pelo diabo.

A minha escola caiu, pelo Natal, ficando de pé uma única parede e a fé das pessoas que atribuíram à protecção divina a ausência de aulas durante a derrocada.