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14 de Junho, 2004 André Esteves

Santuário de Fátima escapa à crise.

Hoje, segue em notícia no JN que o santuário de Fátima apresentou, discretamente, no final de mais um exercísio, os resultados financeiros de mais um ano de peregrinações.

O santuário apresenta mais um ano de lucros. Um autêntico milagre para o estado de coisas por que Portugal passa.

Os lucros foram «de 8.429.964 euros. O valor representa um acréscimo de 71.513 euros face ao exercício de 2002.»

Sabiamente, a diocese de Leiria e Fátima irá reinvestir o dinheiro no core business do santuário. Para tal, irão ser gastos, em tranches faseadas num esquema que permita uma boa gestão do cash-flow, na construção da nova catedral do santuário.

É o ponto forte da empresa. Como dizem os bons investidores: «Localização! Localização! Localização!»

Os gastos no entanto apresentam-se preocupantes… Como podemos ler no JN: «Em 2003, o santuário gastou 5,3 milhões de euros, mais 663.243 do que em 2002. O “Alojamento”, juntamente com o Serviço de Administração constituem as maiores fatias, respectivamente 1,1 e 2,4 milhões de euros. As despesas do Serviço de Administração incluem o Fundo de Caridade (484.867 euros), através do qual o santuário apoia várias instituições.»

Um santuário destas dimensões exige uma enorme infra-estrutura… Mas há esperança!! A pequena percentagem de gastos com a caridade, demonstra que a gestão mantêm sábios princípios patrimoniais.

A caridade começa em casa.

Ilustração © José Vilhena. Direitos de reprodução gentilmente cedidos para o ateismo.net.

O meu agradecimento, a José Vilhena por facilitar ao Diário de uns ateus, o uso da sua arte.

13 de Junho, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

A minha curiosidade foi espicaçada pelas «Notas Piedosas» do Carlos Esperança. Assim, fui visitar a página do movimento Encontro Matrimonial, e o que me esperava.

O texto abunda em promessas e, bem, leiam vocês próprios:

Encontrou a página destinada aos casais que querem manter viva a sua chama de amor.

Redescubra o sonho, o entusiasmo e a ternura do seu tempo de namoro.

Transforme um bom casamento, num casamento muito especial.

Esta é também uma página destinada a sacerdotes e a religiosos(as) convidando-os a renovarem o seu compromisso de amor e de entrega à Igreja e às suas comunidades.

Este pode ser o convite mais valioso que algum dia receberá.

Depois há um link para esclarecimentos…

Os esclarecimentos são esclarecedores:

Não é um retiro espiritual nem terapêutica de grupo, mas sim um programa que dá aos cônjuges, sacerdotes e religiosos(as) a oportunidade de se analisarem a partir de temas de reflexão propostos por uma equipa constituída por três casais e um sacerdote.

O Encontro Matrimonial (E. M.) é um movimento da Igreja Católica, mas o Fim de Semana é aberto a casais de outras religiões e a não crentes.

Dialogue em casal, faça a sua inscrição para participar num Fim de Semana de Encontro Matrimonial e viverá uma experiência que recordará e poderá continuar a viver ao longo de toda a vida.

Aos sacerdotes e religiosos(as) desafiamos também a que tomem a decisão de se inscreverem e virem viver connosco esta experiência.

Para quem não conhece os meandros do comportamento humano e religioso, todo este movimento pode parecer inofensivo. A realidade pode ser algo diferente. Para quem tenha percorrido e explorado o mundo das religiões, sabe que a mecânica de um casal dedicado pode ser muito útil.

O controle mental e comportamental é feito pelos cônjugues de parte a parte, a um nível e intimidade difíceis de obter nas sociedades humanas (talvez, no passado, só nas casernas espartanas). A dedicação e recompensa são internas ao próprio casal. O laço biológico do amor e compromisso confunde-se com o da instituição e missão.

Podemos encontrar múltiplos exemplos da força que uma equipa marital apresenta. A sociedade teosófica e muita das suas variantes assentam a base das suas organizações nacionais em casais. É natural, encontrar sempre casais como missionários, de missões interdenominacionais evangélicas e protestantes. Uma igreja evangélica activa e bem sucedida, normalmente baseia-se, numa boa equipa de pastor e mulher do pastor, que fazem o papel de polícia bom e polícia mau. São um elemento comum nas embaixadas de nações com tradições de serviços de informação, em que um dos membros do casal tem uma posição oficial e o outro trabalha na recolha de informações (nos serviços secretos e de negócios estrangeiros existe um ambiente e tradição que fomentam este género de arranjos).

Este movimento, como todos os movimentos dentro da ICAR serve vários objectivos… Proselitismo, criação de redes e angariação de novas bases de influência. Os casais mais dedicados e fanáticos serão angariados para missões e posições de confiança.

O grande problema da ICAR, é que mistura casais com celibatários. E os celibatários têm um inconsciente manhoso. Aliás, especulo que o «motor» do movimento ou é celibatário ou tem uma vida sexual muito má. Se lerem os extractos da página do movimento, notaram um certo erotismo inconsciente na escolha dos argumentos e palavras. Basta compará-lo com os textos de um clube de swingers. Inicialmente, é uma suspeita. Mas quando vemos o símbolo do movimento, obtemos a confirmação. Um símbolo ou logotipo mal cozinhados podem ser terríveis.

Os dois círculos são, obviamente, os elementos do casal. Numa alusão aos diagramas de Venn, na intersecção dos dois encontramos o que têm em comum: cristo ou a ICAR (o símbolo confunde-se no inconsciente lusitano). Acima do casal está o coração que representa o amor, que está externo ao casal. O que também é revelador. A ICAR vem primeiro.

Mas qual seria a semiótica inconsciente e perversa do símbolo, na mente do seu criador? Ora bem… Os círculos intersectados produzem uma clássica vulva e nela encontramos a cruz, símbolo fálico por excelência, a penetrá-la… Se os círculos representam a mulher, na sua vulva e traseiro redondinho, a cruz e o coração representam o homem. A própria escolha das cores é elucidativa. Tanto definem as partes (Amarelo para a mulher. Vermelho para o homem) como aos significados a que estão associadas inconscientemente. (O Amarelo é passivo, dá sem reclamar, como o sol que tudo ilumina… O vermelho é a cor da acção.) E claro, a base hormonal do amor masculino é só e só descarregar os tomates. O coração são os testículos, e a cruz o falo que penetra e conclui o «encontro matrimonial». Como a imagem ilustra eloquentemente.

A um ateu só resta aceitar o seu lado «polimorficamente perverso» e utilizá-lo positivamente (neste caso, fazer o leitor rir); ao religioso escondê-lo e negá-lo pois, reconhecer a sua existência, é reconhecer que a sua religião é falsa e anti-humana.

Mas ele sempre se manifesta. Nunca podemos fugir do inconsciente e do animal dentro de nós.

12 de Junho, 2004 Carlos Esperança

As relíquias da ICAR estão a baixar a cotação



A bolsa de valores religiosos tem sofrido, com os tempos, uma lenta erosão no que diz respeito às relíquias, que envaideciam os proprietários e levavam a confiança aos domicílios onde repousavam.

Tempos houve em que a febre das relíquias deu origem a um próspero negócio e à criação de uma indústria de falsificações cujos exemplares rivalizavam com os verdadeiros a conceder graças e a obrar milagres.

Assim se distribuíram por paróquias uma dúzia de braços de S. Filipe, só ultrapassado por Santo André a quem colocaram 17 para gáudio e piedade de crentes de igual número de paróquias.

Às vezes eram bizarras as relíquias, mas não menos inspiradoras de piedade, como aconteceu com o rabo do burro que carregou a Virgem Maria, com uma pena de asa do arcanjo Gabriel ou com as línguas do Menino Jesus. Mas foi a piedade, a imensa piedade, e a raridade de peças genuínas no mercado, que levou Santa Juliana a ter 40 cabeças dispersas para piedosa contemplação dos crentes.

Nem vale a pena falar do santo Prepúcio, relíquia comovedora, por ter pertencido a Jesus Cristo. Dos vários que houve (prepúcios, porque JC só houve 1), a um único foi passado certificado de garantia e, depois, até esse foi declarado falso. Entenderam os cardeais que JC não poderia ter ressuscitado sem ele e, a partir daí, pairou a ameaça de excomunhão para os crentes que se lhe referissem, mesmo para os que tinham obtido graças por seu intermédio.

Enfim, as relíquias da ICAR, quase sempre a roçar o macabro, peças de santos desidratadas ou mumificadas, estão hoje com cotações tão baixas que arruinaram o mercado das falsificações. Só as peças de santos e beatos fabricados no pontificado de JP2 exigiriam armazéns imensos e uma rede de frio de invulgar capacidade para as conservar. Ficaria mais cara a armazenagem do que o valor da mercadoria.

Na primeira visita que fiz a Itália, há mais de 30 anos, fartei-me de ver relíquias, ao mesmo tempo que me inebriava com a beleza das pinturas e esculturas que decoravam magníficas catedrais onde várias vezes voltei deslumbrado pela beleza, desprezando a piedade.

Mas foi na primeira vez que, depois de muitos ossos exibidos, a guia obrigou o grupo a observar um esqueleto inteiro, em excelente estado de conservação, devido às virtudes que em vida exornaram o proprietário. Mais importantes do que as graças que concedia eram os exemplos de piedade que tinha deixado. Era o orgulho da paróquia, uma pequena localidade próxima de Nápoles, pertença de uma pequena comunidade que possuía uma igreja e relíquias de fazer inveja a muitas cidades.

Estava a guia empolgada, a falar das virtudes do santo cujo esqueleto exibia, quando alguém lhe perguntou de quem era um esqueleto mais pequeno que se encontrava próximo. Sem perder o fio à meada, respondeu de imediato:

– Era do mesmo santo, quando era mais novo.

12 de Junho, 2004 jvasco

O Inferno é exotérmico ou endotérmico?

Num artigo meu anterior acerca da temperatura relativa entre o Céu e o Inferno um leitor comentou (e bem) que os cálculos efectuados partiam da presunção que a pressão no Inferno era a pressão atmosférica. Um pressuposto bastante questionável…

Comecei imediatamente uma pesquisa sobre a pressão do Inferno, que me levou a uma história muito interessante que aqui reproduzo. Consta que um professor perguntou num teste se “O Inferno é exotérmico”. Ao que um aluno terá respondido:

«Primeiramente, postulamos que se almas existem entao elas devem ter alguma massa. Se elas têm, entao uma mole de almas também tem massa. Então, a que taxa se estão as almas movendo para fora e a que taxa se estão movendo para dentro do Inferno? Eu acho que podemos assumir seguramente que uma vez que uma alma entra no Inferno ela nunca mais

sai. Por isso não há almas a sair.

Para as almas que entram no Inferno, vamos considerar as diferentes religiões que existem no mundo hoje em dia. Algumas dessas religiões pregam que quem a ela não pertença vai para o Inferno. Como há mais de uma religão desse tipo e as pessoas não possuem duas religiões, podemos concluir que todas as pessoas e almas vao para o Inferno. Com as taxas de natalidade e mortalidade como estão, podemos esperar um crescimento exponencial das almas no Inferno. Agora vamos olhar a taxa de mudança de volume no Inferno. A Lei de Boyle diz que para a temperatura e a pressão no Inferno serem as mesmas, a relaçao entre a massa das almas e o volume

do Inferno deve ser constante. Existem entao duas opções:

1) Se o volume do Inferno se expandir a uma taxa menor do que a taxa com que as almas entram, entao a temperatura e a pressão no Inferno vão aumentar até que este expluda.

2) Se o volume do Inferno se expandir a uma taxa maior do que a entrada de almas, então a temperatura e a pressão irão baixar até que o Inferno congele.

Então, qual das duas hipóteses é verdadeira?

Se nós aceitarmos o que a menina mais atraente da FATEC me disse no primeiro ano: “haverá uma noite fria no inferno antes de eu me deitar contigo”, e levando-se em conta que ainda NÃO obtive sucesso com ela, nem se prevê que obtenha, entao a opção 2 não é verdadeira.

Por isso, o Inferno é exotérmico
»

11 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Menos treze mil crianças na peregrinação anual a Fátima

Comentários à reportagem do Diário de Notícias

Diário de Notícias (DN) – O bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim Ferreira e Silva, pediu ontem às crianças que rezem pela «paz no mundo» e «pelo pão», na sua peregrinação anual ao Santuário.

Diário de uns Ateus (DA) – Não será uma forma de exploração do trabalho infantil, para fazerem o que os padres deviam fazer? E por que Deus não prescinde das orações para fazer o que deve, caso seja capaz?

DN – Mas a cerimónia esteve, este ano, muito aquém das expectativas. Apenas 12 mil acorreram ao local, menos dez mil do que aquelas que visitaram a Cova da Iria em 2003.

DA – Com as guerras que há, a fome que grassa no mundo, as desgraças que assolam o planeta, é milagre que haja quem acredite em Deus.

DN – Com as suas orações, o bispo de Leiria-Fátima recordava que há, por todo o mundo, crianças que continuam a passar fome e a sofrer as consequências da guerra.

DA – Como se vê a influência das orações é nula. É um quadro superior da ICAR (um bispo) a reconhecê-lo.

DN – Já o reitor do santuário, Monsenhor Luciano Guerrano, incentivou-as «a rezar de um modo especial por Portugal». Mas ontem, queria também uma oração pelas famílias. «Pelas que já existem e também pelos jovens que têm medo de constituir família: rezemos para que tenham coragem de ter filhos», exortou.

DA – Como é que se rezará de modo especial por Portugal? Além do abuso de pedirem tais coisas às crianças, é altura de dizer que os filhos não se fazem com orações.

DN – (…) «Nós não estamos a ter as crianças necessárias», afirmou [Mons. Luciano Guerra], lançando mão dos dados nacionais para fundamentar a sua preocupação.

DA – Que autoridade terão os clérigos para fazerem estas afirmações se não dão o exemplo ou, se dão, procuram ocultá-lo.

DN – Reduzido foi também o número de pequenos peregrinos que ontem estiveram em Fátima. Segundo os números oficias, não passaram dos 12 mil. (…) Nada, porém, que se comparasse com as 25 mil crianças que assistiram às cerimónia do ano passado, às quais se juntaram os familiares, totalizando cerca de 150 mil pessoas.

DA – O negócio está mau para toda a gente. E não está provado que as hóstias de Fátima tenham valor nutritivo (espiritual) superior ao das outras paróquias, ou que a farinha de que são feitas seja de melhor qualidade.

10 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Tortura – Segundo o Pentágono, Bush não está sujeito a leis contra a tortura. Neste momento não é só Deus que está isento de prestar contas. Já são dois os inimputáveis e, ambos, com um passado pouco recomendável.

Dia do Corpo de Deus – Parece que 10 de Junho é dia de corpo de Deus. Será dia de lhe darem banho? Perguntei a alguns católicos o que era isso de corpo de Deus e não sabiam. Mas não gostaram da minha sugestão.

RTP 1 – Segundo a Agência Ecclesia ao Domingo é transmitida missa dos estúdios da televisão pública, às 10H00. É altura de perguntar por que exigiu a ICAR a «oferta» da TVI, levando o Governo da época a uma vergonhosa cedência. Depois foi o percurso da sacristia até à sarjeta. A televisão da ICAR começou por um acto de gula e acabou transformada em bordel.

ICAR – Ao deparar-me com o tema «Encontro Matrimonial» (Movimento da Igreja Católica, destinado a casais, sacerdotes e religiosas, temi o pior, quando o vi destinado aos «casais que querem manter viva a sua chama de amor». Não será demasiado promíscuo misturar casais, sacerdotes e religiosas?

Sousa Franco – Após a sua morte os maiores dislates cabem ao PPM (uma agremiação de súbditos do Sr. Duarte Pio) em que os vassalos ultrapassam o mestre. Este naco de prosa do comunicado do PPM é elucidativo:

«Não queremos nem devemos dramatizar, nem tão pouco fazer do Professor um mártir, mas a verdade é que o Professor também deveria fazer parte das pessoas que não cuidava da sua saúde. Provavelmente, não media a tensão há muito tempo. A sua morte já estava prevista».

10 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Concordata não serve

O EXPRESSO de hoje, edição antecipada por causa do feriado, publica em «Correio Azul», com o título em epígrafe, um texto da minha autoria, já editado neste «Diário» com redacção ligeiramente diferente.

Assinalo em itálico o parágrafo não publicado.

O mundo árabe é um exemplo trágico da promiscuidade entre o sagrado e o profano, o que deveria evitar fenómenos de regressão no processo de secularização que se verificou nos países ocidentais e, em particular, na Europa.

É por isso que a Concordata, negociada entre Portugal e a Santa Sé, assume foros de anacronismo. Não se sabe o que ganhará o Estado democrático com ela e sabe-se o que ganhou a ditadura e perdeu a Igreja com a de 1940, para não falar do que ganharam outras ditaduras com idênticas concordatas.

A religião não se impõe por tratados nem a propagação da fé se confia aos Estados. A Concordata, não pode ser um tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um país a que a Cúria trace o meridiano.

Esta revisão fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela. Acresce que é difícil harmonizar-se com a lei geral na medida em que a Igreja católica apostólica romana (ICAR) exige tratamento especial no que lhe diz respeito e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado total alheamento.

Por ser bizarro, cite-se o n.º 2 do Art. 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio». Imagine-se que, por dever de reciprocidade, havia um n.º 3 com esta redacção: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Ou ainda o n.º 5 do Art. 9, onde se lê: «A Santa Sé declara que nenhuma parte do território da República Portuguesa dependerá de um bispo cuja sede esteja fixada em território sujeito a soberania estrangeira». Será a forma ínvia que o Estado Português encontrou para reconhecer a soberania espanhola a Olivença?

É minha firme convicção de que esta concordata não serve e outra não é precisa.

Talvez só o facto de ter sido assinada apenas entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano nos tenha poupado à primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».

10 de Junho, 2004 jvasco

Derrota para a Al-Quaeda

No Público pode ler-se: «A polícia de Milão deteve na manhã de ontem Rabei Osman Sayed Ahmed, conhecido como “Mohammad, o Egípcio”, acusado de ter planeado os atentados de 11 de Março em Madrid.»

Que bom!

A Al-Quaeda é para o século XXI aquilo que as Cruzadas foram para a idade média e a Inquisição foi para o período entre o Renascimento e o Iluminismo: um exemplo sinistro do mal que pode advir do fundamentalismo religioso.

9 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Ao Luís Almeida Henriques

Faz hoje 2 anos que foi a enterrar o médico ilustre, cidadão exemplar, democrata e homem solidário. No funeral, civil, à guisa de oração fúnebre, antes de baixar à cova, foi lido o texto que lhe dediquei. Aqui o publico para recordar o amigo e homenagear de novo Luís Almeida Henriques. E para dar a conhecer o homem, bom como poucos, e um cidadão como devia haver muitos: republicano, socialista, ateu.

Eis o texto:

Só as lágrimas amaciam esta revolta que sentimos. A tua ausência é chumbo derretido na ferida da saudade que abriste com o gume do teu enorme afecto.

A tua partida, Amigo, obriga-nos a uma dolorosa viagem à memória. E como pode ser tão sofrida essa viagem onde tropeçamos na esperança que transmitias, na alegria contagiante, na ternura com que nos envolvias!

Tu eras o rio impetuoso que não suportava as margens. Eras a voz irreverente de quem não se conforma com as injustiças, de quem acredita no homem e na sua capacidade de transformar o mundo. Foste voz de Abril antes da liberdade conquistada, para seres a consciência crítica dos que tão depressa se acomodaram. Sonhaste cravos antes de florirem. Não deixaste de os regar quando lhes quiseram roubar o viço ou desejaram vê-los murchar.

E nunca, mas nunca, foste neutral. Marginal, muitas vezes. Rebelde, sempre. Havia em ti um gosto irreprimível pela liberdade, tão intenso como o prazer da transgressão. E é nesse exemplo cuja memória guardamos que havemos de rever-nos nos dias que ainda tivermos, no tempo que ainda formos, nos tempos que nos desafiam a lutar pelos ideais que sempre foram teus e que serão sempre nossos.

Se há um paradigma de livre-pensador conseguiste-o. Empenhado em todos os movimentos cívicos em que te reviste, apoiante de todas as causas que julgaste justas, foste dos homens mais solidários e nobres que conhecemos. E dos mais fraternos. Foste excessivo a dar, sem nada querer de volta.

Amaste a Pátria por cuja liberdade arriscavas a tua. Amaste a família, os amigos, Viseu. À tua volta nascia uma tertúlia em cada mesa de café, em cada banco de jardim, em cada esquina onde paravas rodeado de afectos, em cada ágape que eras o primeiro a promover.

Há talvez uma década, num jantar de anos do Dr. Fernando Vale, maravilhado pela frescura do seu discurso, disseste que, enquanto vivesses, não lhe faltarias com o teu abraço em cada aniversário. E cumpriste. Não o farás pela primeira vez no próximo dia 30 de Julho, quando completar 102 anos.

Luís, tu não tinhas ainda que partir. Nem esperaste pelo solstício que se avizinha.

Não podias ter esperado um pouco mais? Não podias, ao menos, transferir a força do teu entusiasmo, a coragem e determinação que eram teu apanágio, para nos ajudares a defender as causas e os princípios que nos irmanaram?

Não. Claro que não. Tu já não vês sequer as lágrimas que as flores que te cobrem escondem nos nossos rostos. Dizem que é feio chorar. O raio que os parta, Luís. Feio seria não chorar um homem como tu, não sofrer a partida de um irmão destes, não sentir a perda de um amigo assim.

Fica em paz amigo, companheiro, camarada, irmão. Nós ficamos desolados.

Cemitério de Nelas, 10 de Junho de 2002