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29 de Junho, 2004 jvasco

Keith Maupin – mais uma vítima da religião?

Todos sabemos o peso que o fanatismo religioso de Bush (e de outros nomes importantes na casa branca) teve na decisão absurda de invadir o Iraque (houve motivações económicas e eleitorais, e essas terão sido mais importantes, mas as religiosas podem ter feito a diferença…).

Agora, quando se tenta pôr termo a toda a asneira que lá se passou, a religião também exerce um papel decisivo em atrasar a pacificação da região.

Um grupo que se auto-intitula “O poder perdurador contra os inimigos de Deus e do Profeta“, executou Keith Maupin. Este pequeno passo na espiral de violência que lá se vive não vai ajudar os iraquianos, e não lucra a ninguém. Muitos iraquianos estão cegos pela raiva que (justificadamente?) têm aos norte-americanos, e essa raiva é potenciada pelo seu fanatismo.

Era interessante que o problema estupidamente criado ficasse resolvido sem um banho de sangue, mas o fanatismo religioso torna ainda mais difícil que isso aconteça.

29 de Junho, 2004 jvasco

Como nasce um milagre

As diferentes religiões alegam a ocorrência de fantásticos milagres.

Quando nos referimos ao panteão helénico ou egípcio (e outras religiões mortas), ninguém duvida que o relatos como “Poseidon espetou o seu tridente na rocha criando assim esta nascente!” ou “Zeus disfarçou-se de forma igual ao noivo, engravidando a rapariga enquanto este estava ausente…” correspondem a histórias tão verdadeiras como “Isis chorou nos campos de trigo e as suas lágrimas deram origem às primeiras oliveiras”.

Independentemente do número de testemunhas e da convicção com que estas, no passado, relataram as ocorrências, hoje todos fazem uma análise razoável e racional dos milagres das religiões mortas, pois todos têm o distanciamento devido.

Quanto às religiões vivas, isso não se passa. Por maior que seja a falta de indícios objectivos, por menor que seja a plausibilidade do milagre, não faltam crentes que os testemunhem, e crédulos que acreditem.

Como é que surgem tão facilmente testemunhas de eventos que nunca ocorreram?

Há pessoas pouco fiáveis enquanto testemunhas, e há uma história engraçada a esse respeito:

Alinhamento anti-gravitacional:

Em 1976 o astrónomo britânico Patrick Moore anunciou na rádio BBC 2 que as 9h e 47min um evento astronómico único aconteceria e que as pessoas poderiam experimentar elas mesmas em suas casas. O planeta Plutão iria passar atrás de Júpiter causando um alinhamento gravitacional que poderia diminuir a força da gravidade na Terra. Moore avisou os ouvintes que se eles pulassem no momento exacto do alinhamento planetário eles poderiam experimentar uma estranha sensação de flutuação. Quando a hora do suposto fenómeno chegou, a BBC recebeu centenas de ligações de pessoas que afirmavam ter sentido alguma coisa. Uma mulher até descreveu que ela e seus onze amigos se levantaram das cadeiras e flutuaram pela sala.

Mas a notícia do tal alinhamento não passou de uma brincadeira de primeiro de Abril!

29 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Casamento: Evolução do direito português IV

Depois do 25 de Abril foram conduzidas negociações com a Santa Sé com o objectivo de uma revisão da Concordata. Daqui resultou o Protocolo Adicional à Concordata de 7 de Maio de 1940 (aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril), assinado na cidade do Vaticano, a 15 de Fevereiro de 1975, que deu uma outra redacção ao art. XXIV da Concordata: o novo texto salienta o grave dever dos cônjuges que celebram casamento católico de não pedirem o divórcio. Trata-se, agora, de um mero dever de consciência, de um dever perante a Igreja e não perante o Estado.

Assim, estavam reunidas condições para se modificar a questão do divórcio no direito interno e foi isso que aconteceu com o Decreto-lei n.º 261/75, de 27 de Maio, que, no art. 1º, revogou o art. 1790 do Código Civil, que não permitia aos tribunais civis decretar o divórcio nos casamentos católicos.

O Protocolo Adicional manteve expressamente em vigor todos os outros artigos da Concordata (art. 2º), nomeadamente o art. XXII, segundo o qual o Estado Português reconhece efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas, desde que a acta do casamento seja transcrita nos competentes registos do estado civil, e o art. XXV que prescreve que o conhecimento das causas concernentes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.

Desta forma, o direito português continuou a consagrar a segunda modalidade do casamento civil facultativo. Com efeito, quanto ao aspecto fundamental da sua dissolução por divórcio, o casamento, civil ou não, passou a ser regido por uma única lei – a do Estado – independentemente da sua forma de celebração.

A etapa seguinte da evolução do direito português é a Constituição de 1976, que, no art. 36º/2, atribui competência à lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração. A referência aos requisitos do casamento como uma das matérias em que a lei civil seria exclusivamente competente, sugere a ideia de que a Constituição tenha querido derrogar os arts. XXV e 1625º do Código Civil, mas essa intenção não transparece dos debates parlamentares nem tem sido atribuída ao legislador constitucional, continuando a entender-se, na prática, que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.

28 de Junho, 2004 jvasco

Morte e luz ao fundo do túnel

A Skeptical Enquirer que o André referiu no artigo anterior é uma revista de referência. Já tinha lido numerosas alusões ao trabalho excelente que praticam nas mais diversas obras e contextos. Mas… nunca tinha dado nenhuma espreitadela ao site deles. Quando li o artigo anterior decidi fazê-lo.

Entre outras coisas interessantes, acabei por descobrir um artigo sobre aquelas experiências “próximas da morte” em que o sobrevivente diz ter visto uma luz ao fundo de um túnel escuro. O conceito está devidamente mediatizado e mistificado, mas seria curioso ver o que é que a Ciência tem a dizer sobre essa questão. Há um artigo desta revista que explora esse problema de um ponto de vista científico, e que venho, por isso, aconselhar a todos.

28 de Junho, 2004 André Esteves

New Age e Cepticismo, o espaço entre duas culturas

No Skeptical Enquirer de Maio [Em Inglês], podemos encontrar um artigo bombástico. Uma das mais respeitadas e ouvidas gurus do movimento New Age, apresentou a sua conversão pública ao espírito céptico.

Depois de 35 anos pertencendo ao movimento New Age, que sustenta a existência de auras, chakras, espíritos guia, poderes dos cristais, a existência de um ciclo «espiritual» na vida do mundo (Era do Aquário, Kali Yuga, etc.) e outras tantas modas espirituais, e de ter escrito pelo menos 4 livros considerados como influentes nesta comunidade mística, Karla McLaren escreve uma apologia pública da sua decisão de adoptar uma atitude céptica perante as crenças New Age.

No seu artigo, mais que criticar a falta de rigor e pensamento céptico por parte dos «Aquarianos», procura estabelecer pontes de comunicação entre as duas culturas. Afirma que com os anos, construíram-se mitos de parte a parte, que irá agora procurar eliminar.

Um dos mitos, por exemplo, é que na cultura New Age, existe a ideia de que os cépticos não são capazes de viver um mundo com mistérios. Pelo contrário, ela afirma, são os cépticos que apreciam um mundo misterioso e que o exploram sem preconceitos. Afirma também, que pelo contrário, encontrou na cultura New Age, o espírito inverso: tudo tem que ter uma explicação, mesmo que não tenha pés e cabeça, mudando com as modas, as personalidades e o comércio todos os 6 meses.

Karen critica também a comunidade céptica por passar uma imagem de crítica ácida aos espíritos menos exigentes, em contraponto a um espírito de apoio e amor fraternal New Age. Afirma que, na realidade, ao longo dos últimos anos, ao penetrar no mundo dos cépticos, encontrou seres humanos que se preocupavam com os seus interlocutores, tanto como ela. Refere por exemplo, o caso do famoso mágico Randi, que apesar de ter uma temível reputação nos meios New Age, responde e acompanha com preocupação e atenção a cartas escrevinhadas por espíritos confusos. As mesmas cartas que ela recebia como autora de livros New Age e que lhe suscitavam a mesma resposta com esses seres humanos.

Além disso, afirma que há um diferença de linguagem, que separa as duas culturas. Por exemplo, Karen só se deu conta de que fazia leituras a frio dos seus clientes, depois de ter lido e visto material céptico sobre o assunto. Afirma ela, que a prática não é vista como fraudulenta na comunidade New Age, porque é um método que se absorve inconscientemente por osmose cultural entre os vários membros da comunidade e que por isso não se dão conta que falsificam as suas próprias teorias do mundo.

Vale a pena ler. Talvez seja o começo de coisas interessantes…

27 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Deus e a ressocialização

Estou errada. Tudo o que aprendi sobre direito e processo penal é inútil. Os meus professores estão errados, os criminólogos estão errados… todo o sistema está errado! A ressocialização dos agentes da prática do crime não deve assentar num modelo que respeite os direitos dos reclusos e a dignidade humana. George W. Bush descobriu-o quando foi governador do Texas. O agora presidente dos Estados Unidos encarregou Chuck Colson de «redimir» os presos da cadeia de Carol Vance, os quais foram instruídos na fé cristã 24 horas ao dia, sete dias por semana, lê-se no Correio da Manhã, do dia 19 de Junho. Como não podia deixar de ser, face ao êxito desta campanha, foi criada uma empresa com fins lucrativos, The InnerChange, que tomou conta rapidamente dos estabelecimentos prisionais do Minnesota, Kansas e Iowa.

Jeb Bush, que teve um dos seus melhores momentos aquando das últimas eleições presidenciais, decidiu criar na Florida as duas primeiras prisões «religiosas»: uma para homens (Lawtey) e outra para mulheres (Hillsborough). Mais de 750 presos passaram pela experiência nos últimos seis meses e alguns definem a mudança «como passar do Inferno ao Céu».

Como a redenção tem sempre um preço, esta não foi barata: o estado da Florida desviou 20 milhões de dólares dos programas de reinserção social nas prisões para associações religiosas.

Jeb afirma que não pretende doutrinar ninguém. De facto, os condenados submetem-se livremente a cursos religiosos. Além disso, podem escolher entre mais de 30 credos. Por exemplo em Lawtey, há desde um imã, para os muçulmanos, até um guru rastafari. No entanto, mais de 90 por cento dos réus, opta por confissões cristãs, metade deles evangelistas e baptistas.

A Califórnia também decidiu aderir a esta nova forma de ressocialização e o homem escolhido para levar a cabo a tarefa de orientar as ovelhas tresmalhadas da sociedade é o pastor evangélico Rick Warren, com os seus cursos de 40 dias para converter os presos (Celebrate Recovery).

Do lado dos infiéis, está Barry Lynn, responsável do grupo Americanos pela Separação da Igreja e do Estado, que afirma algo de extraordinário (bem, pelo menos para algumas pessoas): Nem a Florida, nem a Califórnia, nem nenhum outro estado tem o direito de converter os presos ao cristianismo. As prisões baseadas na religião atentam contra os direitos constitucionais e não têm sustentação científica ou sociológica.

De acordo com um estudo da Universidade da Pensilvânia, apenas oito por cento dos reclusos que passaram por programas de fé voltam à prisão ao fim de dois anos, contra 20 por cento dos seculares. Os detractores das prisões religiosas sustentam, no entanto, que esse estudo está distorcido e não tem em conta factores como 40 por cento dos presos abandonarem os cursos antes de os completarem. De facto, de acordo com John Hancock, ajudante do presidente da câmara de Jacksonville (onde Lawtey está localizada), Costumávamos ter uma média de 28 presos nas celas de segurança por comportamento conflituoso e, desde que se iniciaram os cursos, não temos mais do que seis. E o melhor, conta, é que não os forçámos a nada, são eles que escolhem estudar o Corão ou o Talmud.

Uma – a meu ver preocupante – curiosidade: na página web do estabelecimento prisional de Lawtey podemos encontrar informações sobre os detidos, a sua fotografia e o cadastro criminal sem restrições de acesso. Esta estigmatização dos reclusos não é propriamente a melhor maneira de ter um sistema prisional mais justo e mais humano. Bem, digamos que, não só por tudo isto, mas também pelo que se passa em Guantanamo, no Iraque e no Afeganistão neste momento, os powers that be americanos não estão na melhor posição de se afirmarem como respeitadores dos direitos humanos dos reclusos.

27 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Wagner banido das Igrejas

Parece que tem surgido uma tendência, nos locais de adoração católicos, para banir a marcha nupcial, da ópera Lohengrin, de Wagner. Foi o que aconteceu com Clara Brito. Quando a noiva comunicou ao pároco a sua escolha musical, ele respondeu: Isso está fora de hipótese. Não se toca nas igrejas. O motivo, segundo o padre, é este: Wagner criou isso para acompanhar o contexto de uma orgia. Tal como não se toca música pimba nas igrejas, nem música de igreja nas festas, também isso não é apropriado para aqui. Não há nada como comparar um dos maiores compositores de música clássica ao Marante!

Ao Público, o ministro da igreja respondeu o mesmo: «A marcha nupcial de Wagner é uma ópera que foi criada para um contexto de orgia». Resta saber se o senhor pároco sabe o que é um contexto de orgia. Além disso, considera que a música tocada nas igrejas deve ser aquela que foi criada exactamente para esse fim, mas admite que «há músicas tocadas nas igrejas que não são as mais adequadas», e dá o exemplo da «Ave Maria», de Schubert. Segundo explica, esta também não foi criada para a igreja, «mas safa-se pela letra» e, por isso, não a proíbe. Vá lá, ao menos um compositor não faz parte da lista negra musical do padre.

Por seu lado, o cónego Ferreira dos Santos, presidente do Serviço Nacional de Música Sacra, conhece esta decisão tomada por alguns padres, mas não é tão radical. Por um lado, não lhe «parece adequado colocar na igreja música que não foi feita para a igreja», da mesma forma que não lhe «parece adequado tocar num espaço profano música de igreja». Mas por outro, pensa que «não haveria de ser preciso proibir».

Relativamente ao argumento de que a ópera foi criada para uma orgia não é partilhado pelo músico, que até se mostra surpreendido com essa ideia. Orgia é um termo forte, a não ser que as pessoas chamem orgia aos acontecimentos decorrentes da vida dos humanos, afirma.

Porquê esta proibição? De acordo com Ferreira dos Santos, as únicas orientações dadas pela Igreja acerca do assunto constam de um documento dos anos 80 que fomenta que nos templos haja concertos de música criada para a igreja, explica. Assim, o cónego considera que a proibição não é tola, que há bases, e que não é por birra que alguns padres a cumprem.

A posição do padre Carlos Azevedo, ex-pároco e vice-reitor da Universidade Católica, coincide com a de Ferreira dos Santos. Há pessoas que utilizam a igreja como mero espaço de encenação. Mas não vamos ensinar as pessoas à pressa, refere. A atitude também se justifica pelo facto de a execução da marcha anteceder o momento litúrgico. Na sua perspectiva, o ambiente litúrgico «deve definir-se não só pelas palavras, mas também pela música».

Historicamente, a marcha nupcial surgiu por imitação. Em 1858, quando a princesa Victoria, filha da rainha Victoria, casou com o príncipe Frederico Guilherme da Prússia, a marcha de Mendelshon foi executada no início da cerimónia e a marcha de Lohengrin, de Wagner, no final. Daí, a tradição passou para a sociedade em geral.

27 de Junho, 2004 Mariana de Oliveira

Casamento: Evolução do direito português III

O sistema matrimonial só se alterou com a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, assinada a 7 de Maio de 1940. As disposições concordatárias relativas ao casamento (arts. XXII-XXV) foram executadas e regulamentadas pelo Governo no Decreto-lei n.º 30 615, de 25 de Julho de 1940.

Através desta nova legislação, veio a admitir-se de novo o sistema de casamento civil facultativo na segunda modalidade, mas em versão diferente da que era consagrada no Código de 1867. Como diz Guilherme de Oliveira, o sistema concordatário representou uma transacção: Estado e Igreja tinham interesses diferentes e houve cedências de ambas as partes. Assim, o Estado reconheceu efeitos civis aos casamentos católicos, em determinados termos (art. XXII da Concordata), não permitiu o divórcio aos casamentos católicos (art. XXIV) e reservou ao foro eclesiástico a apreciação da validade ou nulidade desses casamentos (art. XXV). Por outro lado, o estado aplicou o seu sistema de impedimentos ao casamento católico, regulou o processo preliminar e o registo e permitiu aos seus tribunais decretar a separação de pessoas e bens relativamente aos casamentos católicos.

O Código Civil de 1966 manteve a legislação concordatária quase sem alterações.

Apesar do compromisso presente no acordo entre o Estado e a ICAR, a indissolubilidade por divórcio dos casamentos católicos – expressa no art. XXIV da Concordata e inserida no art. 1790º do Código Civil – foi contestada por largos sectores da opinião pública, que se tornou mais patente depois da queda da ditadura.

26 de Junho, 2004 André Esteves

Será Durão Barroso o Anti-Cristo?

Crescer num meio protestante traz as suas experiências características. Uma delas é esperar continuamente pela segunda vinda de Cristo à terra. Esquadrinham-se as notícias pelos sinais da sua vinda. Os selos do Apocalipse revelam-se? Os «sábios» da igreja apresentavam as suas especulações, à saída da igreja. Pregadores apanhavam as congregações pelos tomates, com histórias de prodígios e engenhosas adivinhações e interpretações. Vivia-se um ambiente de ansiedade e expectativa que tornava todos os membros da igreja num bando de almas desesperadas.

Quando Portugal entrou na CEE, assisti a uma onda de interpretação profética de primeira ordem. Os cornos da besta eram os reinos (membros da CEE) que obedeciam ao anti-Cristo (o presidente da comissão), a prostituta da Babilónia era a Igreja Católica Apostólica Romana, etc., etc.. As especulações e a imaginação dos crentes andavam em círculos cada vez mais rápidos. Com o tempo e as auto-estradas financiadas pela Europa, as especulações acalmaram e todos voltaram à calma da escola bíblica dominical e aos sermões habituais.

Hoje, a minha visão do mundo mudou radicalmente. Vivo num universo em expansão de milhares de milhões de anos e sei que, se houver um fim, até pela fragilidade do próprio significado dessa palavra, não terá nada a ver com selos, trombetas, cavaleiros, reinos de mil anos, Jerusalens restauradas, julgamentos com lagos de enxofre derretido e uma eternidade aborrecida de cânticos à volta de uma divindade idiota.

Mas considerando os acontecimentos do dia de ontem, ganhei dúvidas na minha descrença.

Será Durão Barroso o Anti-Cristo?

Os dias do Juízo Final aproximam-se?

Vamos jogar ao jogo do Apocalipse.

Pegue na sua Bíblia e partilhe as suas interpretações mais dementes!!! (e quanto mais assustadoras melhor).

Diga da sua justiça no sistema de comentários, caro leitor.

25 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Urge combater o racismo

O fanatismo religioso corrói o tecido democrático das nações e está a alastrar na Europa civilizada e laica com o seu cortejo de atitudes racistas e xenófobas.

Por toda a União, multiplicam-se fenómenos de intolerância com motivações religiosas. A inquietação cresce entre grupos minoritários ao mesmo tempo que a sua própria intolerância e miopia se acentuam.

O direito à diferença, em cuja defesa as sociedades democráticas se comprometem, está a ser postergado de forma sistemática e obscena.

A cruz suástica, de tão tenebrosa memória, reaparece covardemente a incitar o ódio e a fomentar o medo, acompanhada da cruz celta. Os beatos das diversas religiões entraram numa vaga de histerismo na defesa do único deus verdadeiro — o seu — contra os crentes dos outros deuses, necessariamente falsos. E os Estados, que deviam aprofundar a neutralidade religiosa, vergam-se aos próceres das diversas crenças, criando laços cada vez mais promíscuos com os dignitários religiosos numa ânsia desesperada de caça ao voto.

A condescendência com os crimes religiosos reflecte-se na orgia de horrores que os fanáticos das diversas religiões cometem contra os crentes das outras confissões, que consideram infiéis.

Os cemitérios judeus têm sido profanados por grupos neo-nazis de matriz cristã, que semeiam cruzes celtas e suásticas. Outras vezes são bandos de fanáticos do islão os autores dos crimes.

Agora foi a vez de cinco dezenas de túmulos de soldados muçulmanos tombados na libertação da Alsácia entre Dezembro de 1944 e Fevereiro de 1945, segundo revela hoje o Le Monde.

Estes actos inserem-se numa campanha de ódio que se desenvolve contra o islão, com particular violência na Alsácia, a região francesa mais católica e reaccionária.

Convém lembrar que a Alsácia mantém em vigor uma concordata de 1801, ao arrepio do regime francês da laicidade, que entre outras bizarrias determina:

– o ensino obrigatório da religião nas escolas;

– a remuneração, pelo Estado, dos clérigos dos três cultos reconhecidos pela concordata (católico, protestante e judeu);

– o direito do Estado a nomear os altos dignitários dos três cultos (situação que faz do Presidente da República francesa o último chefe de Estado do mundo a nomear um bispo católico), cabendo ao ministro do Interior a nomeação dos ministros dos três cultos.

As profanações de cemitérios atingem proporções inquietantes. Ao anti-semitismo juntou-se o ódio ao islão, com os rancores entre cristãos ainda latentes. Os demónios totalitários têm estado apenas adormecidos.

O culto dos mortos está tão enraizado que o mais leve desrespeito é motivo de profundo sofrimento e sólidos rancores. Por isso, a profanação é um crime tão abominável.

Os ateus, que conhecem a ferocidade das religiões, repudiam todas as manifestações de racismo e xenofobia, seja qual for a motivação, e exigem um combate tenaz e medidas adequadas à punição de semelhantes crimes.