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10 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

A sucessora da Santa da Ladeira

Foi há um ano que a Santa da Ladeira, Maria da Conceição, morreu de uma paragem respiratória. No entanto, o tempo ainda não apagou a presença da «Mãe Maria», como lhe chamam os peregrinos, e a sua obra continua. Teresinha é a sucessora da Santa da Ladeira.

Descendente de Maria da Conceição e Humberto Horta, tem 33 anos, como Jesus Cristo (pura coincidência), e, apesar de não ser filha única, afirma ter sido escolhida para suceder à Santa da Ladeira enquanto criança. «Foi Deus que me escolheu, através da Mãe Maria», diz, fundamentando a escolha com uma «intervenção divina» a que foi sujeita para curar uma doença… a sua doença. «Em criança eu era epiléptica, quase não me segurava de pé e foi a Mãe Maria que me curou, oferecendo o meu corpo e alma a Deus. E eu, com a fé que tenho, aceitei livremente a missão de continuar a sua obra».

Teresinha é a intermediária dos pedidos dos crentes. «Eu ouço as suas preces e digo-lhes que vou pedir ajuda a Deus e à Mãe Maria. Ela prometeu-me que nunca me iria deixar e com essa ajuda consigo cumprir o meu papel», afirma a sucessora. Quanto ao sucesso na cura efectiva de alguém, este é inexistente. A irmã Teresinha apenas ajuda a resolver problemas, graças à «ajuda espiritual» da Santa da Ladeira.

O culto à Santa da Ladeira começou há 35 anos, numa capela junto à estrada nacional que liga Torres Novas ao Entroncamento. Com o decorrer do tempo e com o aumento do número de contribuintes, perdão, fiéis, foi construído um santuário de dimensões modestas, inaugurado em Fevereiro de 2000, numa cerimónia que contou com representantes internacionais da Igreja Ortodoxa.

A ICAR nunca reconheceu a veracidade das visões de Maria da Conceição, o que não impediu o apadrinhamento da Santa da Ladeira pelos Ortodoxos.

Apesar da bênção de Deus, a Fundação Maria da Conceição e Humberto Horta atravessa um momento difícil. Três freiras denunciaram a existência de maus tratos e abusos sexuais em crianças do lar, o que deu lugar a uma investigação da Polícia Judiciária e a uma inspecção da Segurança Social, que entregou os menores às famílias.

Como todos os fenómenos num país onde o obscurantismo da crendice ainda impera, este perdurará ainda por alguns anos e algumas dezenas de pessoas continuarão a explorar e a beneficiar da pobreza de espírito de outras.

10 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

As chagas de J(ota) Cristo

Antes de mais, agradeço ao Arcabuz pela chamada de atenção a esta interessante história.

Popularmente associado à santidade, o estima (stigmata) refere-se às feridas de Cristo aquando da crucificação que se reproduzem, de forma espontânea, no corpo humano de um cristão. Incrivelmente, e juntamente com algumas outras manifestações divinas, o fenómeno não apareceu logo a seguir à morte de Cristo – demorou doze séculos a ver a luz do dia com Francisco de Assis, o primeiro a exibir as feridas… depois de um homem ter sido preso por ter falsificado feridas do género. Para além de Assis, apenas umas poucas centenas de pessoas foram estigmatizadas, santos incluídos. O último destes, foi o padre Pio (1887-1968), canonizado em 2002, mas não pelas marcas, que nunca foram declaradas miraculosas pela ICAR. De resto, há um grande número de falsos estigmatizados: Magdalena de la Cruz, Maria da Visitação ou Palma Maria Matarelli.

Mas as curiosidades não acabam aqui. É de estranhar que tal fenómeno tenha apenas aparecido em países predominantemente ICARianos, nomeadamente em Itália, até ao século XX. Há também que dar conta da evolução da forma e da localização das feridas: por exemplo, as de Francisco de Assis eram apenas impressões dos pregos, mas as restantes não apresentam qualquer consistência ou similitude que sugira a réplica de um único padrão original.

Lilian Bernas, canadiana, começou exibir feridas em 1992, dez anos após a sua conversão ao catolicismo e depois de ter tido visões de Jesus (Cristo). De acordo com um dos seus livros, J. C. aparece-lhe frequentemente chamando-a de «minha alma sofredora», «minha doce pétala» e «minha filha».

A arquidiocese de Ottawa, onde vivia na altura, abriu um inquérito para averiguar as afirmações da pretensa estigmatizada. De acordo com uma porta-voz da arquidiocese, o inquérito foi inconclusivo.

No que diz respeito às feridas, Lilian apresenta apenas cicatrizes avermelhadas nas costas das mãos e nos pés, dizendo que aquelas marcas foram as únicas que pôde manter. Quanto a uma marca aparentemente cruciforme que tem no maxilar, ela afirma que tal estigma é do diabo, que a possuía antes de lhe aparecerem as verdadeiras chagas.

Há também suspeitas relativamente à forma como as feridas sangravam e sua inexistência nas solas dos pés, um local que provocaria um certo grau de sofrimento.

Mas o sobrenatural não fica por aqui: as toalhas usadas nas sessões (sim, porque a sangria foi convertida num espectáculo) alegadamente desaparecem nas 48 horas subsequentes.

Concluindo, neste caso, as provas recolhidas estão longe de apontar para uma intervenção divina estando a mão do Homem, uma vez mais, na origem de tal fenómeno aclamado de sobrenatural e miraculoso.

9 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

Jogos Olímpicos livres de perigo

O Papa João Paulo II, de férias em Castelgandolfo, colocou nas mãos da dita virgem Maria a segurança dos Jogos Olímpicos. A organização do evento pode ficar descansada: nenhum ataque terrorista será bem sucedido!

O problema será se os deuses dos possíveis terroristas são mais fortes e as suas orações mais eficazes.

9 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Duas notas piedosas

Evangelização – O papa JP2 nomeou um português, padre António Couto, membro da Congregação para a Evangelização dos povos, um departamento do Vaticano que se dedica à conquista de novos mercados e ao aumento da quota onde a ICAR já se encontra implantada. O novo membro é Superior Geral da Sociedade Missionária da Boa Nova (SMBN). «A SMBN é uma Sociedade de Padres diocesanos e de Leigos que se consagram por toda a vida à evangelização do mundo», ou seja, trata-se de um bando de prosélitos que procura o mercado global para impor o único Deus verdadeiro – o seu.

Comentário: Esta notícia prova que Deus não está em toda a parte, contrariamente ao que afirma a ICAR, e que, sem estes prosélitos, Deus não vai a lado nenhum.

A fé e as hormonas – Dois sacerdotes, da diocese de Tucson, foram despedidos da ICAR, nos EUA, por terem cometido abusos sexuais, ficando impedidos de exercer o múnus, ataviar-se com os paramentos sacerdotais e ostentar qualquer título eclesiástico.

O bispo, D. Gerard Frederick Kicanas, com os acordos extrajudiciais esvaziou os cofres da diocese pelo que pensa pedir a sua falência antes de 15 de Setembro, data em que tem início outro processo, por abusos sexuais, contra sacerdotes da mesma diocese.

Não consta que Deus tenha em vista proceder a alterações genéticas dos seus padres para lhes amansar o cio.

9 de Agosto, 2004 jvasco

Notícias sobre o conflito religioso mais mediático

O conflito de origem religiosa (principalmente, mas não só) mais mediático da actualidade é sem dívida o conflito Israelo-Palestiniano.

Claro que recentemente, com os ataques Islâmicos às Igrejas Cristãs no Iraque, alguma atenção foi desviada deste conflito, mas ele continua a dominar as notícias como tem acontecido nos últimos anos.

Será que se vai agravar? Será que Sharon continuará a desrespeitar o direito internacional, na sua ânsia de dominar integralmente a “terra prometida”?

Esta notícia do DN indicia que sim.

Será que se vai atenuar? Será que os Israelitas, compreendendo que com os fundamentalistas religiosos no poder a economia e as finanças ruem, a segurança degrada-se, os direitos civis são atacados e o bem estar social torna-se escasso, começam a colocar seriamente em questão as políticas de Sharon?

Esta notícia do Público indicia que sim, que o debate começa a dar lugar à letargia.

Nota: Devo fazer notar que as minhas críticas relativas ao governo de Sharon, à influência do fundamentalismo religioso de que padece, e ao incumprimento, por parte de Israel, do direito internacional NÃO são acompanhadas por qualquer simpatia face às formas de luta Palestinianas, estas também dominadas pelo fundamentalismo religioso.

Os movimentos terroristas que tentam libertar a Palestina merecem o meu mais profundo repúdio, pelos inocentes que matam, e pela ineficiência da sua luta. Os moderados de ambos os lados, aqueles que querem a paz, são as verdadeiras vítimas do fundamentalismo religioso que prolifera entre ambos os povos.

8 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira

Abençoado cartão de crédito

Nos Estados Unidos, as Family Christian Stores, oferecem um novo cartão de crédito enfeitado com uma imagem de três cruzes vazias no Calvário.

As reacções dos consumidores dividem-se. Os clientes habituais da loja de Cedars Rapids, de acordo com a gerente Patty Stone, estão encantados porque podem ganhar pontos e cheques-prenda. Por outro lado há quem entenda que não está certo que as Family Christian Stores emitam cartões de crédito e fomentem o endividamento. Patty Stone responde a estas críticas dizendo que não há nenhum encorajamento à contracção de dívidas uma vez que vendem muitos livros que encorajam as pessoas, se quiserem usar o cartão de crédito, a pagar as despesas do cartão mensalmente.

Uma senhora, cliente da loja, entende que, para começar, todo o dinheiro veio de Deus e esta decoração é mais uma forma de testemunho.

De facto, se os americanos têm escrito nas suas notas In God We Trust e muitas pessoas têm símbolos cristãos nos seus cheques, porque não um cartão de crédito com uma alusão ao Calvário, deveras apropriada se se estiver enterrado em dívidas?

7 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A fé e a tolerância

Acabado de regressar de uma aldeia da Beira Alta, publiquei no Diário uma crónica escrita há algum tempo, antes de ler os comentários aos artigos.

Lá estão os insultos bolçados com piedosa devoção, o ódio destilado em doses beatas e as habituais manifestações de fé num Deus que sabem morto e em textos sagrados que a mais rebuscada exegese não consegue tornar recomendáveis.

Enquanto alguns crentes perplexos se esforçam por compreender o mundo e tolerar os outros, há sempre alguns Torquemadas que odeiam a liberdade e sonham autos de fé. Não lhes basta a combustão das almas dos hereges e as perpétuas penas que o seu Deus pusilânime e vingativo lhes reserva depois da morte, querem a punição dos réprobos, em vida, através do braço secular. E, como todos os prosélitos, anseiam por condenar ao silêncio os heterodoxos.

Como é bela a fé! Queimem-se bibliotecas, ardam os heréticos, abaixo a liberdade, guerra ao livre-pensamento! Depois, Deus, distribuído ao domicilio, servido em doses industriais nas igrejas, mesquitas e sinagogas, reabilitado o prestígio antigo, julgará os vivos e os mortos na certeza de que não consentirá mais vida para além das orações, dos jejuns, da abstinência, da castidade e da mortificação.

Os saprófitas de um Deus assim estão igualmente mortos.

7 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A festa de Santa Filomena. Crónica piedosa

No início da década de sessenta um brasileiro bem sucedido voltou ao Cume* para rever amigos e embasbacar os autóctones com o sucesso. Trouxe presentes, distribuiu pentes e rebuçados, lançados aos garotos à rebatina e, à igreja, ofereceu um guião e dois pendões que mandou vir do Porto, uns paramentos a estrear e dinheiro suficiente para a festa de Santa Filomena.

A bem-aventurada tinha provas dadas na cura de animais, designadamente ovelhas, que a gripe dizimava e estropiava no inverno e, quanto maior a desgraça, mais crescia o pasmo pelas que escapavam e maior era a devoção. Tinha sido o caso, nesse ano, por causa das chuvas e dos sempre insondáveis desígnios divinos. Era a primeira homenagem pública, a augurar o início de uma tradição e de um amparo ainda maior. A festa há muito que a merecia a santa, mas os proventos da arrematação dos pés e orelhas de porco, de duas ou três dúzias de ovos e de alguns enchidos provenientes do pagamento de promessas, mal chegavam para lhe pagar a missa e comprar algum adorno.

Valera a generosidade do brasileiro que pôs os paroquianos em excitação, com recados enviados a parentes e amigos e data da festa anunciada.

Com farinha peneirada, ovos guardados e açúcar comprado, apalavrada a banda da Parada e encomendado o foguetório no Porto da Carne, a uma semana da festa, veio o pároco anunciar, durante a missa, que Sua Santidade tinha declarado falsa a santa, sacrílega a devoção e, assim, era impossível a festa. Manifestou tristeza suficiente, por solidariedade para com os paroquianos, que da decisão papal não cabia recurso. Ainda propôs outro santo, com certificado de garantia, de sexo diferente e idêntica virtude, para a substituir nos festejos. Deixou à reflexão dos paroquianos. E do brasileiro, subentendia-se. Qual quê? Goradas as expectativas, enxovalhada a crença, arruinadas as orações cuja permuta de intenções não admitia retroactividade, só restava um vago ressentimento e uma sensação de injustiça e impotência.

O brasileiro a quem a generosidade assegurara lugar cativo na primeira fila da igreja ficou lívido, primeiro, a vacilar na fé e nas pernas, ressentido depois e a remoer vingança.

Impediu-o o medo do Inferno e a inutilidade de demandar o papa de exigir a devolução do óbolo, ficando-se pela desolação e algumas obscenidades com sotaque, enquanto os paroquianos se dividiram entre o brasileiro e os sacramentos, a devoção e o padre, o papa e a santa, acabando por regressar ao redil e à fé dirigida de Roma. Apenas o brasileiro, por brio, passou a frequentar a missa em Vila Fernando, com outro padre, no tempo em que ainda se demorou. Manteve a devoção mas trocou de corretor.

Ninguém percebeu porque se demitiu do altar uma santa que lograra prestígio igual ao de santa Bárbara a amainar trovoadas e maior que o de S. Sebastião que, para além de mártir, não se lhe conhecia na paróquia outro feito que o recomendasse, não desfazendo, é claro, na seta que o trespassava em perpétuo sofrimento. Era difícil rezar a santos que não faziam milagres quando se apeava quem os fazia.

Creio que ao medo do castigo divino e à falta de alternativas se ficou a dever a persistência na fé, posta em causa de forma demolidora por motivos insuficientemente explicados e com despesas já feitas.

Não estralejaram foguetes, não se ouviram os acordes da banda, não se provaram as guloseimas. A imagem, ferida na estimação e na virtude, foi parar à sacristia, por decreto, condenada à solidão e ao esquecimento, à espera de que algumas gerações de crentes se finassem para reaparecer, quem sabe, com outro nome e renovados poderes. Assim a fé e a sociedade o consintam ainda. Os mordomos ficaram designados para as próximas festividades conservando o prestígio e as prerrogativas.

A santa e o brasileiro nunca foram ressarcidos da desgraça.

* aldeia do concelho da Guarda a cerca de 10 km.

5 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Começaram as festas religiosas

O mês de Agosto é fértil em procissões, missas, arraiais e sermões. Os emigrantes regressam às origens e agradecem às santas da sua devoção, às vezes, o simples facto de terem sobrevivido à viagem de automóvel.

Foguetes, música e vinho acompanham a devoção e promovem o turismo religioso. A concorrência entre santas é grande mas não faltam devotos para animar a tradição, passear os andores e pagar promessas. Ás vezes o único milagre é o incêndio ateado pelos foguetes.

No Portugal rural, em vias de extinção, as santas que jazem esquecidas nas peanhas um ano inteiro, saem nesta época ao som da banda, acompanhadas de anjinhos, ave-marias e foguetes. As mais prestigiadas levam bombeiros, cavalos e soldados da GNR.

Há santas em todas os lugares. E todas gostam que lhes façam festas no sítio.

3 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

A «Canção Nova» vai ser codificada

Fui informado de que o piedoso canal «Canção Nova», uma estação de devoção católica com sotaque brasileiro, vai ser alvo de codificação a partir de Outubro próximo. É uma injustiça para as pessoas que exultam com a missa, se comovem com a palavra de Jesus e se divertem com as orações. Após as férias, quem quiser uma dose suplementar de religião ao domicílio, paga-a.

Já tinha acontecido o mesmo ao célebre canal 18, de nada valendo as reclamações dos telespectadores. Esperemos que, desta vez, não haja protestos, para evitar decepções.

Apostila – Estou certo de que os ateus, pelo seu espírito de tolerância, nunca se queixaram dos conteúdos fraudulentos da «Canção Nova» nem da influência eventualmente deletéria nas crianças.