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20 de Agosto, 2004 Palmira Silva

Da ICAR e da polis, II: direito divino

Não obstante Constantino ter sido um mitraista até morrer, convocou o Concílio Ecuménico de Niceia (325) onde codificou uma religião baseada naquela que julgou mais conveniente para garantir a unidade do Império, incorporando vários elementos do seu culto pessoal ao Deus-Sol Mitra. Controlou os bispos oferecendo-lhes palácios, dinheiro e outras benesses exercendo grande influência nas decisões doutrinais e disciplinares. Nomeadamente foi por pressão de Constantino que se aprovou no Concílio de Niceia, por um voto, a divindade do suposto criador da seita (negada por boa parte dos cristãos, nomeadamente os arianos) e a santíssima trindade. Promoveu a alteração do dia de culto do Sábado, o sabbatt judaico, para Domingo, dia do Sol, o dies Domenicus ou dia do Senhor. Introduziu no cristianismo a liturgia mitraica, nomeadamente a cerimónia da missa, decalcada da Myazda mitraica, uma partilha sagrada de pão e vinho numa cerimónia cheia de incenso e água sagrada em que o sacerdote mitraica, o Papa, revivia a última refeição de Mitra e dos seus 12 apóstolos. Enfim, as coincidências entre o culto mitraico e o cristianismo codificado por Constantino são tantas que eventualmente lhes dedicarei um artigo!

Sicut indignissimum, édito de Constantino de 3 de Julho de 321, que entre outras coisas rezava: «Que todos os juízes, e todos os habitantes da cidade, e todos os mercadores e artífices descansem no venerável dia do Sol».

A intenção de Constantino de transformar a Igreja no braço espiritual do Império prevaleceu mesmo depois da desmoronamento do Império no Ocidente. Foi-se o Império mas permaneceu o braço. De ferro, já que a Igreja arrogou-se à supremacia universal. Os poderes temporais deviam submeter-se ao Papa, a autoridade máxima. Assim, a hierarquia eclesiástica de Roma foi o denominador comum das monarquias ocidentais até à Renascença.

Especialmente depois de produzida a falsificação mais famosa da História, a doação de Constantino, «Constitutum domni Constantini imperatoris» , cuja autenticidade se manteve indiscutível até ao século XV, altura em que Nicolau de Cusa (1401-1464) refere como estranho o bispo Eusebius de Cesareia, contemporâneo e biógrafo de Constantino, não ter mencionado a doação do imperador. Confirmada como uma falsificação grosseira em 1440 por Lorenzo Valla, a Doação de Constantino pretendia ser uma carta de Constantino dirigida ao papa Silvestre I em 30 de Março de 315, na qual lhe o Imperador lhe concedia autoridade sobre todo o Império Romano, doando-lhe o palácio de Latrão, as insígnias, vestes e os poderes imperiais romanos, não só sobre a Itália como sobre todas as demais províncias do Império. Declarava ainda que o bispo de Roma era o «Vigário de Cristo» a quem concedia o estatuto de Imperador. As vestes e insígnias imperiais foram supostamente emprestadas a Constantino, que as vestia com permissão eclesiástica.

Com esse documento, a Igreja reivindicou o direito de coroar e depor monarcas, e o papa tornou-se o supremo mediador entre Deus e os reis. Com base nesse documento o Papa Adriano IV reconhece (e dá ajuda militar para a concretizar) a Henrique II da Inglaterra a soberania sobre a Irlanda, obtendo como contrapartida o reconhecimento do rei britânico da supremacia papal. Dando origem a um conflito sangrento que permanece até hoje.

20 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

2.º Encontro Nacional de Ateus – ENA2

CONVITE

Vai realizar-se em Lisboa no próximo dia 4 de Setembro (Sábado), um encontro de ateus para o qual se convidam todos os ateus e ateias que queiram estar presentes.

O encontro começará com um almoço de confraternização, com preço acessível, cerca das 13H00, num local da Baixa de Lisboa, a indicar após a inscrição.

Podem inscrever-se todos os que duvidam da existência de Deus e queiram participar nos trabalhos preparatórios para a criação de uma associação ateísta e na discussão de temas relativos ao ateísmo. Os trabalhos prolongar-se-ão durante a tarde.

Quem pretenda fazer a inscrição (indicando igualmente o número de incréus acompanhantes) pode registar-se em www.ateismo.net/forum ou dirigir-se a [email protected].

As inscrições estão abertas até ao próximo dia 28 (Sábado).

OBS.: O ENA2 não tem o patrocínio da ICAR nem será conspurcado pela bênção de qualquer alto funcionário de Deus.

20 de Agosto, 2004 Palmira Silva

Da ICAR e da polis, I : O legado de Constantino

«Uma religião que declarasse levianamente [unbedenklich: de maneira leviana, sem reflexão] guerra à razão não resistiria muito tempo» A religião nos limites da pura razão, Immanuel Kant

A Igreja Católica que hoje conhecemos surgiu pela mão de Constantino numa tentativa de unir pela religião um Império Romano em decadência. Em que todos os créus, pela autoridade divina do braço religioso do Império, a Igreja de Roma, seriam compelidos a lutar pelo Império e espalhar a fé. Ou seja, é desde o Concílio de Niceia uma igreja política e assim permanece até hoje.

À época de Constantino o Império Romano tinha sido desmembrado por Diocleciano, na corte de quem este passou a juventude. O pai de Constantino, Constâncio Cloro era membro da tetrarquia criada pelo imperador (que incluía ainda Maxêncio, Maximino e Licínio). Depois da morte de Constâncio, as legiões comandadas por Constantino aclamaram-no imperador. Em Roma, o título de Constantino não foi reconhecido e após a morte de Galério (310) surgiram novos pretendentes ao império. Aliando-se a Licínio, derrotou Maxêncio e Maximino e dividiu com o primeiro o império. Para garantir a estabilidade do Império publicou em 313, conjuntamente com Lícinio, Imperador do Oriente, o Édito de Milão em que é garantida a liberdade de culto aos cristãos.

Mas o livre culto religioso estendido aos cristãos não era suficiente para cumprir o sonho de Constantino: um retorno da unidade, hegemonia e glórias passadas de um Império Romano em convulsão. Até porque os supostamente perseguidos cristãos se revelaram perseguidores de pagãos e daí nasceram novas desordens. Além disso não se alistavam no exército renascido de que Constantino precisava (e ver-se livre de Licínio, claro, mas isso esperou uns anitos).

Era necessária uma religião suficientemente forte para se impor aos povos dominados por Roma; para consolidar na crendice indissociável dos povos da época o poder conquistado pela força. Uma religião autoritária, rígida, inflexível, estabelecida mediante poderes, leis e morais terrenas. Assim começou o Catolicismo: um expediente político para tornar a Religião Imperial Católica Apostólica Romana a Toda Poderosa, nominalmente predicando o perdão mas de facto imposta e sustentada pela força da espada.

20 de Agosto, 2004 jvasco

Quem tramou os jogos Olímpicos?

Um leitor fez, nos comentários, uma referência a um artigo do Barnabé sobre os jogos Olímpicos. Dei uma vista de olhos pelo Barnabé e confirmei: o poder do Cristianismo (sob a mão de Teodósio I) pôs fim aos jogos Olímpicos.

Felizmente, perdendo o Cristianismo poder para a laicidade (uma batalha que ainda não está ganha…), os jogos Olímpicos voltaram.

20 de Agosto, 2004 jvasco

Pela negativa

Um argumento que muitos crentes usam (e alguns agnósticos, mas poucos) para denegrir a posição dos ateus é fazer notar que o ateísmo é, etimologicamente, «definido pela negativa».

Fico sempre muito espantado quando confrontado com este argumento. Parece-me tão patético, que não me tinha dado ao trabalho de o refutar num artigo, até que a sua constante repetição me fez mudar de ideias.

Se uma pessoa se define, em relação à descriminação racial, como anti-racista (é o meu caso), por oposição aos racistas, isso é menos válido por ser «definido pela negativa»?

O facto de uma ideia ser definida pela «positiva» ou pela «negativa» não está relacionado com o seu mérito ou validade. Depende de acidentes e do historial da linguagem. O termo «Ateísmo» nasceu como «definido pela negativa» em grande parte porque era uma posição minoritária face à oposta.

20 de Agosto, 2004 André Esteves

Papa visita Lourdes e deixa dívidas

A última visita do Papa a Lourdes saldou-se numa enorme dívida. A ICAR Francesa contava com a ajuda dos peregrinos para pagar os gastos da festa. Infelizmente, os fundos só chegaram para pagar 15% dos gastos.

Um sinal dos tempos do relacionamento da ICAR francesa com os seus crentes, ou o descontrolo crescente da corte vaticana em controlar o séquito de funcionários e parasitas do velho continente? Você decide!

A notícia [Em inglês]

19 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Nossa Senhora é presidente de Câmara em Espanha

Pio IX, papa da ICAR, com muito jeito para excomunhões e dogmas, depois de ter perdido os Estados pontifícios e excomungado liberais, socialistas, comunistas e democratas, resolveu criar dois dogmas: um, em benefício próprio – o da infalibilidade papal -, e o outro a favor da mãe de Cristo, a quem passou um atestado de virgindade com a obrigatoriedade de ser reconhecido por todos os católicos.

Claro que, para além dos 150 anos de virgindade que já leva, Maria tem sido distinguida com numerosas e pias homenagens e insólitos pedidos. De rainha dos Céus a padroeira, de confidente da Irmã Lúcia até protectora de diversos países contra o comunismo, tem sido solicitada para as mais diversas tarefas, sem uma única recusa ou um acesso de mau humor.

Mas, verdadeiramente insólita foi a nomeação para presidente da Câmara de uma cidade espanhola. O facto de não lhe terem distribuído pelouros ficará a dever-se à ausência do acto de posse, pelo que lhe foram acrescentados dois títulos: honorária e perpétua.

A acordo, que recolheu a unanimidade dos partidos políticos, foi assinado em Maio. E o título de presidente da Câmara honorária perpétua foi-lhe outorgado durante uma solene eucaristia pelo seu homólogo precário.

A nova edil não foi obrigada a assinar o auto de posse por lhe faltarem as condições habitualmente exigidas aos presidentes da Câmara: saberem escrever e estarem vivos.

Desejo à nova autarca as maiores felicidades no desempenho do novo cargo.

18 de Agosto, 2004 Carlos Esperança

Peregrina de Fátima acabou por morrer

Uma das três peregrinas atingidas por caixas metálicas que se soltaram de um veículo pesado, no IC2, em Condeixa-a-Nova, acabou por falecer segunda-feira, ao final da tarde, no Hospital dos Covões, em Coimbra.

Não há a mais leve suspeita de qualquer milagre ocorrido em Fátima, mas multiplicam-se os factos que evidenciam as desgraças que atingem os peregrinos. Alguns ficam doentes, muitos estropiados e outros pagam com a vida a fé que os move até ao local do mais grosseiro embuste montado pela ICAR em Portugal.

Fátima não é apenas um lugar de fé, é um destino fatídico onde perecem numerosos vivos e nem um só morto ressuscitou.

Nem a senhora de Fátima, nem o seu divino filho, nem o seu amado sogro (Jesus é suspeito de ser filho de Deus) apresentam, até hoje, a menor prova de serem úteis a alguém.

16 de Agosto, 2004 Palmira Silva

Da sexualidade e da ICAR, II: Contra Natura

O pessimismo sexual de Agostinho, intensificado pelo Responsum do Papa que inventou os sete pecados mortais, Gregório Magno (590-604), «O prazer sexual nunca ocorre sem pecado», dominou a época da escolástica, «a idade áurea da teologia», como é chamada. O expoente máximo dos escolásticos, Tomás de Aquino, a autoridade católica em questões sexuais depois do inenarrável Agostinho, criou todo o contexto para a demonização do sexo e ainda cunhou a expressão contra natura para se referir à homossexualidade.

Tomás de Aquino incorpora o empirismo aristotélico ao idealismo platónico agostiniano. A citação tomista «A geração de uma mulher resulta de defeitos no princípio activo» é inspirada na prosa de Aristóteles, que afirmava, a comprovar a sua inferioridade, terem as mulheres menos dentes que os homens (História dos Animais, livro 2, parte 3). E representa a convicção de Aquino de que a mulher é imperfeita, inferior ao homem física, moral e psicologicamente.

A responsabilidade do Malleus Maleficarum, o Martelo das Bruxas, (1484) do Papa Inocêncio VIII, 200 anos depois da morte de Tomás, não pode ser atribuída a este outro ilustre santo, mas sem a crendice supersticiosa de Aquino na relação sexual com o demónio e a sua exortação à destruição dos hereges, aquele documento, responsável pela morte na fogueira de incontáveis «bruxas», não seria concebível.

Outro eclesiástico que difundiu a tendência feminina para copular com o demo foi o franciscano galego Álvaro Pelayo ou Pais, que enquanto bispo de Silves teve graves discórdias com Afonso IV de Portugal em relação aos impostos cobrados sobre os bens eclesiásticos (para sustentar a guerra do monarca contra Castela). Este redigiu por volta de 1330, a pedido de João XXII de quem foi confessor, o «De Statu et Planctu Ecclesiae» (Do Estado e Pranto da Igreja) dirigido ao mundo dos «clérigos encarregados de dirigir as consciências». Esse primor de misoginia e retrato dos vícios que assolavam a ICAR da época traz um catálogo de 102 «vícios e más acções» da mulher. Um destes era a cohabitação com demónios. Testemunhado in vivo num convento de freiras pelo próprio frei, que foi incapaz de pôr cobro à tal repugnante prática.

No entanto, toda esta regulamentação do sexo, que incluia considerar como pecado qualquer desvio à posição «normal» dita de missionário no léxico corrente (excepto nos casos regulamentados como, p.e., obesidade comprovadamente renitente) destinava-se exclusivamente aos créus seculares, já que escândalos sexuais como os recentes são recorrentes na História da Igreja.

Com um nadir no conturbado período conhecido pelos historiadores como pornocracia entre o final do século IX e o início do século XI, período em que um terço dos muitos papas que o agraciaram morreu de forma violenta. De um texto na Enciclopédia Britânica sobre a desmistificação da lenda urbana da papisa Joana podem retirar-se alguns dados «abonatórios»:

«Pope John X., elected in 914, owed his elevation entirely to his mistress Theodora, whose beauty, talents, and intrigues had made her mistress of Rome about the beginning of the tenth century. At a late period Theodora’s daughter, Marozia, wielded a similar influence over Sergius III., and finally raised her son by that pope to the pontifical throne, with the title of John XI. At a still later period, John XII. was so completely governed by one of his concubines, Raineria by name, that he entrusted to her much of the administration of the holy see.»

O papado conheceu mais períodos marcados por imoralidade e corrupção, a Renascença proeminente entre eles. Uma das causas da reforma Protestante, apesar de alguns excessos no que respeita a indulgências por parte de Giovanni di Lorenzo de Medici, o papa Leão X, terem ajudado.

Nesta época, destacam-se Pio II, um celebrado autor de literatura erótica antes de assumir o papado. E pai de uma prole considerável. Ou Inocêncio VIII, o tal que de tão preocupado com a cópula com o demónio tinha encomendado o manual de caça às bruxas, que, menos preocupado com a cópula terrena, deixou 16 filhos, igualmente repartidos pelos dois sexos: Octo Nocens pueros genuit, totidemque puellas; Hunc merito poterit dicere Roma patrem. Sobre os excessos (sexuais e não só) de Alexandre VI, Roderigo Borja ou Bórgia, acho que não é necessário acrescentar algo. Mas podem relembrar os factos mais importantes.

E quem estiver interessado em saber mais sobre a actividade sexual de um papado tão devotado ao longo dos séculos em controlar a vida sexual dos outros pode encomendar o livro de Nigel Cawthorne «Sex life of the Popes».