31 de Agosto, 2004 Mariana de Oliveira
O bispo, o cardeal e o barco
D. Jacinto Botelho, bispo de Lamego e presidente da Comissão Episcopal da Família, sobre o «barco do aborto», afirmou que «o problema fundamental não é o barco mas o aborto» demonstrando uma grande capacidade para captar os problemas da sociedade.
Não se ficando por esta constatação óbvia, o bispo disse que tal intervenção provocada num barco ou numa clínica «não muda a natureza da perversidade». Mais uma vez, vemos alguém da hierarquia católica, com as suas noções de moralidade que pretendem ser todas-poderosas, a demonizar uma forma de melhoria das condições de vida das mulheres. Sim, porque as mulheres querem-se submissas e parideiras!
Relativamente ao tratamento da chegada do «barco do aborto» a águas territoriais portuguesas (ao seu limite exterior, leia-se), Jacinto Botelho disse que o assunto é um «exagero» visto que promove «um atentado contra a vida». Portanto, o senhor bispo também deve ser contra os noticiários que relatam genocídios, guerras, assaltos e homicídios.
O barco «só pode causar polémica», afirma, uma vez que «não há ninguém bem intencionada que possa concordar com esta exibição» e adianta que a iniciativa não passa de «uma forma de exibicionismo». Claro que o barco das «Women on Waves» é uma exibição, como aliás é uma exibição toda e qualquer manifestação! Quanto às boas intenções, seria interessante que o senhor bispo explicasse onde estão elas quando milhares de mulheres se submetem a redes de aborto clandestino pagando, não raramente, com a ousadia de quererem ser donas do seu destino.
Em jeito de remate, o presidente da Comissão Episcopal da Família considera que é «contraditório» que as mesmas pessoas que «fazem manifestações contra a guerra sejam apologistas do aborto»… como se ambas as coisas fossem comparáveis.
O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, considerou a iniciativa da organização holandesa «uma provocação». Apesar de considerar importantes o debate e a liberdade de expressão e de vivermos numa sociedade livre, «os países têm a sua dignidade», mas não esclareceu se essa dignidade inclui a condenação judicial e a estigmatização de mulheres que decidiram abortar.
Aos cristão, o cardeal pediu que não se encolham sempre uma questão seja colocada de forma mais agressiva, reiterando a «clareza da posição da Igreja Católica em relação a esta matéria», ou seja, a manutenção de redes clandestinas de abortos, de viagens a Espanha e de mortes, de muitas mortes.