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21 de Setembro, 2004 André Esteves

ENA!! Uma singela recordação.

Boa conversa, boa companhia. Valeu a pena fazer os 560 kilometros.

Venha o ENA III no final do ano!

20 de Setembro, 2004 Ricardo Alves

Carta ao «Primeiro de Janeiro»

Publicou o «Primeiro de Janeiro», na sua edição de 19/9/2004, um artigo de opinião do cidadão António Marcelino que impõe alguns esclarecimentos e reparos.

Cumpre-me esclarecer que a Associação República e Laicidade (ARL) existe legalmente há mais de um ano e que, praticando a laicidade internamente, não exige dos seus associados opção filosófico-religiosa alguma, seja ela o ateísmo, o catolicismo ou outra qualquer. Não é portanto uma associação de ateus, embora uma delegação da ARL, preocupada com a discriminação grave a que os ateus continuam sujeitos, tenha participado no encontro de ateus realizado em Lisboa no dia 4/9, onde foi discutida a criação de uma associação ateísta.

No Censo português de 2001 declararam-se sem religião 342 987 pessoas. Estes cidadãos gozam dos mesmos direitos de liberdade de associação e de expressão que permitem às igrejas e comunidades religiosas a sua liberdade religiosa -só inteiramente legítima se sujeita a leis comuns a todos. A laicidade, para além de implicar a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, realiza-se inteiramente na clara separação jurídica da esfera privada -onde se exerce a liberdade individual de adesão a uma convicção e a liberdade colectiva de associação- e da esfera pública -onde o Estado se deve assumir totalmente incompetente em matéria de religião e de convicção e impedir a apropriação do espaço público por qualquer grupo confessional ou filosófico. Justamente por defender que ninguém vale menos por ter ou não ter fé, a ARL defende a liberdade de criação e actuação de grupos de convicção e opõe-se à Concordata (e à Lei da Liberdade Religiosa), pois esta diferencia os direitos dos cidadãos católicos penalizando inevitavelmente os não católicos, nomeadamente ao garantir o ensino da religião católica nas escolas públicas, ao isentar os sacerdotes da obrigação de ser jurado e de depôr em tribunal, ou ao estipular um regime distinto para instituições como a Universidade Católica. A Concordata é tanto mais grave quanto, ao ser aprovada como um tratado internacional, retira ao controlo democrático as regras que se aplicam à Igreja Católica. Desejável seria portanto que a Assembleia da República se abstivesse de aprovar a nova Concordata (previsto para o dia 30/9) e revogasse a velha (assim como a Lei da Liberdade Religiosa), reforçando assim, sem discriminações nem privilégios, a plena igualdade de todos os cidadãos.

Ricardo Gaio Alves (Secretário da Direcção)

(Carta enviada ao «Primeiro de Janeiro» com pedido de publicação)

20 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e o S.N.S.

Os hospitais e as escolas são instrumentos eficazes para a conquista do poder político e social pelas igrejas. Basta reparar como o fascismo islâmico se apodera deles, para exercer o controlo das pessoas e perpetuar a tirania teocrática.

Em Portugal, a ICAR conseguiu privilégios iníquos para a Universidade Católica e, progressivamente, vai tomando conta de residências universitárias, colégios, creches e, pasme-se, até do jogo, através da lotaria nacional e outras apostas que são monopólio da «Santa» Casa da Misericórdia.

Antes da progressiva secularização que substituiu as freiras por enfermeiros nos hospitais, a medicação podia faltar no momento certo, mas não se esqueciam as orações cuja posologia era exemplarmente cumprida. A aspirina para a febre podia esquecer mas o terço para a alma era obrigatório antes da hora de dormir.

Em Portugal a ICAR nunca desistiu de chamar a si uma parcela importante do ensino e da assistência, convenientemente subsidiada por governantes a que mingua pudor republicano e sobra a vontade de salvar a alma. Neste momento, pode estar em curso um golpe da ICAR para reforçar o seu poder no campo da saúde.

No excelente blog Causa Nossa, encontra-se o artigo «Orçamento Rectificativo» cuja publicação devo à amabilidade de Vital Moreira.

Apostila – Agradeço ao leitor Gabriel Silva ter-me chamado a atenção para o facto de a «Santa» Casa da Misericórdia ser gerida pelo Estado e não pela ICAR. Penitencio-me do erro e da confusão. As Misericórdias a que me quis referir são conhecidas em todos os concelhos e reportam ao bispo da diocese. É esta rede imensa que constitui o instrumento de domínio da ICAR.

20 de Setembro, 2004 André Esteves

O que diz Marcelino II

O artigo de opinião publicado no 1º de Janeiro, foi anteriormente publicado como editorial do “Correio do Vouga”, semanário da diocese de Aveiro. É sensivelmente o mesmo artigo, mas reproduzimo-lo na íntegra. Agradeço ao leitor atento que nos fez chegar a publicação deste artigo. (Obrigada!)

O ateísmo português, constítuido em associação

António Marcelino

Os jornais noticiaram a criação recente de uma associação de ateus, com o título “Associação Républica e Laicidade”. Nos propósitos levados à comunicação social, diz-se que os ateus em Portugal, a avaliar pelo censo de 2001, serão 250 mil, que o ateísmo junta pessoas que partilham ideias sobre o cepticismo, o agnosticismo e o laicismo e que não tm motivos para crer em Deus. Vai-se dizendo, ainda, que associação está contra a Concordata, pois esta é “uma subtracção de direitos do jogo democrático”.

Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão, no qual ninguém deve ser penalizado por acreditar ou não acreditar, por ser aderente desta ou daquela religião ou por não professar qualquer religião.

O fenómeno não é recente. Tem história que vem de longe, com matizesdiversificados no tempo e segundo as influências ideológicas em que se inspira. O Concílio Vaticano II, propondo-se “investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do evangelho”, debruçou-se com muita seriedade e serenidade sobre o ateísmo, antigo e moderno, e procurou tirar, da sua reflexão, conclusões orientadoras.

O avanço dos estudos antopológicos, a nova visão crítica da história que não reduz esta a um amontoado de factos e datas, nem lhe corta a sua dinâmica interior e, por fim, a abertura necessária ao diálogo, com todos quantos o queiram fazer sem preconceitos e numa atitude de respeito, questionamento e procura, permite ir mais longe na consideração dos problemas que afectam profundamento o ser e o agir humano, e convidam ao entendimento construtivo entre pessoas honestas, qualquer que seja a sua raça, cor, língua, cultura, confissão ou não confissão religiosa.

O que se está passando agora e que bem se compreende, dado o contexto social em que vivemos, é a necessidade de afirmação pública do que se crê ou do que se vive, e que, até há pouco, mais fazia parte do íntimo e do privado de cada pessoa. Assim se justifica socialmente a associação de ateus, as diversas associações dos homosexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros.

É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.

A nova associação anuncia, logo ao nascer, militância aberta em relação aos crentes, porque os ateus, eles sim, é que “valorizam a humanidade e a vida na terra, como um bem natural, sem qualuqer intervenção divina”. Acrescentam ainda que “os deuses são criações da imaginação dos homens como quaisquer outras abstrações”.

A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraquesa ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e têmpero. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas. Os fundamentalismos são a cegueira de um raciocínio unidimensional, que já nada tem de humano e por isso não tem por que respeitar nem a vida própria, nem a dos outros.

Sei bem que o ateísmo pode ser humanista e que assim é em muitos que se dizem ateus. porém, quando se corre o tejadilho que impede de olhar alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não tem em si suas raízes.

Há que alimentar estas, aí onde elas nascem e onde começam a ter e a gerar vida.

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

O que as Renas e os Veados dizem a Marcelino

A opinião do Boss, colaborador do Renas e Veados, ao artigo de António Marcelino, que podem ler no post anterior.

Humanismo selectivo

Fui alertado pela Palmira, colaboradora do Diário Ateísta (gosto do novo look), para um artigo do sr. António Marcelino, bispo de Aveiro, publicado hoje n’O Primeiro de Janeiro. A coisa chega a ser delirante, de tão esquizofrénica.

O sr. Marcelino começa por escrever «Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão» – palavras que poucos bispos sentirão de facto, e entre estes não estará certamente o dito.

Voilá! «Assim se justifica socialmente a associação dos ateus, as diversas associações dos homossexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros. É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.»

Uns são “outra gente”, e os bispos são “outros portugueses”. Claro que “esta gente” não nega nada a ninguém, claro que os “bispos portugueses” podem escrever o que bem entendam nos jornais portugueses e até estrangeiros, mas isso é o que importa distorcer. A ideia que “estes bispos” querem passar é que a igualdade de direitos para tod@s, homens e mulheres, hetero e homossexuais, é na verdade uma negação de direitos aos “outros portugueses” – mesmo que rigorosamente nada lhes seja retirado.

De notar ainda que esta associação que o sr. Marcelino faz entre o ateísmo e as associações lgbt é um claro apelo à homofobia, colando gays e ateus, descola os homofóbos do ateísmo, e os gays (visíveis) da igreja católica.

«A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraqueza ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e tempêro. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas.» – Someone please call 911!

Um bispo a falar em “tentação do dogmatismo”!?! Seguindo para o “dom da fé”!?! Se for legal o sr. Marcelino devia dizer o que anda a tomar, porque às vezes sabe bem entrar na Twilight Zone, e há para aí muitas mezinhas de convento esquecidas e subaproveitadas, será uma dessas?

Deve ser: «Porém, quando se corre o tejadilho que impede olhar para o alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não têm em si suas raízes.»

Resumindo, quem não acredita em d*** vale menos (deverá ter os mesmo direitos?) e quem acredita e olha para d*** tem maior dimensão e valores humanos, assim tipo terroristas de Beslan, I guess…

É óbvio que não digo o contrário do sr. Marcelino, ou seja, não digo que ser ateu implica por si só ter maior valor e sentido humanista do que um crente. Mas digo que “crença a mais” retira de facto o sentido humanista às pessoas, o exemplo dos terroristas da Ossétia do Norte é perfeito. Quanto aos ateus pouco humanistas, esta falta de humanismo, solidariedade etc nada terão que ver com o facto de não acreditarem em d***, mas apenas com o facto de também não acreditarem nas pessoas. O humanismo e solidariedade é conseguido e praticado entre pessoas de carne e osso, e é conseguido e praticado tratando as pessoas sem discriminações, sem dizer que alguém vale menos que outro, porque não acredita em d***.

Desprezar d*** não magoa ninguém, já desprezar grupos de pessoas magoa muita gente. Onde pára o seu humanismo sr. Marcelino?

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

O que diz Marcelino

Vem hoje publicado, n’O Primeiro de Janeiro, um artigo de opinião de António Marcelino, bispo de Aveiro, em que o cavalheiro discorre acerca da criação de uma associação de ateus em Portugal.

Será enviada e colocada à vossa disposição, atempadamente, uma resposta ao senhor bispo. Até lá, eis o texto:



O ateísmo português, constituído em associação

por António Marcelino, bispo de Aveiro

Os jornais noticiaram a criação recente de uma associação de ateus, com o título “Associação República e Laicidade” [errata: a associação de ateus que aqui é tratada encontra-se em fase de criação. A Associação República e Laicidade, essa já criada, reúne crentes e não crentes que defendem os valores de um Estado republicano e laico]. Nos propósitos levados à comunicação social, diz-se que os ateus em Portugal, a avaliar pelo censo de 2001, serão 250 mil, que o ateísmo junta pessoas que partilham ideias sobre o cepticismo, o agnosticismo e o laicismo e que não têm motivos para crer em Deus. Vai-se dizendo, ainda, que associação está contra a Concordata, pois esta é “uma subtracção de direitos do jogo democrático”.

Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão, no qual ninguém deve ser penalizado por acreditar ou não acreditar, por ser aderente desta ou daquela religião ou por não professar qualquer religião.

O fenómeno do ateísmo não é recente. Tem história que vem de longe, com matizes diversificados no tempo e segundo as influências ideológicas em que se inspira. O Concílio Vaticano II, propondo-se “investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz o Evangelho”, debruçou-se com muita seriedade e serenidade sobre o ateísmo, antigo e moderno, e procurou tirar, da sua reflexão, conclusões orientadoras.

O avanço dos estudos antropológicos, a nova visão crítica da história que não reduz esta a um amontoado de factos e de datas, nem lhe corta a sua dinâmica interior e, por fim, a abertura necessária ao diálogo, com todos quantos o queiram fazer sem preconceitos e numa atitude de respeito, questionamento e procura, permite ir mais longe na consideração dos problemas que afectam profundamente o ser e o agir humano, e convidam ao entendimento construtivo entre pessoas honestas, qualquer que seja a sua raça, cor, língua, cultura, confissão ou não confissão religiosa.

O que se está passando agora e que bem se compreende, dado o contexto social em que vivemos, é a necessidade de afirmação pública do que se crê ou do que se vive, e que, até há pouco, mais fazia parte do íntimo e do privado de cada pessoa. Assim se justifica socialmente a associação dos ateus, as diversas associações dos homossexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros.

É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.

A nova associação anuncia, logo ao nascer, militância aberta em relação aos crentes, porque os ateus, eles sim, é que “valorizam a humanidade e a vida na Terra, como um bem natural, sem qualquer intervenção divina”. Acrescentam ainda que “os deuses são criações da imaginação dos homens como quaisquer outras abstracções”.

A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraqueza ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e tempêro. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas. Os fundamentalismos são a cegueira de um raciocínio unidimensional, que já nada tem de humano e por isso não tem por que respeitar nem a vida própria, nem a dos outros.

Sei bem que o ateísmo pode ser humanista e que assim é em muitos que se dizem ateus. Porém, quando se corre o tejadilho que impede olhar para o alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não têm em si suas raízes.

Há que alimentar estas, aí onde elas nascem e onde começam a ter e a gerar vida.»

19 de Setembro, 2004 Mariana de Oliveira

TPI Ruanda julga padre genocida

Pela primeira vez, o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda julgará, a partir de amanhã, um responsável religioso católico acusado de ter participado activamente no genocídio de 1994. Este processo permitirá lançar luz sobre a actuação de alguns «homens de Deus» na chacina que arrasou aquele país africano, maioritariamente católico, quatro anos depois de uma visita de João Paulo II.

O padre Athanase Seromba, de etnia hutu, é acusado de ter preparado e supervisionado, juntamente com responsáveis locais, em Abril de 1994, a matança de mais de 2000 tutsis que se tinham refugiado na igreja da paróquia de Nyange. O religioso é também acusado de ter destruído parte do templo com uma escavadora cujo desabamento da estrutura sobre os fieis esteve na origem de um dos massacres da história do genocídio que causou 800 000 mortos entre os tutsis e hutus moderados, segundo a ONU.

Seromba abandonou o país antes da vitória dos rebeldes tutsis da Frente Patriótica, em Julho de 1994, e que acabou com o genocídio. O padre esteve primeiro refugiado na actual República Democrática do Congo, depois no Zaire e, finalmente, encontrou asilo em Florença onde lhe foi dada uma pequena paróquia na Toscana. Antes de se entregar, em 2002, à Justiça, a Itália recusou-se a aplicar um mandado de prisão internacional emitido pelo TPIR.

A Igreja Católica sempre insistiu na presunção de inocência dos seus membros e mostrou-se deveras reticente em prestar colaboração com as entidades judiciais dos diferentes países acusadores. No caso do padre ruandês, a alta hierarquia católica sempre o apoiou, afirmando que nada demonstra a sua culpabilidade.

Questionado acerca do apoio do Vaticano ao genocídio do Ruanda, o porta-voz do TPIR, Roland Amoussouga, disse que «não é um processo sobre o Vaticano, é um processo sobre o indivíduo» e reiterou que «é o indivíduo e não a instituição que está em causa» e que o «Vaticano nada tem a ver com este assunto».

A provarem-se os factos constantes na acusação, é grave ver indivíduos que fazem parte da ICAR envolvidos nestes trágicos acontecimentos e ver que as mensagens de tolerância que são propagadas pela Igreja são vazias de significado. Na verdade, raramente o tiveram e raramente foram seguidas por ela.

19 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

Crónica Piedosa

A Senhora do Monte

Nas aldeias da Beira Alta era hábito rezar, pelas intenções plenárias de cada mês, nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, ir ao confesso e à eucaristia e, assim, alcançar as indulgências exigidas para a salvação da alma. Podia parecer injusto pôr garotos a rezar por pecados dos adultos, mas já se sabia que outros garotos o fariam quando adultos se tornassem esses para apreciar os pecados. Ficavam as rezas para as mulheres, que sempre as fariam, para os que ainda não sabiam pecar e para os que, sabendo, já não podiam. Era assim, há meio século, e disso se não livrou a criança que fui. Além das devoções locais outras havia que se cumpriam em paróquias próximas, que os transportes não permitiam lonjuras, com dia certo e local aprazado. A Senhora do Monte era um desses destinos.

Guardo da infância o gosto por romarias. Os santos domiciliavam-se no alto dos montes para ficarem a meio caminho entre os devotos que lhes pediam e o céu que os atendia. Eram mensageiros dedicados, imóveis numa peanha, ouvindo queixas, aceitando petições, a aliviarem o sofrimento. Raramente eram solicitados além das suas posses e, se soía, resignavam-se os mendicantes. Quanto mais perto do céu, maior respeito infundiam, mais petições recebiam, maiores expectativas geravam. Eu ficava a imaginar do que seriam capazes os que habitavam no cimo de montanhas muito altas, que sabia haver, sem cuidar das dificuldades de acesso dos requerentes.

Durante o ano, os santos concediam graças que eram agradecidas em Agosto com foguetes, missa e uma romaria profana que irritava os padres e alegrava os santos. Mas, de tanto pedirem, foi-se Deus cansando de os ouvir, primeiro, desinteressaram-se os crentes de implorar, depois, ou, talvez, a sangria da emigração converteu em deserto o terreno fértil da fé. É com saudade que recordo as ermidas abandonadas que outrora atraíam à sua volta feiras e procissões em confronto dialéctico do sagrado com o profano numa síntese admirável de que só o mundo rural era capaz.

A Senhora do Monte pertencia à paróquia da Cerdeira. Às vezes os santos tomavam as dores dos paroquianos e geravam a desconfiança dos vizinhos, mas não era o caso, por ser de concelho diferente e não haver rivalidades entre as paróquias.

Saíamos da Miuzela do Côa, manhã cedo, descíamos a aldeia, passávamos pela capelinha de S. Sebastião, deixando à direita, encostada ao cemitério, a vinha do passal que, no tempo da República, Paulo Afonso comprou à autoridade administrativa, valendo-lhe a excomunhão eclesiástica, vingança do pároco que reclamava a vinha e o regresso da monarquia. Viveu o réprobo em paz, sem que o anátema o apoquentasse, até ao dia em que teve de pedir a desexcomunhão, para que o filho pudesse franquear o seminário, custando-lhe a canónica amnistia outra vez o valor da vinha.

À beira do caminho havia agricultores, inquietos com a romaria, a guardar os melões, que a rapaziada cobiçava, e, ao longe, entre giestas, lobrigavam-se cachopas, deambulando à espera do encontro apalavrado, talvez mesmo alguma coitanaxa aflita por tornar-se dona.

Íamos pela fresca e regressávamos tarde, de estômago menos vazio, com fritos e vinho a justificarem a jornada, esquecida a devoção, a tropeçar nas pedras em noites de lua nova. Atrás de nós via-se um clarão, vindo da Guarda, à distância de seis léguas, no alto do monte onde chegara a luz eléctrica, com a ermida de onde voltávamos perdida na escuridão da noite.

A Senhora do Monte há muito que não fazia um milagre de jeito mas tinha festa rija e um passado de respeito. Um dia o fogo subiu o monte impelido pelo vento e envolveu a capela, com gente aflita a orar. Abriram as portas e redobraram as orações, que em tempo de aflição se reza mais depressa para compensar a desatenção e acompanhar a ansiedade. Deixaram que a virgem visse o fogo e este a virgem. Foi então que as chamas baixaram e logo o fogo se deteve, enquanto, maravilha das maravilhas, prodígio nunca visto, começou o fogo a recuar e, à medida que a terra desardia, tornaram as plantas que a cobriam.

A Santa, por ter-se cansado ou perdido o jeito, renunciara aos milagres, mas os crentes não perdiam a fé de a ver regressar ao ramo e fazer jus à glória antiga. Ainda assim era muito solicitada por raparigas solteiras que lhe imploravam para as livrar da prenhez que em horas do demo pudessem ter contraído. Foi como contraceptivo de eficácia duvidosa que conheci a Senhora do Monte nos tempos em que lhe engrossei a romaria.

Crónica expressamente escrita para o «Diário Ateísta», dedicada aos meus leitores.

18 de Setembro, 2004 Palmira Silva

Sexo e ciência

Nos últimos tempos temos sido agraciados com uma série de notícias em que o tema recorrente é o recrudescimento das iniciativas religiosas para reintroduzir os seus dogmas no Direito, suposto laico, que rege os nossos estados. Nomeadamente em assuntos que têm subjacentes a sexualidade, como é referido, por exemplo, no post do Carlos Esperança «A Cúria não tem cura»

Tudo isto suscitou a escrita deste texto em que, para evitar eventuais desentendimentos semânticos, vou apenas abordar o sexo=biológico e deixar de lado a sua evolução para o que chamo sexo=social. Portanto logo à partida separo-me um pouco da visão do filósofo Michel Foucault (A História da Sexualidade , 1976-1984) que engloba ambos numa scientia sexualis: «A noção de sexo tornou possível agrupar, numa unidade artificial, a scientia sexualis, elementos anatómicos, funções biológicas, condutas, sensações, prazeres; e possibilitou-nos usar essa unidade fictícia como um princípio causal, um sentido omnipresente, um segredo a ser descoberto em toda parte» (Michel Foucalt, A Hstória da Sexualidade, 1976-1984).

Pessoalmente acho que a civilização progride em saltos quânticos e não de forma contínua. As grandes transições civilizacionais surgiram no decurso de uma grande descoberta: o fogo, a metalurgia, a pastorícia, a domesticação de animais, etc… Na História mais recente podemos identificar movimentos culturais como catalizadores das transições, normalmente literários ou de outras formas de arte, que interpretam e transmitem os avanços científicos em todas as áreas do conhecimento humano, nomeadamente nas ciências exactas. Até ao limiar do século XX a sociedade em geral era exposta ao que de novo era descoberto pelos cientistas. Eram habituais as experiências de salão na sociedade elegante dos séculos XVIII e XIX, em que a classe alta se divertia com o NO, o gás hilariante, ou o hélio, que mudava o timbre do mais respeitável barítono. Quando a electricidade foi finalmente dominada foi vista quasi como panaceia para todos os males da sociedade (quem não viu o Regresso a Oz e o tratamento prescrito à pobre Dorothy).

Mas em 1900 Planck explica o puzzle da radiação do corpo negro (conhecido como a catástrofe do ultra violeta) e propõe que o calor radiado por um corpo negro é emitido apenas em quantidades discretas a que chama quantas. E o mundo mudou quando Einstein, compreendendo que a teoria de Planck faz uso implícito da hipótese quântica da luz, explica em 1905 o efeito fotoeléctrico introduzindo o conceito do dualismo onda-corpúsculo aplicado à luz. Estendido 19 anos mais tarde por Louis de Broglie, um estudante de Arte Medieval que trocou as catedrais góticas por ondas electromagnéticas, a partículas subatómicas como os electrões.

O papel actual que a ciência desempenha no quotidiano é frequentemente negligenciado e muitas vezes a opinião pública só é mobilizada quando a investigação e as novas descobertas suscitam questões éticas. Por exemplo, o evolucionismo tem 140 anos. É a pedra basilar de toda a biologia moderna, do desenvolvimento de medicamentos que nos salvam a vida e na alimentação de uma população crescente num planeta que parece cada vez mais pequeno. Continua a não ser aceite pelas religiões ocidentais, especialmente as do livro, que contrapoem o oxímoro criacionismo científico, já que o evolucionismo nega o pecado original, o alicerce de todos os dogmas do livro. Não permeou a sociedade. Por isso, no século XXI, não demos ainda o salto quântico expectável pelo grau de avanço científico.

Mas retomando o tema, sexo e reprodução são fenómenos distintos e a reprodução sexuada é a excepção e não a regra nas espécies vivas da Terra. E muito mais recente: durante muitos milhões de anos a vida na Terra manteve-se sem sexo. Só muito posteriormente começaram a surgir machos e fêmeas e o sexo passou a ser indispensável para a reprodução de algumas espécies. Que numa perspectiva reducionista, a la Dawkins, são apenas veículos orgânicos que permitem a replicação dos genes. A reprodução é simplesmente o mecanismo que permite aos genes, e não aos indivíduos, a sua perpetuação ao longo das gerações.

Para a grande maioria das formas vivas, a reprodução assexuada, nas suas muitas variantes, assume-se como a forma predominante de reprodução. Prático, rápido… e sem prazer, ou pelo menos não há, até o presente, indícios de que as bactérias se divirtam no processo, apesar do afinco com que se dedicam a ele. Com esporádicas incursões a um quasi sexo para troca de material genético. A via sexuada é apenas a forma de reprodução flagrantemente mais dispendiosa em termos biológicos. Não só a nível fisiológico mas, quando os dois sexos correspondem a indivíduos distintos, também comportamental. Pensemos na energia investida em cantos, danças e outras exibições altamente elaboradas dos comportamentos de corte de muitas espécies, assim como no aparecimento e manutenção de características sexuais secundárias como as majestosas plumas dos pavões macho. Para não falar no desperdício de energia na produção de machos, criaturas quase inúteis do ponto de vista da natureza, criadas e alimentadas com a função específica de atingirem a maturidade e tornarem-se doadores dos gâmetas necessários para fertilizar as fêmeas. Ou seja, a propagação genética sexuada é mais cara, em termos puramente energéticos, do que a assexuada; o sexo, em termos biológicos, deve ser assumido como um «artigo de luxo»! Por que razão o sexo triunfou dessa maneira, apesar do elevado custo energético?

Só recentemente os biólogos evolucionistas parecem ter encontrado a resposta para o paradoxo, num corolário da teoria da evolução a que se chamou a hipótese da Rainha Vermelha, inspirada no livro de Lewis Carrol, Through the Looking Glass, em que a Rainha Vermelha diz «Now here, you see, it takes all the running you can do to keep in the same place».

Um meio ambiente em permanente mudança, especialmente no que diz respeito a parasitas (bactérias, vírus, etc., que se reproduzem assexuadamente), é a base desta teoria sobre a origem e a manutenção do sexo, proposta em 1980 por William D. Hamilton, da Universidade de Oxford. Os omnipresentes parasitas apresentam virulência específica, afectando apenas determinados genótipos dos hospedeiros. O tempo de vida dos parasitas é muito mais curto que o dos hospedeiros, ou seja, milhões de gerações dos primeiros sucedem-se durante a vida de um hospedeiro. As incontáveis gerações de parasitas, para os quais a principal fonte de variabilidade é a mutação, traduzem-se em taxas de evolução muitas vezes maiores, deixando como única saída para os hospedeiros mais longevos a reprodução sexuada e a produção de filhos diferenciados geneticamente e eventualmente resistentes aos parasitas.

Segundo Hamilton, uma «corrida às armas da adaptabilidade genética» entre hospedeiros e parasitas ocorre desde que a vida surgiu na Terra. Os parasitas estão sempre a furar as barreiras defensivas impostas pelo genótipo dos hospedeiros, enquanto estes, com a ajuda do sexo, criam continuamente novas defesas. Na ausência do sexo, os hospedeiros permaneceriam geneticamente inalteráveis, enquanto os parasitas iriam acumulando adaptações que lhes permitiriam quebrar todos os sistemas de defesa dos primeiros.

A teoria da Rainha Vermelha prediz diversos padrões ecológicos que têm sido verificados na natureza. Segundo a teoria, por exemplo, quanto maior a diferença entre o tempo de vida do hospedeiro e o tempo de vida do parasita, maior será a pressão de parasitismo. Assim, o sexo deve ser mais frequente em organismos de maior longevidade, o que de facto pode ser comprovado experimentalmente. Muitos estudos indicam ainda que espécies com reprodução assexuada são mais susceptíveis a ataques de parasitas que espécies aparentadas com reprodução sexuada. Isso também é verdade para variedades de plantas. Qualquer agricultor sabe que monoculturas de cereais geneticamente uniformes são mais propensas a serem devastadas por pragas. Há espécies de peixes em que só existem fêmeas que se reproduzem assexuadamente produzindo apenas fêmeas. Quando as condições ambientais são adversas algumas fêmeas deixam de se reproduzir, transformam-se em machos e passa a haver sexo e produção de crias dos dois sexos. Quando o ambiente estabiliza desaparece a reprodução sexuada.

No entanto, a distinção entre sexualidade e reprodução não permeou a sociedade, que continua refém de dogmas sexuais anacrónicos face ao conhecimento moderno.

18 de Setembro, 2004 jvasco

Concurso de Oxímoros III

Surgiram ainda mais oxímoros nos comentários ao artigo anterior.
Dentro da temática religiosa temos o «amor cristão», que o Ricardo sugeriu, tal como o «por amor de Deus» (referindo-se ao mesmo Deus cristão), que o Carlos Camacho lembrou.
«Sou ateu, graças a Deus» é um clássico trazido pela «Déia», e o Carlos Camacho ainda sugeriu (entre outros) «fé ateísta» e «moral religiosa».
Devo dizer que achei piada a todos estes, mas mais como brincadeira.
Não me parece que sejam, nem de perto nem de longe, tão contraditórios como o meu favorito: aquele que o André Esteves lembrou, «Fé Racional».