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11 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Rocky Road to Dublin

Mais de 30 anos depois de rodado e no ano em que Cork é a capital europeia da cultura, o documentário de Peter Lennon, filmado por Raoul Coutard, o operador de câmara de Godard e Truffaut, The Rocky Road to Dublin passa finalmente esta semana no Cork Film Festival.

O que fazer com a revolução depois de a obter? é a pergunta a que Peter Lennon tenta responder com este documentário em que argumenta que se a revolução de 1916 acabou com o domínio inglês na Irlanda (possível com a preciosa ajuda do Papa Adriano IV a Henrique II da Inglaterra,) este foi substituído por um domínio religioso opressivo.

Numa entrevista ao jornal Britânico Guardian, Retrato de uma sociedade sujeita a lavagem cerebral, o autor conta como a Igreja Católica irlandesa censurou eficazmente o filme, um dos oito escolhidos para a semana da crítica no festival de Cannes de 1968 e o último filme visonado antes de Godard e Truffault cancelarem o festival, por solidariedade para com os estudantes.

No próximo sábado a múmia sai finalmente da tumba. E as perguntas incómodas postas por este documentário há três décadas continuam actuais: conseguiram os políticos irlandeses libertar-se do que é descrito no filme como «a terrível e fatal ligação entre Igreja e Estado»?

A julgar pelo acordo entre a Igreja e o estado irlandês que assumiu cerca de 75% das indemnizações devidas aos milhares de vítimas de abuso sexual e trabalho escravo nas instituições católicas irlandesas parece que não…

10 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

A feira dos milagres

Na ânsia de fabricar milagres, JP2 tem convocado centenas de defuntos, sepultados em zonas de confiança ideológica da ICAR, para curarem uma criança aqui, uma freira acolá, um médico noutro sítio, enfim, uma quantidade enorme de doentes que Deus sadicamente tinha estropiado. A boa vontade dos defuntos, em péssimo estado de conservação, aliviou alguns cristãos das moléstias enviadas pela divina providência, na sua infinita bondade.

O exercício da medicina tem sido o passatempo desses bem-aventurados, há muito desaparecidos, cristãos com pecados apagados pelo tempo e virtudes avivadas pelo Papa. No laboratório do Vaticano autenticam-se certificados de garantia para os milagres e criam-se novos beatos e santos que povoam a folha oficial do bairro de 44 hectares.

Antigamente era o próprio Cristo que se deslocava à Terra para ajudar a ganhar batalhas aos seus eleitos ou que aconselhava os cristãos sobre a forma de matarem os infiéis com mais eficácia. Depois de numerosos desaires, ou porque a idade e o reumático lhe limitaram as deslocações, Deus deixou ao Papa a tarefa de engendrar os milagres mais adequados à promoção da fé e estupefacção dos crentes. Este pontificado abandonou o método artesanal de fazer um santo aqui outro acolá, de acordo com os interesses políticos do Vaticano e as oferendas dos países beneficiários, para se dedicar à industrialização.

As curas de cancros foram, durante muito tempo, as preferidas da Cúria romana. Problemas de ossos, moléstias da pele, diabetes, paralisias e outras doenças fazem parte do cardápio da santidade. Mas, com tanta clientela para elevar aos altares, o Vaticano já chegou ao ponto de deixar para um imperador (Carlos I da Áustria) a cura de varizes numa freira. Foi uma ofensa aos quatro filhos vivos que assistiram à beatificação. Se para um imperador sobra como milagre a cura de varizes, este Papa, quando for um sólido defunto, arrisca-se a não ter disponíveis mais do que dois furúnculos para curar, numa catequista da Polónia, se quiser chegar a beato. Os medicamentos estragaram milagres de grande efeito como a cura da lepra, por exemplo. Há milagres que o Vaticano não arrisca – hemorróidas, por causa do sítio, e a sífilis, a blenorragia, a SIDA e outras moléstias que associa ao pecado.

Mas há enganos que há muito deixou de cometer, canonizar por engano um cão que julgava mártir, ou uma parelha de mulas que morreram de exaustão e que a ICAR pensou tratar-se de santas mulheres que sacrificaram a vida pelo divino mestre.

Os milagres são cada vez mais rascas mas os dados biográficos dos que os obram são cada vez melhor escrutinados.

9 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Mitologia sim, mitomania não

Ler os comentários enraivecidos de alguns créus é um bênção para o fígado e um alívio para a tristeza. Encharcam-se em água benta e empanturram-se em partículas sagradas,depois avariam os neurónios e ensandecem. Consideram privilégio falar sob pseudónimo, com aquela coragem com que na Idade Média escreviam cartas anónimas a denunciar judeus, bruxas, hereges e outros que excitavam a esquizofrenia dos censores e estimulavam a vocação dos carrascos para o piedoso churrasco. Só na clandestinidade se atrevem a beneficiar da liberdade de expressão, benefício que gostariam de abolir para agradar ao seu Deus. De facto, pelo que dizem os crentes, Deus não é um entusiasta da liberdade de expressão nem de qualquer outra. É um ditador pusilânime moldado à imagem e semelhança dos seus criadores – beatos convencidos da bem-aventurança eterna, missionários da vulgata que lhes impingiram no berço, criaturas habituadas a benzer-se e a rastejar de joelhos.

Às vezes no intervalo da demência mística que os devora, dizem coisas certas. Dizem que somos contra as religiões, todas as religiões, o que é verdade. Mas mentem quando dizem que somos contra os crentes, todos os crentes. Somos de facto contra as drogas mas temos o maior carinho pelos drogados. Combatemos os passadores mas respeitamos os consumidores. É esta diferença que depois da ressaca poderão apreciar.

Também não é verdade que sejamos contra Deus. Ninguém pode ser contra o que não existe. Somos contra a exploração da mentira, a venda de placebos, a humilhação dos homens e das mulheres à custa de um mito. E só nos insurgimos pelo facto de haver pessoas dispostas a impor princípios e obrigações aos incautos sob a ameaça de um deus vingativo. Repudiamos, sim, o terrorismo psicológico que exercem ou os castigos que se encarregam de infligir.

Já alguém no Diário Ateísta criticou Júpiter, ridicularizou Neptuno, invectivou Mercúrio, ou escarneceu qualquer dos 12 deuses da mitologia romana, ou Zeus , Posídon e os outros da mitologia grega? Tal como Osíris, Ormusd ou Brama deixaram de ter crentes e, por isso, ninguém perde o emprego por não acreditar neles, ninguém arrisca o pescoço ou a liberdade por não obedecer às suas determinações, ninguém é preso, queimado ou lapidado pelo desprezo a que os vota. Os deuses de hoje são os mitos do futuro. Nós ateus apreciamos a mitologia, apenas combatemos a mitomania.

Por tudo isto são bem-vindos os crentes de qualquer deus que estejam dispostos a defender os crentes de um deus diferente e os que não precisam nem querem acreditar.

Até lhes perdoamos o humor lábil, a covardia do anonimato, as frequentes alterações do pseudónimo, a saudade da Inquisição, a ânsia de se tornarem cruzados, para partirem em guerra contra os infiéis, e o ressentimento contra o ateísmo.

Animem-se, nós somos o instrumento de Deus para pôr à prova a vossa fé. Têm obrigação de acreditar nesta e noutras idiotices que vos ensinam na catequese.

9 de Outubro, 2004 Mariana de Oliveira

O beato da discórdia

A recente beatificação do imperador Carlos I está a causar polémica na Áustria e na Madeira.

Após a cerimónia de consagração, grupos austríacos e autoridades madeirenses começaram a disputar a transferência ou permanência dos restos mortais do monarca na Igreja do Monte, no Funchal, onde está sepultado. E isto porquê? Porque as hordas de peregrinos são acompanhadas de grande circulação monetária.

A utilização do imperador como chamariz de turistas à Madeira foi criticada pelo vigário-geral da diocese funchalense, cónego Pita Andrade. Por seu turno, o bispo do Funchal, D. Teodoro Faria, sugeriu a criação de um núcleo museológico dedicado ao imperador e o presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, presente na cerimónia de beatificação, no Vaticano, confirmou a intenção de explorar esta nova atracção turística. «A Madeira passa a ter no seu território a sepultura de um beatificado. De um ponto de vista espiritual e religioso, é uma marca», afirmou.

Alberto João Jardim, justificou a sua presença no Vaticano dizendo que se trata «de alguém ligado à história da Europa, aos países que formaram o antigo império austro-húngaro, com ligações históricas a vários países estrangeiros, implica uma certa atenção cultural desses países ao santuário do Monte».

Tanto na Áustria como na Madeira, as opiniões sobre a beatificação do imperador divergem e a Igreja tem vindo a ser ridicularizada pelos milagres atribuídos a Carlos I. O padre José Luís Rodrigues, pároco de S. Roque diz não perceber «ainda o que teve de extraordinário este homem, nem muito menos se percebe o que tenha feito de relevante pela Igreja da Madeira». Para além de José Luís Rodrigues não encontrar «nada que prove» que a vida de Carlos I foi «tão alta e tão sublime que mereça distinção de santidade para ser venerada pelos fiéis», o milagre mais relevante seria o de uma freira brasileira que rezou ao imperador pela cura das suas varizes, o que constitui «outro aspecto que redunda em brincadeira de gosto duvidoso». E prossegue: «todos os milagres que me contam são de uma infantilidade atroz e redundam numa ofensa grave contra a inteligibilidade da fé».

A juntar a tudo isto, «não se vê entre nós uma avalanche de devotos a Carlos de Áustria nem um movimento de oração à volta da sua pessoa». Na verdade, «a maioria da população da Madeira não sabe nada desta figura ou simplesmente nunca ouviu falar dela», afirma o pároco.

Na terra natal do imperador, foi contestada igualmente a presença do presidente do Parlamento e de uma representação governamental na cerimónia papal, por violação do princípio de separação do Estado e da Igreja. Por estes lados, ninguém se queixou de um membro do aparelho estadual ter participado, nessa qualidade, na beatificação.

8 de Outubro, 2004 Mariana de Oliveira

Vinde a mim as criancinhas

João Paulo II está preocupado com o destino das crianças que morrem sem baptismo.

Parece que está em discussão uma doutrina de origem medieval que coloca as crianças mortas sem terem cometido qualquer ofensa, mas que não tenham sido baptizadas – e, assim, não expurgadas da culpa do pecado original – no limbo, um lugar sem tormentos afastado de Deus, o qual decidirá eventualmente o destino dessas almas. Esta zona intermédia, supostamente, durará toda a eternidade e nela não há castigo nem júbilo de estar na presença de Deus, o que deve ser aborrecido.

A estas crianças não se imputa qualquer juízo de censura (ou culpa) só que, «não tendo renascido na água e no espírito santo», mantiveram-se no pecado original e não podem entrar no Reino dos Céus. No entanto, como dizia São Tomás, 0s meninos mortos sem o mergulho na água benta teriam gozado de uma «beatitude natural. Serão felizes em participar amplamente na bondade divida».

Portanto, o estudo deste problema deverá ter em conta, diz JP2, a grande misericórdia de Deus o qual, dizem, quis que os todos os homens fossem salvos e também «as explícitas frases de Jesus sobre a necessidade do baptismo, o sentido do pecado original e o valor dos sacramentos».

Assim, a ICAR continua a ter o monopólio da salvação post mortem e as crianças que não foram obrigadas pelos pais a participarem numa cerimónia sem terem consciência do seu significado não arderão no fogo do Inferno como castigo da sua imprudência – terem nascido -, mas ficarão numa espécie de prisão preventiva. Deveras desagradável…

8 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Deus lava mais branco

O Diário Ateísta é um jornal virtual onde alguns ateus exprimem os seus pontos de vista. Em comum têm o mais profundo desprezo por uma entidade de cuja existência não há a mais leve suspeita. A diferenciá-los têm a diversidade de opiniões de natureza política, ética e filosófica.

A uni-los têm um profundo amor à liberdade e um preconceito terrível contra o proselitismo. Não batemos à porta de ninguém a convencer que vem aí um profeta montado numa vassoura para salvar os desgraçados; não subimos a um púlpito para garantir o Paraíso a quem se resigne à castidade, renuncie ao prazer e esfole os joelhos a rezar ladainhas; não prometemos uma vida gloriosa a quem fizer alguma maratona aos santuários, der esmolas para a sustentação do culto ou se empanturrar com hóstias e orações.

Não dispomos de ensaios duplo-cegos (únicos rigorosos) para garantir que o Deus de Abraão é melhor do que os outros, nem que o Deus imaginado por cada uma das religiões do livro é menos cruel e vingativo do que o de outra qualquer.

Quem nos visita sabe que pode escrever os seus comentários e manifestar os seus estados de alma sem sofrer censura. Vêm crentes tolerantes, educados, cultos, nervosos, agressivos, moderados ou fanáticos, quase sempre empenhados em reflectir. Outros são Anónimos, cidadãos de Oslo, Davides e quejandos, que à covardia do anonimato juntam a pusilanimidade do comportamento e a superstição da fé. São santas bestas em busca da salvação da alma. Acreditam na vida eterna, na ressurreição da carne, na omnipotência divina, nos embustes dos seus padres e na bondade do seu Deus.

A todos saúdo. Todos são bem-vindos a este espaço num país moldado pela ICAR que ao longo da História devotou à liberdade um ódio inclemente, ódio partilhado pelas outras religiões que, no caso do islão, se estende ao toucinho.

Benditos crentes, malditas religiões.

8 de Outubro, 2004 jvasco

De onde vem a Religião?

A religião é natural? Um excelente artigo da Skeptical Inquirer tenta responder a essa pergunta. Analisando as diferentes religiões e processos mentais que lhes dão origem, o autor chega a conclusões surpreendentes.

Estudando as crenças das pessoas (que são diferentes daquilo que as pessoas crêem crer), estudando a forma de como a religião surgiu em diferentes sociedades, quais as diferenças e pontos em comum, qual a relação com a moralidade, com o ritual, o autor mostra que a explicação da religião como «dormência da razão» é uma explicação incompleta.

8 de Outubro, 2004 André Esteves

Pânico ecuménico

Durante um recente encontro ecuménico, o contínuo entra na sala de reuniões, em pânico, a gritar: «Fogo! O prédio está a arder!»

Os Metodistas juntaram-se todos num canto e desataram a orar.

Os Baptistas gritavam e gesticulavam uns com os outros: «Onde está a água?! Onde está?»

Os Quackers agradeceram calmamente a deus pelas bençãos que o fogo traz.

Os Luteranos pregaram um aviso na porta declarando que o fogo era maligno.

Os Católicos Romanos organizaram imediatamente uma colecta para cobrir os danos do incêndio.

Os Judeus pintaram símbolos em todas as portas, na esperança que o fogo não entrasse.

Os Fundamentalistas entraram em frenesi, saltando, enquanto gritavam: «É A VINGANÇA DE DEUS!»

Os Episcopelianos formaram uma procissão e saíram.

Os Cientistas Cristãos concluiram que devia existir fogo.

Os Presbiterianos designaram logo um responsável para constituir um comité para investigar o assunto e apresentar um relatório sobre o fogo.

E os Unitários gritaram: «É cada um por si!»

Mas o incêndio nunca chegou, porque um ateu que passava na rua chamara os bombeiros. Na declaração final do encontro ecuménico, todos concordaram: tinha sido intervenção divina.

7 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Atenção católicos

Cuidado com a confissão



«O Vaticano é o melhor serviço de informações»



Jorge Dezcallar, embaixador de Espanha junto da Santa Sé

Revista Visão n.º 605, pg. 32