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13 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Está aberta a audiência

Está aberto o tribunal eclesiástico para julgar os arguidos Francisco e Jacinto Marto, suspeitos de terem curado pela televisão uma criança, residente na Suíça, filha de pais portugueses, portadora de diabetes melitus tipo I, «insulino-dependente».

Segundo os autos, a mãe da criança viajava de joelhos à volta do televisor da sala de jantar e empurrava a criança contra o ecrã no dia 13 de Maio do ano 2000, enquanto João Paulo II dava a bênção em Fátima e promovia os ora arguidos à condição de beatos. Na consulta seguinte os médicos ficaram aparvalhados por verem a criança curada.

Dada a complexidade do milagre, só possível graças à invenção da televisão, o julgamento avaliará testemunhos e documentos antes de declarar milagre a cura, mais difícil do que a primeira, (a de D. Emília dos Santos, que esteve entrevada e morreu pouco tempo depois, a andar).

Os arguidos Francisco e Jacinto estão dispensados de comparecer em tribunal para evitar uma nova exumação dos dois defuntos, que gozam de enorme consideração da ICAR e que Deus foi servido de chamar à sua divina presença, respectivamente em 1918 e 1920, ambos por volta dos 10 anos de idade.

Segundo conseguiu saber o Diário Ateísta de meios beatos ligados ao negócio de Fátima, o veredicto já está confirmado, sendo o simulacro de julgamento um acto simbólico para gáudio dos devotos. Assim, em menos de um ano, os beatos serão promovidos a santos, numa acção de intensa propaganda para relançar a fé e reanimar os negócios na Cova da Iria.

O Diário Ateísta regista o milagre, inteiramente concebido, fabricado e distribuído sem recurso a tecnologia estrangeira, com um grau de autenticidade igual a todos os outros que JP2 aprovou nos países onde a ICAR enveredou pela superstição como método de alienação colectiva e caminho para a sua sobrevivência.

13 de Outubro, 2004 André Esteves

Mais um 13 de Outubro

Mais um treze de Outubro, mais um dia em que Portugal inexoravelmente se autodestroi.

Duas vezes por ano, assistimos neste país ao espectáculo deplorável das peregrinações a Fátima. As televisões fazem directos. Os programas de «conversa da chacha» enchem-se de padres, beatos e mentecaptos. As matronas na cozinha, choram e levantam o rosários, sempre variando a dose de emoção teletransmitida do espectáculo televisivo diário, das histerias, do maldizer e coscuvilhice.

Nos directos de Fátima, vemos o feio, o porco e o mau. Tornaram-se tão indispensáveis à ecologia mental católica, como os homens de uniforme eclesiástico, sempre impecável, com peles cuidadas, portes saudáveis, faces simpáticas e sedutoras.

Ouço um desses exemplares na SIC, repetir, num discurso confuso, em cada frase as palavras Fátima e Esperança. As caras aparvalhadas da plateia, batem palmas quando se cala. De seguida, um autêntico extraterrestre eclesiástico, com um uniforme sofisticado de um passado que nunca existiu, afirma em voz de barítono, que a fé é como um dia em que o sol está por detrás das nuvens, e que pela fé sabemos que o sol está lá… Nova salva de palmas…

O meme está passado, confundiu-se o facto com a hipótese.

É assim.. Já não há jornalistas a sério em Portugal, seguem todos as recomendações do Vaticano II, e do aproximar da ICAR aos meios de comunicação, por estes terem uma «vocação evangélica».

As televisões repetem o fait-diver do prof. Marcelo. Reclama-se por liberdade de expressão. Mentiras por mentirosos que mentem.

Desde a morte do bispo de Viseu que muita coisa mudou na comunicação social em Portugal.

Há um cheiro podre a tirania no ar.

13 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

A Bíblia & os preconceitos

Há muito que este texto circula pela NET. Merece uma leitura e reflexão:

«Recentemente, uma célebre animadora de rádio dos EUA afirmou que a homossexualidade era uma perversão: « É o que diz a Bíblia no livro do

Levítico, capítulo 18, versículo 22: ” Tu não te deitarás com um homem como te deitarias com uma mulher: seria uma abominação”. A Bíblia refere assim a questão. Ponto final » – afirmou ela.

Alguns dias mais tarde, um ouvinte dirigiu-lhe uma carta aberta que dizia:

«Obrigado por colocar tanto fervor na educação das pessoas pela Lei de Deus. Aprendo muito ouvindo o seu programa e procuro que as pessoas à minha volta a escutem também. No entanto, eu preciso de alguns conselhos quanto a outras leis bíblicas.

Por exemplo, eu gostaria de vender a minha filha como serva, tal como nos é indicado no Livro do Êxodo, capítulo 21, versículo 7. Na sua opinião, qual seria o melhor preço?

O Levítico também, no capítulo 25, versículo 44, ensina que posso possuir escravos, homens ou mulheres, na condição que eles sejam comprados em nações vizinhas. Um amigo meu afirma que isto é aplicável aos mexicanos, mas não aos canadianos. Poderia a senhora esclarecer-me sobre este ponto?

Por que é que eu não posso possuir escravos canadianos?

Tenho um vizinho que trabalha ao sábado. O Livro do Êxodo, capítulo 25, versículo 2, diz claramente que ele deve ser condenado à morte.

Sou obrigado a matá-lo eu mesmo? Poderia a senhora sossegar-me de alguma forma neste tipo de situação constrangedora?

Outra coisa: o Levítico, capítulo 21, versículo 18, diz que não podemos aproximar-nos do altar de Deus se tivermos problemas de visão. Eu preciso de óculos para ler. A minha acuidade visual teria de ser de 100%?

Seria possível rever esta exigência no sentido de baixarem o limite?

Um último conselho. O meu tio não respeita o que diz o Levítico, capítulo 19, versículo 19, plantando dois tipos de culturas diferentes no mesmo campo, da mesma forma que a sua esposa usa roupas feitas de diferentes tecidos: algodão e polyester. Além disso, ele passa os seus dias a maldizer e a blasfemar. Será necessário ir até ao fim do processo embaraçoso que é reunir todos os habitantes da aldeia para lapidar o meu tio e a minha tia, como prescrito no Levítico, capítulo 24, versículos 10 a 16? Não se poderia antes queimá-los vivos após uma simples reunião familiar privada, como se faz com aqueles que dormem com parentes próximos, tal como aparece indicado no livro sagrado, capítulo 20, versículo 14?

Confio plenamente na sua ajuda.»

12 de Outubro, 2004 André Esteves

Em memória: Christopher Reeve 1952-2004

Morreu Christopher Reeve. Era ateu.

No decorrer de uma vida cheia de sucessos profissionais, sofreu um acidente de cavalo que o deixou quadriplégico. Ao invés de desistir da vida, preferiu lutar pela esperança da cura.

Lenta e determinadamente conseguiu restabelecer a sensibilidade das suas mãos e pés. No entanto, o seu estado era tão grave que não conseguia respirar sem a ajuda de uma máquina.

No meio do seu combate, viu a sua esperança renovada ao entrar no conhecimento público as novas descobertas das células estaminais. Perante a oposição do Vaticano e do seu lobby anti-aborto ao forçar uma decisão presidencial americana sobre o assunto, interveio publicamente a favor da continuação da investigação na área, lembrando aos políticos da maioria dos católicos que não se revêem na posição do Vaticano e que apoiam a investigação das células estaminais.

Mesmo assim, a decisão do Presidente Bush de só apoiar as linhas de células desenvolvidas até aquele momento, atrasou e continua a impedir o avanço mais rápido do conhecimento humano. Hoje sabe-se que as células estaminais, além de poderem ser cultivadas para se transformarem em qualquer tipo de tecido, detêm a capacidade de produzir químicos sinalizadores que incentivam a cura dos tecidos circundantes.

A cura, essa, nunca chegará a Christopher Reeve e a tantos outros que continuam a sofrer.

O poder, esse, continua na mão dos que invocam sofrimentos abstractos e mantêm os homens na guerra e na ignorância.

Christopher te saudamos!! Humano como nós.

Declarações públicas de Reeves sobre o seu ateísmo pessoal.[Inglês]

Fundação Christopher Reeve para o combate à paralisia [Inglês]

Reeve na CNN, antes da decisão do Presidente Bush [Inglês]

12 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Ateísmo nas escolas em Inglaterra?

Foi ontem publicada pelo Governo britânico uma análise estatística do censo de 2001 (complementada com informação mais recente) focada no tema religião.

Verifica-se que o cristianismo (nas suas múltiplas variantes) é dominante (71,8%) seguido dos que se declaram sem religião (15,1%) e dos que não indicam religião (7,8%). Todas as outras religiões em conjunto representam apenas 5,4% da população britânica.

Com uma população de ateístas tão representativa não se percebe porque ainda não se implementaram as recomendações do Institute for Public Policy Research, que sugere incluir o ateísmo nos programas escolares de educação religiosa e que a disciplina actual de Educação Religiosa deveria passar a ser designada por Educação Religiosa, Filosófica e Moral.

Um debate (já fechado) interessante sobre o tema pode ser encontrado no site da BBC online, Deverá o ateísmo ser ensinado nas escolas?

12 de Outubro, 2004 jvasco

Quem são os Deuses dos ateus?

Uma das críticas mais curiosas que se fazem aos ateus em geral é a de se quererem substituir aos Deuses.

Numa primeira análise, a crítica parece patética. Os ateus não acreditam em Deuses, não poderiam querer substituir-se a estes. A única justificação para uma crítica tão despropositada seria a falta de argumentos de quem se sente incomodado com a nossa posição. Estas considerações poderão ser válidas se a crítica fôr feita a certos ateus.

Mas em relação a outros ateus (nos quais me incluo), considero que a crítica faz sentido. A questão que se coloca é se deve ser ou não considerada uma crítica. Passo a explicar:

Os Deuses não existem. Tal como as outras personagens mitológicas, são fruto da imaginação humana. Os Deuses garantiriam os desejos intrinsecamente humanos: imortalidade (sim, a selecção natural criou o instinto de sobrevivência que se consubstancia num desejo de imortalidade); o Paraíso; a Justiça Final; a atenção total, absoluta, e amor de um ser Perfeito, Omnipotente.

Só que as pessoas podem inventar seres e sonhar com uma vida eterna que não existe, ou então, em vez de confundirem a realidade com os seus desejos, trabalharem para mudar a realidade de acordo com os seus desejos, construindo um mundo melhor.

Queremos o Paraíso? Construamo-lo. Construamos um mundo sem miséria, combatamos a doença com a medicina, construamos um mundo sem guerras, construamos um mundo melhor. «Brincar aos Deuses» assim é uma brincadeira mais séria e construtiva que qualquer Religião.

A estes ateus, a estes que querem construir um mundo melhor passo após passo, a estes que não querem ficar de braços cruzados, a estes que não esperam passivamente que os seus desejos se tornem realidade, trabalhando para os concretizar, a estes ateus faz sentido que lhes digam «vocês querem substituir-se aos Deuses». É caso para responder: «de alguma forma, é verdade, e ainda bem».

PS- Já tinha ouvido várias vezes esta crítica. A última vez que a li foi no sistema de comentários deste blogue, em relação ao artigo «Mitologia sim, mitomania não». Respondi de imediato à crítica, e considerei posteriormente que deveria publicar uma resposta a esta crítica como artigo do blogue (por ser uma crítica relativamente comum). Desta forma algum texto deste artigo é copiado dessa resposta.

11 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Rocky Road to Dublin

Mais de 30 anos depois de rodado e no ano em que Cork é a capital europeia da cultura, o documentário de Peter Lennon, filmado por Raoul Coutard, o operador de câmara de Godard e Truffaut, The Rocky Road to Dublin passa finalmente esta semana no Cork Film Festival.

O que fazer com a revolução depois de a obter? é a pergunta a que Peter Lennon tenta responder com este documentário em que argumenta que se a revolução de 1916 acabou com o domínio inglês na Irlanda (possível com a preciosa ajuda do Papa Adriano IV a Henrique II da Inglaterra,) este foi substituído por um domínio religioso opressivo.

Numa entrevista ao jornal Britânico Guardian, Retrato de uma sociedade sujeita a lavagem cerebral, o autor conta como a Igreja Católica irlandesa censurou eficazmente o filme, um dos oito escolhidos para a semana da crítica no festival de Cannes de 1968 e o último filme visonado antes de Godard e Truffault cancelarem o festival, por solidariedade para com os estudantes.

No próximo sábado a múmia sai finalmente da tumba. E as perguntas incómodas postas por este documentário há três décadas continuam actuais: conseguiram os políticos irlandeses libertar-se do que é descrito no filme como «a terrível e fatal ligação entre Igreja e Estado»?

A julgar pelo acordo entre a Igreja e o estado irlandês que assumiu cerca de 75% das indemnizações devidas aos milhares de vítimas de abuso sexual e trabalho escravo nas instituições católicas irlandesas parece que não…

10 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

A feira dos milagres

Na ânsia de fabricar milagres, JP2 tem convocado centenas de defuntos, sepultados em zonas de confiança ideológica da ICAR, para curarem uma criança aqui, uma freira acolá, um médico noutro sítio, enfim, uma quantidade enorme de doentes que Deus sadicamente tinha estropiado. A boa vontade dos defuntos, em péssimo estado de conservação, aliviou alguns cristãos das moléstias enviadas pela divina providência, na sua infinita bondade.

O exercício da medicina tem sido o passatempo desses bem-aventurados, há muito desaparecidos, cristãos com pecados apagados pelo tempo e virtudes avivadas pelo Papa. No laboratório do Vaticano autenticam-se certificados de garantia para os milagres e criam-se novos beatos e santos que povoam a folha oficial do bairro de 44 hectares.

Antigamente era o próprio Cristo que se deslocava à Terra para ajudar a ganhar batalhas aos seus eleitos ou que aconselhava os cristãos sobre a forma de matarem os infiéis com mais eficácia. Depois de numerosos desaires, ou porque a idade e o reumático lhe limitaram as deslocações, Deus deixou ao Papa a tarefa de engendrar os milagres mais adequados à promoção da fé e estupefacção dos crentes. Este pontificado abandonou o método artesanal de fazer um santo aqui outro acolá, de acordo com os interesses políticos do Vaticano e as oferendas dos países beneficiários, para se dedicar à industrialização.

As curas de cancros foram, durante muito tempo, as preferidas da Cúria romana. Problemas de ossos, moléstias da pele, diabetes, paralisias e outras doenças fazem parte do cardápio da santidade. Mas, com tanta clientela para elevar aos altares, o Vaticano já chegou ao ponto de deixar para um imperador (Carlos I da Áustria) a cura de varizes numa freira. Foi uma ofensa aos quatro filhos vivos que assistiram à beatificação. Se para um imperador sobra como milagre a cura de varizes, este Papa, quando for um sólido defunto, arrisca-se a não ter disponíveis mais do que dois furúnculos para curar, numa catequista da Polónia, se quiser chegar a beato. Os medicamentos estragaram milagres de grande efeito como a cura da lepra, por exemplo. Há milagres que o Vaticano não arrisca – hemorróidas, por causa do sítio, e a sífilis, a blenorragia, a SIDA e outras moléstias que associa ao pecado.

Mas há enganos que há muito deixou de cometer, canonizar por engano um cão que julgava mártir, ou uma parelha de mulas que morreram de exaustão e que a ICAR pensou tratar-se de santas mulheres que sacrificaram a vida pelo divino mestre.

Os milagres são cada vez mais rascas mas os dados biográficos dos que os obram são cada vez melhor escrutinados.

9 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Mitologia sim, mitomania não

Ler os comentários enraivecidos de alguns créus é um bênção para o fígado e um alívio para a tristeza. Encharcam-se em água benta e empanturram-se em partículas sagradas,depois avariam os neurónios e ensandecem. Consideram privilégio falar sob pseudónimo, com aquela coragem com que na Idade Média escreviam cartas anónimas a denunciar judeus, bruxas, hereges e outros que excitavam a esquizofrenia dos censores e estimulavam a vocação dos carrascos para o piedoso churrasco. Só na clandestinidade se atrevem a beneficiar da liberdade de expressão, benefício que gostariam de abolir para agradar ao seu Deus. De facto, pelo que dizem os crentes, Deus não é um entusiasta da liberdade de expressão nem de qualquer outra. É um ditador pusilânime moldado à imagem e semelhança dos seus criadores – beatos convencidos da bem-aventurança eterna, missionários da vulgata que lhes impingiram no berço, criaturas habituadas a benzer-se e a rastejar de joelhos.

Às vezes no intervalo da demência mística que os devora, dizem coisas certas. Dizem que somos contra as religiões, todas as religiões, o que é verdade. Mas mentem quando dizem que somos contra os crentes, todos os crentes. Somos de facto contra as drogas mas temos o maior carinho pelos drogados. Combatemos os passadores mas respeitamos os consumidores. É esta diferença que depois da ressaca poderão apreciar.

Também não é verdade que sejamos contra Deus. Ninguém pode ser contra o que não existe. Somos contra a exploração da mentira, a venda de placebos, a humilhação dos homens e das mulheres à custa de um mito. E só nos insurgimos pelo facto de haver pessoas dispostas a impor princípios e obrigações aos incautos sob a ameaça de um deus vingativo. Repudiamos, sim, o terrorismo psicológico que exercem ou os castigos que se encarregam de infligir.

Já alguém no Diário Ateísta criticou Júpiter, ridicularizou Neptuno, invectivou Mercúrio, ou escarneceu qualquer dos 12 deuses da mitologia romana, ou Zeus , Posídon e os outros da mitologia grega? Tal como Osíris, Ormusd ou Brama deixaram de ter crentes e, por isso, ninguém perde o emprego por não acreditar neles, ninguém arrisca o pescoço ou a liberdade por não obedecer às suas determinações, ninguém é preso, queimado ou lapidado pelo desprezo a que os vota. Os deuses de hoje são os mitos do futuro. Nós ateus apreciamos a mitologia, apenas combatemos a mitomania.

Por tudo isto são bem-vindos os crentes de qualquer deus que estejam dispostos a defender os crentes de um deus diferente e os que não precisam nem querem acreditar.

Até lhes perdoamos o humor lábil, a covardia do anonimato, as frequentes alterações do pseudónimo, a saudade da Inquisição, a ânsia de se tornarem cruzados, para partirem em guerra contra os infiéis, e o ressentimento contra o ateísmo.

Animem-se, nós somos o instrumento de Deus para pôr à prova a vossa fé. Têm obrigação de acreditar nesta e noutras idiotices que vos ensinam na catequese.

9 de Outubro, 2004 Mariana de Oliveira

O beato da discórdia

A recente beatificação do imperador Carlos I está a causar polémica na Áustria e na Madeira.

Após a cerimónia de consagração, grupos austríacos e autoridades madeirenses começaram a disputar a transferência ou permanência dos restos mortais do monarca na Igreja do Monte, no Funchal, onde está sepultado. E isto porquê? Porque as hordas de peregrinos são acompanhadas de grande circulação monetária.

A utilização do imperador como chamariz de turistas à Madeira foi criticada pelo vigário-geral da diocese funchalense, cónego Pita Andrade. Por seu turno, o bispo do Funchal, D. Teodoro Faria, sugeriu a criação de um núcleo museológico dedicado ao imperador e o presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, presente na cerimónia de beatificação, no Vaticano, confirmou a intenção de explorar esta nova atracção turística. «A Madeira passa a ter no seu território a sepultura de um beatificado. De um ponto de vista espiritual e religioso, é uma marca», afirmou.

Alberto João Jardim, justificou a sua presença no Vaticano dizendo que se trata «de alguém ligado à história da Europa, aos países que formaram o antigo império austro-húngaro, com ligações históricas a vários países estrangeiros, implica uma certa atenção cultural desses países ao santuário do Monte».

Tanto na Áustria como na Madeira, as opiniões sobre a beatificação do imperador divergem e a Igreja tem vindo a ser ridicularizada pelos milagres atribuídos a Carlos I. O padre José Luís Rodrigues, pároco de S. Roque diz não perceber «ainda o que teve de extraordinário este homem, nem muito menos se percebe o que tenha feito de relevante pela Igreja da Madeira». Para além de José Luís Rodrigues não encontrar «nada que prove» que a vida de Carlos I foi «tão alta e tão sublime que mereça distinção de santidade para ser venerada pelos fiéis», o milagre mais relevante seria o de uma freira brasileira que rezou ao imperador pela cura das suas varizes, o que constitui «outro aspecto que redunda em brincadeira de gosto duvidoso». E prossegue: «todos os milagres que me contam são de uma infantilidade atroz e redundam numa ofensa grave contra a inteligibilidade da fé».

A juntar a tudo isto, «não se vê entre nós uma avalanche de devotos a Carlos de Áustria nem um movimento de oração à volta da sua pessoa». Na verdade, «a maioria da população da Madeira não sabe nada desta figura ou simplesmente nunca ouviu falar dela», afirma o pároco.

Na terra natal do imperador, foi contestada igualmente a presença do presidente do Parlamento e de uma representação governamental na cerimónia papal, por violação do princípio de separação do Estado e da Igreja. Por estes lados, ninguém se queixou de um membro do aparelho estadual ter participado, nessa qualidade, na beatificação.