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27 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Direito ao contraditório

Diz o piedoso e temente a Deus Timóteo que o ateísmo é incompatível com a paz, a justiça e os direitos do homem já que estes são valores cristãos, acrescentando que qualquer ímpio que os defenda é necessariamente um crente inconsciente da benesse da fé.

Curiosamente não parece ser essa a opinião oficial da Igreja, inclusive a mais recente. Abordando neste primeiro post apenas os direitos humanos expresso desde já a minha preocupação pelo óbvio desvio dogmático apresentado pelo Timóteo. Temendo as consequências para a salvação da alma de tão ardoroso defensor e propagador da fé remeto-o aos ensinamentos da santa Igreja de Roma, alguns pronunciados com a inegável infalibilidade papal!

Dizia o Cardeal Renato Raffaele Martino aos 18 de Março de 2004 que «O itinerário histórico da tradição cristã dos direitos humanos não foi um itinerário pacífico.» Com este eufemismo quer o santo prelado referir-se às excomunhões sortidas dos seus proponentes, por exemplo, pela Bula In Eminente de Clemente XII, em 1738, 38 anos antes da Independência dos Estados Unidos e quando as ideias demoníacas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade começaram a infectar perigosamente a Europa.

«Com efeito, foram manifestadas por parte do Magistério da Igreja muitas reservas e condenações face ao afirmar-se dos direitos do homem após a Revolução francesa; mas estas reservas, repetidamente manifestadas por Pontífices, especialmente no século XIX, deviam-se ao facto de que tais direitos eram propostos e afirmados contra a liberdade da Igreja, numa perspectiva inspirada pelo liberalismo e pelo laicismo.» Este repetidamente devia de facto ser exaustiva e constantemente, nomeadamente pelo beato Pio IX, nas suas múltiplas encíclicas devotadas ao assunto, como as encíclicas Quanta Cura, Qui pluribus e Singulari quidem, o Syllabus errorum ou a alocução Maxima quidem, certamente desconhecidas pelo Timóteo.

Mas se quiser reflectir sobre infalibilidades mais actuais, relembro-lhe as palavras do Papa João Paulo II, que se queixou da «Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia», enaltecendo por oposição a união europeia de Carlos Magno já que «De facto a Europa, que não constituía uma unidade definitiva sob o ponto de vista geográfico, unicamente através da aceitação da fé cristã se tornou um continente, que ao longo dos séculos conseguiu difundir aqueles seus valores em quase todas as outras partes da terra, para o bem da humanidade», ou seja, exaltando os valores cristãos da Idade Média. Nos quais mesmo o mais ardoroso arroubo de fé consegue imaginar sequer uma caricatura de direitos humanos (para não falar em justiça e paz). O que seria expectável, já que o direito divino, o direito revelado nas sagradas Escrituras, nem uma única vez menciona quaisquer direitos dos execráveis homens (Cardeal Ratzinger dixit).

Ou seja, segundo a crítica de João Paulo II, a nova Carta Europeia assenta no ateísmo, decorrente da inexistência de sequer uma referência a Deus. Princípios ateístas que regeram todas as Declarações dos Direitos do Homem e congéneres, desde a Revolução Francesa (1789) até hoje, incluindo a da ONU (1948) bem como a da União Europeia actual. Portanto, a crítica de Sua Santidade atinge, implicitamente, todas as Declarações anteriores. Que concentram os «considerandos» na negação implícita da existência de Deus, Uno, Eterno e Triuno, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, conforme definido e resumido no primeiro artigo do Credo.

Assim, a Declaração dos Direitos do Homem e seus rebentos, seguindo os traços da sua antecessora de 1789, eliminando Deus, substituiu as virtudes teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade, pelo ideal ateu da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Recordemos ainda que para um cristão a vida na Terra, manchada indelevelmente pelo pecado original, deve ser um «vale de lágrimas», como recitam os créus na Salve Rainha e a paz sinónimo da vontade de Deus tal como afirmada por Gregório Nazianzeno «A vontade de Deus é a nossa paz»! Isto é, a pretensão de estabelecer um paraíso na Terra, assegurando a paz, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, é uma heresia pelagiana alimentada no humanismo renascentista e no iluminismo ateísta, que pretende substituir Deus pelo homem!

27 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

O Banco do Vaticano

Há em Roma um bairro de 44 hectares, recheado de monsenhores, cónegos, bispos e cardeais, com inúmeras freiras a fazerem o trabalho doméstico de tais dignitários, convencidas de que estão ao serviço de Deus. As vestes coloridas que acompanham a curvatura dos ventres dão um ar garrido ao bairro. O Papa é o patrão daquela malta, que passa revista às igrejas e se mostra aos inúmeros peregrinos que ali vão com o mesmo encantamento com que em crianças demandavam o circo.

O que nem todos sabem é que o Vaticano tem um poderoso Banco que sustenta a fé e alimenta o poder da Cúria romana. O dinheiro é o alimento espiritual do clero. Ao Papa é indiferente que as pessoas da Santíssima Trindade sejam três ou trezentas, mas não é insensível às cotações da Bolsa, ao preço do petróleo ou à subida dos juros.

Sabe-se que o Deus lá do sítio gosta de dinheiro, razão dos frequentes apelos do clero aos fregueses para que paguem a sustentação do culto e a divulgação da fé.

Mas o que poucos sabem é que o Vaticano faz parte das dez maiores praças financeiras de branqueamento de capitais. Calcula-se que seja o destino principal do equivalente a 55 mil milhões de dólares americanos de dinheiro sujo italiano. O Banco do Vaticano é um dos principais paraísos fiscais para o branqueamento do dinheiro sujo, muito à frente das Bahamas, Suíça e Liechtenstein, o que não admira pois o Paraíso é mesmo o seu principal negócio.

Talvez não fosse acaso o facto de ao Papa João Paulo I, poucos dias após ter anunciado um inquérito ao Banco, ter sido Deus servido de o chamar à sua divina presença.

Sabe-se como o Banco do Vaticano defende o ouro confiscado aos judeus, vítimas do holocausto, opondo-se a qualquer investigação que desmascare a sua conivência como receptador internacional de alto gabarito. É mais firme o Banco na defesa do dinheiro do que os padres na defesa da virgindade de Maria.

26 de Outubro, 2004 André Esteves

Faça Buu a Buttiglione

Se não concorda com a pasta que o comissário italiano indigitado recebeu das mãos de Durão Barroso, talvez lhe interesse assinar a seguinte petição:

Não a Buttiglione, Sim à igualdade de direitos!

O prazo é até amanhã à tarde, quando se irá proceder à votação da comissão no Parlamento Europeu.

Mexa-se!

26 de Outubro, 2004 jvasco

Foi em Maio, na Índia

Já se passaram alguns meses desde que a democracia mais populosa do mundo foi a votos. O partido de Sónia Gandhi (Congresso Nacional Indiano) ganhou as eleições com uma vitória expressiva. Sónia Gandhi renunciou ao cargo de primeira-ministra e Manmohan Singh assumiu o governo.

Porque é que relembro estes factos num blogue ateísta? Porque esta vitória foi importante para a causa do laicismo; da tolerância religiosa; para diminuir o risco de uma guerra que poderia chegar ao confronto nuclear, baseada em grande medida em motivos religiosos; para evitar que o sistema de castas (abordado neste artigo) continue a manter vivos os mecanismos de discriminação e intolerância; para que a superstição não continue a criar situações desumanas e intoleráveis.

É importante que não nos esqueçamos de que não são apenas as superstições cristãs e islâmicas que têm o seu lado obscurantista.

26 de Outubro, 2004 Palmira Silva

Ainda o caso Buttiglione

Querer transformar o episódio Buttiglione numa disputa sobre liberdade de pensamento é um sofisma mal disfarçado. Porque Buttiglione já provou que o seu fundamentalismo católico não se restringe ao campo filosófico e que a sua vontade de legislar sobre «pecados» é bem real.

Como é indicado no artigo uma Ópera Bufa Italiana, no jornal The Economist, de que transcrevo, traduzo e comento (a negrito) um pequeno excerto.

«No entanto, quando Mr. Buttiglione reclama que está a ser perseguido pelos seus pensamentos e não pelas suas acções, está a ser desonesto. Ele é membro vitalício de uma organização conservadora, Comunhão e Libertação, conhecida por tentar trazer os valores religiosos para a vida política (obviamente contra a laicidade consagrada nos Estados Europeus). Depois de ter sido nomeado Ministro dos Assuntos Europeus em 2002, Mr Buttiglione causou admiração nos seus colegas com uma série de exigências que iam muito para além das suas competências. Em poucos dias solicitou a proibição legal da inseminação artificial, solicitou o financiamento estatal para estabelecimentos de ensino privados (católicos, claro) e o pagamento de verbas a mulheres que rejeitassem o aborto (e tornar mandatória terapia familiar nos casos em que o suborno não resultasse, tudo isto, claro, depois de tentar alterar, unfrutiferamente, a lei do aborto italiana

Ou seja, Buttiglione já deu provas suficientes de que, contrariamente ao que os seus indignados defensores bramem, vai fazer o possível e o impossível para transpor para o corpo da lei os dogmas anacrónicos da Igreja de Roma. Para obviar à evidente inadequação do piedoso senhor nas áreas direitos fundamentais, antidiscriminação e igualdade de oportunidades, Durão Barroso pretende retirar-lhe essas competências e transferi-las para um grupo de comissários presidido pelo nosso ex-primeiro ministro. Isto se amanhã o Parlamento Europeu não decidir democraticamente vetar uma Comissão Europeia que inclui numa pasta tão fundamental alguém com o perfil de Buttiglione.

26 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Santo Pereira (2)

A Mariana Pereira da Costa não deixou passar em claro as circunstâncias que levaram à abertura do processo de canonização do «Santo Pereira». Todavia, perante a onda de entusiasmo que varre a Pátria, vou retomar o assunto.

Não havia necessidade de adjudicar qualquer milagre ao beato D. Nuno, para ser elevado a santo, pois «Urbano II fez uma excepção para quem há mais de 200 anos era prestado culto e reconhecido, pelo povo, a santidade», excepção que D. José Policarpo, bispo e cardeal-patriarca de Lisboa, tinha já confirmado aplicar-se-lhe. Nuno Álvares Pereira renunciou, porém, à prerrogativa que o dispensava do milagre, para não ser acusado de favoritismo. Recusou a passagem administrativa. Iniciou-se no ramo dos milagres e logo logrou a cura do olho esquerdo de uma mulher de Ourém que o havia danificado com azeite fervente.

Assim, o intrépido guerreiro revelou-se um poderosos antídoto contra as queimaduras e vai passar por mérito próprio no exame de admissão à santidade, com provas de mérito irrefutáveis e a mesma indómita vontade de subir ao altares que o levou a desbaratar castelhanos em Aljubarrota.

Cadáver há 573 anos, em excelente estado de beatitude, só agora conseguiu a santidade para maior glória da Pátria, vaidade do clero e euforia dos créus. Durante séculos foi o terror das crianças de Castela que recusavam a sopa, agora passa a ser o orgulho dos portugueses e uma cunha sempre à mão para apanhar um bilhete de ida para o Céu na Agência de Turismo Celeste da ICAR.

Surpreende que os papas anteriores tenham apagado o beato Pereira, que as sucessivas levas de bispos e cardeais tenham esquecido um santo desta dimensão, que desde 1431 os devotos o tenham ignorado nas novenas e que os milhares de soldadores a quem caiu um pingo de solda num olho tenham recorrido àquelas horríveis obscenidades, em vez de dizerem «valha-me Santo Pereira», e recuperado a visão em vez de perderem a alma.

Foi preciso o olho clínico de JP II, para diagnosticar milagres e descobrir taumaturgos, para criar este grande santo. Teve várias nomeações no passado mas foi sempre preterido pela bajulação dos papas a Espanha e escrúpulos por alguns milhares de mortos e estropiados em Aljubarrota – minudências que lhe atrasaram a promoção.

25 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e a Inquisição

«É uma nova Inquisição, mas uma inquisição profana».

(Cardeal Renato Martino, referindo-se ao Parlamento Europeu, após o veto à nomeação do italiano Rocco Butiglione para comissário da Justiça, Liberdade e Segurança, na sequência de ter considerado a homossexualidade como pecado e definido o casamento como uma instituição destinada para a mulher conceber filhos e ser protegida pelo marido).



OBS.: O Cardeal confunde o sinistro «Tribunal da Santa Inquisição», que torturava e assassinava, com um órgão democrático que se limitou a considerar um cidadão indigno de ocupar determinadas funções, por se tratar de um troglodita com ideias medievais, e não por ser amigo do Papa e de Berlusconi.

25 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Votos de um ateu

Longa vida para João Paulo II.

25 de Outubro, 2004 Carlos Esperança

Amor cristão

«Todos esperamos que Fidel morra»



(Loyola de Palácio, católica, vice-presidente da Comissão Europeia, após a queda e fractura de um joelho de Fidel de Castro ).

25 de Outubro, 2004 André Esteves

O Kitsch religioso da semana

Esta pequena maravilha encontra-se na minha modesta colecção de kitsch religioso. Trata-se um abridor de cartas em versão de «espada de cruzado».

Durante as férias estive nos Picos de Europa no norte de Espanha. Trata-se de uma zona fidelíssima ao credo católico. Aliás, a bandeira das Astúrias inclui a cruz e as letras que a denunciam como cruz católica. E claro, quem vai aos picos, aproveita para visitar o santuário de Covadonga a caminho do lago Enol.

Diz a história, que foi naquele lugar que Pelayo, rei das Astúrias, aí teve uma visão da virgem que lhe ordenou recomeçar a reconquista. O santuário tresanda a militarismo…

Desde os cartazes evocativos, que falam em «combate espiritual», a «espada da fé», etc, naquela linguagem já esquecida da mente da maioria dos católicos de hoje. Pelayo nem sequer foi original. A tradição de iniciar guerras e conquistas com visões e revelações divinas era já no seu tempo, uma velha tradição que remonta ao império romano (hei-de falar sobre isso em futuros posts) e que culminou na adopção do cristianismo como religião de estado.

Hoje, a aristocracia espanhola «pelasse» pelo santuário. Os reis de Espanha visitam-no frequentemente e o jovem Delfim e a sua esposa, depois do seu casamento foram fazer uma obrigatória visita. Os reis de Espanha consideram-se herdeiros de Pelayo e parte de uma linhagem com uma relação especial com Deus. Mas vendo as figuras eclesiásticas e obscuras que orbitam à volta do Palácio da Zarzuela, ficamos com dúvidas sobre a capacidade religiosa da monarquia espanhola de lidar com a democracia e a tolerância.

Mas eis-me em Covadonga. Cometi o erro de levar uma t-shirt com dizeres ateístas em inglês e comecei logo a ter companhia. Discreta, mas que ao ler as palavras «Support science, not supersticion» ficou com uma expressão psicopata. Não há inocentes em terras de Espanha. Ao lado da cueva propriamente dita, numa escadaria encontrei uma deliciosa boutique com lembranças. E foi lá que comprei esta espada, que passei a chamar de «a minha espada espiritual», lembrando-me da histeria espiritual que os livros do Paulo Coelho geraram à volta de Santiago de Compostela (ainda me lembro de espanhóis e portugueses que consultavam «O Diário de um Mago», como certos pastores protestantes consultam a bíblia, para saber a vontade de Deus. Depois de uma oração ou meditação, de olhos fechados abriam o livro e onde o dedo caísse, procuravam a verdade…). A espada é de aço barato, com um selo encastrado na lâmina, em alumínio com a efígie da santa. No topo a coroa lembra ao fiel dos lideres da reconquista.

É com agridoce ironia, que ao abrir a minha correspondência, imagino um burocrata franquista, repetindo os meus movimentos, com a sua espadinha igual abençoada pelo bispo, que ao violar a correspondência alheia, se achava a realizar uma reconquista e a ser um «cavaleiro da fé».

As espadas converteram-se em abridores de cartas. Os monges guerreiros em burocratas.

Continuaram mortais.

Post Scriptum:

Depois de escrever este post fiquei a matutar porque é que o raio do selo da santa é em alumínio. E cheguei a uma hipótese interessante: para fazer um milagre.

O alumínio têm um potencial de passivação extremamente elevado, por outras palavras, oxida-se muito rapidamente. Tão rapidamente que cria uma camada protectora de óxido de alumínio à sua volta impedindo a entrada de mais oxigênio, à semelhança do ouro. Ora, o aço onde o escudo está cravado oxida-se mais lentamente, permitindo que o oxigênio se infiltre e enferruje o aço. Ou seja…

Enquanto a lâmina enferruja, o escudo da virgem mantêm o seu aspecto virginal. Para o ignorante, isto toma a aparência de um milagre ou de uma protecção divina.

Afinal Deus encontra-se nos pequenos pormenores!