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11 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Os bons samaritanos

No próximo dia 17 de Dezembro, o Vaticano apresentará uma nova fundação, denominada «O Bom Samaritano», cujo objectivo é ajudar os doentes mais necessitadozinhos, especialmente os que têm sida.

A Santa Sé quer uma instituição aberta a todos os que pretendem ajudar os doentes com sida em África. «Queremos que seja uma instituição que englobe toda a Igreja católica permanecendo fiéis aos nossos ideais prioritários em relação à doença, que são antes de tudo a prevenção e a assistência ao doente», disse o cardeal Lozano Barragán, presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde.

E quais serão as actividades promovidas pela fundação? A habitual educação aos valores cristãos de fidelidade, com grande relevo para a castidade, a fidelidade conjugal e a abstinência sexual.

Não há quaisquer informações sobre se a fundação irá canalizar alguns dos recursos da ICAR para a investigação científica de uma possível cura ou vacina definitivas contra esta doença ou mesmo para uma educação isenta e correcta que permita aos indivíduos evitarem o contágio.

11 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Panaceias e sicofantas

A Athenaeum Pontificium Regina Apostolorum vai oferecer aos padres católicos um curso especial «teórico e prático» em satanismo e exorcismo, de forma a melhor os equipar para o que é descrito pela Igreja como um interesse preocupante no oculto demoníaco.

A descoberta há uns meses dos corpos de dois membros da banda «Beasts of Satan», assassinados no que foi descrito como um rito satânico foi assim convenientemente aproveitada pela santa Igreja para corroborar a sua pretensão da existência real do Mafarrico. De facto, o ritual exorcista foi alterado em 1999, pela primeira vez desde os velhos tempos da Inquisição, em 1614.

A Igreja de Roma tenta assim perpetuar o Senhor das Trevas, a sua invenção mais bem conseguida no passado para dominar os fiéis através do medo e para justificar as mais abjectas práticas, que reclamavam ser dirigidas não a pessoas mas a servos do Demo.

Como nota para meditar, a Regina Apostolorum é uma instituição, dita universitária, privada, sustentada pelos Legionários de Cristo e pela Regnum Christi, fundadas pelo padre mexicano Marcial Maciel Degollado, uma «máquina» de angariação de fundos para a Igreja de Roma, sobre o qual pendem há décadas inúmeras acusações de abuso sexual de menores. Todas elas ignoradas pelo Vaticano, que não quer hostilizar uma das suas mais bem conseguidas fontes de rendimento. Em vez de se preocupar com demónios imaginários, a ICAR devia reflectir sobre o «demónio» bem real da pedofilia no seu seio!

Sobre Maciel ler «Vows of Silence: The Abuse of Power in the Papacy of John Paul II», de Jason Berry e Gerald Renner e uma análise do livro no National Catholic Reporter.

10 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Religião combate a liberdade

Como já hoje foi assinalado pela Palmira, os muçulmanos, à semelhança do que nos habituou a ICAR, já se atrevem a combater a liberdade de expressão na Dinamarca, em nome da defesa dos seus ideais religiosos. Desta vez o pretexto é a «afronta» ao Islão pela transmissão do filme «Submissão» do assassinado realizador Theo van Gogh que pagou com a vida a denúncia que fez da violência islâmica sobre as mulheres.

Na Suíça, quarenta deputados federais assinaram uma petição pedindo ao governo para adoptar medidas de segurança e vigilância junto aos imãs que pregam uma leitura literal do Alcorão. Acontece que um dos dirigentes islâmicos, que garante a bondade da religião, declarou numa entrevista que não se pode opor ao apedrejamento de uma mulher adúltera pois esse é o ensinamento do livro sagrado, como se os livros sagrados, todos juntos, valessem mais do que a «Declaração Universal dos Direitos do Homem» cujo aniversário hoje se comemora.

Na Holanda, na Bélgica e na Alemanha a inquietação cresce contra o fascismo islâmico. Curiosamente, em vez de se limitar o poder organizado das Igrejas, há quem proponha limitações à liberdade de expressão, para não «provocar» os crentes. Em vez de se defender a liberdade, pactua-se com o medo, em vez de se insistir no laicismo, acentua-se a submissão aos delírios místicos. E os cristãos mais radicais, para quem a liberdade causa urticária, corroboram esse procedimento. Não há democracia sem laicismo.

Num artigo muito oportuno, a propósito das eleições do Iraque, Vital Moreira afirma hoje no Causa Nossa, no texto «Democracia» que os chiitas apresentaram a constituição de listas para as eleições no Iraque e tece considerações pertinentes sobre o perigo do voto religioso, para terminar com uma afirmação que merece profunda reflexão:

«Uma democracia não equivale à tirania de uma facção religiosa, por mais maioritária que seja. Numa sociedade dividida, reduzir a democracia ao triunfo da maioria eleitoral, ainda por cima com base numa hegemonia religiosa, pode ser a receita para o desastre».

10 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR é notícia

O «Público de ontem dedicou à ICAR grande parte das páginas 28 e 29. Há uma foto enorme de duas Excelências Reverendíssimas, com as piedosas cabeças enfiadas num adereço com o formato da parte mais saborosa das galinhas, e a «Rosa de Ouro», uma das mais altas distinções papais, que foi conferida à Basílica do Sameiro, em Braga.

Consta que cerca de 50 mil pessoas se extasiaram com a celebração dos 150 anos do dogma da Imaculada Conceição (aquela obrigação católica de acreditar que a virgindade pós-parto passou de mãe para filha). Estiveram presentes quase todos os bispos portugueses, o legado papal, o núncio apostólico e o patriarca Policarpo, além de numerosos cónegos, monsenhores e padres. Foi uma orgia de fé testemunhada por uma multidão de clérigos.

Arreliador, para os cristãos, foi o presépio exibido no Museu de Cera de Madame Tussaud, em Londres, onde o casal Beckham, David e Vitória, representavam respectivamente S. José e a Virgem Maria. Que Tony Blair, G. W. Bush e o duque de Edimburgo fizessem de reis magos talvez não fosse tão grave como Vitória Beckham fazer de virgem, com uma anatomia de fazer corar a Virgem Maria legítima e de fazer pecar por pensamentos metade do mundo católico.

Mas o mais grave de tudo foi a indemnização recorde paga pela diocese católica de Orange City, na Califórnia, 75 milhões de euros para 87 vítimas de abuso sexual. A ICAR aguenta-se bem com os escândalos, onde tem uma larga experiência, mas dá-se mal com as indemnizações onde só recentemente começou a sentir quanto doem.

Finalmente sabe-se que a Obra da Casa do Gaiato não acredita nos relatórios demolidores dos inspectores da Segurança Social e, para restaurar o prestígio e responder às acusações, encomendou um estudo isento à…Universidade Católica.

10 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Direitos Humanos

Faz hoje 56 anos que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Infelizmente, mais de meio século passado, os considerandos desta declaração, que todos consideraríamos de senso comum, consensuais e indiscutíveis, não permearam indelevelmente as sociedades do século XXI. Em boa parte porque o espectro das religiões voltou a assombrar a humanidade com o concomitante ressurgimento de intolerâncias religiosas que ameaçam os mais fundamentais direitos humanos. Os fundamentalismos que eclodem em todos os pontos do globo, mesmo nos mais improváveis, se não forem eficazmente combatidos, corresponderão a uma regressão civilizacional imprevísivel há escassos anos. Quando todos desconsiderávamos a questão religiosa, acreditando serem crimes em nome de qualquer Deus algo de um passado que não se repetiria… Infelizmente a História recente provou o nosso engano e espero que nos tenha despertado da atitude complacente em relação às religiões e acordado para a ameaça latente que estas constituem para o modelo de sociedade preconizado na supracitada Declaração.

10 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Submissão

Um grupo de muçulmanos na Dinamarca apresentou queixa oficial às autoridades competentes contra uma emissora pública de televisão dinamarquesa, acusada de incitar ao ódio ao Islão.

A afronta ao Islão cometido pela Danmarks Radio reside na transmissão do filme «Submissão» do assassinado realizador holandês Theo van Gogh. O presidente da comissão de imprensa da Sociedade da Religião Islâmica, Kasem Said Ahmad, afirmou à revista Politiken que «Queremos enviar uma mensagem política aos muçulmanos da Dinamarca de que este é o caminho a ser tomado com estas coisas e aos dinamarqueses de que não desejamos que nossa religião seja ridicularizada assim.»

Depois da proibição de um número da Newsweek no Paquistão, continua a polémica associada ao filme concebido pela deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali, natural da Etiópia e de origem muçulmana.

A Holanda foi um dos poucos países no mundo a permitir a exibição do filme de Jean-Luc Godard, «Salve Maria», considerado pelo Vaticano nos anos 80 como uma blasfémia. Blasfémia continuada pelo lançamento recente, na Holanda, do livro «Judas«, por Walter Kamp. O escritor holandês argumenta que Jesus era homossexual num livro de ficção que aqueceu ainda mais os debates sobre tolerância e liberdade de expressão num país que se orgulha da sua longa tradição de ambas.

9 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

O subsídio

A Comissão dos Orçamentos, presidida pelo polaco e democrata-cristão Janusz Lewandowski, adoptou, numa primeira leitura, uma emenda que concede um subsídio de 1 500 000 euros à Igreja Católica para as Jornadas Mundiais da Juventude de Colónia, a realizar em 2005.

A União Europeia, como organização de Estados de Direito pluriculturais, tem obrigatoriamente de seguir determinados princípios de Direito que, actualmente, se consideram fundamentais: o princípio democrático, o princípio da igualdade e o princípio da laicidade. Ora, havendo um órgão daquela organização, presidido por uma personalidade assumidamente religiosa, que autoriza a subvenção de um encontro de derminada religião, cujas instituições estão longe de uma situação de falência, subvertem-se todos aqueles valores que devem imperar nos dias que correm.

8 de Dezembro, 2004 Ricardo Alves

Refutando BSS (2)

Os argumentos de Boaventura Sousa Santos (BSS) favoráveis à existência de «Deus» são mais sofisticados e pomposos do que os de César das Neves e seus seguidores, mas são também, sem dúvida, mais irracionais do que os de um Tomás de Aquino. Atente-se na argumentação que se segue, retirada do célebre «Um discurso sobre as ciências».

«Hoje é possível ir muito além da mecânica quântica. Enquanto esta introduziu a consciência no acto do conhecimento, nós temos hoje de a introduzir no próprio objecto do conhecimento, sabendo que, com isso, a distinção sujeito/objecto sofrerá uma transformação radical. Num certo regresso ao pan-psiquismo leibniziano, começa hoje a reconhecer-se uma dimensão psíquica na natureza, “a mente mais ampla” de que fala Bateson, da qual a mente humana é apenas uma parte, uma mente imanente ao sistema social global e à ecologia planetária que alguns chamam Deus.»

Neste parágrafo, BSS joga com as palavras e confunde os registos à pior maneira pós-modernista, com o objectivo de tentar legitimar um argumento teísta a partir da mecânica quântica. Deve notar-se que a mecânica quântica (MQ), como descrição da realidade que é, implica tanto a consciência (humana ou animal) na natureza como a mecânica clássica ou a termodinâmica. BSS escreve, no entanto, como se o princípio da incerteza implicasse a «consciência» nos fenómenos quânticos, uma ideia que não se encontra nos manuais de física quântica mas sim em alguns maus livros de divulgação científica. BSS cita muito estes últimos, mas nenhum manual, o que denuncia a origem do seu equívoco.

Deve também assinalar-se que o «Deus» de BSS só tem de comum com o «Deus» da tradição judaico-cristã o nome. O de BSS não falou com Moisés no cimo do Sinai e não ressuscitou um pregador qualquer. Pelo contrário, está presente nas federações sindicais mundiais e no meio ambiente do nosso planeta (mas não no dos outros planetas?), quiçá mesmo nos calhaus e nos dejectos… Esta ideia é retomada no trecho seguinte.

«(…) Os conceitos de “mente imanente”, “mente mais ampla” e “mente colectiva” de Bateson e outros constituem notícias dispersas de que o outro foragido da ciência moderna, Deus, pode estar em vias de regressar. Regressará transfigurado, sem nada de divino senão o nosso desejo de harmonia e comunhão com tudo o que nos rodeia e que, vemos agora, é o mais íntimo de nós.»

Portanto, segundo BSS, «Deus» voltará (onde esteve entretanto, BSS não nos diz; mas que a ciência foi mazinha para «Ele», lá isso foi…). Sendo um «Deus» tão diferente do original (judaico/cristão/muçulmano), seria da mais elementar honestidade chamá-lo por outro nome. É que, ao contrário do que assumem os pós-modernistas, não se pode alterar o significado das palavras à medida das necessidades argumentativas, sob risco de acabarmos por não nos entender uns aos outros. E o «desejo de harmonia e comunhão» de BSS também pode ser satisfeito ouvindo música ou vendo um quadro, o que não faz de Wagner ou de Van Gogh «deuses». Quando muito, sê-lo-iam em sentido figurado, não no sentido tradicional e exacto do termo.

Refutando BSS (1)

8 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Nota pública

Foi hoje publicado no Público o artigo do Carlos sobre a eutanásia, já editado neste Diário.

8 de Dezembro, 2004 pfontela

A lei da blasfémia – a saga continua

Na última semana um dos mais curiosos projectos do governo inglês veio a público. Não de uma forma concreta e oficial mas mais como que um teste das águas da opinião pública.

O projecto de lei é nada mais nada menos que uma proibição de todo o tipo de blasfémia (ou seja, todo o tipo de descrição menos simpática e/ou elogiosa de qualquer crença religiosa). A opinião pública inglesa reagiu de forma negativa a uma medida que considera como uma clara violação do direito individual de livre expressão. O governo bem tenta vender a medida como uma panaceia para a intolerância religiosa mas nem isso parece funcionar.

Mas a reprovação não se ficou pela opinião pública, os partidos da oposição também se mostraram desfavoráveis, os conservadores linearmente opuseram-se e os liberais democratas têm sérias dúvidas sobre tais medidas.

A gota de água foi quando o actor Rowan Atkinson (o famoso Mr Bean e Blackadder) em conjunto com outros comediantes e com a National Secular Society vieram publicamente denunciar a medida pelo que ela é: ineficaz, abusiva e destruidora de direitos básicos de expressão e critica.

Como já mencionei, em comentários que fiz anteriormente, os extremistas religiosos estão a unir-se e a preparar-se para um verdadeiro assalto à sociedade europeia tal como a conhecemos (o fenómeno é especialmente visível no Reino Unido, talvez devido à proximidade cultural com os EUA). Desta vez o governo recuou, dizendo que a proibição não se aplica à comédia, mas ainda não se sabe bem ao que se aplicará, será que voltaremos ao tempo dos censores religiosos e das fogueiras? Não me parece provável que os defensores da ortodoxia religiosa sejam bem sucedidos neste primeiro assalto mas é preciso ter cuidado, estamos a lutar pela sobrevivência de um dos bens mais preciosos que temos, a sociedade secular.