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13 de Dezembro, 2004 André Esteves

Os sonâmbulos pecam?

Uma das minhas memórias fortes da adolescência é a de uma fotografia de um gato. Tinham-lhe operado o cérebro para eliminar um conjunto de fibras nervosas que inibiam a comunicação do cerebellum ao sistema nervoso simpático durante o sono.

Nessa fotografia o gato saltava para apanhar uma mosca, tal como eu tinha visto a minha gata fazer tantas vezes. Um golpe de pata relâmpago para entorpecer a mosca no chão e aí mastiga-la. A única diferença, entre a minha gata e o gato da fotografia, é que o gato estava a dormir e a sonhar que caçava uma mosca.

Um gato sonâmbulo, fruto da cirurgia experimental.

O sonambulismo é um fenómeno estranho. Todos nós nalguma parte da vida já provavelmente tivemos um episódio de sonambulismo. Em situações de elevado stress associado a desajustamentos do ciclo de sono com o ciclo diurno local ou a longos períodos sem sono, provocam facilmente a entrada no estado de vigília, em que nem dormimos nem estamos acordados. É um estado de aconsciência inteligente que borda o sonho e o pesadelo.

O fenómeno em si pode ser descrito como parte dos chamados «estados alterados da consciência», mas existem pessoas que por defeitos ou lesões cerebrais permanentemente sofrem de sonambulismo. Neste estado temos a peculiar característica de agirmos sem disso estarmos conscientes. Toda a «sociedade da mente» de agentes mentais que se especializam nas mais esquisitas actividades cognitivas está atenta e a funcionar, mas a consciência encontra-se ausente ou ocupada com uma ficção. É a crua maquinaria do inconsciente que passa actuar directamente na realidade, longe da atenção consciente.

Recentemente, dois casos interessantes de sonambulismo em situações extremas, vieram a público, numa delas, um homem foi inocentado por violação sonâmbula, tendo acordado quando a vítima pedia socorro e noutro, uma australiana tinha sexo com estranhos, chegando ao ponto de usar o preservativo enquanto fornicava sonâmbula

Estes dois casos são exemplos de uma situação neurológica que só recentemente chegou ao conhecimento dos médicos e cientistas da área.É certo que desde os anos 80, o livre arbítrio não têm andado em boas condições. Estes sonâmbulos pecam sem tal decidir conscientemente. Até um tribunal já inocentou um deles. Será que vão parar ao inferno por estarem a dormir?

E o livre-arbítrio católico quando encontra a biologia e as neurociências, será que usa o preservativo? Parece andar a precisar…

12 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Argentina – Na sequência de uma conferência em Buenos Aires, em que participava Rebecca Gomperts, fundadora da associação pró-legalização do aborto «Women on Waves», grupos de católicos anti-aborto foram convocados para rezar o rosário em frente do auditório onde se anunciava a chegada do denominado barco do aborto no próximo ano.

Convictos da inutilidade da oração, desconfiados da ajuda do seu Deus, os créus quiseram sabotar a conferência. Impedidos de entrar, envolveram-se em confronto com elementos pró-aborto. Na ausência de Deus, valeu a polícia federal para restabelecer a ordem.

EUA – Depois das dioceses de Portland e Tucson, que declararam falência em Setembro passado, foi agora a vez de Spokane, no Estado de Washington, a pedir a falência, onde apenas dois sacerdotes são responsáveis por mais de metade dos 120 pedidos de indemnização por abusos sexuais, processos que acarretam uma despesa de dezenas de milhões de dólares.

Por mais que o Papa JP2 apele à abstinência sexual e dê, ele próprio, um magnífico exemplo de castidade, há sempre padres que estragam a saúde financeira das dioceses.

EUA (2)JP2 acredita no futuro da ICAR nos EUA onde, no último meio século, mais de 4 mil padres foram condenados por abuso sexual a crianças, números divulgados no relatório da Empresa (Conferência episcopal dos EUA), em Fevereiro. Para JP2 os escândalos devem tornar-se uma «ocasião providencial de conversão» para os católicos dos EUA. Talvez a conversão ao agnosticismo e aos bons costumes não fosse pior.

Lisboa – O patriarca Policarpo, como já foi denunciado pelo Ricardo Alves, critica o que considera «os excessos do laicismo» e manifesta a vontade de ver os crucifixos nos edifícios públicos e que os juramentos mais solenes se façam sobre a Bíblia. Não sei se o patriarca está disposto a conceder o direito de reciprocidade e os altares passam a ter exposta a Constituição da República e as Igrejas a ostentarem um busto do presidente da República. Finalmente o sacramento da Ordem só poderá ser concedido mediante a fidelidade à República e à Democracia e a renúncia à obediência a uma potência estrangeira – o Vaticano.

12 de Dezembro, 2004 Ricardo Alves

Resposta a Policarpo sobre os «exageros do laicismo»

O Cardeal Patriarca de Lisboa, José Policarpo, desferiu anteontem um ataque ao que qualifica de «exageros do laicismo». Policarpo está preocupado, aparentemente, com os protestos contra a utilização abusiva de escolas do Estado na iniciativa proselitista «Bíblia Manuscrita Jovem», e com a possibilidade de que os crucifixos sejam progressivamente retirados de escolas e outros edifícios públicos.

Espanta-me que José Policarpo, que reitera (presumo que sinceramente) a sua adesão ao ideal de laicidade do Estado, não compreenda que uma igreja, seja ela qual for, não pode impôr os seus símbolos ao Estado. O correcto entendimento da laicidade do Estado implica justamente que nem as igrejas devem ser forçadas a ostentar a bandeira da República, nem as escolas da República são obrigadas a exibir o instrumento de tortura que foi adoptado pelas igrejas cristãs como o seu símbolo principal.

Policarpo argumenta, em defesa da «Bíblia Manuscrita Jovem», dos crucifixos nas escolas e até em defesa dos juramentos religiosos, que «a Bíblia, como aliás a Cruz do Senhor, nos países que têm o cristianismo como matriz cultural, não são apenas símbolos religiosos, são realidades culturais». Acontece que, como Policarpo sabe perfeitamente, a cruz não está nas escolas por ser um «símbolo cultural». Se assim fosse, estaria lá acompanhada pelo galo de Barcelos e pela fatídica garrafa de vinho do Porto. Os crucifixos estão nas escolas, isso sim, como símbolo do poder político da ICAR.

Finalmente, o nosso caro concidadão Policarpo deve saber que nem todos os alunos das escolas deste país são cristãos, e que todos merecem o mesmo respeito, independentemente da sua crença ou ausência de crença. Ou será que a ICAR deseja impôr a todos (ateus, católicos, agnósticos, muçulmanos) um símbolo que apenas para alguns é sagrado? E não seria preferível que quem deseja aderir a uma fé o fizesse livremente, sem pressões proselitistas que não devem existir em espaços que são de todos?

11 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Blasfemos

Fui hoje alertada para a existência de um «post» do Blasfémias intitulado «Fundamentalismo anti-cristão e a necessidade de trabalhar as almas». Li imediatamente o artigo, em que é citado o nosso amigo Josemaría Escrivá, e fiquei encucada. Será que o colaborador do blogue queria mesmo citá-lo? Será que era mesmo a sério? Pelos comentários que li, a resposta é claramente afirmativa e, como o texto é dedicado ao Diário Ateísta, não podemos deixá-lo sem resposta.

Mas o que, concretamente, se diz? Primeiro que «os inimigos de Jesus – e alguns que se dizem seus amigos -, cobertos com a armadura da ciência humana, empunhando a espada do poder, riem-se dos cristãos como o filisteu se ria de David, desprezando-o». Não me parece que nós, cavaleiros de armadura científica matemática ou social, desprezemos os católicos. O que desprezamos, isso sim, é a instituição reguladora da sua fé. Porquê? Porque é castradora de qualquer tipo de pensamento independente que ponha em causa os seus axiomas. Na verdade, a nossa atitude não pode ser considerada de desprezo – uma vez que não desconsideramos o fenómeno ICARiano -, mas sim uma luta contra os excessos intolerantes defendidos pela hierarquia da Igreja Católica.

De seguida pode ler-se: «o gigante dessas falsas ideologias [o Golias do ódio, da falsidade, da prepotência, do laicismo, do indiferentismo] pelas armas aparentemente débeis do espírito cristão – oração, expiação, acção -, despojá-lo-emos da armadura das suas doutrinas erróneas, para revestir os homens, nossos irmãos, com a verdadeira ciência: a cultura e a prática cristãs.» Aqui estamos perante uma clara afirmação autista de que a única e verdadeira ideologia é a católica e que quaisquer outros valores estão completamente errados, especialmente aqueles que pugnam pela laicidade. Ora, a verdade e «o certo e o errado» são relativos e a laicidade que defendemos entende exactamente isto na medida em que deixa espaço para os indivíduos, de acordo com a sua livre consciência, decidam por si mesmos.

Josemaría Escrivá e a sua obra, a Opus Dei, representam os valores opostos que devem imperar numa sociedade livre e plural como deve ser a nossa. Esta organização «propõe-se promover, entre pessoas de todas as classes da sociedade, o desejo da plenitude de vida cristã no meio do mundo». Mas que vida cristã? Uma vida recheada de flagelos corporais, alienação da família e outras práticas deveras questionáveis. Uma vida pautada por indicações e interesses que vão para além do espiritual. Uma vida sem liberdade, especialmente de pensamento.

Não, nós não lutamos contra crentes. Nós lutamos para que todos, crentes ou não, tenham a oportunidade de seguir o seu caminho livres e esclarecidos. Se lutar pela Liberdade é fundamentalismo, então, de facto, somos fundamentalistas… orgulhosamente fundamentalistas.

11 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Não à chantagem religiosa

A intolerância religiosa que aflora um pouco por toda a Europa é um vírus que urge ser debelado. Não se trata de um epifenómeno exclusivo de grupos minoritários ou de uma única religião, começa a ser uma pandemia que alastra a todos os credos e compromete largas camadas de crentes.

Diariamente chegam ecos de violência religiosa, de comportamentos perversos oriundos de guetos «comunitaristas» onde, a coberto da cultura e da tradição, se cometem os mais infames atropelos aos direitos humanos, especialmente contra mulheres. Desde a excisão aos assassinatos em nome da honra, conceitos tribais fazem escola numa Europa cuja secularização parecia ter vencido os preconceitos medievais.

A própria ICAR, que desde 1961 deixou de actualizar o Índex (catálogo de livros cuja leitura interdita), voltou a recorrer à obsessão demente de influenciar a legislação dos países onde tem expressão, tentando impor a crentes e não crentes os seus preconceitos.

No Reino Unido um grupo islâmico ordenou a morte de Terrence McNally, autor da peça «Corpus Christi», por apresentar Cristo como homossexual e alcoólico. Acresce tratar-se do fundador de uma seita concorrente que, para os muçulmanos, não passa de um profeta de segunda categoria. Aos ateus pouco interessa a vida sexual de Cristo e, muito menos, a quantidade de copos que ingeria, mesmo que algumas das suas máximas se afigurem proferidas sob o efeito do álcool.

Na peça, Cristo aparece seduzido por Judas e crucificado por ser homossexual. Se esta versão correspondesse à verdade só havia que respeitar a orientação sexual do «divino mestre» e repudiar a crueldade e injustiça do castigo, desse ou doutro qualquer. Permitir ameaças de morte a quem exerce a liberdade de expressão, por quem defende a pena de morte para o adultério e a blasfémia, é resignarmo-nos ao regresso à barbárie, ao retrocesso da civilização, à renúncia aos direitos, liberdades e garantias que a democracia conferiu aos homens e mulheres dos países civilizados.

11 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Parabéns renófilos

Renas e Veados

O Renas e Veados festeja hoje o seu aniversário. O Diário Ateísta felicita toda a equipa renófila pela sua obra que muito tem contribuído para uma maior iluminação da sociedade portuguesa.

11 de Dezembro, 2004 pfontela

«Cristianovitimização»

Desde há uns tempos para cá o Vaticano anda a fazer pressões mais ou menos discretas para conseguir aprovar dentro das instituições internacionais, como a ONU, um novo termo: a «cristianofobia».

Achando que o facto de o judaísmo e o islamismo terem referências específicas na lista da ONU era uma espécie de tratamento preferencial, o Vaticano exige a igualdade com as outras religiões do livro.

Há vários aspectos interessantes nesta exigência:

– O Vaticano não consultou nem os ortodoxos nem os protestantes sobre esta medida, sendo que está a fazer a campanha por conta própria, falando por todos os cristãos do mundo (como nos bons velhos tempos) – mas apesar de não terem sido consultados os protestantes americanos mostram-se muito satisfeitos pois, como bem sabemos, o meio rural americano é intrinsecamente agressivo ao cristianismo.

– Ao mesmo tempo que quer negar direitos a outros (o caso mais escandaloso é o das minorias sexuais), fazendo pressões e acordos (com o diabo?) para que as votações vão no sentido que lhe interessa, exige os mesmos direitos para si mesmo, arrogando-se de minoria em vias de extinção.

Eu sou pela liberdade da e de religião, acho que todos devem poder adorar quem e o que quiserem, e entendo que em certos países (como a Índia ou a China) ser cristão não é fazer parte do status quo e que tais medidas podiam ter um efeito positivo, mas o que eu acho revoltante, e não posso de forma alguma tolerar, é que um grupo que discrimina e promove o abuso de outros tenha o descaramento de vir propor tal medida. Antes de reclamarem protecção internacional se calhar era boa ideia deixar a hipocrisia de lado e olhar para o próprio umbigo.

11 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Os bons samaritanos

No próximo dia 17 de Dezembro, o Vaticano apresentará uma nova fundação, denominada «O Bom Samaritano», cujo objectivo é ajudar os doentes mais necessitadozinhos, especialmente os que têm sida.

A Santa Sé quer uma instituição aberta a todos os que pretendem ajudar os doentes com sida em África. «Queremos que seja uma instituição que englobe toda a Igreja católica permanecendo fiéis aos nossos ideais prioritários em relação à doença, que são antes de tudo a prevenção e a assistência ao doente», disse o cardeal Lozano Barragán, presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde.

E quais serão as actividades promovidas pela fundação? A habitual educação aos valores cristãos de fidelidade, com grande relevo para a castidade, a fidelidade conjugal e a abstinência sexual.

Não há quaisquer informações sobre se a fundação irá canalizar alguns dos recursos da ICAR para a investigação científica de uma possível cura ou vacina definitivas contra esta doença ou mesmo para uma educação isenta e correcta que permita aos indivíduos evitarem o contágio.

11 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Panaceias e sicofantas

A Athenaeum Pontificium Regina Apostolorum vai oferecer aos padres católicos um curso especial «teórico e prático» em satanismo e exorcismo, de forma a melhor os equipar para o que é descrito pela Igreja como um interesse preocupante no oculto demoníaco.

A descoberta há uns meses dos corpos de dois membros da banda «Beasts of Satan», assassinados no que foi descrito como um rito satânico foi assim convenientemente aproveitada pela santa Igreja para corroborar a sua pretensão da existência real do Mafarrico. De facto, o ritual exorcista foi alterado em 1999, pela primeira vez desde os velhos tempos da Inquisição, em 1614.

A Igreja de Roma tenta assim perpetuar o Senhor das Trevas, a sua invenção mais bem conseguida no passado para dominar os fiéis através do medo e para justificar as mais abjectas práticas, que reclamavam ser dirigidas não a pessoas mas a servos do Demo.

Como nota para meditar, a Regina Apostolorum é uma instituição, dita universitária, privada, sustentada pelos Legionários de Cristo e pela Regnum Christi, fundadas pelo padre mexicano Marcial Maciel Degollado, uma «máquina» de angariação de fundos para a Igreja de Roma, sobre o qual pendem há décadas inúmeras acusações de abuso sexual de menores. Todas elas ignoradas pelo Vaticano, que não quer hostilizar uma das suas mais bem conseguidas fontes de rendimento. Em vez de se preocupar com demónios imaginários, a ICAR devia reflectir sobre o «demónio» bem real da pedofilia no seu seio!

Sobre Maciel ler «Vows of Silence: The Abuse of Power in the Papacy of John Paul II», de Jason Berry e Gerald Renner e uma análise do livro no National Catholic Reporter.

10 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Religião combate a liberdade

Como já hoje foi assinalado pela Palmira, os muçulmanos, à semelhança do que nos habituou a ICAR, já se atrevem a combater a liberdade de expressão na Dinamarca, em nome da defesa dos seus ideais religiosos. Desta vez o pretexto é a «afronta» ao Islão pela transmissão do filme «Submissão» do assassinado realizador Theo van Gogh que pagou com a vida a denúncia que fez da violência islâmica sobre as mulheres.

Na Suíça, quarenta deputados federais assinaram uma petição pedindo ao governo para adoptar medidas de segurança e vigilância junto aos imãs que pregam uma leitura literal do Alcorão. Acontece que um dos dirigentes islâmicos, que garante a bondade da religião, declarou numa entrevista que não se pode opor ao apedrejamento de uma mulher adúltera pois esse é o ensinamento do livro sagrado, como se os livros sagrados, todos juntos, valessem mais do que a «Declaração Universal dos Direitos do Homem» cujo aniversário hoje se comemora.

Na Holanda, na Bélgica e na Alemanha a inquietação cresce contra o fascismo islâmico. Curiosamente, em vez de se limitar o poder organizado das Igrejas, há quem proponha limitações à liberdade de expressão, para não «provocar» os crentes. Em vez de se defender a liberdade, pactua-se com o medo, em vez de se insistir no laicismo, acentua-se a submissão aos delírios místicos. E os cristãos mais radicais, para quem a liberdade causa urticária, corroboram esse procedimento. Não há democracia sem laicismo.

Num artigo muito oportuno, a propósito das eleições do Iraque, Vital Moreira afirma hoje no Causa Nossa, no texto «Democracia» que os chiitas apresentaram a constituição de listas para as eleições no Iraque e tece considerações pertinentes sobre o perigo do voto religioso, para terminar com uma afirmação que merece profunda reflexão:

«Uma democracia não equivale à tirania de uma facção religiosa, por mais maioritária que seja. Numa sociedade dividida, reduzir a democracia ao triunfo da maioria eleitoral, ainda por cima com base numa hegemonia religiosa, pode ser a receita para o desastre».