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24 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

ENA3 – Notícia da «LUSA»

RELIGIÃO – Ateus vão criar associação

«CERCA de três centenas de ateus vão criar uma associação nacional em Janeiro para defender o seu pensamento, apologista da liberdade religiosa, mas avesso a todas as Igrejas que consideram «violentas e falsas».

A oficialização da associação surge na sequência da aprovação dos seus estatutos durante o 3.º Encontro Nacional de Ateus, que decorreu no domingo em Coimbra, revelou ontem à Lusa Carlos Esperança, da organização.

O grupo tem vindo a formar-se desde há cinco anos, para debater o pensamento ateísta – que nega a existência de Deus – em encontros nacionais e no site www.ateismo.net, «aberto à reflexão de todos os quadrantes ideológicos». Carlos Esperança sublinhou que os ateus portugueses «defendem a liberdade religiosa e o direito de se praticar qualquer religião ou até nenhuma», ressalvando, no entanto, que a intenção da associação «não é converter ninguém». «A religião é uma droga, que contém em si um espírito de violência, demonstrado nos próprios livros, ditos sagrados, como a Bíblia ou o Alcorão», sustentou, acrescentando que o fundamentalismo religioso «está normalmente associado à luta pelo poder». Carlos Esperança criticou, em particular, o Governo português por ter assinado este ano uma nova Concordata com o Vaticano, um acordo que, na sua opinião, viola os princípios de laicismo previstos na Constituição e «prevê certos privilégios para a Igreja Católica». Diário as Beiras, 24/12/04

A mesma notícia aparece noutros diários, nomeadamente no Jornal de Notícias.

23 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Há 50 anos – o primeiro transplante

Faz hoje 50 anos que o cirurgião americano Joseph Murrey realizou o primeiro transplante humano – um rim doado por um irmão gémeo a outro que estava a morrer de doença renal. A generosidade fraternal foi compensada com mais de 8 anos de vida do irmão transplantado que constituiu família e havia de gerar duas filhas.

Os crentes mais devotos de então consideraram que se tratou de uma profanação do corpo e que os médicos interferiram numa prerrogativa de Deus. Nesse dia os homens deram mais um pequeno passo para a sua emancipação e Deus um enorme trambolhão para o seu descrédito.

O êxito da operação foi também uma vitória sobre a omnipotência e a omnisciência divina cuja credibilidade sofreu um rude golpe. E, a partir daí, milhares e milhares de vidas puderam ser prolongadas graças à ciência.

Para os que acreditam na vida eterna e na ressurreição da carne, deve dar-lhes volta à cabeça, no caso de a terem, o que acontecerá no vale de Josafat (entre Jerusalém e o monte das Oliveiras), no dia do Juízo Final. O Deus deles, cruel e medonho, lá estará a julgar os vivos e os mortos, perante uma enorme confusão em que à gravidade dos problemas logísticos se junta a berraria de quem pede a devolução do fígado, dos milhares que reclamam os rins próprios, daqueles que exigem de volta o coração ou procuram o esqueleto dividido por centenas de próteses após o acidente rodoviário.

Deus começa a ter problemas complicados. O melhor é desistir dessa ideia maluca da ressurreição e manter-se na clandestinidade a que se remeteu após o género humano ter decidido pensar.

23 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Terror nas escolas tailandesas

Milhares de professores estão em greve no sul da Tailândia, reinvidicando das autoridades mais protecção contra ataques de militantes muçulmanos. Na realidade, desde o ressurgimento do conflito entre budistas e muçulmanos nesta zona da Tailândia as escolas têm sido um alvo privilegiado, tendo sido queimadas centenas de escolas e assassinados muitos professores. Esta greve nas províncias de Pattani, Narathiwat e Yala foi decretada depois de dois professores terem sido assassinados no mesmo dia.

Os lideres das comunidades muçulmanas tentam justificar os ataques a escolas queixando-se que os curricula escolares forçam as suas crianças a seguir os princípios budistas.

À Associated Press um responsável escolar Pattani afirmou que «Professores e estudantes estão demasiado assustados para ir à escola».

23 de Dezembro, 2004 jvasco

ENA3 – como decorreu

Devo ser franco: não começou bem. Eu e alguns amigos meus chegámos com mais de uma hora de atraso, o que atrasou o almoço de toda a gente.

Mas o agradável ambiente (e comida), cedo fez esquecer essa questão (espero…).

Seguiu-se o debate, o qual começou com o anúncio, por parte de um dos incritos que era meu amigo, de que ele era católico. Perguntou se a sua presença incomodava algum dos presentes, os quais apenas manifestaram preocupação que o evento incomodasse a sua pessoa.

Resolvida esta questão, falou-se muito sobre a futura Associação Ateísta Portuguesa (AAP), sobre como já estão resolvidas algumas questões logísticas que nos impediam de avançar (morada para a sede, etc…); sobre qual o valor da quota mínima a ser cobrada; sobre as actividades a ser desenvolvidas pela associação; sobre os estatutos, os objectivos, a inclusão de agnósticos que queiram pertencer; o símbolo; a existência de cartão; algumas pessoas a contactar; a criação de uma rede de informação e denúncia; e muitas outras questões.

No fim, com um sentimento de que a AAP será imparável, tirámos todos uma foto de grupo. Cá está ela:

23 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Arte debaixo de fogo

Depois de o presépio do Museu de Cera de Madame Tussaud, em Londres, onde o casal Beckham representava S. José e a Virgem Maria, ter sido destruído, a galeria de arte Elsi del Río, em Palermo, foi atacada uma semana depois do seu director, Fernando Entín, ter recebido ameaças de adolescentes furiosos. De acordo com Entín, as montras foram despedaçadas em represália pela exposição das obras de María Belén Lagar, uma artista de vinte e dois anos, que apresentou uma combinação de imagens de virgens com bonecos intituladas «Proyecto Uquilín».

Em Córdova, a abertura de uma mostra sobre o Natal foi suspensa pelo município depois de um grupo de católicos, liderados pelo padre Julián Espina, que se apresentou como membro da Igreja tradicionalista, ter impedido a inauguração por a considerarem blasfema. O quadro que mais feriu as susceptibilidades destes crentes é da autoria de Roque Fraticelli e mostra uma mulher, que seria a suposta virgem Maria, a fazer amor com um homem com cabeça de pássaro que representaria o espírito santo.

Estas manifestações de intolerância – a que se juntam a queixa apresentada contra uma cadeia de transmissão dinamarquesa pela transmissão do filme «Submissão», de Theo van Gogh, o projecto de lei do governo britânico que pretende punir a blasfémia – são sintomáticas de que algo está mal no mundo religioso. As religiões, quando têm uma posição de supremacia e a vêem ameaçada quer pela laicidade quer pela concorrência de outras crenças, tendem a embarcar em actividades censórias e violentas. É por isso que devemos pugnar pela tolerância e pelo diálogo.

22 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

O bispo e a co-incineração

D. Albino Cleto, bispo de Coimbra, sucessor do casto e piedoso bispo resignatário D. João Alves, lamentou ontem que surgisse «de novo a co-incineração» para eliminar os lixos e resíduos tóxicos. Acrescentou ainda que «a solução não pode ser política, tem que ser científica e com respeito pelas populações».

Que eu saiba a co-incineração era a solução mais correcta em termos ambientais e a mais económica quando, por motivos políticos, foi recusada por todas as bancadas da oposição, incluindo os deputados do PS por Coimbra. Três anos depois nada se fez para resolver um gravíssimo problema de saúde pública – a eliminação dos lixos e resíduos tóxicos.

Durante este tempo não vi Sua Excelência Reverendíssima preocupado com os lixos, talvez ocupado com o destino das almas. Fico sem saber se a posição do bispo se deve a uma forte convicção com apoio científico ou se a co-incineração lhe desagrada pelo facto de a ICAR ter maiores tradições na incineração dedicada…ao castigo de relapsos, blasfemos, judeus, bruxas e outros.

22 de Dezembro, 2004 Ricardo Alves

Laicidade (colectânea de citações)

«A República não reconhece, não sustenta, nem subsidia culto algum (…)»

(Lei de Separação da Igreja do Estado, 20/4/1911)

«O Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não o pode ser pelo mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O Estado tem de ser céptico, ou melhor dizendo indiferentista.»

(Sampaio Bruno, 1907)

«O Estado nada tem com o que cada um pensa acerca da religião. O Estado não pode ofender a liberdade de cada qual, violentando-o a pensar desta ou daquela maneira em matéria religiosa.»

(Afonso Costa, 1895)

«A religião é um assunto entre cada homem e a divindade.»

(Pierre Bayle, 1647-1706)

«A laicidade não nos foi dada como uma revelação. Não saiu da cabeça de nenhum profeta; não se exprime em catecismo algum. Nenhum texto sagrado contém os seus segredos, ela não os tem. A laicidade procura-se, exprime-se, discute-se, exerce-se e, se necessário, corrige-se e difunde-se.»

(Claude Nicolet)

«É altura de dizer que a laicidade não pode ser limitada a um modo de organização social. Ela contém em si um ideal, o do indivíduo-cidadão que sabe que não há saber-viver colectivo sem o confronto livremente debatido das convicções individuais.»

(Jean-Michel Ducomte, La Laïcité)

«A laicidade é um valor essencial, com o desejo de liberdade de consciência e de igualdade de todos os homens, quer sejam crentes, ateus ou agnósticos. O ideal laico não é um ideal negativo de ressentimento contra a religião. É o maior contra-senso ver-se na laicidade uma hostilidade de princípio à religião. Outrossim, é um ideal positivo de afirmação da liberdade de consciência, de igualdade dos crentes e dos ateus e da ideia de que a lei republicana deve visar o bem comum e não o interesse particular. É o que se chama o princípio de neutralidade da esfera pública.»

(Henri Peña-Ruiz, Setembro de 2003)

«Demasiado frequentemente os homens têm tendência a privilegiar o que os divide. Com a laicidade, é necessário aprender a viver com as suas diferenças no horizonte do universal, sem esquecer que temos interesses comuns enquanto homens.»

(Henri Peña-Ruiz, Setembro de 2003)

«A laicidade não confunde o ideal de uma discussão livre com a generalização do relativismo: a distinção entre crença e conhecimento deve ser bem marcada, sob risco de se inaugurar um novo tipo de obscurantismo, ou de fazer a cama a novas tiranias.»

(Henri Peña-Ruiz, Abril de 2004)

22 de Dezembro, 2004 Palmira Silva

Imaculada contracepção

A publicidade a uma pílula do dia seguinte foi retirada depois de a autoridade que regula a publicidade em Inglaterra, The Advertising Standards Authority, ter recebido 179 queixas, na sua maioria de entidades religiosas, o recorde absoluto de objecções para publicidade fora da televisão.

A frase «Imaculada Contracepção? Se apenas» foi a causa apontada para a retirada da dita publicidade, depois de a Associação Nacional de Famílias Católicas e da Sociedade da Verdade Católica, terem afirmado que esta frase, que consideram um trocadilho blasfemo à imaculada concepção, «provavelmente causará ofensa séria e generalizada».

As queixas de que a publicidade «encoraja sexo casual e trivializa a gravidez indesejada» não foram consideradas na decisão.

21 de Dezembro, 2004 Mariana de Oliveira

Liberdade de olhos em bico

O governo chinês redigiu a primeira lei da liberdade religiosa.

A nova regulamentação tem como objectivo, de acordo com o seu prólogo, «proteger a liberdade de crença religiosa, manter a harmonia entre as religiões e a sociedade e regular os assuntos religiosos no país».

No entanto, apesar de garantir uma maior liberdade de culto, esta lei não abrangerá os grupos religiosos considerados ilegais como o Falum Gong e a Igreja Católica.

É de louvar esta iniciativa do governo chinês. É o primeiro passo para que, o mais brevemente possível, nenhum grupo religioso seja proíbido. Ninguém deve ser perseguido ou censurado por seguir determinada religião. Como ateus que somos devemos sempre pugnar pela liberdade religiosa e lutar pela liberdade lado a lado com os crentes quando estes sejam perseguidos. Porque a tolerância é o primeiro passo para o entendimento e para uma convivência pacífica e sem abusos entre todos.

20 de Dezembro, 2004 jvasco

Porque é que Deus criou Satanás?

De acordo com a mitologia judaico-cristã, Deus criou o homem «à sua imagem e semelhança». Eu sempre considerei esta afirmação deliciosa: o que é que nós, meros mortais, temos de semelhante com um ser etéreo, eterno, omnisciente, omnipresente, omnipotente e perfeito?

Em particular, achava curiosa essa afirmação, visto que os anjos haviam sido criados antes dos homens. Em que é que os homens seriam mais parecidos com Deus do que os anjos? Os anjos são etéreos, assexuados, e podem aceder ao mundo espiritual, tendo uma série de poderes negados aos humanos. Que caracterítica faria dos homens seres mais parecidos com Deus do que os anjos?

A única resposta que até agora um crente me deu foi a seguinte: o livre arbítrio.

Há, no entanto, um pequeno problema com essa resposta: o Diabo. Consta da mesma mitologia que o Diabo era na verdade o anjo mais fantástico, o qual, no seu orgulho, decidiu revoltar-se. A legião de anjos que decidiram segui-lo tornou-se uma legião de demónios, e o Diabo passou a reinar no Inferno.

Enfim… parece claro que a falta de livre-arbítrio dos anjos é totalmente incoerente com esta história.



Mas esta personagem – Satanás – levanta outras questões teológicas. Para mim, a mais significativa é esta: sabendo Deus (omnisciente) que ao criar aquele anjo, ele causaria mal, dor e sofrimento aos homens, porque o criou? Não poderia o homem ter livre arbítrio longe das tentações alegadamente enviesadas de Satã?

As respostas que podem ser dadas a esta questão serão as habituais: abordam a nossa incapacidade de entender certas questões que desafiam a nossa «lógica limitada» (o que reforça a ideia de que temos pouco em comum com o ser que nos criou «à sua imagem e semelhança»), abordam este ou aquele paradoxo teológico, mostram que o edifício da Fé não é abalado por estas questões menores.

A mitologia judaico-cristã e a lógica nunca se deram bem. Não é por acaso que toda essa mitologia encara como fonte de todo o mal que se sucedeu à humanidade o «fruto do conhecimento».