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19 de Janeiro, 2005 Palmira Silva

Ano Mundial da Física

Vivemos o Ano Mundial da Física, que marca o centenário da publicação dos trabalhos de Albert Einstein sobre a natureza dualista da luz, sobre a relatividade restrita, a relação entre massa e energia e sobre o movimento browniano, que revolucionaram o mundo em que vivemos. E esta celebração não poderia ser mais conveniente dada a conjuntura internacional marcada por obscurantismo pós-moderno. Obscurantismo aparentemente paradoxal na era da genómica e das nanotecnologias mas, citando uma estafada máxima, familiaridade gera desprezo. Estamos tão familiarizados com as maravilhas da Ciência que simplesmente já não nos espantamos com nada que a Ciência produza.

Mas este desprezo, mantido ao longo do tempo, tem custos elevados. Actualmente a maioria das pessoas depende de tecnologias baseadas em conceitos que desconhece e que, quiçá, até contempla com um certo «misticismo» supersticioso. O argumento a partir da ignorância – se eu não sei o que é, pode ser qualquer coisa – pode ser muito convincente para determinado público. Assim, abundam vendedores de banha da cobra que oferecem dispositivos «magnéticos» ou «quânticos» para aplicações sortidas, desde curas «milagrosas» passando pela imortalidade até à economia de combustível! Gente instruída acredita em processos de fusão fria «biológica», que é possível «alimentar-se» unicamente da luz do Sol, e em inúmeras outras lendas urbanas.

O facto do conhecimento científico não ter permeado a sociedade em geral, ou seja, a complexidade crescente da ciência não ter sido acompanhada por um esforço de divulgação, abriu um fosso crescente entre o conhecimento científico e a sua compreensão pelo público. Este é certamente um dos parâmetros a equacionar na explicação do aumento de uma religiosidade rígida e intolerante!

A única forma de combater o obscurantismo é o conhecimento! Façamos então do Ano Internacional da Física um ano de combate ao obscurantismo!

E começo por recomendar um livro de um amigo meu, o Jorge Buescu, «O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias: Crónicas das fronteiras da ciência»

19 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

ICAR espanhola contraria Papa

A Conferência Episcopal Espanhola (CEE) cujo azedume contra o Estado laico recolhe a unanimidade dos 74 bispos titulares de outras tantas dioceses, bem como da generalidade do clero, acabou por reconhecer ontem o uso do preservativo como meio de protecção contra a SIDA, sem ter em conta os ensinamentos papais em contrário e o desgosto que dão à Santidade JP2.

O porta-voz da CEE, à saída da reunião com a ministra da Saúde, onde apenas se discutiu a SIDA, afirmou que o encontro permitiu desmistificar «determinados preconceitos» e sublinhou que as posições da Igreja sobre a doença estão apoiadas em estudos científicos que defendem a abstinência, a fidelidade e o uso do preservativo – escreve o «Público».

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), embora demasiado tarde e depois de ter provocado muito sofrimento inútil, acaba por se conformar com a ciência, perante o descrédito do Papa.

Quanto à abstinência adivinha-se que previne a SIDA sem necessidade de estudos científicos. Em relação à fidelidade há a certeza de que resulta, com a condição de nenhum dos parceiros estar infectado. Já quanto ao preservativo é que há estudos científicos que a ICAR sempre se recusou a aceitar e que o Papa ainda não suporta.

Apostila (6 horas depois) – Um comunicado [da Conferência Episcopal Espanhola] esclarece que: a abstinência sexual e a fidelidade conjugal são as únicas formas de prevenir, de forma completamente eficaz, a propagação da SIDA; que, mesmo quando recomendado tecnicamente pela comunidade científica como forma de prevenção da SIDA, o «uso do preservativo implica uma conduta sexual imoral».

18 de Janeiro, 2005 lkrippahl

Os valores de um ateu

O Ateu não crê em deuses, segue apenas a razão, não tem fé no que não vê. Por isto, dizem os crentes, não tem valores nem base para a moral. Mas os crentes que nisto crêem enganam-se. A crença muitas vezes engana, e é talvez a aceitação deste facto que mais distingue o Ateu do Crente.

A razão é uma ferramenta útil para processarmos observações. Tal como qualquer ferramenta, usada por si só, sem mais nada, não leva a lado algum. Disto são exemplos tentativas de crentes, de Tomás de Aquino a Descartes, de provar a existência de deuses com recurso apenas à razão. É martelar sem pregos… um exercício fútil pois a conclusão é função apenas dos axiomas em que decidimos acreditar à partida. Tomás de Aquino assumiu que tudo o que se move tem que ser movido por algo mais; com essa premissa, não é de estranhar que tenha concluído que tem que haver algo mais que aquilo que observamos mover-se.

A atitude de dúvida comum a muitos ateus não resulta em usar apenas a razão. Pelo contrário, leva-nos, ateus, a sujeitar a razão ao que observamos. Não tiramos os nossos axiomas do chapéu, nem assumimos verdades incontestáveis. Usamos a razão como ferramenta para compreender o que observamos.

E essa atitude de dúvida não leva ao vazio moral. É verdade que observamos que os valores são subjectivos. A subjectividade dos valores estéticos todos aceitam (de gustibus non est disputandum), mas a subjectividade dos valores éticos e morais é igualmente óbvia. O Crente vê apenas duas alternativas: ou acreditamos que os valores morais são ditados por Alguém a quem todos temos que obedecer, ou a moralidade passa a ser algo puramente subjectivo sem qualquer fundamento. Mais uma vez, o Crente engana-se: não só estas duas alternativas são a mesma coisa, mas há outra que lhe escapa.

Precisar de Alguém para fundamentar a nossa moral é o mesmo que dizer que a moralidade é subjectiva. É certo que o pecado de comer carne à Sexta-feira parece mais sério se resultar dum juízo divino que se provier dum momento de fraca inspiração dum membro do Clero. Mas nem por isso deixa de ser subjectivo; apenas se substitui um sujeito humano por um alegadamente divino. Se a moral fosse objectiva não precisávamos de um deus para decidir o que é bom e o que é mau, tal como não precisamos de fé para determinar a carga do electrão.

E isto não nos reduz à subjectividade pura. É que esta propriedade dos valores, de serem subjectivos, é uma propriedade objectiva. Independentemente da opinião de cada um, os valores são sempre subjectivos. Com isso podemos contar. E isso pode servir de fundação para a moral; serve para a minha, e acho que estou bem servido. Passo a explicar.

Como os valores são subjectivos, eu não defendo um conjunto de valores como bons rejeitando outros como maus. O que eu defendo são os valores de todos, e todos os valores. Por isso sou a favor da legalização do casamento de homossexuais. Não é uma opção que escolheria para mim, mas se duas pessoas têm valores diferentes dos meus e preferem esta opção, devem ter o direito a ela. Não é simplesmente por eu ou outros discordarmos que se deva priva-los do reconhecimento dos seus valores. Por outro lado sou contra a violação ou a tortura. O violador pode ter valores diferentes dos meus, e achar que está a fazer bem, mas se a vítima discorda os seus valores também contam. Ou seja, quando tomo uma decisão moral, em vez de perguntar o que este ou aquele deus prefeririam, pergunto o que será melhor para os seres envolvidos de acordo com os seus próprios valores. Seja deus ou mortal, valores são sempre subjectivos, por isso mais vale basearmo-nos nos valores dos que sofrem as consequências da decisão a tomar.

Proponho isto apenas como uma de muitas hipóteses para fundamentar uma moral sem recurso ao divino. Não é necessário que todos os ateus concordem com esta abordagem. Aliás, a minha moral está em conflito com a maioria dos ateus em alguns pontos. Um exemplo é o aborto. Se por um lado respeito o juízo de valores da mulher que não quer que aquele feto se transforme num bebé para amamentar, numa criança para educar, num adolescente para aturar e sustentar até finalmente sair de casa dos pais, por outro lado tenho também que considerar que todos esses estágios de desenvolvimento serão de grande valor ao ser que vai ser abortado. No caso da gravidez resultar dum acto sexual voluntário e de não haver riscos de saúde que justifiquem o aborto, sou moralmente contra esta prática. Nisto vejo como erradas as abordagens tanto dos que são contra por considerar a vida humana sagrada como os que são a favor da escolha por considerar que um feto não é uma pessoa: ambos cometem o erro de projectar os seus valores subjectivos nos dois seres mais directamente afectados por esta decisão.

Outro exemplo é a minha objecção moral ao consumo de carne de alguns animais. Acho que as vacas e os porcos, entre outros, sofrem demasiado na criação, transporte, e abate para que o meu gosto por bifes e costeletas justifique a minha participação nesta actividade. Por isso recuso-me a comprar estes produtos.

Em suma, não é verdade que a descrença no divino ou a aceitação da subjectividade dos valores negue a moralidade. Até considero bastante mais moral aquele que age de acordo com os seus princípios que aquele que se sujeita aos princípios de outrem por medo do castigo eterno. E não é verdade que negar a natureza sagrada da espécie humana nos obrigue a um comportamento animalesco e imoral. Pelo contrário, a compreensão que somos todos animais e que todos os organismos são parentes, descendentes de ancestrais comuns, obriga-nos a um respeito muito maior pela natureza da qual fazemos parte.

17 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Notas piedosas

Filipe Scolari – O treinador de futebol conhecido por ter introduzido o pai-nosso no plano de treino da selecção portuguesa, após ter tomado conhecimento da sobrevivência de um menino indonésio de sete anos, durante 19 dias, após o maremoto, usando apenas a camisola da selecção portuguesa, declarou: «o menino que usava apenas a camisola da selecção, usava mais que isso: tinha no corpo a bandeira de Portugal. A forma como aconteceu mostra mais uma vez que Deus é grande. Que Deus existe».

Pergunta: O Deus que salvou esta criança será o mesmo que matou e estropiou centenas de milhares de vítimas?

Penitenciária Apostólica – Não se trata de uma casa de reclusão para promover o proselitismo, como parece indicar o nome. Deve-se-lhe a publicação de um decreto onde se explica o «dom da Indulgência Plenária durante o ano da Eucaristia», lançado por JP2 em Outubro passado. Assim, quem participe «com atenção e piedade» em actos de culto e veneração para com o Santíssimo Sacramento, como a missa ou a adoração eucarística, arrecada Indulgências Plenárias.

Na mesma altura, numerosas empresas comerciais anunciaram agressivas campanhas de vendas com fortes descontos e aliciantes ofertas. Esta época é fértil em promoções.

Espanha – «Setenta e quatro Bispos espanhóis vão explicar ao Papa a situação nas suas dioceses, num momento de particular tensão nas relações entre a Igreja Católica e o governo socialista de Zapatero» – informa a Agência Ecclesia. Os prelados vão reunir-se com o Papa em audiências privadas e públicas. O aborto, a legalização dos casamentos homossexuais e o ensino da Religião nas escolas públicas são os problemas que levam os bispos a queixar-se ao capataz de Deus, sediado no Vaticano.

Muito sofrem os bispos com os governos democráticos.

17 de Janeiro, 2005 Aires Marques

Ateus, estrelas num céu sem Deus.

Amanhã, terça-feira dia 18, irá ocorrer o próximo meetup de ateus, no café Magnólia, dentro da Valentim de Carvalho, no centro comercial Residence, em Lisboa, às 19:30. A SIC estará presente para filmar o evento e solicita-se desde já a todos os ateus que façam a sua aparição em corpo presente. Nesta fase de gestação da Associação Ateísta Portuguesa é crucial mostrar ao público ateu que representamos os seus interesses e os do mar silencioso de ateus que salpica todo o Portugal.

A incrição para o Meetup pode ser feita em http://atheists.meetup.com/

Mesmo que não se inscrevam apareça! Traga um amigo, a sogra, um filho, uma prima, uma tia.

Sejamos muitos, sejamos grandes, sejamos estrelas cintilantes na televisão, a iluminar o país e os corações dos portugueses na luta contra o obscurantismo.

Ateus, até amanhã.

17 de Janeiro, 2005 jvasco

Transcendentalidade

Com meia dúzia de raciocínios lógicos, podemos facilmente pegar nos pressupostos e crenças das religiões mais conhecidas e chegar a meia dúzia de contradições.

Os crentes, que não gostam que se classifique as suas crenças como contraditórias ou irracionais, costumam repetir que essas crenças não atentam contra a razão: estão para além da razão.

Assim sendo, é neste contexto que adoram usar a palavra «transcendentalidade». Algo transcendental é algo que nos ultrapassa, que ultrapassa a nossa razão. Assim sendo, onde algum amante da lógica e da coerência vê uma contradição crassa, o crente vê uma limitação humana.

O crente precisa apenas desse axioma: «Deus é transcendental». Depois, pode escolher os restantes que quiser, por mais contradições que encerrem, que, a partir daí, ninguém o pode apanhar em contradição – pois nós usamos a lógica humana, e a transcendentalidade de Deus faz com que ela nada valha.

As contradições deixam de o ser, para passarem a ser mistérios. Qualquer semelhança com o «duplipensar» Orwelliano não é coincidência…

Os crentes não entendem que a mesma lógica pode ser aplicada a qualquer coisa. Eu posso mostrar que faz sentido acreditar no Pai Natal, nos Vampiros, nos Motoratos de Marte, de acordo com esse raciocínio. A trancendentalidade é um cartão verde que me permite acreditar em qualquer disparate que queira, protegendo-me das mais esmagadoras evidências de que a minha crença não faz sentido.

Serve para que as pessoas possam ver o mundo como querem ver, e não como ele é.

E para que, vivendo nas ilusões que constroiem, mais dificilmente o tornem num lugar melhor.

Eu prefiro o património civilizacional que me faz acreditar na lógica e rejeitar a trancendentalidade. Deu muito melhores frutos.

16 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Carta ao «Expresso»

Só pode tratar-se de lapso o cabeçalho de «A Causa do Aborto», (EXPRESSO, 15-01-05). Não é o conteúdo do texto, piedoso e retrógrado como muitos outros, mas o facto de vir assinalado como «EDITORIAL», que me leva a desconfiar tratar-se de gralha, circulando como opinião do Expresso o que provavelmente não passa de um comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

No mesmo dia em que a França assinalou 30 anos da «Lei Veil», lei da autoria da ministra da Saúde Simone Veil, que autoriza a interrupção voluntária da gravidez e cuja comemoração levou à rua milhares de manifestantes, sob os auspícios de organismos franceses de planeamento familiar, o EXPRESSO envolve-se numa catilinária contra o aborto.

O referido artigo repete os lugares comuns do costume (prática bárbara, traumatizante para a mulher, acarretando sentimento de culpa, arrependimento, etc.), e condena expressamente a despenalização como um sinal errado dado à sociedade, sem alguma vez referir que se trata de um problema de saúde pública, agravado pela perseguição às mulheres, com a devassa da vida íntima e a ameaça da cadeia.

A afirmação de que «em todos os países que despenalizaram o aborto, o número de abortos aumentou» carece de prova e pode contribuir para a salvação da alma de quem o refere mas não possui rigor científico.

É por isso que a prosa em apreço só pode ser da autoria da Conferência Episcopal Portuguesa (em que só participam homens) ou de um dos numerosos grupos de pressão que nascem nas sacristias e não do Expresso cuja isenção se não pode compadecer com o terrorismo ideológico do artigo.

Só o facto de estar previsto um novo referendo sobre a matéria deveria levar à contenção do jornal evitando o afloramento de um catolicismo agressivo e ultramontano mais consentâneo com o séc. XIX em Portugal do que com a Europa actual.

16 de Janeiro, 2005 André Esteves

A Caridade Islâmica mete água

A grande tragédia do maremoto do Índico a todos nós tocou. Ainda não tinham acabado aquele período do ano em que a pressão da religião aumenta, quando chegaram as primeiras notícias e imagens da catástrofe. Ninguém no mundo ocidental ficou indiferente.

À distância, todos sofremos por sermos meros espectadores e quando nos pediram para ajudarmos, fizemos o gesto possível: demos do nosso dinheiro para que as ONG’s pudessem actuar no terreno.

Quando governos como o dos EUA fizeram as habituais mínimas ofertas sacrificiais em ajuda humanitária (sempre com as condições e manipulações habituais) a opinião pública forçou esses mesmos governos a abrir os cordões à bolsa, principalmente, quando ao mesmo tempo pediam orçamentos inflacionados para alimentarem a guerra.

Foi emocionado que vi o presidente da AMI agradecer, tocado no seu coração, pela generosidade que os portugueses demonstraram e que lhes permitirão montar um hospital e formar futuros técnicos de saúde no local. Não será a prosélita caridade catolicazinha que ONG’s como a AMI realizarão. Nada será como dantes nas costas do Índico.

Em Aceh, ilha indonésia com uma significativa população católica, as mesquitas prestam apoio selectivamente e os grupos paramilitares fundamentalistas islâmicos atacam e vigiam os estrangeiros, com o medo da contaminação mental dos autóctones.

Os estrangeiros, já não são só padres católicos, actuando sob um acordo tácito de influências que contactam com a população… O Islão fundamentalista e nacionalista das ilhas indonésias receia um novo Timor Leste em Aceh.

No meio destas notícias, chega-nos a constatação de que os países do golfo pérsico, pouco contribuiram para o esforço humanitário. Aliás…

A única ajuda que enviam é para muçulmanos.

Claro que os locais não olham a quem dá a ajuda

Excepto se a ajuda vier de Israel.

Não tenhamos rodeios. O Islão dentro de si, ordena a caridade. Aliás é um dos claros pilares da fé, dar uma percentagem dos rendimentos pessoais todos os anos para a caridade. No Corão encontramos referências explícitas de que toda a ajuda que venhamos a dar a um irmão muçulmano será considerada por Allah no dia do Julgamento. Mas também é explícito que não se deve fazer caridade com os infiéis… Nem com os outros crentes do livro. No máximo dos máximos, um muçulmano poderá ajudar um infiel que considere estar prestes a converter-se

É compreensível assim o comportamento dos países do golfo Pérsico. Só seguem as ordens de Allah.

O Islão revela a sua verdadeira dimensão: uma religião tribal, que nega os instintos humanos mais benevolentes, que todos herdamos na nossa herança genética comum. Tudo em prol da estratégia e visão do mundo do seu fundador Maomé.

A laicidade é antes de mais a constatação do perigo que são os grupos com mundivivências fechadas e totalitárias. É ela a garantia, na sociedade, da liberdade de pensamento do indivíduo.

Não é como podemos ler nalgumas fatwas, um mecanismo para impedir a contaminação ideológica das religiões e um impedimento à destruição das barreiras que nos impedem de reconhecermo-nos uns aos outros como seres humanos. O Islão no ocidente revê-se no multiculturalismo e conta com ele quando é minoria.

As religiões religam os crentes aos grupos, no que eles têm de pior.

Deus é só uma desculpa.

Post Scriptum Agradeço ao Professor Moisés Espírito Santo por ter exposto este pormenor teológico do Islão, durante uma conferência sua na Figueira da Foz.

15 de Janeiro, 2005 Palmira Silva

Verdade ou ficção: fé e reabilitação

Sob a égide do presidente G. W. Bush multiplicam-se nos Estados Unidos iniciativas destinadas a promover a religião, seja sob a forma de estudos pseudo-científicos sobre o poder da oração, apoios de mais de um bilião de dólares a organizações baseadas na fé, a criação de um gabinete destinado a financiar e promover essas organizações, o White House Office of Faith-Based and Community Initiatives (OFBCI), e ainda uma organização que presta auxílio na disseminação de informação sobre programas existentes e nas formalidades necessárias para aceder ao financiamento. Para além da criação de um plano «cristão» de saúde destinado aos trabalhadores federais, que exclui contraceptivos, interrupção voluntária da gravidez, esterilização ou reprodução assistida. Tudo possível porque o presidente Bush, depois de não ter conseguido convencer o Congresso de tal decisão, alterou por sua iniciativa as leis federais de forma a ser possível financiar organizações religiosas e planeia agora alteração de mais leis de forma a permitir o mesmo em relação a financiamento estadual.

Todas estas iniciativas, que violam claramente a laicidade do estado, princípio basilar da Constituição dos Estados Unidos, têm a oposição de vários grupos cívicos de que se destaca a organização Americans United for Separation of Church and State.

Uma das iniciativas promovidas pelo presidente em 1997, na sua qualidade de governador do estado do Texas, foi o programa InnerChange Freedom Initiative ao cargo da Prison Fellowship, uma organização fundada pelo conselheiro de Nixon, Charles W. Colson, condenado em 1974 pelo seu envolvimento no caso Watergate, cujos objectivos consistem em levar o Evangelho aos reclusos e aprofundar o seu relacionamento com Cristo. Como se esperaria de tal organização, o programa consistiu em sessões contínuas de evangelização, oração e aconselhamento cristão para um grupo de 177 voluntários. Um grupo equivalente que não participou no programa serviu de controle à experiência. Os resultados do programa foram analisados pelo Centro de Investigação em Religião e Sociedade Civil da Universidade da Pensilvânia, e divulgados com grandes parangonas e elogios nos jornais como sendo prova irrefutável da necessidade de mais programas religiosos para promover a reabilitação de reclusos, já que, de acordo com as fontes oficiais, se verificou que os participantes do programa apresentavam uma menor probabilidade de virem a ser detidos (17.3% contra 35% do grupo de controle) ou condenados (apenas 8% contra 20.3%).

Na realidade, os números reais indicam que os participantes no programa tiveram resultados piores que o grupo de controle, ou seja, que reincidiram mais em actividades criminosas. O que se passou foi que dos 177 reclusos que participaram no programa a Prison Fellowship ignorou a maioria e divulgou os resultados referentes a apenas 75 reclusos. Ou seja, os dados foram viciados de forma a demonstrar o sucesso retumbante de uma iniciativa na realidade falhada! Iniciativa falhada que neste momento se repete em inúmeras prisões americanas…

14 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

A fúria religiosa

A fúria fundamentalista do islão, várias vezes denunciada no Diário Ateísta, longe de ser contida, parece exercer uma estranha acção mimética nos clérigos de outras religiões. Os extravagantes desígnios de Deus não são substancialmente diferentes entre as diversas religiões nem a sua interpretação se afasta demasiado nas diversas latitudes. É ainda a religião que influencia a cultura, mais do que esta o fenómeno religioso.

À natureza misógina junta-se o carácter discriminatório de que as mulheres são vítimas por parte da tradição e da palavra revelada por Deus. A demência ideológica dos aparelhos religiosos contagia as sociedades submetidas à sua influência. Não admira, pois, que sejam as próprias mães a transmitir a opressão patriarcal, a controlar a sexualidade das raparigas e a educá-las na obediência e resignação e, nalguns casos, a serem cúmplices na barbárie da excisão do clitóris.

As religiões estimulam o sofrimento e a renúncia ao prazer, promovem o racismo e a xenofobia e usam a censura pública e colectiva para manterem o domínio clerical sobre a sociedade. Os padres não são trabalhadores de empresas úteis à sociedade, são proxenetas de Deus que semeiam o terror e embrutecem os povos. Quando podem, apropriam-se dos meios de produção e dominam o poder económico, político e militar, não dando espaço para que a instrução e a assistência se libertem da sua tutela.

A opinião, várias vezes expressa no Diário Ateísta, vem hoje corroborada por Vasco Pulido Valente no «Público» com um excelente artigo «Um mau sintoma», em que alerta para o «catolicismo agressivo e fanático, que lembra o pior ultramontanismo do séc. XIX». O exemplo que dá, João César das Neves, é o de um excelente talibã da ICAR, frequentemente objecto do repúdio do Diário Ateísta.